Jon
leu e releu a carta até que as palavras começaram a ficar borradas
e a correr juntas. Não posso assinar isto. Não vou assinar isto.
Ele
quase queimou o pergaminho. Em vez disso, tomou um gole de cerveja,
do resto que sobrara da ceia solitária da noite anterior. Tenho que
assinar. Me escolheram Senhor Comandante. A Muralha é minha, e a
Patrulha também. A Patrulha da Noite não toma partido.
Foi
um alívio quando Edd Doloroso Tollett abriu a porta para dizer que
Goiva estava lá. Jon deixou a carta de Meistre Aemon de lado.
-
Eu a verei agora. - Ele temia isso. - Encontre Sam para mim. Vou
falar com ele em seguida.
-
Ele deve estar lá embaixo, com os livros. Meu velho septão
costumava dizer que livros são mortos que andam. Os mortos devem ser
deixados em paz, é o que digo. Ninguém quer ouvir o blá-blá-blá
de um morto - Edd Doloroso saiu resmungando cobras e lagartos.
Goiva
entrou e se ajoelhou. Jon deu a volta na mesa e a ajudou a se
levantar.
-
Você não precisa se ajoelhar para mim. Isso é só para os reis.
Embora
já fosse esposa e mãe, Goiva ainda parecia meio criança para ele,
uma coisinha magra embrulhada em uma das velhas capas de Sam. A capa
era tão grande que ela poderia ter escondido várias outras meninas
nas dobras.
-
Os bebês estão bem? - ele perguntou.
A
garota selvagem sorriu timidamente sob o capuz.
-
Sim, senhor. Eu tinha medo de não ter leite suficiente para os dois,
mas, quanto mais eles mamam, mais leite tenho. Estão fortes.
-
Tenho algo difícil para lhe falar. - Ele quase dissera lhe pedir,
mas calou-se no último instante.
-
É sobre Mance? Val implorou ao rei que o poupasse. Disse que se
casará com um ajoelhador e nunca cortará a garganta dele se Mance
viver. Aquele Senhor dos Ossos, ele está para ser poupado. Craster
sempre jurou que o mataria se ele desse as caras na Fortaleza. Mance
nunca fez metade das coisas que ele fez.
Tudo
que Mance fizera fora liderar um exército contra o reino que ele uma
vez jurou proteger.
-
Mance fez seus votos, Goiva. Então virou a casaca, casou-se com
Dalla e se coroou Rei-para-Iá-da-Muralha. A vida dele está nas mãos
do rei agora. Não é sobre ele que preciso falar com você. É sobre
o filho dele. O menino de Dalla.
-
O bebê? - A voz dela tremeu. - Ele nunca quebrou nenhum juramento,
senhor. Ele dorme, chora e mama, e nunca fez mal a alguém. Não
deixe que o queimem. Salve-o, por favor.
-
Só você pode fazer isso, Goiva - e Jon lhe disse como.
Outra
mulher teria gritado com ele, o teria amaldiçoado, condenado aos
sete infernos. Outra mulher poderia ter partido para cima dele com
raiva, estapeando-o, chutando-o, tentando arrancar seus olhos com as
unhas. Outra mulher poderia ter jogado sua ira na cara dele.
Goiva
abanou a cabeça.
-
Não. Por favor, não.
O
corvo imitou a palavra. Não, gritou.
-
Se você se negar, o menino será queimado. Não amanhã, nem no dia
seguinte... mas logo, assim que Melisandre precisar acordar um
dragão, convocar o vento, ou fazer algum outro feitiço que precise
de sangue real. Quando Mance for cinzas e ossos, ela reivindicará o
filho dele para o fogo, e Stannis não negará. Se você não tirar o
menino daqui, ela vai queimá-lo.
-
Eu tiro - disse Goiva. - Eu levo ele. Vou tirar os dois daqui, o
menino de Dalla e o meu. - Lágrimas rolaram pelo rosto dela. Se a
luz das velas não as tivessem feito brilhar, Jon nunca saberia que
ela estava chorando. As esposas de Craster haviam ensinado suas
filhas a derramar as lágrimas no travesseiro. Talvez elas fossem
para fora para chorar, longe dos punhos de Craster.
Jon
fechou os dedos da mão na espada.
-
Leve os dois meninos e os homens da rainha irão atrás de você para
trazê-los de volta. O garoto ainda será queimado ... e você com
ele. - Se eu a consolar, ela pode achar que algumas lágrimas podem
me fazer mudar de ideia. Ela precisa perceber que não vou ceder. -
Você levará um menino, e será o de Dalla.
-
Uma mãe não pode deixar seu filho, ou será amaldiçoada para
sempre. Não um filho. Nós salvamos ele, Sam e eu. Por favor. Por
favor, senhor. Nós salvamos ele do frio.
-
Dizem que congelar até a morte é quase sereno. O fogo, no entanto
... você vê a vela, Goiva?
Ela
olhou para a chama.
-
Sim.
-
Toque-a. Coloque sua mão sobre a chama.
Os
grandes olhos castanhos da moça ficaram ainda maiores. Ela não se
moveu.
-
Faça isso. - Mate o menino. - Agora.
Tremendo,
a garota esticou a mão, mantendo-a bem acima da chama bruxuleante da
vela.
-
Para baixo. Deixe o fogo beijá-la.
Goiva
abaixou sua mão. Um centímetro. Outro. Quando a chama lambeu sua
carne, ela puxou a mão para trás e começou a soluçar.
-
O fogo é uma maneira cruel de morrer. Dalla morreu para dar à luz o
filho, mas você o alimenta e o acalenta. Você salvou seu próprio
menino do gelo. Agora salve o dela do fogo.
-
Aí eles vão queimar meu bebê. A mulher vermelha. Se ela não tiver
o filho de Dalla, ela vai queimar o meu.
-
Seu filho não tem sangue real. Melisandre não ganhará nada dando-o
para o fogo. Stannis quer que o povo livre lute por ele e não
queimará um inocente sem uma boa causa. Seu menino estará seguro.
Encontrarei uma ama de leite para ele, e ele será criado aqui no
Castelo Negro, sob minha proteção. Ele aprenderá a caçar e a
cavalgar, a lutar com a espada, com o machado e com o arco.
