A égua
estava esgotada, mas Jon não podia dar descanso a ela, Tinha de
chegar à Muralha antes do Magnar. Teria dormido na sela se tivesse
uma; na falta disso, já era suficientemente difícil manter-se
montado quando acordado. Sua perna ferida doía cada vez mais. Não
se atrevia a descansar tempo suficiente para permitir que sarasse. Em
vez disso, reabria a ferida sempre que montava.
Quando
chegou ao topo de uma elevação e viu os sulcos marrons da estrada
do rei à sua frente, abrindo seu caminho sinuoso para o norte
através de montes e planícies, deu palmadinhas no pescoço da égua
e disse:
- Agora
tudo que temos de fazer é seguir a estrada, garota. Em breve
chegaremos à Muralha. - A essa altura, sua perna já havia se
tornado rígida como madeira, e a febre o tinha deixado fora do ar
que dera por si por duas vezes cavalgando na direção errada.
Em breve
chegaremos à Muralha. Imaginava os amigos bebendo vinho quente na
sala comum. Hobb estaria com suas panelas; Donal Noye, em sua forja;
Meistre Aemon, em seus aposentos sob a colônia dos corvos. E o Velho
Urso? Sam, Grenn, Edd Doloroso, Dywen com os seus dentes de
madeira... Jon só podia rezar para que alguns deles tivessem
escapado do Punho.
Ygritte
também andava muito em seus pensamentos. Recordava o cheiro de seus
cabelos, o calor de seu corpo... e a expressão em seu rosto no
momento em que cortava a garganta do velho. Fez mal em amá-la,
sussurrava uma voz. Fez mal em deixá-la, insistia uma voz diferente.
Perguntava a si mesmo se o pai também se sentira assim dilacerado
quando tinha deixado a mãe de Jon para voltar para junto da Senhora
Catelyn. Estava juramentado a Senhora Stark, e eu estou juramentado à
Patrulha da Noite.
Quando
atravessou a Vila Toupeira, estava a tal ponto febril que quase não
reconheceu onde se encontrava. A maior parte da aldeia escondia-se no
subsolo, com não mais de um punhado de pequenas cabanas à vista, à
luz do quarto minguante. O bordel era um casebre não maior do que
uma latrina, com uma lanterna vermelha rangendo ao vento, um olho
injetado de sangue espiando a escuridão. Jon desmontou no estábulo
anexo, quase caindo do cavalo enquanto acordava dois rapazes com um
grito.
- Preciso
de uma montaria nova, com sela e arreios - disse-lhes, num tom que
não admitia discussões. Trouxeram-lhe o que pediu; e também um
odre de vinho e meia fatia de pão de centeio. - Acordem a aldeia -
disse-lhes - Previna-os. Há selvagens a sul da Muralha. Juntem os
seus bens e dirijam-se a Castelo Negro. - Empurrou-se para o dorso do
castrado negro que lhe deram, cerrando os dentes devido às dores que
a perna lhe causava, e cavalgou rapidamente para o norte.
À medida
que as estrelas começavam a desvanecer no céu oriental, a Muralha
foi surgindo à sua frente, erguendo-se acima das árvores e das
névoas da manhã. O luar cintilava, pálido, no gelo. Incentivou o
castrado a avançar, seguindo a estrada lamacenta e escorregadia até
ver as torres de pedra e os edifícios de madeira de Castelo Negro,
aninhados como brinquedos quebrados sob a grande falésia de gelo. A
essa altura a Muralha brilhava em tons de rosa e purpura com a
primeira luz da alvorada.
Nenhuma
sentinela o desafiou ao passar pelos edifícios exteriores. Ninguém
surgiu para barrar seu caminho. Castelo Negro parecia tanto uma ruína
como Guardagris. Ervas daninhas marrons e quebradiças cresciam entre
fendas nas pedras dos pátios. Neve antiga cobria o telhado da
Caserna de Pederneira e encostava-se, em montículos empurrados pelo
vento, à face norte da Torre de Hardin, onde Jon costumava dormir
antes de ser nomeado intendente do Velho Urso.
Dedos de
fuligem manchavam a Torre do Senhor Comandante, nos locais onde a
fumaça se derramara das janelas. Mormont tinha se mudado para a
Torre do Rei após o incêndio, mas Jon também não viu luzes ali.
