Viajaram
do nascer ao pôr do sol, passando por florestas, pomares e campos
bem-cuidados, atravessando pequenas aldeias, vilas livres cheias de
gente e robustos castros. Quando a noite chegava, montavam o
acampamento e comiam à luz da Espada Vermelha. Os homens faziam
turnos de guarda. Arya vislumbrava as fogueiras dos acampamentos de
outros viajantes tremeluzindo por entre as árvores. Parecia haver
mais acampamentos todas as noites, e mais tráfego na estrada do rei
durante o dia.
Chegavam
de manhã, à tarde e à noite, velhos e crianças, homens grandes e
pequenos, garotos de pés descalços e mulheres com bebês no peito.
Alguns conduziam carroças de campo ou eram sacudidos na parte de
trás de carros de bois. Um número maior vinha montado em cavalos de
tração, pôneis, mulas, burros, em qualquer coisa capaz de andar,
correr ou rolar.
Uma
mulher puxava uma vaca leiteira com uma menininha no lombo. Arya viu
um ferreiro que empurrava um carro de mão com suas ferramentas lá
dentro, martelos e tenazes, e até uma bigorna, e pouco depois via
outro homem com outro carro de mão, dessa vez contendo dois bebês
enrolados numa manta. A maior parte vinha a pé, com as posses sobre
os ombros e expressões muito cansadas nos rostos. Caminhavam para o
sul, na direção da cidade, para Porto Real e só um em cem chegava
a dirigir uma palavra a Yoren e àqueles que estavam sob sua
responsabilidade, viajando para o norte. Perguntou a si mesma por que
é que mais ninguém seguia na mesma direção que eles.
Muitos
dos viajantes vinham armados; Arya viu punhais e adagas, foices e
machados, e aqui e ali uma espada. Alguns tinham feito tacapes de
galhos de árvore, ou esculpido bastões nodosos. Passavam os dedos
pelas armas e lançavam olhares demorados às carroças que por eles
passavam, mas, no fim, deixavam a coluna avançar. Contavam-se
trinta, seja lá o que fosse que transportavam naquelas carroças.
Olha com
os olhos, dizia Syrio, escuta com os ouvidos.
Um dia,
uma louca desatou a gritar para eles da beira da estrada.
- Doidos!
Eles matam vocês, doidos! - era magra como um espantalho, com olhos
vazios e pés ensanguentados.
Na manhã
seguinte, um mercador de rosto liso montado numa égua cinzenta parou
ao lado de Yoren e ofereceu-se para comprar as carroças e tudo o que
continham por um quarto do seu valor.
- É a
guerra, eles levam o que quiserem, seria melhor se vendesse para mim,
meu amigo.
Yoren lhe
deu as costas com um giro dos ombros encurvados, e cuspiu.
Arya
reparou na primeira sepultura nesse mesmo dia; um pequeno monte ao
lado da estrada, escavado para uma criança. Um cristal tinha sido
depositado na terra fofa, e Lommy insistiu para ficar com ele, até
que o Touro lhe disse que faria melhor em deixar os mortos em paz.
Algumas léguas mais à frente, Praed apontou para mais sepulturas,
uma fileira inteira recém-cavada. Depois disso, quase não se passou
um dia sem verem outras.
Certa
vez, Arya acordou no escuro, assustada por algo que não conseguia
definir. No alto, a Espada Vermelha dividia o céu com meio milhar de
estrelas. A noite lhe parecia estranhamente silenciosa, embora
conseguisse ouvir os roncos resmungados de Yoren, o crepitar do fogo
e até os movimentos abafados dos burros. Mas, de algum modo,
sentia-se como se o mundo inteiro estivesse segurando a respiração,
e o silêncio a fazia tremer. Voltou ao sono agarrada à Agulha.
Ao chegar
a manhã, quando Praed não acordou, Arya compreendeu que aquilo de
que sentira falta tinha sido a tosse do homem. Então, cavaram eles
mesmos a sepultura de Praed, enterrando o mercenário no local onde
dormira. Yoren despiu-o das coisas de valor que possuía antes de
jogarem terra sobre ele. Um homem ficou com suas botas, outro, com o
punhal. A cota de malha e o elmo foram distribuídos. A espada longa
foi entregue por Yoren a Touro.
- Pode
ser que braços como os seus aprendam a usar isso - disse-lhe.