Providenciarei para que aprenda a ler e escrever. - Sam gostaria
disso. - E quando ele tiver idade suficiente, saberá a verdade sobre
quem é. E será livre para procurar por você, se for o que ele
desejar.
-
Você vai transformar ele em um corvo - ela limpou as lágrimas com o
dorso da pequena e pálida mão. - Não quero. Não quero.
Mate
o menino, pensou Jon.
-
Você vai. Uma coisa eu lhe prometo: no dia em que queimarem o filho
de Dalla, o seu morre também.
Morre,
gritou o corvo do Velho Urso. Morre, morre, morre.
A
garota se sentou, curvada e encolhida, olhando para a chama da vela,
lágrimas brilhando em seus olhos. Finalmente Jon disse:
-
Tem minha permissão para ir. Não fale com ninguém sobre isso, mas
esteja pronta para partir uma hora antes da primeira luz. Meus homens
irão com você.
Goiva
levantou-se. Pálida e sem palavras, partiu sem olhar novamente para
ele. Jon ouviu os passos dela enquanto atravessava o arsenal Estava
quase correndo.
Quando
foi fechar a porta, Jon viu Fantasma estendido sob uma bigorna,
roendo o osso de um boi. O imenso lobo gigante branco o olhou quando
ele se aproximou.
-
Fazia tempo que você não aparecia. - Ele voltou para sua cadeira,
para ler a carta de Meistre Aemon mais uma vez.
Samwell
Tarly apareceu um pouco depois, carregando uma pilha de livros. Mal
ele entrou o corvo de Mormont voou até ele, exigindo grão. Sam fez
o melhor que pôde para atendê-lo, oferecendo alguns grãos de milho
do saco ao lado da porta. O corvo fez o melhor que pôde para bicar a
palma de sua mão. Sam gritou, o pássaro bateu as asas e o milho se
espalhou.
-
O patife machucou você? - Jon perguntou.
Sam
tirou as luvas com cuidado.
-
Machucou. Estou sangrando.
-
Todos derramamos nosso sangue pela Muralha. Use luvas mais grossas -
Jon empurrou uma cadeira para ele, com o pé. - Sente-se e dê uma
olhada nisto. - Deu o pergaminho para Sam.
-
O que é isto?
-
Um escudo de papel
Sam
leu devagar.
-
Uma carta para o Rei Tommen?
-
Em Winterfell, Tommen lutou com meu irmão Bran com espadas de
madeira - Jon disse, recordando-se. - Sua roupa era tão almofadada
que ele parecia um ganso recheado. Bran o derrubou. - Foi até a
janela e abriu as persianas. O ar lá fora era frio e estimulante,
embora o céu estivesse com uma monótona cor cinza. - E agora Bran
está morto, e o rechonchudo e rosado Tommen está sentado no Trono
de Ferro, com uma coroa aninhada em seus cachos dourados.
Sam
lhe deu um olhar estranho e, por um momento, pareceu querer dizer
alguma coisa. Em vez disso, engoliu em seco e voltou ao pergaminho.
-
Você não assinou a carta.
Jon
balançou a cabeça.
-
O Velho Urso implorou ajuda ao Trono de Ferro uma centena de vezes.
Enviaram Janos Slynt para ele. Nenhuma carta fará os Lannister
gostarem mais de nós. Ainda mais quando ouvirem dizer que estamos
ajudando Stannis.
-
Somente para defender a Muralha, não em sua rebelião. É o que diz
aqui.
-
A diferença pode escapar a Lorde Tywin. - Jon pegou a carta de
volta. - Por que ele nos ajudaria agora? Nunca ajudou antes.
-
Bem, ele não vai querer que falem por aí que Stannis cavalgou para
defender o reino enquanto o Rei Tommen brincava com seus brinquedos.
Isso faria o escárnio cair sobre a Casa Lannister.
-
É morte e destruição que quero para a Casa Lannister, não
escárnio. - Jon leu a carta. - A Patrulha da Noite não toma partido
nas guerras dos Sete Reinos. Nossos votos são prestados ao reino, e
o reino agora está em grande perigo. Stannis Baratheon nos ajudou
contra os inimigos para lá da Muralha, embora não sejamos seus
homens ...
Sam
se contorceu na cadeira.
-
Bem, nós não somos. Somos?
-
Dei comida, abrigo e o Fortenoite para Stannis, e autorização para
que estabelecesse pessoas do povo livre na Dádiva. E foi tudo.
-
Lorde Tywin dirá que foi muito.
-
E Stannis diz que não é o suficiente. Quanto mais você dá a um
rei, mais ele quer. Estamos caminhando sobre uma ponte de gelo com
abismo dos dois lados. Agradar um rei já é difícil. Agradar dois é
praticamente impossível.
-
Sim, mas ... se os Lannister ganharem e Lorde Tywin decidir que nós
traímos o rei ao ajudar Stannis, isso pode significar o fim da
Patrulha da Noite. Ele tem os Tyrell ao seu lado, com a força de
Jardim de Cima. E ele derrotou Lorde Stannis na Água Negra.
-
A Água Negra foi uma batalha. Robb venceu todas as suas batalhas e
mesmo assim perdeu a cabeça. Se Stannis conseguir levantar o Norte
...
Sam
hesitou e, então, disse:
-
Os Lannister também têm nortenhos ao seu lado. Lorde Bolton e seu
bastardo.
-
Stannis tem os Karstarks. Se ele conseguir o apoio de Porto Branco...
-
Se - Sam destacou. - Se não ... meu senhor, até mesmo um escudo de
papel é melhor do que nenhum.
-
Acho que sim. - Tanto Aemon quanto ele. De alguma forma, esperara que
Sam Tarly pudesse ver de modo diferente. É somente tinta e
pergaminho. Resignado, pegou a pena e assinou. - Coloque o lacre. -
Antes que eu mude de ideia. Sam apressou-se em obedecer. Jon colocou
o selo de Senhor Comandante e lhe entregou a carta. - Leve isto para
Meistre Aemon quando partir e diga para ele despachar uma ave para
Porto Real.