Do chão não podia dizer se haveria sentinelas patrulhando a Muralha
duzentos metros acima, mas não viu ninguém na enorme escada em
zigue-zague que subia a face sul do gelo como se fosse um enorme
relâmpago de madeira.
Mas subia
fumaça pela chaminé do arsenal; só um fiapo, quase invisível
contra o céu cinzento do Norte. Era o bastante. Jon desmontou e
mancou para lá. Jorrava calor da porta aberta como se fosse o hálito
quente do verão. Lá dentro, Donal Noye manejava só com um braço
os seus foles junto ao fogo. Ergueu o olhar ao ouvir barulho.
-Jon
Snow?
- Ele
mesmo. - Apesar da febre, da exaustão, da perna, do Magnar, do
velho, de Ygritte, de Mance, apesar de tudo, Jon sorriu. Era bom
estar de volta, era bom ver Noye com a sua grande barriga e a manga
arregaçada, com o queixo eriçado de curtos pelos negros.
O
ferreiro largou os foles.
- A sua
cara...
Quase
tinha se esquecido do rosto.
- Um
troca-peles tentou arrancar meu olho.
Noye
franziu a testa.
- Marcada
ou não, é uma cara que eu pensava que não voltaria a ver. Ouvimos
dizer que tinha passado para o lado de Mance Rayder.
Jon
agarrou-se à porta para se manter em pé.
- Quem
lhe disse isso?
- Jarman
Buckwell. Ele voltou há uma quinzena. Seus batedores dizem que viram
você com os próprios olhos, acompanhando a coluna dos selvagens com
um manto de pele de ovelha sobre os ombros. - Noye observou-o. - Vejo
que a última parte é verdade,
- É tudo
verdade - confessou Jon. - Até aí, pelo menos.
- Nesse
caso, devia pegar uma espada para estripá-lo?
- Não.
Estava agindo sob ordens. A última ordem de Qhorin Meia-Mão. Noye,
onde está a guarnição?
-
Defendendo a Muralha contra os seus amigos selvagens.
- Sim,
mas onde?
- Por
todo lado. Harma Cabeça de Cão foi vista em Atalaiabosque da Lagoa,
Camisa de Chocalho no Monte Longo, Chorão perto de Marcagelo. Ao
longo de toda a Muralha... estão aqui, estão ali, estão escalando
perto do Portão da Rainha, estão atacando os portões de
Guardagris, estão se reunindo para atacar Atalaialeste... mas um
vislumbre de um manto negro e desaparecem. No dia seguinte, estão em
outro lugar qualquer.
Jon
engoliu um gemido.
-
Simulações. Mance quer que fiquemos bem espalhados, não vê? - E
Bowen Marsh fez sua vontade. - O portão está aqui. O ataque será
aqui.
Noye
atravessou a sala.
- Sua
perna está ensopada de sangue.
Jon olhou
para baixo, entorpecido. Era verdade. A ferida tinha voltado a abrir.
- Um
ferimento de flecha...
- Uma
flecha de selvagem. - Não era uma pergunta. Noye só tinha um braço,
mas o que tinha era grosso e musculoso. Enfiou-o sob o de Jon para
ajudar a apoiá-lo. - Está branco como leite, e fervendo. Vou
levá-lo a Aemon.
- Não há
tempo para isso. Há selvagens ao sul da Muralha, subindo de
Coroadarrainha para abrir o portão.
-
Quantos? - Noye quase carregou Jon porta fora.
- Cento e
vinte, e bem armados para selvagens. Armaduras de bronze, alguns
pedaços de aço. Quantos homens restam aqui?
-
Quarenta e poucos - disse Donal Noye. - Os aleijados e os enfermos, e
alguns rapazes verdes ainda em treinamento.
- Se
Marsh partiu, quem foi que o nomeou como castelão?
O armeiro
soltou uma gargalhada.
- Sor
Wynton, que os deuses o protejam. O último cavaleiro no castelo, e
tudo mais. O problema é que o Stout parece ter se esquecido e
ninguém se apressou em lembrá-lo disso. Suponho que sou o melhor
que temos agora como comandante. O mais feroz dos aleijados.
Pelo
menos isso era bom. O armeiro maneta era obstinado, duro e bem
experimentado na guerra. Sor Wynton Stout, por outro lado... bem, ele
tinha sido um bom homem outrora, todos concordavam, mas passara
oitenta anos como patrulheiro e tanto suas forças como seu juízo
tinham sumido. Uma vez adormeceu durante o jantar e quase se afogou
numa tigela de sopa de ervilhas.