Um menino
chamado Tarber atirou um punhado de bolotas sobre o corpo de Praed,
para que um carvalho pudesse nascer e marcar o lugar em que jazia.
Naquela
noite, pararam em uma aldeia, numa estalagem coberta de hera. Yoren
contou as moedas que trazia na bolsa e decidiu que tinham o
suficiente para uma refeição quente.
- Vamos
dormir aqui fora, como sempre, mas eles têm uma casa de banhos aqui,
se algum de vocês estiver sentindo falta de água quente e de uma
esfregadinha com sabão.
Arya não
se atreveu, embora já cheirasse tão mal como Yoren, toda ela acre e
fedorenta. Algumas das criaturas que viviam na sua roupa a
acompanhavam desde a Baixada das Pulgas; não parecia certo
afogá-las. Tarber, Torta Quente e Touro juntaram-se à fila de
homens que se dirigiam para as tinas. Outros instalaram-se na frente
da casa de banhos. O resto amontoou-se na sala comum, Yoren até
mandou Lommy levar canecas de cerveja aos três homens presos que
tinham sido deixados acorrentados na parte de trás da carroça.
Os
lavados e os por se lavar jantaram empadões quentes de porco e maçãs
cozidas. O estalajadeiro ofereceu-lhes uma rodada de cerveja por
conta da casa.
- Tive um
irmão que vestiu o negro, há anos. Era criado de refeições,
esperto, mas um dia foi visto surrupiando pimenta da mesa do senhor.
Gostava do sabor, nada mais. Só uma pitada de pimenta, mas Sor
Malcolm era um homem duro. Tem pimenta na Muralha? - quando Yoren
balançou a cabeça, o homem soltou um suspiro. - Que pena. Lync
adorava pimenta.
Arya
bebericou cautelosamente da caneca, entre uma e outra colherada de
empadão ainda quente do forno. Lembrou-se de que o pai, às vezes,
os deixava beber uma taça de cerveja. Sansa costumava fazer uma
careta, dizendo que o vinho era muito melhor, mas Arya gostava
bastante.
Pensar em
Sansa e no pai deixava-a triste. A estalagem estava cheia de gente
que rumava para o sul, e a sala comum irrompeu em escárnio quando
Yoren disse que viajavam na direção oposta.
- Voltará
em breve - garantiu o estalajadeiro. - Não há como ir para o norte.
Metade dos campos está queimada, e as pessoas que restam estão
trancadas dentro das muralhas dos seus castros. Um grupo afasta-se de
madrugada, e outro aparece ao anoitecer.
- Isso
não é nada pra nós - Yoren insistiu teimosamente. - Tully ou
Lannister, não importa. A Patrulha não participa.
Lorde
Tully é meu avô, pensou Arya. A ela importava, mas mordeu o lábio
e ficou quieta, ouvindo.
- É mais
do que Lannister e Tully - rebateu o estalajadeiro - Há selvagens
das Montanhas da Lua. Tente lhes dizer que não participa. E os Stark
também estão metidos no assunto, o jovem senhor desceu, o filho do
Mão morto...
Arya
endireitou-se no lugar, esforçando-se para ouvir. Estaria ele se
referindo a Robb?
- Ouvi
dizer que o rapaz monta um lobo nas batalhas - disse um homem de
cabelo amarelo, com uma caneca na mão.
-
Conversa de gente imbecil - Yoren cuspiu.
- O homem
que me disse isso viu com seus próprios olhos. Um lobo grande como
um cavalo, ele jurou.
- Jurar
não torna isso verdade, Hod - disse o estalajadeiro. - Você anda
sempre jurando que vai pagar o que me deve, e ainda não vi um único
vintém.
A sala
comum explodiu em gargalhadas, e o homem de cabelo amarelo ficou
vermelho.
- Tem
sido um ano ruim para lobos - interveio um homem pálido com seu
manto verde manchado pela viagem. - Nas redondezas do Olho de Deus,
as matilhas tornaram-se mais ousadas do que se tem registro. Ovelhas,
vacas, cães, não importa, matam o que bem quiserem, e não têm
medo dos homens. Entrar naqueles bosques durante a noite é arriscar
a vida.
- Ah,
isso são mais histórias, e são tão pouco reais quanto a outra.