-
Pode deixar. - Sam parecia aliviado. - Senhor, se me permite
perguntar... Vi Goiva saindo daqui. Ela estava quase chorando.
-
Val a enviou aqui para pedir por Mance novamente - Jon mentiu, e
conversaram um pouco sobre Mance, Stannis e Melisandre de Asshai, até
que o corvo comeu o último grão de milho e gritou: Sangue.
-
Vou mandar Goiva embora - Jon disse. - Ela e o menino. Precisamos
encontrar outra ama para seu irmão de leite.
-
Leite de cabra servirá, até que você encontre outra. É melhor
para um bebê do que leite de vaca. - Falar de peitos deixava Sam
claramente desconfortável, e de repente ele começou a contar uma
história sobre um rapaz comandante que vivera e morrera havia
centenas de anos. Jon o cortou:
-
Conte-me algo útil. Fale-me sobre nossos inimigos.
-
Os Outros. - Sam passou a língua pelos lábios. - Eles são
mencionados nos anais, embora não com tanta frequência quanto eu
imaginava. Isso nos anais que achei e vasculhei. Sei que há outros
que ainda não encontrei. Alguns dos livros antigos estão caindo aos
pedaços. As páginas se desfazem quando tento virá-las. E os livros
realmente antigos ... ou já se desintegraram, ou estão enterrados
em algum lugar que ainda não olhei ou ... bem, pode ser que não
existam tais livros, nem nunca tenham existido. As histórias mais
antigas que temos foram escritas depois que os ândalos chegaram a
Westeros. Os Primeiros Homens só nos deixaram runas em pedras, então
tudo o que pensamos saber sobre a Era dos Heróis, a Era da Aurora e
a Longa Noite vieram de cálculos feitos por septões milhares de
anos mais tarde. Há arquimeistres na Cidadela que questionam tudo
isso. Essas histórias antigas estão cheias de reis que governaram
por centenas de anos e cavaleiros que andaram por aí milhares de
anos antes de existirem cavaleiros. Você conhece as histórias,
Brandon, o Construtor, Symeon Olhos-de-Estrela, os Reis da Noite...
nós dizemos que você é o nonocentésimo nonagésimo oitavo Senhor
Comandante da Patrulha da Noite, mas a lista mais antiga que
encontrei mostra seiscentos e setenta e quatro comandantes, o que
sugere que foi escrita durante ...
-
Há muito tempo - Jon o interrompeu. - Mas e os Outros?
-
Encontrei menções sobre a obsidiana. As crianças da floresta
costumavam dar para a Patrulha da Noite cem adagas de obsidiana todos
os anos, durante a Era dos Heróis. Os Outros vêm quando está frio,
a maior parte das histórias concorda. Ou então fica frio quando
eles vêm. Algumas vezes eles aparecem durante tempestades de neve e
derretem quando o céu fica limpo. Eles se escondem da luz do sol e
emergem à noite... ou então a noite cai quando eles emergem.
Algumas histórias falam que eles cavalgam em corpos de animais
mortos. Ursos, lobos gigantes, mamutes, cavalos, não importa, desde
que o animal esteja morto. Aquele que matou Paul Pequeno cavalgava um
cavalo morto, então essa parte é claramente verdadeira. Alguns
relatos também falam de aranhas gigantes de gelo. Não sei o que
podem ser. Os homens mortos em batalha contra os Outros devem ser
queimados, ou levantarão novamente como servos deles.
-
Isso já sabemos. A questão é: como lutar contra eles?
-
A armadura dos Outros é à prova da maioria das lâminas comuns, se
podemos acreditar nas lendas, e suas próprias espadas são tão
frias que quebram o aço. O fogo os assusta, e eles são vulneráveis
à obsidiana. Encontrei um relato da Longa Noite que fala do último
herói que matou Outros com uma espada de aço de dragão.
Aparentemente, eles não podem lutar contra isso.
-
Aço de dragão? - O termo era novo para Jon. - Aço valiriano?
-
Foi minha primeira ideia também.
-
Então, se conseguirmos convencer os senhores dos Sete Reinos a nos
dar suas espadas valirianas, tudo está salvo? Não será tão
difícil. - Não mais do que pedir a eles que desistam de seu
dinheiro e seus castelos. Deu uma risada amarga. - Você descobriu
quem são os Outros, de onde vieram, o que querem?
-
Ainda não, senhor, mas pode ser que eu esteja lendo os livros
errados. Há centenas que ainda não olhei. Me dê mais tempo e eu
encontrarei o que há para ser encontrado.
-
Não há mais tempo. Você precisa juntar suas coisas, Sam... Você
partirá com Goiva.
-
Partir? - Sam olhou para ele de boca aberta, como se não entendesse
o significado da palavra. - Vou partir? Para Atalaialeste, senhor? Ou
... aonde eu ...
-
Vilavelha.
-
Vilavelha? - Sam repetiu, em um guincho agudo.
-
Aemon também.
-
Aemon? Meistre Aemon? Mas ... ele tem cento e dois anos de idade,
senhor, ele não pode... está enviando ele e eu? Quem vai cuidar dos
corvos? Se alguém ficar doente ou ferido, quem ...
-
Clydas. Ele está com Aemon há anos.
-
Clydas é apenas um intendente, e seus olhos estão ficando ruins.
Você precisa de um meistre. Meistre Aemon é tão frágil, a viagem
pelo mar... ele pode... ele é velho, e...
-
Sua vida estará em risco. Estou ciente disso, Sam, mas o risco é
maior aqui. Stannis sabe quem Aemon é. Se a mulher vermelha precisar
de sangue real para seus feitiços ...
-
Oh! - As bochechas gordas de Sam perderam a cor.
-
Dareon se juntará a vocês em Atalaialeste. Minha esperança é que
as canções dele conquistem alguns homens para nós no Sul O Melro
deixará vocês em Bravos. De lá vocês arranjarão passagem para
Vilavelha. Se ainda pretende alegar que o bebê de Goiva é seu
bastardo, envie-a juntamente com a criança para Monte Chifre. Senão,
Aemon vai encontrar um lugar para ela como serva na Cidadela.