- Onde
está o seu lobo? - perguntou Noye enquanto atravessavam o pátio.
-
Fantasma. Tive de abandoná-lo quando escalei a Muralha. Tinha
esperança de que ele tivesse conseguido chegar aqui.
-
Lamento, jovem. Não houve sinal dele. - Coxearam até a porta do
meistre, no longo edifício de madeira sob a colônia de corvos. O
armeiro deu um chute nela. - Clydas!
Após um
momento, um homenzinho, de ombros curvados e vestido de negro pôs a
cabeça para fora. Seus pequenos olhos cor-de-rosa esbugalharam-se ao
ver Jon.
- Deite o
moço, vou buscar o meistre.
Ardia um
fogo na lareira, e a sala estava quase abafada. O calor deixou Jon
sonolento. Assim que Noye o deitou de costas, fechou os olhos para
fazer com que o mundo parasse de girar. Ouvia os corvos crocitando e
protestando, na colônia, por cima de sua cabeça. "Snow",
uma ave estava dizendo.'Snow, snow, snow" Jon lembrou-se de que
aquilo havia sido obra de Sam. Perguntou a si mesmo se Samwell Tarly
teria retornado em segurança, ou se tinham sido apenas as aves dele.
Meistre
Aemon não demorou a chegar. Deslocava-se lentamente, com uma mão
manchada apoiada no braço de Clydas, enquanto avançava com pequenos
passos cautelosos. Em volta de seu pescoço fino, a corrente caía
pesadamente, com os elos de ouro e prata cintilando entre ferro,
chumbo, estanho e outros metais menos nobres.
-Jon Snow
- disse ele - quando estiver mais forte, precisa me contar tudo o que
viu e fez. Donal, ponha uma chaleira de vinho no fogo e os meus
ferros também. Vou querê-los em brasa. Clydas, vou precisar daquela
sua faca boa e afiada. - O meistre tinha mais de cem anos; era
encolhido, frágil, calvo e bem cego. Mas se os seus olhos leitosos
nada viam, a sua mente ainda era tão aguçada como sempre fora.
- Há
selvagens a caminho - contou Jon, enquanto Clydas lhe abria os
calções com uma faca, cortando o pesado pano negro, incrustado de
sangue velho e empapado com o novo. - Vindos do sul. Nós escalamos a
Muralha...
Meistre
Aemon cheirou o curativo improvisado de Jon quando Clydas o cortou.
- Nós?
- Eu
acompanhava-os. Qhorin Meia-Mão ordenou-me que me juntasse a eles. -
Jon estremeceu quando o dedo do meistre explorou seu ferimento,
cutucando e espetando. - O Magnar de Thenn... aaaaaah, isso dói. -
Cerrou os dentes. - Onde está o Velho Urso?
- Jon...
dói-me dizer isso, mas o Senhor Comandante Mormont foi assassinado
na Fortaleza de Craster, pelas mãos de seus Irmãos Juramentados.
- Irm...
os nossos próprios homens? - as palavras de Aemon doeram cem vezes
mais do que os seus dedos. Jon recordou o Velho Urso como o vira pela
última vez, em pé diante de sua tenda com o corvo no braço,
crocitando, pedindo milho. Mormont morto? Temera isso desde que vira
o resultado da batalha no Punho, mas nem assim o golpe era menor. -
Quem foi? Quem é que se virou contra ele?
- Garth
de Vilavelha, Ollo Mão-Cortada, Adaga... ladrões, covardes e
assassinos, todos eles. Devíamos ter previsto que isso iria
acontecer. A Patrulha não é o que já foi. Há homens honestos de
menos para manter os patifes na linha. - Donal Noye virou as lâminas
do meistre no fogo. - Uma dúzia de homens leais conseguiu voltar.
Edd Doloroso, Gigante, seu amigo Auroque. Soubemos da história por
eles.
Só uma
dúzia? Tinham saído duzentos homens de Castelo Negro com o Senhor
Comandante Mormont, duzentos dos melhores homens da Patrulha.
- Isso
quer dizer então que Marsh é o Senhor Comandante? - a Velha Romã
era amigável, e um diligente Primeiro Intendente, mas era
completamente inadequado para enfrentar uma tropa de selvagens.