- Eu ouvi
o mesmo da minha prima, e ela não é do tipo que mente - disse uma
velha - Diz que há uma grande matilha, com centenas de lobos,
matadores de homens. O animal que os lidera é uma loba, uma cadela
do sétimo inferno.
Uma loba.
Arya bebeu sua cerveja, refletindo. Será que Olho de Deus ficava
perto do Tridente? Gostaria de ter um mapa. Tinha sido perto do
Tridente que deixara Nymeria. Não queria fazê-lo, mas Jory disse
que não tinha alternativa, que se a loba voltasse com eles seria
morta por ter mordido Joffrey, apesar de ele ter merecido. Tinham
tido de gritar, e berrar, e atirar pedras, e só depois de ser
atingida por algumas delas, atiradas por Arya, é que a loba gigante
deixou de segui-los. Ela provavelmente nem me reconheceria agora,
Arya pensou. Ou, se reconhecesse, iria me odiar.
O homem
do manto verde disse:
- Ouvi
falar de como esta cadela do inferno entrou um dia numa aldeia... Um
dia de mercado, gente por todo o lado, e ela entrou, na cara dura, e
arrancou um bebê dos braços da mãe. Quando Lorde Mooton ouviu a
história, ele e os filhos juraram que acabariam com ela. Seguiram-na
até a toca com uma matilha de lobeiros, e foi por pouco que
conseguiram salvar a própria pele. Nem um dos cães voltou, nem um.
- Isso é
só uma história - Arya exclamou, antes de conseguir se controlar. -
Os lobos não comem bebês.
- E o que
você sabe disso, moço? - perguntou o homem do manto verde.
Antes que
Arya conseguisse pensar numa resposta, Yoren agarrou seu braço.
- O rapaz
tem cerveja na cabeça, é só isso.
- Não
tenho nada. Eles não comem bebês...
- Lá pra
fora, rapaz... E vê se fica lá até aprender a calar a boca quando
os homens estão conversando - Yoren deu-lhe um empurrão firme, na
direção da porta lateral que levava de volta aos estábulos. - Vá.
E veja se o cavalariço deu água aos cavalos.
Arya
saiu, dura de fúria.
- Não
comem - resmungou, chutando uma pedra no momento em que saía. A
pedra foi rolando, e só parou debaixo das carroças.
- Menino
- chamou uma voz amistosa. - Menino adorável.
Um dos
homens presos estava falando com ela. Cuidadosamente, Arya
aproximou-se da carroça, com uma mão no cabo da Agulha,
O
prisioneiro ergueu uma caneca vazia, tilintando as correntes.
- Um
homem faria bom proveito de outro gole de cerveja. Um homem tem muita
sede quando usa essas pulseiras pesadas.
Era o
mais novo dos três, esguio, com traços delicados, sempre a sorrir.
Tinha o cabelo vermelho de um lado e branco do outro, todo embaraçado
e sujo da cadeia e da viagem.
- Um
homem também não se importaria com um banho - ele disse quando viu
o modo como Arya o olhava. - Um garoto poderia fazer um amigo.
- Já
tenho amigos - ela respondeu.
- Nenhum
que eu consiga ver - disse o que não tinha nariz. Era atarracado e
troncudo, com umas mãos enormes. Pelos negros cobriam seus braços,
pernas, peito e até mesmo as costas.
Fazia
Arya lembrar-se de um desenho que tinha visto num livro, de um macaco
das Ilhas do Verão. O buraco no seu rosto tornava difícil olhá-lo
durante muito tempo.
O careca
abriu a boca e silvou, como se fosse um imenso lagarto branco. Quando
Arya vacilou para trás, sobressaltada, ele abriu a boca e sacudiu a
língua na sua direção, mas aquilo era mais um coto que uma língua.
- Para
com isso! - ela exclamou.
- Um
homem não escolhe os companheiros nas celas negras - disse o bonito,
com o cabelo vermelho e branco. Qualquer coisa no jeito como falava
lembrou-lhe Syrio; era o mesmo, mas ao mesmo tempo diferente. - Estes
dois não têm educação. Um homem tem de pedir perdão. Chamam você
de Arry, não é verdade?
- Cabeça
de Caroço - disse o que não tinha nariz. - Cabeça de Caroço, Cara
de Caroço, Rapaz Pau. Toma cuidado, Lorath, que ele bate em você
com o pau.