-
Meu b-b-bastardo. Sim, eu .. minha mãe e minhas irmãs ajudarão
Goiva com a criança. Dareon pode ir com ela para Vilavelha tão bem
quanto eu. Eu ... Eu tenho treinado com o arco todas as tardes, com
Ulmer, como você mandou ... bem, exceto quando estou na abóbada,
mas você me disse para pesquisar sobre os Outros. O arco faz meus
ombros doerem e levanta bolhas nos meus dedos. - Ele mostrou a mão
para Jon. - Mesmo assim, eu treino. Posso acertar o alvo com mais
frequência do que antes, mas ainda sou o pior arqueiro que já usou
um arco. Gosto das histórias de Ulmer, no entanto. Alguém precisa
escrevê-las e colocá-las em um livro.
-
Você fará isso. Eles têm pergaminhos e tinta na Cidadela, assim
como arcos. Espero que continue a treinar. Sam, a Patrulha da Noite
tem centenas de homens que podem atirar uma flecha, mas somente um
punhado que sabe ler ou escrever. Preciso que você se torne meu novo
meistre.
-
Senhor, eu ... meu trabalho é aqui, os livros ...
-
... ainda estarão aqui quando você retornar para nós.
Sam
colocou uma mão na garganta.
-
Senhor, a Cidadela ... eles nos fazem cortar cadáveres. Não posso
usar uma corrente.
-
Você pode. Você usará. Meistre Aemon está velho e cego. Suas
forças o estão abandonando. Quem tomará seu lugar quando ele
morrer? Meistre Mullin, na Torre Sombria, é mais guerreiro do que
erudito, e Meistre Harmune, em Atalaialeste, vive mais bêbado do que
sóbrio.
-
Se pedir mais meistres para a Cidadela ...
-
Pretendo fazer isso. Precisaremos de cada um deles. Mas não é tão
fácil substituir Aemon Targaryen. - Isso não está indo como eu
esperava. Ele sabia que Goiva seria difícil de convencer, mas
imaginava que Sam ficaria feliz em trocar os perigos da Muralha pelo
calor de Vilavelha. - Eu tinha certeza de que você gostaria disso -
ele disse, confuso. - Há tantos livros na Cidadela que nenhum homem
pode esperar ler todos. Você se sairá bem lá, Sam. Eu sei que sim.
-
Não. Eu poderia ler os livros, mas ... um m-meistre precisa ser
curandeiro e s-sangue me faz desmaiar. - Sua mão tremia, para provar
a verdade do que ele dizia. - Sou Sam, o Assustado, não Sam, o
Matador.
-
Assustado? Com o quê? Com censuras de velhos? Sam, você viu as
criaturas invadirem o Punho, uma maré de mortos-vivos com mãos
negras e brilhantes olhos azuis. Você matou um Outro.
-
Foi o v-v-vidro de dragão, não eu.
-
Chega! - Jon desistiu de argumentar. Depois de Goiva, ele não tinha
paciência para os medos do rapaz gordo. - Você mentiu, maquinou e
tramou para me fazer Senhor Comandante. Agora vai me obedecer. Irá
para a Cidadela e forjará uma corrente, e se tiver que cortar
cadáveres, assim será. Pelo menos, em Vilavelha os cadáveres não
vão reclamar.
-
Meu senhor, meu p-p-pai, Lorde Randyl, ele, ele, ele, ele, ele... a
vida de um meistre é uma vida de servidão. Nenhum filho da Casa
Tarly jamais usará uma corrente. Nenhum homem de Monte Chifre se
curva diante de um senhor insignificante. Jon, não posso desobedecer
meu pai.
Mate
o menino, Jon pensou. O menino em você e o menino nele. Mate ambos,
seu bastardo maldito.
-
Você não tem pai. Somente irmãos. Somente nós. Sua vida pertence
à Patrulha da Noite, então vá, coloque suas roupas de baixo em um
saco, juntamente com qualquer outra coisa que queira levar para
Vilavelha. Vocês partirão antes do nascer do sol E aqui está outra
ordem. Deste dia em diante, você não se chamará de covarde. Você
encarou mais coisas no último ano do que a maioria dos homens em
toda a vida. Você pode encarar a Cidadela, mas o fará como um Irmão
Juramentado da Patrulha da Noite. Não posso ordenar que seja bravo,
mas posso ordenar que esconda seus medos. Você fez os votos, Sam.
Lembra?
-
Eu ... Eu vou tentar.
-
Não vai tentar. Vai obedecer.
Obedecer.
O corvo de Mormont repetiu e bateu suas grandes asas negras.
Sam
pareceu ceder.
-
Como meu senhor ordena. Meistre... Meistre Aemon sabe?
-
Isso foi ideia tanto dele quanto minha - Jon abriu a porta para ele.
- Sem despedidas. Quanto menos pessoas souberem disso, melhor. Uma
hora antes da primeira luz, junto ao cemitério.
Sam
fugiu dele como Goiva havia feito.
Jon
estava cansado. Preciso dormir. Ele passara metade da noite debruçado
sobre mapas, escrevendo cartas e fazendo planos com Meistre Aemon.
Mesmo quando se jogou em sua cama estreita, o descanso não veio
fácil. Ele sabia o que teria que enfrentar naquele dia, e se pegou
virando na cama enquanto meditava sobre as palavras finais de Meistre
Aemon. - Permita-me, senhor, dar-lhe um último conselho - o velho
falara - o mesmo conselho que uma vez dei ao meu irmão quando nos
separamos pela última vez. Ele tinha trinta e três quando o Grande
Conselho o escolheu para assumir o Trono de Ferro. Um homem crescido,
com seus próprios filhos, mas em alguns aspectos ainda um menino.
Ovo tinha uma inocência, uma doçura que todos amávamos. Mate o
menino em você, eu disse para ele no dia em que peguei o navio para
a Muralha. É preciso um homem para governar. Um Aegon, não um Ovo.
Mate o menino e deixe o homem nascer. - O velho sentiu o rosto de Jon
com as mãos. - Você tem metade da idade que Ovo tinha, e temo que
seu fardo seja mais cruel do que o dele. Você terá poucas alegrias
com seu comando, mas penso que terá forças para fazer as coisas que
precisam ser feitas. Mate o menino, Jon Snow. O inverno está quase
sobre nós. Mate o menino e deixe o homem nascer.