- Por
enquanto, até organizarmos uma eleição - disse Meistre Aemon. -
Clydas, traga-me o frasco.
Uma
eleição. Com Qhorin Meia-Mão e Sor Jaremy Rykker mortos e Ben
Stark ainda desaparecido, quem restava? Nem Bowen Marsh nem Sor
Wynton Stout, isso era certo. Teria Thoren Smallwood sobrevivido ao
Punho, ou Sor Ottyn Wythers? Não, será Cotter Pyke ou Sor Denys
Mallister. Mas qual deles? Os comandantes da Torre Sombria e de
Atalaialeste eram bons homens, mas muito diferentes; Sor Denys era
cortês e cauteloso, tão cavalheiresco quanto idoso, Pyke era mais
jovem, de nascimento bastardo, de língua rude e excessivamente
ousado. Pior, os dois homens desprezavam-se mutuamente. O Velho Urso
sempre os mantivera afastados, nas extremidades opostas da Muralha.
Jon sabia que os Mallister possuíam uma desconfiança congênita com
relação aos homens de ferro.
Uma
punhalada de dor fez-lhe lembrar os próprios infortúnios. O meistre
apertou sua mão.
- Clydas
foi buscar leite de papoula.
Jon
tentou se levantar.
- Não
preciso...
- Precisa
- disse Aemon com firmeza. - Isto vai doer.
Donal
Noye atravessou a sala e obrigou Jon a se deitar novamente.
- Fique
quieto, senão o amarro. - Mesmo com apenas um braço, o ferreiro
controlava - -o como se fosse uma criança.
Clydas
voltou com um frasco verde e uma taça arredondada de pedra. Meistre
Aemon encheu-a.
- Beba
isto.
Jon tinha
mordido o lábio. Sentiu o sabor do sangue misturado com o da
sedimentosa poção branca. Quase vomitou.
Clydas
trouxe uma bacia de água quente, e Meistre Aemon lavou o pus e o
sangue do ferimento. Por mais gentil que fosse, até o toque mais
leve fazia com que Jon quisesse gritar.
- Os
homens do Magnar são disciplinados e têm armaduras de bronze -
disse-lhes. Falar ajudava a manter a mente afastada da perna.
- O
Magnar é um senhor em Skagos - disse Noye. - Havia skagositas em
Atalaialeste quando cheguei à Muralha, lembro-me de ouvi-los falando
dele.
- Jon
está usando a palavra em seu sentido mais antigo, creio eu - disse
Meistre Aemon - não como nome de família, mas como título. Deriva
do Idioma Antigo.
-
Significa senhor - concordou Jon. - Styr é o Magnar de um lugar
qualquer chamado Thenn, na extremidade norte das Presas de Gelo. Tem
uma centena de seus homens e uma vintena de corsários que conhecem a
Dádiva quase tão bem quanto nós. Mas Mance nunca chegou a
encontrar o berrante, isso vale de alguma coisa. O Berrante do
Inverno. Era isso que ele andava à procura nas escavações que fez
nas nascentes do Guadeleite.
Meistre
Aemon fez uma pausa, com o pano da lavagem na mão.
- O
Berrante do Inverno é uma lenda antiga. O Rei-Para-lá-da-Muralha
realmente acredita que tal coisa existe?
- Todos
acreditam - disse Jon. - Ygritte disse que abriram uma centena de
tumbas... tumbas de reis e heróis, ao longo de todo o vale do
Guadeleite, mas não chegaram...
- Quem é
Ygritte? - perguntou Donal Noye sem rodeios.
- Uma
mulher do povo livre. - Como poderia explicar Ygritte para eles? Ela
é quente, esperta e engraçada, e tanto pode beijar um homem como
rasgar seu pescoço. - Ela está com Styr, mas não é... é jovem,
só uma garota, na verdade, selvagem, mas ela... - Ela matou um velho
por fazer uma fogueira. Sentiu a língua inchada e desajeitada. O
leite de papoula estava anuviando seus pensamentos. - Quebrei os meus
votos com ela. Não queria, mas... - Foi errado. Foi errado amá-la,
foi errado deixá-la... - Não fui suficientemente forte. O Meia-Mão
ordenou-me, cavalgue com eles, observe, não posso vacilar, eu... -
Sentia a cabeça como se estivesse recheada de lã molhada.