- Um
homem tem de sentir vergonha das companhias que tem, Arry - voltou a
falar o bonito. - Este homem tem a honra de ser Jaqen Hghar,
antigamente habitante da Cidade Livre de Lorath. Bem que gostaria de
estar em casa. Os malcriados companheiros de cativeiro deste homem
chamam-se Rorge - indicou com a caneca o homem sem nariz - e Dentadas
- Dentadas voltou a silvar para ela, mostrando uma boca cheia de
dentes amarelos, limados até ficar pontiagudos. - Um homem tem de
ter algum nome, não é? O Dentadas não pode falar, e nem sabe
escrever, mas seus dentes são muito afiados, e por isso um homem o
chama de Dentadas, e ele sorri. Está encantado?
Arya
afastou-se da carroça.
- Não -
eles não podem me fazer mal, disse a si mesma, estão todos
acorrentados.
Ele virou
a caneca ao contrário.
- Um
homem tem de lamentar.
Rorge, o
que não tinha nariz, atirou a caneca nela com uma praga. As algemas
o atrapalhavam, mas mesmo assim a teria acertado em cheio na cabeça
com a pesada caneca de estanho se Arya não tivesse saltado para o
lado.
-
Traga-nos cerveja, seu bolha. Já!
- Cala
boca! - Arya tentou imaginar o que Syrio teria feito. Puxou a espada
de treino, de madeira.
- Chegue
perto - disse Rorge - e eu enfio esse pau pelo seu rabo acima, até
ver você sangrar.
O medo
golpeia mais profundamente do que as espadas. Arya obrigou-se a se
aproximar da carroça .Cada passo era mais difícil que o anterior.
Feroz como um glutão, calma como águas paradas. As palavras
cantavam na sua cabeça. Syrio não teria medo.
Estava
quase perto o suficiente para tocar a roda, quando Dentadas se pôs
em pé de um salto, E tentou agarrá-la, fazendo os ferros tinir e
chocalhar. As algemas cortaram seu movimento a quinze e centímetros
da cara dela. O homem silvou.
Arya o
atingiu. Com força, bem entre seus pequenos olhos. Gritando,
Dentadas cambaleou para trás e depois atirou todo seu peso contra as
correntes. Os aros deslizaram, torceram-se e se retesaram, e Arya
ouviu o ranger de madeira velha e seca quando os grandes anéis de
ferro forçaram as pranchas do chão da carroça. Enormes mãos
brancas tentaram agarrá-la, enquanto veias se projetavam ao longo
dos braços de Dentadas, mas os grilhões aguentaram, e, por fim, o
homem caiu para trás. Escorria sangue das feridas úmidas que tinha
no rosto.
- Um
rapaz tem mais coragem do que bom-senso - observou aquele que tinha
se identificado como Jaqen Hghar.
Arya
afastou-se da carroça, andando de costas. Quando sentiu uma mão no
ombro, rodopiou, voltando a erguer a espada de pau, mas era apenas
Touro.
- O que
você está fazendo?
Ele
ergueu as mãos em defesa.
- Yoren
disse que nenhum de nós devia se aproximar daqueles três.
- Eles
não me assustam - ela respondeu.
- Então
você é estúpido, porque eles me assustam - a mão de Touro caiu
sobre o punho da espada, e Rorge desatou a rir. - Vamos sair de perto
deles.
Arya o
seguiu, arrastando os pés pelo chão, e deixou que Touro a
conduzisse ao redor da estalagem até a parte da frente. O riso de
Rorge e os silvos do Dentadas seguiram-nos.
- Quer
lutar? - Arya perguntou a Touro. Queria bater em qualquer coisa.
Ele olhou
para ela, piscando, surpreso. Madeixas de espesso cabelo negro, ainda
úmido do banho, caíam sobre seus olhos profundamente azuis.
- Eu
machucaria você.
- Não
machucaria nada.
- Você
não conhece a minha força.
- Você
não conhece a minha rapidez.
- Está
pedindo, Arry - ele puxou a espada de Praed. - Isto é aço barato,
mas é uma espada verdadeira.
Arya
desembainhou Agulha.
- Esta é
de bom aço, e por isso é mais verdadeira do que a sua.
Touro
balançou a cabeça:
- Promete
que não chora se eu te ferir?