Jon
vestiu a capa e saiu. Ele fazia rondas no Castelo Negro todos os
dias, visitando os homens de guarda e ouvindo seus relatos em
primeira mão, observando Ulmer treinar os arqueiros a acertar o
alvo, falando tanto com os homens do rei quanto com os homens da
rainha, caminhando pelo topo da Muralha, para dar uma olhada na
floresta. Fantasma caminhava com ele, uma sombra branca ao seu lado.
Kedge
Olho-Branco estava na Muralha quando Jon subiu. Kedge já havia visto
uns quarenta dias de seu nome, trinta dos quais na Muralha. Seu olho
esquerdo estava cego, o direito mais ou menos. Na natureza, com um
machado e um garrano, era tão bom patrulheiro quanto qualquer um da
Patrulha, mas nunca se dera bem com outros homens.
-
Um dia quieto - disse para Jon. - Nada para informar, exceto os
cavaleiros do caminho-errado.
-
Cavaleiros do caminho-errado? - Jon perguntou.
Kedge
sorriu.
-
Um par de cavaleiros. Saíram há uma hora, sentido sul, pela estrada
do rei. Quando Dywen viu os dois indo embora, disse que os tolos
sulistas estavam cavalgando pelo caminho-errado.
-
Entendo - disse Jon.
Descobriu
mais do próprio Dywen, enquanto o velho patrulheiro tomava uma
tigela de caldo de cevadinha no alojamento.
-
Sim, senhor, eu vi os dois. Horpe e Massey, eram eles. Falaram que
Stannis mandou eles saírem, mas não falaram para onde, para quê,
ou quando estariam de volta.
Sor
Richard Horpe e Sor Justin Massey eram ambos homens da rainha e
tinham altos postos no conselho do rei. Um par de homens comuns seria
suficiente se Stannis quisesse fazer algum reconhecimento,Jon Snow
refletiu, mas cavaleiros são mais indicados para atuar como
mensageiros ou enviados. Cotter Pyke enviara uma carta de
Atalaialeste dizendo que o Senhor das Cebolas e Salladhor Saan haviam
partido para Porto Branco, para negociar com Lorde Manderly. Fazia
sentido que Stannis tivesse despachado outros enviados. Sua Graça
não era um homem paciente.
Se
os cavaleiros do caminho-errado voltariam era outra questão. Eles
podiam ser cavaleiros, mas não conheciam o Norte. Haverá olhos ao
longo da estrada do rei, e nem todos amigáveis. Mas isso não era
problema de Jon. Deixe Stannis com seus segredos. Os deuses sabem que
tenho o meu.
Fantasma
dormiu aos pés de sua cama naquela noite, e por uma vez Jon não
sonhou que era um lobo. Mesmo assim, dormiu de forma intermitente,
virando-se de um lado para o outro por horas antes de mergulhar em um
pesadelo. Goiva estava nele, chorando, implorando que deixasse seus
bebês em paz, mas ele tirava as crianças dos braços dela e
arrancava suas cabeças, para depois trocá-las e falar para ela
costurá-las no lugar.
Quando
acordou, encontrou Edd Tollett pairando sobre ele na escuridão do
quarto.
-
Senhor? Já está na hora. A hora do lobo. Deixou ordens para que
fosse acordado.
-
Traga-me algo quente. - Jon afastou os cobertores.
Edd
voltou bem na hora em que ele terminou de se vestir, apertando uma
xícara fumegante entre as mãos. Jon esperava vinho quente com
especiarias e ficou surpreso ao encontrar sopa, um caldo ralo que
cheirava a alho-poró e cenouras, mas que parecia não ter nem
alho-poró nem cenouras. Os cheiros são mais fortes nos meus sonhos
de lobo, refletiu, e a comida parece mais saborosa também. Fantasma
está mais vivo do que eu. Deixou a xícara vazia sobre a forja.
Barricas
estava em sua porta naquela manhã.
-
Quero falar com Bedwyck e com Janos Slynt - Jon lhe disse. - Traga os
dois aqui na primeira hora da manhã.
Do
lado de fora, o mundo estava negro e imóvel. Frio, mas não
perigosamente frio. Não ainda. Ficará mais quente quando o sol
nascer. Se os deuses forem bons, a Muralha vai chorar. Quando
chegaram ao cemitério, a coluna já estava em formação. Jon dera o
comando da escolta a Jack Negro Bulwer, com uma dúzia de
patrulheiros montados e duas carroças. Uma estava repleta de arcas,
engradados e sacos, com provisões para a viagem. A outra tinha um
teto estirado de couro fervido para manter o vento do lado de fora.
Meistre Aemon estava sentado no fundo desta, encolhido em uma pele de
urso que o fazia parecer tão pequeno quanto uma criança. Sam e
Goiva estavam por perto. Os olhos dela estavam vermelhos e inchados,
mas o menino estava em seus braços, embrulhado apertado. Se era o
filho dela ou o de Dalla, ele não tinha certeza. Ele vira os dois
juntos apenas algumas vezes. O menino de Goiva era mais velho, o de
Dalla mais robusto, mas tinham quase a mesma idade e tamanho, então
ninguém sabia dizer muito bem qual era um e qual era o outro.
-
Lorde Snow - Meistre Aemon chamou - deixei um livro para você em
meus aposentos. O Compêndio Jade. Foi escrito pelo aventureiro
volantino Colloquo Votar, que viajou para o leste e visitou todas as
terras do Mar de Jade. Há uma passagem que pode interessá-lo. Pedi
para que Clydas a marcasse para você.
-
Eu certamente lerei.
Meistre
Aemon limpou o nariz.
-
O conhecimento é uma arma, Jon. Arme-se bem antes de ir para a
batalha.
-
Farei isso. - Jon sentiu algo molhado e gelado no rosto. Quando
ergueu os olhos, viu que estava chovendo. Um mau presságio. Virou-se
para Jack Negro Bulwer. - Faça no melhor tempo que puder, mas não
corra riscos tolos. Você tem um velho e um bebê de peito com você.
Mantenha-os aquecidos e bem alimentados.