Meistre
Aemon voltou a cheirar o ferimento de Jon. Então pôs o pano
ensanguentado na bacia novamente e disse:
- Donal,
a faca quente, por favor. Vou precisar que o mantenha imóvel.
Não
gritarei, disse Jon a si mesmo quando viu a lâmina brilhando, rubra.
Mas também quebrou esse voto. Donal Noye segurou-o enquanto Clydas
ajudava a guiar a mão do meistre. Jon não se mexeu, salvo para
esmurrar a mesa, uma vez e outra mais. A dor foi tão enormemente
violenta que se sentiu pequeno, fraco e impotente dentro dela, uma
criança choramingando no escuro.
Ygritte,
pensou, quando o fedor da carne queimada subiu ao seu nariz e o som
de seu próprio berro ecoou nos ouvidos. Ygritte, tive de fazer isso.
Durante meio segundo, a agonia começou a diminuir. Mas então o
ferro voltou a tocá-lo e ele desmaiou.
Quando
suas pálpebras se abriram, estremecendo, estava envolto em lãs
espessas e flutuava. Parecia não ser capaz de se mover, mas não
importava. Durante algum tempo, sonhou que Ygritte se encontrava ao
seu lado, cuidando dele com mãos suaves. Por fim, fechou os olhos e
adormeceu.
A segunda
vez que acordou não foi tão branda. O quarto estava escuro, mas sob
as mantas a dor tinha voltado, um latejar na perna que se
transformava em uma faca quente ao menor movimento. Jon ficou sabendo
disso da pior maneira possível, quando tentou ver se ainda tinha a
perna. Arquejando, engoliu um grito e voltou a fechar o punho.
- Jon? -
uma vela surgiu, e um rosto de que se recordava bem estava olhando-o,
com orelhas grandes e tudo. - Não devia se mexer.
- Pyp? -
Jon estendeu a mão para cima, e o outro rapaz apertou-a. - Pensava
que você tinha ido...
- ... com
a Velha Romã? Não, ele acha que eu sou muito pequeno e verde. Grenn
também está aqui.
- Também
estou aqui. - Grenn aproximou-se do outro lado da cama. - Acabei
dormindo.
Jon tinha
a garganta seca.
- Água -
arquejou. Grenn trouxe-a e levou-a aos lábios de Jon. - Eu vi o
Punho - disse depois de beber um longo trago. - O sangue, e os
cavalos mortos... Noye disse que uma dúzia de homens conseguiu
voltar... quem?
- Dywen
conseguiu. Gigante, Edd Doloroso, Doce Donnel Hill, Ulmer, Lew Mão
Esquerda, Garth Pena-Cinza. Mais quatro ou cinco. Eu.
- Sam?
Grenn
afastou o olhar.
- Ele
matou um dos Outros, Jon. Eu vi. Apunhalou-o com aquela faca de vidro
de dragão que você fez para ele, e começamos a chamá-lo de Sam, o
Matador. Ele detestava.
Sam, o
Matador. Jon dificilmente conseguiria imaginar um guerreiro menos
provável para receber tal nome do que Sam Tarly.
- O que
aconteceu com ele?
- Nós o
abandonamos. - Grenn soava infeliz. - Sacudi-o e gritei com ele, até
dei um tabefe na cara dele. Gigante tentou puxá-lo para colocá-lo
em pé, mas ele era pesado demais. Lembra-se de como ele costumava se
enrolar no chão durante o treino e ficar ali choramingando? Na
Fortaleza de Craster nem sequer choramingava. Adaga e Ollo estavam
desfazendo as paredes à procura de comida, Garth e o outro Garth
lutavam, alguns estupravam as mulheres de Craster. Edd Doloroso achou
que o grupo do Adaga fosse matar todos os homens leais para evitar
que contassem o que eles tinham feito, e eram dois para cada um de
nós. Abandonamos Sam com o Velho Urso. Ele não queria se mexer,
Jon.
Era seu
irmão, quase disse. Como pôde abandoná-lo no meio de selvagens e
assassinos?
- Ele
pode ainda estar vivo - disse Pyp. - Pode pregar urna surpresa em
todos nós e chegar aqui amanhã, a cavalo.
- Com a
cabeça de Mance Rayder, sim. - Jon via que Grenn estava tentando
parecer alegre - Sam, o Matador!