-
Prometo, se você também prometer - Arya virou-se de lado, adotando
a pose de dançarina de água, mas Touro não se mexeu. Estava
olhando para qualquer coisa atrás dela. - Que foi?
- Homens
de manto dourado - ele fechou a cara.
Não pode
ser, Arya pensou, mas, quando olhou para trás, viu os homens
cavalgando pela estrada do rei, seis, usando a cota de malha negra e
os mantos dourados da Patrulha da Cidade.
Um deles
era um oficial, usava uma placa peitoral esmaltada preta, ornamentada
com quatro discos dourados. Pararam os cavalos em frente à
estalagem. Olha com os olhos, pareceu sussurrar-lhe a voz de Syrio.
Seus olhos viram espuma branca debaixo das selas; os cavalos tinham
corrido durante muito tempo, e duramente. Calma como águas paradas,
pegou Touro pelo braço e o puxou para trás de uma cerca viva alta e
florida.
- O que é
isso? - ele perguntou. - O que está fazendo? Me larga.
-
Silencioso como uma sombra - ela sussurrou, puxando-o para baixo.
Alguns
dos outros a cargo de Yoren estavam sentados em frente à casa de
banhos, esperando sua vez de entrar numa tina.
- Vocês,
homens - gritou um dos de manto dourado. - São os que partiram para
vestir o negro?
- Talvez
sejamos - foi a resposta cautelosa.
-
Preferíamos nos juntar a vocês, rapazes - disse o velho Reysen, -
Ouvimos dizer que faz frio naquela Muralha.
O oficial
de manto dourado desmontou.
- Tenho
um mandado a respeito de um certo rapaz...
Yoren
saiu da estalagem, afagando sua emaranhada barba negra.
- Quem é
que quer esse rapaz?
Os outros
homens de manto dourado estavam desmontando e colocando-se ao lado
dos cavalos.
- Por que
nós estamos escondidos? - Touro sussurrou.
- Sou eu
que eles querem - Arya respondeu, também sussurrando. A orelha dele
cheirava a sabão. - Fica quieto.
- E a
rainha quem o quer, velho, não que isso te diga respeito - disse o
oficial, tirando uma faixa do cinto. - Aqui está, o selo e mandado
de Sua Graça,
Atrás da
cerca viva, Touro balançou a cabeça, duvidando.
- Por que
motivo a rainha haveria de te querer, Arry?
Ela
esmurrou seu ombro.
- Fica
quieto!
Yoren
passou os dedos pela faixa do mandado com a gota de cera dourada.
- Bonito
- cuspiu. - Acontece que o rapaz está agora na Patrulha da Noite. O
que ele fez lá na cidade não importa mais.
- A
rainha não está interessada nas suas opiniões, velho, e eu também
não - disse o oficial. - Vou levar o rapaz.
Arya
pensou em fugir, mas sabia que não iria longe no seu burro quando os
homens de manto dourado tinham cavalos. E estava tão cansada de
fugir. Tinha fugido quando Sor Meryn havia ido buscá-la e voltou a
fugir quando tinham matado seu pai. Se fosse uma verdadeira dançarina
de água, sairia dali com a Agulha na mão, mataria todos, e nunca
mais fugiria de ninguém.
- Não
vai levar ninguém - Yoren respondeu teimosamente. - Há leis sobre
essas coisas.
O homem
do manto dourado puxou uma espada curta.
- Aqui
está a sua lei.
Yoren
olhou para a lâmina:
- Isso
não é lei nenhuma, é só uma espada. Acontece que eu também tenho
uma.
O oficial
sorriu.
- Velho
tonto. Eu tenho cinco homens comigo.
Yoren
cuspiu.
-
Acontece que eu tenho trinta.
O homem
de manto dourado soltou uma gargalhada,
- Esses
aí? - disse um grandalhão desajeitado com o nariz quebrado. - Quem
é o primeiro? - gritou, mostrando o aço.
Tarber
puxou uma forquilha de uma pilha de feno.
- Sou eu.
- Não,
sou eu - gritou Cutjack, o pedreiro rechonchudo, tirando o martelo do
avental de couro que usava sempre.
- Eu -
Kurz surgiu com sua faca de esfolar na mão.
- Eu e
ele - Koss retesou a corda do seu arco,
- Todos
nós - disse Reysen, agarrando o grande bastão de madeira dura em
que se apoiava ao caminhar.