-
Faça o mesmo, senhor. - Goiva não parecia ter nenhuma pressa em
subir na carroça. - Faça o mesmo pelo outro. Encontre uma ama de
leite para ele, como disse que faria. Prometeu-me isso. O menino ...
o menino de Dalla ... o principezinho, quero dizer... encontre uma
boa mulher pra ele, pra que ele cresça grande e forte.
-
Você tem minha palavra.
-
Não dê nome pra ele. Não até que ele tenha mais de dois anos. Dá
azar dar um nome pra eles enquanto ainda estão no peito. Seus corvos
não sabem disso, mas é verdade.
-
Como desejar, senhora.
-
Não me chame assim. Sou uma mãe, não uma senhora. Sou esposa e
filha de Craster, e uma mãe. - Ela deu o bebê para Edd Doloroso
enquanto subia na carroça e se cobria com peles. Quando Edd lhe
devolveu a criança, Goiva o colocou no peito. Sam virou o rosto,
corado, e subiu em sua égua. - Vamos - comandou Jack Black Bulwer,
estalando o chicote. As carroças moveram-se adiante.
Sam
permaneceu um momento.
-
Bem - disse - até à vista.
-
Até à vista, Sam - disse Edd Doloroso. - Não é provável que seu
navio afunde, acho. Barcos só afundam quando estou a bordo.
Jon
estava recordando.
-
Na primeira vez que vi Goiva, ela estava encostada na parede da
Fortaleza de Craster, uma menina magrela de cabelos escuros, com a
barriga grande, encolhida de medo do Fantasma. Ele tinha se metido
entre os coelhos dela, e acho que ela tinha medo que ele a abrisse e
devorasse seu bebê... mas não era do lobo que ela tinha que ter
medo, não é mesmo?
-
Ela tem mais coragem do que imagina - Sam disse.
-
E você também, Sam. Faça uma viagem rápida e segura, e cuide
dela, de Aemon e da criança. - O frio escorrendo por seu rosto fez
Jon lembrar-se do dia em que se despediu de Robb, em Winterfell, sem
imaginar que seria a última vez. - E puxe o capuz. Os flocos de neve
estão derretendo em seu cabelo.
Quando
a pequena coluna diminuiu com a distância, o céu orientai tinha ido
de negro a cinza e a neve caía pesadamente.
-
O Gigante estará esperando as ordens do Senhor Comandante - Edd
Doloroso o lembrou. - E Janos Slyrlt também.
-
Sim. - Jon Snow deu uma olhada para a Muralha, erguendo-se sobre eles
como um penhasco de gelo. Quinhentos quilômetros de ponta a ponta, e
mais de duzentos metros de altura. A força da Muralha estava em sua
altura; o comprimento da Muralha era sua fraqueza. Jon se lembrou de
algo que o pai lhe dissera certa vez. Uma muralha é tão forte
quanto os homens que estão atrás dela. Os homens da Patrulha da
Noite eram suficientemente corajosos, mas estavam longe de ser em
número suficiente para a tarefa que tinham pela frente.
O
Gigante o esperava no arsenal. Seu nome verdadeiro era Bedwyck. Com
um fio de cabelo acima de um metro e meio, era o menor homem da
Patrulha da Noite. Jon foi direto ao ponto.
-
Precisamos de mais olhos na Muralha. As fortalezas são o lugar em
que nossas patrulhas podem se abrigar do frio e encontrar comida
quente. Vou colocar uma guarnição em Marcagelo e darei o comando
dela para você.
O
Gigante colocou a ponta do dedo mínimo no ouvido para limpá-lo da
cera.
-
Comando? Eu? O senhor sabe que sou só um arrendatário que veio para
a Muralha por caça ilegal?
-
Você é patrulheiro há uma dúzia de anos. Sobreviveu ao Punho dos
Primeiros Homens e à Fortaleza de Craster, e voltou para contar a
história. Os homens mais jovens se espelham em você.
O
homenzinho sorriu.
-
Só anões se espelham em mim. Não sei ler, senhor. Em um dia bom,
posso escrever meu nome.
-
Pedi mais meistres para Vilavelha. Você terá dois corvos para casos
urgentes. Quando não for emergência, pode mandar patrulheiros. Até
que tenhamos mais meistres e mais aves, pretendo fazer uma linha de
faróis ao longo do topo da Muralha.
-
E quantos pobres tolos vou comandar?
-
Vinte, da Patrulha - disse Jon - e metade disso de homens de Stannis.
- Velhos, inexperientes ou feridos. - Eles não serão seus melhores
homens e nenhum deles vestirá o negro, mas vão obedecer. Faça o
uso que desejar deles. Quatro dos irmãos que vou mandar com você
serão de Porto Real, que vieram para a Muralha com Lorde Slynt.
Mantenha um olho neles e vigie os escaladores com o outro.
-
Podemos vigiar, senhor, mas se escaladores suficientes chegarem ao
topo da Muralha, trinta homens não vão conseguir derrubá-los.
Trezentos
homens podem não ser o suficiente. Jon manteve aquela dúvida para
si mesmo. Era verdade que escaladores eram muito vulneráveis durante
a subida. Pedras, lanças e barris de piche ardente podiam ser
derramados de cima, e tudo o que eles podiam fazer era se agarrar
desesperadamente ao gelo. Algumas vezes, a própria Muralha os
repelia, como um cachorro se abana para se livrar das pulgas. Jon
havia visto isso com seus próprios olhos, quando uma camada de gelo
rachou sob o amante de Val, Jari, e o mandou para a morte.
No
entanto, se os escaladores chegassem ao topo da Muralha sem ser
notados, tudo mudava. Com tempo, eles podiam escavar pontos de apoio
para os pés, fazendo baluartes dos quais podiam atirar cordas e
escadas para que milhares subissem depois deles. Fora assim que
Raymun Barbarruiva fizera, Raymun que havia sido
Rei-para-lá-da-Muralha nos dias do avô de seu avô. Jack Musgood
era o Senhor Comandante naquela época. Jack Alegre era como o
chamavam antes que Barbarruiva viesse do Norte; tornou-se Jack
Sonolento para sempre, depois disso. O grupo de Raymun encontrara um
fim sangrento nas margens do Lago Longo, pego entre Lorde Willam de
Winterfell e o Gigante Bêbado, Harmond Umber. Barbarruiva foi morto
por Artos, o Implacável, irmão mais novo de Lorde Willam. A
Patrulha chegou tarde demais para combater os selvagens, mas a tempo
de enterrá-los, tarefa que Artos Stark designou para eles, em sua
ira, enquanto velava o cadáver sem cabeça do irmão.
Jon
não pretendia ser lembrado como o Sonolento Jon Snow.
-
Trinta homens são uma chance melhor do que nenhum - disse ao
Gigante.
-
Isso é verdade - o homenzinho respondeu. - Vai ser só Marcagelo, ou
o senhor vai abrir os outros fortes também?
-
Pretendo guarnecer todos eles, com o tempo - disse Jon - mas por
enquanto serão apenas Marcagelo e Guardagris.
-
E o senhor já decidiu quem vai comandar Guardagris?
-
Janos Slynt - falou Jon. Que os deuses nos ajudem. - Um homem não
ganha o comando dos mantos dourados sem alguma habilidade. Slynt
nasceu filho de um açougueiro. Era capitão dos Portões de Ferro
quando Manly Stokeworth morreu, e Jon Arryn o promoveu e colocou a
defesa de Porto Real nas mãos dele. Lorde Janos não pode ser um
tolo tão grande quanto parece. - E eu o quero longe de Alliser
Thorne.
-
Pode ser que seja assim - disse o Gigante - mas eu ainda mandaria ele
para as cozinhas, para ajudar Hobb Três-Dedos a cortar nabos.
Se
fizer isso, nunca mais ousarei comer outro nabo.
Metade
da manhã se passara antes que Lorde Janos se apresentasse, como lhe
fora ordenado. Jon estava limpando Garralonga. Alguns homens davam
essa tarefa para um intendente ou um escudeiro, mas Lorde Eddard
ensinara os filhos a cuidar das próprias armas. Quando Barricas e
Edd Doloroso chegaram com Slynt, Jon agradeceu-lhes e convidou Lorde
Janos a se sentar.
Foi
o que ele fez, com pouca elegância, cruzando os braços, carrancudo,
e ignorando o aço nu nas mãos do Senhor Comandante. Jon deslizou o
oleado pela espada bastarda, observando as luzes da manhã brincando
em suas ondulações, pensando em quão fácil a lâmina atravessaria
pele, gordura e tendões para separar a cabeça feia de Slynt de seu
corpo. Todos os crimes de um homem eram esquecidos quando ele vestia
o negro, assim como todas as alianças, ainda assim era difícil
pensar em Janos Slynt como um irmão. Há sangue entre nós. Esse
homem ajudou a assassinar meu pai e fez o melhor que pôde para me
matar também.
-
Lorde Janos - Jon embainhou a espada - estou lhe dando o comando de
Guardagris.
Aquilo
pegou Slynt de surpresa.
-
Guardagris... Guardagris foi onde você escalou a Muralha com seus
amigos selvagens ...
-
Foi. A fortaleza está em estado lamentável, sem dúvida. Você vai
restaurá-la da melhor maneira que puder. Comece limpando a floresta,
afastando-a. Pegue pedras das estruturas que caíram para reparar as
que ainda estão em pé. - O trabalho será brutal, ele podia ter
dito. Você dormirá na pedra, cansado demais para reclamar ou
tramar, e logo vai esquecer o que é se sentir aquecido, mas poderá
se lembrar de como é ser um homem. - Você terá trinta homens. Dez
daqui, dez da Torre Sombria e dez emprestados pelo Rei Stannis.
O
rosto de Slynt ficou cor de ameixa. Sua papada começou a tremer.
-
Você acha que não vejo o que está fazendo? Janos Slynt não é
homem para ser enganado tão facilmente. Eu cuidava da defesa de
Porto Real enquanto você ainda se sujava em seus panos. Fique com
sua ruína, bastardo.
Estou
lhe dando uma chance, senhor. É mais do que deu para meu pai.
-
Engana-se comigo, senhor - Jon disse. - Isto é uma ordem, não uma
oferta. São mais de duzentos quilômetros até Guardagris. Embale
suas armas e armadura, faça suas despedidas e esteja pronto para
partir na primeira luz da manhã.
-
Não. - Lorde Janos levantou-se abruptamente, derrubando a cadeira
para trás. - Não vou partir humildemente para congelar e morrer.
Nenhum bastardo de um traidor vai dar ordens para Janos Slynt! Não
estou sem amigos, fique sabendo. Aqui e em Porto Real também. Eu era
Senhor de Harrenhal! Dê sua ruína para um dos tolos cegos que
atiram uma pedra por você, porque eu não vou para lá. Você me
ouviu, rapaz? Não vou para lá!
-
Você vai.
Slynt
não se dignou a responder, mas chutou a cadeira para o lado quando
saiu.
Ele
ainda me vê como um garoto, Jon pensou, um garoto inexperiente que
pode ser intimidado por palavras raivosas. Ele só podia esperar que
uma noite de sono trouxesse um pouco de juízo a Lorde Janos.
A
manhã seguinte provou que suas esperanças eram vãs.
Jon
encontrou Slynt quebrando o jejum no salão comum. Sor Alliser Thorne
estava com ele, e vários de seus comparsas. Estavam rindo de algo
quando Jon desceu os degraus acompanhado de Emmett de Ferro e Edd
Doloroso e, atrás deles, Mully; Cavalo, Jack Caranguejo Vermelho,
Rusty Flowers e Owen, o Idiota. Hobb Três-Dedos estava servindo
mingau de aveia de seu caldeirão. Homens da rainha, homens do rei e
irmãos negros sentavam em mesas separadas, alguns debruçados sobre
suas tigelas, outros enchendo a barriga de pão frito e bacon. Jon
viu Pyp e Green em uma mesa, Bowen Marsh em outra. O ar cheirava a
fumaça e gordura, e o barulho de facas e colheres ecoava pelo teto
abobadado.
Todas
as vozes morreram ao mesmo tempo.
-
Lorde Janos - Jon disse - vou lhe dar uma última chance. Abaixe a
colher e vá para os estábulos. Seu cavalo já está com sela e
freio. É um longo e difícil caminho para Guardagris.
-
Então é melhor se colocar a caminho, garoto. - Slynt riu, com
mingau escorrendo pelo peito. - Guardagris é um bom lugar para
pessoas como você, estou pensando. Bem longe de gente decente e boa.
A marca da besta está em você, bastardo.
-
Está se recusando a obedecer minha ordem?
-
Você pode enfiar sua ordem no seu rabo bastardo - disse Slynt, com a
papada tremendo.
Alliser
Thome deu um tênue sorriso, os olhos negros fixos em Jon. Em outra
mesa, Godry, o Matador de Gigantes, começou a rir.
-
Como desejar. - Jon acenou para Emmett de Ferro. - Por favor, leve
Lorde Janos para a Muralha ...
...
e confine-o em uma cela de gelo, ele poderia ter dito. Um dia ou dez
apertado dentro do gelo, e ele ficaria trêmulo e febril, implorando
para ser libertado, Jon não tinha dúvidas. E no momento em que
estivesse fora, ele e Thome começariam a tramar novamente.
...
e amarre-o ao seu cavalo, ele poderia ter dito. Se Slynt não
desejava ir para Guardagris como comandante, poderia ir como
cozinheiro. Mas seria apenas questão de tempo até que ele
desertasse. E quantos outros levaria com ele?
...
e enforque-o,Jon completou.
O
rosto de Janos Slynt ficou branco como leite. A colher caiu de seus
dedos. Edd e Emmett cruzaram o salão, seus passos ecoando no chão
de pedra. Bowen Marsh abriu e fechou a boca, mas as palavras não
saíram. Sor Alliser Thome alcançou o punho da espada. Vamos lá,
Jon pensou. Garralonga estava pendurada em suas costas. Mostre seu
aço. Me dê motivo para fazer o mesmo.
Metade
dos homens no salão estava em pé. Cavaleiros sulistas e homens em
armas, leais ao Rei Stannis ou à mulher vermelha, ou a ambos, e
Irmãos Juramentados da Patrulha da Noite. Alguns haviam escolhido
Jon para ser Senhor Comandante deles. Outros haviam colocado suas
pedras para Bowen Marsh, Sor Denys Mallister, Cotter Pyke ... e
alguns para Janos Slynt. Centenas deles, se me lembro bem. Jon se
perguntava quantos deles estariam naquele porão. Por um momento, o
mundo ficou equilibrado no fio da espada.
Alliser
Thome tirou a mão da espada e deu um passo para trás, para deixar
Edd Doloroso passar.
Edd
Doloroso segurou Slynt por um braço, Emmett de Ferro pelo outro.
Juntos, arrancaram-no do banco.
-
Não! - Lorde Janos protestou, cuspindo mingau. - Não! Solte-me. Ele
é só um garoto, um bastardo. O pai dele era um traidor. A marca da
besta está nele, aquele lobo ... Soltem-me! Vão lamentar o dia que
colocaram as mãos em Janos Slynt. Tenho amigos em Porro Real. Estou
avisando. - Ele ainda estava protestando, conforme eles meio andavam,
meio o arrastavam pelos degraus.
Jon
os seguiu para fora. Atrás dele, o porão havia se esvaziado. Na
gaiola, Slynt conseguiu escapar por um momento e tentou lutar, mas
Emmett de Ferro o pegou pela garganta e apertou-o contra as barras de
ferro até que desistisse. Nesse momento, todo o Castelo Negro já
estava do lado de fora para assistir. Até Val estava em sua janela,
com a longa trança dourada em um ombro. Stannis estava em pé nos
degraus da Torre do Rei, cercado por seus cavaleiros.
-
Se o rapaz acha que pode me assustar, está enganado - ouviram Lorde
Janos dizer. - Ele não ousará me enforcar. Janos Slynt tem amigos,
amigos importantes, vocês verão ... - o vento levou embora o resto
de suas palavras.
Isto
está errado, Jon pensou.
-
Pare.
Emmett
virou-se, franzindo a testa.
-
Senhor?
-
Não vou enforcá-lo - Jon disse. - Traga-o aqui.
-
Oh, os Sete nos salvaram - ele ouviu Bowen Marsh gritar.
O
sorriso que Lorde Janos Slynt deu tinha toda a doçura de manteiga
rançosa. Até que Jon disse:
-
Edd, traga-me um bloco - e desembainhou Garralonga.
Enquanto
um bloco adequado para corte estava sendo procurado, Lorde Janos
voltou para dentro da gaiola, mas Emmett de Ferro foi atrás dele e o
arrancou de lá.
-
Não! - gritou Slynt, enquanto Emmett meio o empurrava meio o puxava
pelo pátio.
-
Solte-me... vocês não podem... quando Lorde Tywin Lannister ouvir
falar disso, vocês todos estarão ...
Emmett
chutou suas pernas para derrubá-lo. Edd Doloroso colocou um pé em
suas costas para mantê-lo de joelhos, enquanto Emmett posicionava o
bloco sob sua cabeça.
-
Isto será mais fácil se você ficar quieto - Jon prometeu para ele.
- Mova-se para evitar o corte e você ainda morrerá, mas sua morte
será mais feia. Estique o pescoço, senhor. - A luz clara do sol da
manhã correu pela lâmina enquanto Jon tirou a espada bastarda da
bainha com as duas mãos e a levantou. - Se tem alguma última coisa
para dizer, agora é a hora de falar - disse, esperando uma última
maldição.
Janos
Slynt virou o pescoço para encará-lo.
-
Por favor, senhor. Perdão. Eu ... Eu irei, eu vou, eu ...
Não,
pensou Jon. Você fechou esta porta. Garralonga desceu.
-
Posso ficar com as botas dele? - perguntou Owen, o Idiota, enquanto a
cabeça de Janos Slynt rolava pelo chão lamacento. - Estão quase
novas, essas botas. Forradas com pele.
Jon
olhou para Stannis. Por um instante, seus olhos se encontraram. Então
o rei assentiu com a cabeça e voltou para dentro de sua torre.
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