Jon
tentou se sentar novamente. Foi um erro tão grande como da primeira
vez. Gritou, xingando.
- Grenn,
vá acordar Meistre Aemon - disse Pyp. - Diga que o Jon precisa de
mais leite de papoula.
Sim,
pensou Jon.
- Não -
disse - O Magnar...
- Nós
sabemos - disse Pyp. - As sentinelas na Muralha receberam ordens para
manter um olho virado para o sul, e Donal Noye despachou alguns
homens para o Espinhaço do Tempo, para vigiar a estrada do rei.
Meistre Aemon também enviou aves para Atalaialeste e a Torre
Sombria.
Meistre
Aemon aproximou-se da cama, com uma mão no ombro de Grenn.
- Jon,
seja brando consigo mesmo. É bom que tenha acordado, mas precisa de
um tempo para sarar. Encharcamos o ferimento com vinho fervente e
fechamo-lo com um cataplasma de urtigas, sementes de mostarda e pão
bolorento, mas se não descansar...
- Não
posso. - Jon lutou contra a dor para se sentar. - Mance estará aqui
em breve... milhares de homens, gigantes, mamutes... a notícia já
foi enviada a Winterfell? Ao rei? - suor pingou de sua testa. Fechou
os olhos por um momento.
Grenn
dirigiu a Pyp um olhar estranho.
- Ele não
sabe.
- Jon -
disse Meistre Aemon aconteceram muitas coisas enquanto esteve longe,
e poucas foram boas. Balon Greyjoy voltou a se coroar e mandou os
seus dracares contra o Norte. Brotam reis de todos os lados como
ervas daninhas, e enviamos apelos a todos eles, mas nenhum virá. Têm
usos mais prementes para as suas espadas, e nós estamos longe e
esquecidos, E Winterfell... Jon, seja forte... Winterfell já não
existe.
- Não
existe? - Jon fitou os olhos brancos e o rosto enrugado de Aemon -
Meus irmãos estão em Winterfell. Bran e Rickon.,,
O meistre
tocou sua testa.
- Lamento
tanto, Jon. Seus irmãos morreram por ordem de Theon Greyjoy, depois
de tomar Winterfell em nome do pai. Quando os vassalos de seu pai
ameaçaram retomar o castelo, Greyjoy entregou-o às chamas.
- Seus
irmãos foram vingados - disse Grenn - O filho de Bolton matou todos
os homens de ferro, e dizem que está esfolando Theon Greyjoy
centímetro por centímetro pelo que fez.
-
Lamento, Jon - Pyp apertou seu ombro - Todos lamentamos.
Jon nunca
gostara de Theon Greyjoy, mas ele fora protegido do pai. Outro
espasmo de dor atacou sua perna e, sem saber como, viu-se de novo
deitado de costas.
- Há
algum engano - insistiu. - Em Coroadarrainha vi um lobo gigante, um
lobo gigante cinza... cinza... ele me reconheceu. - Se Bran estava
morto, poderia uma parte dele sobreviver em seu lobo, tal como Orell
vivia no interior de sua águia?
- Beba
isto. - Grenn levou uma taça aos lábios dele.
Jon
bebeu. Tinha a cabeça cheia de lobos e águias e do som dos risos
dos irmãos. Os rostos em volta dele começaram a se misturar e a
desvanecer. Eles não podem estar mortos. Theon nunca faria isso. E
Winterfell.. granito cinza, carvalho e ferro, corvos voando em volta
das torres, vapor subindo das lagoas quentes no bosque sagrado, os
reis de pedra sentados em seus tronos... como podia Winterfell ter
desaparecido?
Quando os
sonhos o dominaram, viu-se de novo em casa, chapinhando nas lagoas
quentes sob um enorme represeiro branco que tinha o rosto do pai.
Ygritte acompanhava-o, rindo dele, livrando-se das peles até ficar
nua como no dia de seu nome, tentando beijá-lo, mas ele não podia
fazê-lo, com o pai a observar, não. Ele era do sangue de
Winterfell, um homem da Patrulha da Noite. Não gerarei um bastardo,
disse-lhe. Não o farei. Não o farei.
- Você
não sabe nada, Jon Snow - sussurrou ela, com a pele se dissolvendo
na água quente, e a carne se desprendendo dos ossos até que só
restaram o crânio e o esqueleto, e a lagoa borbulhava, espessa e
rubra.
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