Dobber
saiu nu da casa de banhos com as roupas numa trouxa, viu o que estava
acontecendo e deixou tudo cair, menos a adaga.
- E uma
luta? - ele quis saber.
- Parece
que sim - disse Torta Quente, caindo de quatro à procura de uma
pedra que pusesse atirar. Arya não acreditava no que estava vendo.
Odiava Torta Quente! Por que motivo se arriscaria por ela?
O homem
do nariz quebrado ainda achava aquilo engraçado.
- Ponham
de lado essas pedras e paus, meninas, antes que apanhem. Nenhum de
vocês sabe por qual lado se pega numa espada.
- Eu sei!
- Arya não os deixaria morrer por ela, como Syrio. Não deixaria!
Abrindo caminho através da cerca viva com a Agulha na mão, adotou a
pose da dançarina de água.
O de
nariz quebrado soltou uma gargalhada roufenha. O oficial olhou-a de
cima a baixo.
- Guarde
a espada, menininha, ninguém quer machucar você.
- Não
sou uma menina! - Arya gritou, furiosa. Qual era o problema deles?
Tinham percorrido todo aquele caminho à sua procura, ali estava ela,
e limitavam-se a sorrir para ela. - Sou eu quem procuram.
- E a ele
que procuramos - o oficial indicou Touro com a espada, que tinha
avançado para se colocar ao lado de Arya, com o aço barato de Praed
na mão.
Mas foi
um erro o oficial tirar os olhos de Yoren, mesmo que por um instante.
Foi o tempo que a espada do irmão negro demorou para ser pressionada
contra seu pomo de Adão.
- Não
vai ficar com nenhum deles, a não ser que queira que eu veja se o
seu pomo já está maduro. Tenho mais dez ou quinze irmãos naquela
estalagem, se ainda precisa ser convencido. Se fosse você, largava
esse corta-tripas, botava as bochechas em cima daquele cavalinho
gordo e galopava de volta à cidade. - Yoren cuspiu, e fez mais
pressão com a ponta da espada. - Já.
Os dedos
do oficial abriram-se. A espada caiu na poeira.
- Nós
ficamos com isso - disse Yoren. - Bom aço sempre faz falta na
Muralha.
- Como
quiser. Por enquanto. Homens - os homens de manto dourado embainharam
as armas e montaram. - E melhor que galope em disparada até essa sua
Muralha, velho. Da próxima vez que o apanhar, creio que sua cabeça
terá o mesmo destino da do jovem bastardo.
- Homens
melhores que você já tentaram.
Yoren
bateu na garupa do cavalo do oficial com o lado da espada, fazendo-o
desembestar pela estrada do rei afora, enquanto os outros o seguiram.
Quando os
perderam de vista, Torta Quente começou a gritar, mas Yoren pareceu
mais zangado que nunca.
- Idiota!
Acha que estamos livres dele? Da próxima vez, ele não vai se
pavonear nem me dar nenhuma faixa maldita. Tirem os outros do banho,
temos de ir andando. Cavalgando a noite toda, talvez possamos ficar à
frente deles por um tempo - Yoren apanhou a espada que o oficial
deixara cair. - Quem quer isto?
- Eu! -
Torta Quente berrou.
- Não
use no Arry - Yoren entregou a espada ao rapaz, com o cabo para a
frente, e dirigiu-se a Arya, mas foi com Touro que falou. - A rainha
o quer muito, rapaz.
Arya não
entendia nada.
- Por que
ele?
Touro
olhou bravo para ela.
- E por
que iria querer você? Não passa de um ratinho de sarjeta!
- Bom, e
você não passa de um garoto bastardo! - ou talvez apenas fingisse
ser um rapaz bastardo. - Qual é o seu nome de verdade?
- Gendry
- ele respondeu, como se não estivesse muito certo daquilo.
- Não
vejo por que alguém haveria de querer algum de vocês - Yoren os
interrompeu. - Mas não podem ficar com vocês de qualquer jeito.
Montem aqueles dois corcéis. Ao primeiro sinal de um manto dourado,
sigam para a Muralha como se um dragão os perseguisse. O resto de
nós não têm importância para eles.
- Menos
você - Arya o corrigiu. - Aquele homem disse que também queria sua
cabeça,
Nenhum comentário:
Postar um comentário
NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados