quarta-feira, 25 de setembro de 2013

7 - JON


Jon leu e releu a carta até que as palavras começaram a ficar borradas e a correr juntas. Não posso assinar isto. Não vou assinar isto.
Ele quase queimou o pergaminho. Em vez disso, tomou um gole de cerveja, do resto que sobrara da ceia solitária da noite anterior. Tenho que assinar. Me escolheram Senhor Comandante. A Muralha é minha, e a Patrulha também. A Patrulha da Noite não toma partido.
Foi um alívio quando Edd Doloroso Tollett abriu a porta para dizer que Goiva estava lá. Jon deixou a carta de Meistre Aemon de lado.
- Eu a verei agora. - Ele temia isso. - Encontre Sam para mim. Vou falar com ele em seguida.
- Ele deve estar lá embaixo, com os livros. Meu velho septão costumava dizer que livros são mortos que andam. Os mortos devem ser deixados em paz, é o que digo. Ninguém quer ouvir o blá-blá-blá de um morto - Edd Doloroso saiu resmungando cobras e lagartos.
Goiva entrou e se ajoelhou. Jon deu a volta na mesa e a ajudou a se levantar.
- Você não precisa se ajoelhar para mim. Isso é só para os reis.
Embora já fosse esposa e mãe, Goiva ainda parecia meio criança para ele, uma coisinha magra embrulhada em uma das velhas capas de Sam. A capa era tão grande que ela poderia ter escondido várias outras meninas nas dobras.
- Os bebês estão bem? - ele perguntou.
A garota selvagem sorriu timidamente sob o capuz.
- Sim, senhor. Eu tinha medo de não ter leite suficiente para os dois, mas, quanto mais eles mamam, mais leite tenho. Estão fortes.
- Tenho algo difícil para lhe falar. - Ele quase dissera lhe pedir, mas calou-se no último instante.
- É sobre Mance? Val implorou ao rei que o poupasse. Disse que se casará com um ajoelhador e nunca cortará a garganta dele se Mance viver. Aquele Senhor dos Ossos, ele está para ser poupado. Craster sempre jurou que o mataria se ele desse as caras na Fortaleza. Mance nunca fez metade das coisas que ele fez.
Tudo que Mance fizera fora liderar um exército contra o reino que ele uma vez jurou proteger.
- Mance fez seus votos, Goiva. Então virou a casaca, casou-se com Dalla e se coroou Rei-para-Iá-da-Muralha. A vida dele está nas mãos do rei agora. Não é sobre ele que preciso falar com você. É sobre o filho dele. O menino de Dalla.
- O bebê? - A voz dela tremeu. - Ele nunca quebrou nenhum juramento, senhor. Ele dorme, chora e mama, e nunca fez mal a alguém. Não deixe que o queimem. Salve-o, por favor.
- Só você pode fazer isso, Goiva - e Jon lhe disse como.
Outra mulher teria gritado com ele, o teria amaldiçoado, condenado aos sete infernos. Outra mulher poderia ter partido para cima dele com raiva, estapeando-o, chutando-o, tentando arrancar seus olhos com as unhas. Outra mulher poderia ter jogado sua ira na cara dele.
Goiva abanou a cabeça.
- Não. Por favor, não.
O corvo imitou a palavra. Não, gritou.
- Se você se negar, o menino será queimado. Não amanhã, nem no dia seguinte... mas logo, assim que Melisandre precisar acordar um dragão, convocar o vento, ou fazer algum outro feitiço que precise de sangue real. Quando Mance for cinzas e ossos, ela reivindicará o filho dele para o fogo, e Stannis não negará. Se você não tirar o menino daqui, ela vai queimá-lo.
- Eu tiro - disse Goiva. - Eu levo ele. Vou tirar os dois daqui, o menino de Dalla e o meu. - Lágrimas rolaram pelo rosto dela. Se a luz das velas não as tivessem feito brilhar, Jon nunca saberia que ela estava chorando. As esposas de Craster haviam ensinado suas filhas a derramar as lágrimas no travesseiro. Talvez elas fossem para fora para chorar, longe dos punhos de Craster.
Jon fechou os dedos da mão na espada.
- Leve os dois meninos e os homens da rainha irão atrás de você para trazê-los de volta. O garoto ainda será queimado ... e você com ele. - Se eu a consolar, ela pode achar que algumas lágrimas podem me fazer mudar de ideia. Ela precisa perceber que não vou ceder. - Você levará um menino, e será o de Dalla.
- Uma mãe não pode deixar seu filho, ou será amaldiçoada para sempre. Não um filho. Nós salvamos ele, Sam e eu. Por favor. Por favor, senhor. Nós salvamos ele do frio.
- Dizem que congelar até a morte é quase sereno. O fogo, no entanto ... você vê a vela, Goiva?
Ela olhou para a chama.
- Sim.
- Toque-a. Coloque sua mão sobre a chama.
Os grandes olhos castanhos da moça ficaram ainda maiores. Ela não se moveu.
- Faça isso. - Mate o menino. - Agora.
Tremendo, a garota esticou a mão, mantendo-a bem acima da chama bruxuleante da vela.
- Para baixo. Deixe o fogo beijá-la.
Goiva abaixou sua mão. Um centímetro. Outro. Quando a chama lambeu sua carne, ela puxou a mão para trás e começou a soluçar.
- O fogo é uma maneira cruel de morrer. Dalla morreu para dar à luz o filho, mas você o alimenta e o acalenta. Você salvou seu próprio menino do gelo. Agora salve o dela do fogo.
- Aí eles vão queimar meu bebê. A mulher vermelha. Se ela não tiver o filho de Dalla, ela vai queimar o meu.
- Seu filho não tem sangue real. Melisandre não ganhará nada dando-o para o fogo. Stannis quer que o povo livre lute por ele e não queimará um inocente sem uma boa causa. Seu menino estará seguro. Encontrarei uma ama de leite para ele, e ele será criado aqui no Castelo Negro, sob minha proteção. Ele aprenderá a caçar e a cavalgar, a lutar com a espada, com o machado e com o arco. Providenciarei para que aprenda a ler e escrever. - Sam gostaria disso. - E quando ele tiver idade suficiente, saberá a verdade sobre quem é. E será livre para procurar por você, se for o que ele desejar.
- Você vai transformar ele em um corvo - ela limpou as lágrimas com o dorso da pequena e pálida mão. - Não quero. Não quero.
Mate o menino, pensou Jon.
- Você vai. Uma coisa eu lhe prometo: no dia em que queimarem o filho de Dalla, o seu morre também.
Morre, gritou o corvo do Velho Urso. Morre, morre, morre.
A garota se sentou, curvada e encolhida, olhando para a chama da vela, lágrimas brilhando em seus olhos. Finalmente Jon disse:
- Tem minha permissão para ir. Não fale com ninguém sobre isso, mas esteja pronta para partir uma hora antes da primeira luz. Meus homens irão com você.
Goiva levantou-se. Pálida e sem palavras, partiu sem olhar novamente para ele. Jon ouviu os passos dela enquanto atravessava o arsenal Estava quase correndo.
Quando foi fechar a porta, Jon viu Fantasma estendido sob uma bigorna, roendo o osso de um boi. O imenso lobo gigante branco o olhou quando ele se aproximou.
- Fazia tempo que você não aparecia. - Ele voltou para sua cadeira, para ler a carta de Meistre Aemon mais uma vez.
Samwell Tarly apareceu um pouco depois, carregando uma pilha de livros. Mal ele entrou o corvo de Mormont voou até ele, exigindo grão. Sam fez o melhor que pôde para atendê-lo, oferecendo alguns grãos de milho do saco ao lado da porta. O corvo fez o melhor que pôde para bicar a palma de sua mão. Sam gritou, o pássaro bateu as asas e o milho se espalhou.
- O patife machucou você? - Jon perguntou.
Sam tirou as luvas com cuidado.
- Machucou. Estou sangrando.
- Todos derramamos nosso sangue pela Muralha. Use luvas mais grossas - Jon empurrou uma cadeira para ele, com o pé. - Sente-se e dê uma olhada nisto. - Deu o pergaminho para Sam.
- O que é isto?
- Um escudo de papel
Sam leu devagar.
- Uma carta para o Rei Tommen?
- Em Winterfell, Tommen lutou com meu irmão Bran com espadas de madeira - Jon disse, recordando-se. - Sua roupa era tão almofadada que ele parecia um ganso recheado. Bran o derrubou. - Foi até a janela e abriu as persianas. O ar lá fora era frio e estimulante, embora o céu estivesse com uma monótona cor cinza. - E agora Bran está morto, e o rechonchudo e rosado Tommen está sentado no Trono de Ferro, com uma coroa aninhada em seus cachos dourados.
Sam lhe deu um olhar estranho e, por um momento, pareceu querer dizer alguma coisa. Em vez disso, engoliu em seco e voltou ao pergaminho.
- Você não assinou a carta.
Jon balançou a cabeça.
- O Velho Urso implorou ajuda ao Trono de Ferro uma centena de vezes. Enviaram Janos Slynt para ele. Nenhuma carta fará os Lannister gostarem mais de nós. Ainda mais quando ouvirem dizer que estamos ajudando Stannis.
- Somente para defender a Muralha, não em sua rebelião. É o que diz aqui.
- A diferença pode escapar a Lorde Tywin. - Jon pegou a carta de volta. - Por que ele nos ajudaria agora? Nunca ajudou antes.
- Bem, ele não vai querer que falem por aí que Stannis cavalgou para defender o reino enquanto o Rei Tommen brincava com seus brinquedos. Isso faria o escárnio cair sobre a Casa Lannister.
- É morte e destruição que quero para a Casa Lannister, não escárnio. - Jon leu a carta. - A Patrulha da Noite não toma partido nas guerras dos Sete Reinos. Nossos votos são prestados ao reino, e o reino agora está em grande perigo. Stannis Baratheon nos ajudou contra os inimigos para lá da Muralha, embora não sejamos seus homens ...
Sam se contorceu na cadeira.
- Bem, nós não somos. Somos?
- Dei comida, abrigo e o Fortenoite para Stannis, e autorização para que estabelecesse pessoas do povo livre na Dádiva. E foi tudo.
- Lorde Tywin dirá que foi muito.
- E Stannis diz que não é o suficiente. Quanto mais você dá a um rei, mais ele quer. Estamos caminhando sobre uma ponte de gelo com abismo dos dois lados. Agradar um rei já é difícil. Agradar dois é praticamente impossível.
- Sim, mas ... se os Lannister ganharem e Lorde Tywin decidir que nós traímos o rei ao ajudar Stannis, isso pode significar o fim da Patrulha da Noite. Ele tem os Tyrell ao seu lado, com a força de Jardim de Cima. E ele derrotou Lorde Stannis na Água Negra.
- A Água Negra foi uma batalha. Robb venceu todas as suas batalhas e mesmo assim perdeu a cabeça. Se Stannis conseguir levantar o Norte ...
Sam hesitou e, então, disse:
- Os Lannister também têm nortenhos ao seu lado. Lorde Bolton e seu bastardo.
- Stannis tem os Karstarks. Se ele conseguir o apoio de Porto Branco...
- Se - Sam destacou. - Se não ... meu senhor, até mesmo um escudo de papel é melhor do que nenhum.
- Acho que sim. - Tanto Aemon quanto ele. De alguma forma, esperara que Sam Tarly pudesse ver de modo diferente. É somente tinta e pergaminho. Resignado, pegou a pena e assinou. - Coloque o lacre. - Antes que eu mude de ideia. Sam apressou-se em obedecer. Jon colocou o selo de Senhor Comandante e lhe entregou a carta. - Leve isto para Meistre Aemon quando partir e diga para ele despachar uma ave para Porto Real.
- Pode deixar. - Sam parecia aliviado. - Senhor, se me permite perguntar... Vi Goiva saindo daqui. Ela estava quase chorando.
- Val a enviou aqui para pedir por Mance novamente - Jon mentiu, e conversaram um pouco sobre Mance, Stannis e Melisandre de Asshai, até que o corvo comeu o último grão de milho e gritou: Sangue.
- Vou mandar Goiva embora - Jon disse. - Ela e o menino. Precisamos encontrar outra ama para seu irmão de leite.
- Leite de cabra servirá, até que você encontre outra. É melhor para um bebê do que leite de vaca. - Falar de peitos deixava Sam claramente desconfortável, e de repente ele começou a contar uma história sobre um rapaz comandante que vivera e morrera havia centenas de anos. Jon o cortou:
- Conte-me algo útil. Fale-me sobre nossos inimigos.
- Os Outros. - Sam passou a língua pelos lábios. - Eles são mencionados nos anais, embora não com tanta frequência quanto eu imaginava. Isso nos anais que achei e vasculhei. Sei que há outros que ainda não encontrei. Alguns dos livros antigos estão caindo aos pedaços. As páginas se desfazem quando tento virá-las. E os livros realmente antigos ... ou já se desintegraram, ou estão enterrados em algum lugar que ainda não olhei ou ... bem, pode ser que não existam tais livros, nem nunca tenham existido. As histórias mais antigas que temos foram escritas depois que os ândalos chegaram a Westeros. Os Primeiros Homens só nos deixaram runas em pedras, então tudo o que pensamos saber sobre a Era dos Heróis, a Era da Aurora e a Longa Noite vieram de cálculos feitos por septões milhares de anos mais tarde. Há arquimeistres na Cidadela que questionam tudo isso. Essas histórias antigas estão cheias de reis que governaram por centenas de anos e cavaleiros que andaram por aí milhares de anos antes de existirem cavaleiros. Você conhece as histórias, Brandon, o Construtor, Symeon Olhos-de-Estrela, os Reis da Noite... nós dizemos que você é o nonocentésimo nonagésimo oitavo Senhor Comandante da Patrulha da Noite, mas a lista mais antiga que encontrei mostra seiscentos e setenta e quatro comandantes, o que sugere que foi escrita durante ...
- Há muito tempo - Jon o interrompeu. - Mas e os Outros?
- Encontrei menções sobre a obsidiana. As crianças da floresta costumavam dar para a Patrulha da Noite cem adagas de obsidiana todos os anos, durante a Era dos Heróis. Os Outros vêm quando está frio, a maior parte das histórias concorda. Ou então fica frio quando eles vêm. Algumas vezes eles aparecem durante tempestades de neve e derretem quando o céu fica limpo. Eles se escondem da luz do sol e emergem à noite... ou então a noite cai quando eles emergem. Algumas histórias falam que eles cavalgam em corpos de animais mortos. Ursos, lobos gigantes, mamutes, cavalos, não importa, desde que o animal esteja morto. Aquele que matou Paul Pequeno cavalgava um cavalo morto, então essa parte é claramente verdadeira. Alguns relatos também falam de aranhas gigantes de gelo. Não sei o que podem ser. Os homens mortos em batalha contra os Outros devem ser queimados, ou levantarão novamente como servos deles.
- Isso já sabemos. A questão é: como lutar contra eles?
- A armadura dos Outros é à prova da maioria das lâminas comuns, se podemos acreditar nas lendas, e suas próprias espadas são tão frias que quebram o aço. O fogo os assusta, e eles são vulneráveis à obsidiana. Encontrei um relato da Longa Noite que fala do último herói que matou Outros com uma espada de aço de dragão. Aparentemente, eles não podem lutar contra isso.
- Aço de dragão? - O termo era novo para Jon. - Aço valiriano?
- Foi minha primeira ideia também.
- Então, se conseguirmos convencer os senhores dos Sete Reinos a nos dar suas espadas valirianas, tudo está salvo? Não será tão difícil. - Não mais do que pedir a eles que desistam de seu dinheiro e seus castelos. Deu uma risada amarga. - Você descobriu quem são os Outros, de onde vieram, o que querem?
- Ainda não, senhor, mas pode ser que eu esteja lendo os livros errados. Há centenas que ainda não olhei. Me dê mais tempo e eu encontrarei o que há para ser encontrado.
- Não há mais tempo. Você precisa juntar suas coisas, Sam... Você partirá com Goiva.
- Partir? - Sam olhou para ele de boca aberta, como se não entendesse o significado da palavra. - Vou partir? Para Atalaialeste, senhor? Ou ... aonde eu ...
- Vilavelha.
- Vilavelha? - Sam repetiu, em um guincho agudo.
- Aemon também.
- Aemon? Meistre Aemon? Mas ... ele tem cento e dois anos de idade, senhor, ele não pode... está enviando ele e eu? Quem vai cuidar dos corvos? Se alguém ficar doente ou ferido, quem ...
- Clydas. Ele está com Aemon há anos.
- Clydas é apenas um intendente, e seus olhos estão ficando ruins. Você precisa de um meistre. Meistre Aemon é tão frágil, a viagem pelo mar... ele pode... ele é velho, e...
- Sua vida estará em risco. Estou ciente disso, Sam, mas o risco é maior aqui. Stannis sabe quem Aemon é. Se a mulher vermelha precisar de sangue real para seus feitiços ...
- Oh! - As bochechas gordas de Sam perderam a cor.
- Dareon se juntará a vocês em Atalaialeste. Minha esperança é que as canções dele conquistem alguns homens para nós no Sul O Melro deixará vocês em Bravos. De lá vocês arranjarão passagem para Vilavelha. Se ainda pretende alegar que o bebê de Goiva é seu bastardo, envie-a juntamente com a criança para Monte Chifre. Senão, Aemon vai encontrar um lugar para ela como serva na Cidadela.
- Meu b-b-bastardo. Sim, eu .. minha mãe e minhas irmãs ajudarão Goiva com a criança. Dareon pode ir com ela para Vilavelha tão bem quanto eu. Eu ... Eu tenho treinado com o arco todas as tardes, com Ulmer, como você mandou ... bem, exceto quando estou na abóbada, mas você me disse para pesquisar sobre os Outros. O arco faz meus ombros doerem e levanta bolhas nos meus dedos. - Ele mostrou a mão para Jon. - Mesmo assim, eu treino. Posso acertar o alvo com mais frequência do que antes, mas ainda sou o pior arqueiro que já usou um arco. Gosto das histórias de Ulmer, no entanto. Alguém precisa escrevê-las e colocá-las em um livro.
- Você fará isso. Eles têm pergaminhos e tinta na Cidadela, assim como arcos. Espero que continue a treinar. Sam, a Patrulha da Noite tem centenas de homens que podem atirar uma flecha, mas somente um punhado que sabe ler ou escrever. Preciso que você se torne meu novo meistre.
- Senhor, eu ... meu trabalho é aqui, os livros ...
- ... ainda estarão aqui quando você retornar para nós.
Sam colocou uma mão na garganta.
- Senhor, a Cidadela ... eles nos fazem cortar cadáveres. Não posso usar uma corrente.
- Você pode. Você usará. Meistre Aemon está velho e cego. Suas forças o estão abandonando. Quem tomará seu lugar quando ele morrer? Meistre Mullin, na Torre Sombria, é mais guerreiro do que erudito, e Meistre Harmune, em Atalaialeste, vive mais bêbado do que sóbrio.
- Se pedir mais meistres para a Cidadela ...
- Pretendo fazer isso. Precisaremos de cada um deles. Mas não é tão fácil substituir Aemon Targaryen. - Isso não está indo como eu esperava. Ele sabia que Goiva seria difícil de convencer, mas imaginava que Sam ficaria feliz em trocar os perigos da Muralha pelo calor de Vilavelha. - Eu tinha certeza de que você gostaria disso - ele disse, confuso. - Há tantos livros na Cidadela que nenhum homem pode esperar ler todos. Você se sairá bem lá, Sam. Eu sei que sim.
- Não. Eu poderia ler os livros, mas ... um m-meistre precisa ser curandeiro e s-sangue me faz desmaiar. - Sua mão tremia, para provar a verdade do que ele dizia. - Sou Sam, o Assustado, não Sam, o Matador.
- Assustado? Com o quê? Com censuras de velhos? Sam, você viu as criaturas invadirem o Punho, uma maré de mortos-vivos com mãos negras e brilhantes olhos azuis. Você matou um Outro.
- Foi o v-v-vidro de dragão, não eu.
- Chega! - Jon desistiu de argumentar. Depois de Goiva, ele não tinha paciência para os medos do rapaz gordo. - Você mentiu, maquinou e tramou para me fazer Senhor Comandante. Agora vai me obedecer. Irá para a Cidadela e forjará uma corrente, e se tiver que cortar cadáveres, assim será. Pelo menos, em Vilavelha os cadáveres não vão reclamar.
- Meu senhor, meu p-p-pai, Lorde Randyl, ele, ele, ele, ele, ele... a vida de um meistre é uma vida de servidão. Nenhum filho da Casa Tarly jamais usará uma corrente. Nenhum homem de Monte Chifre se curva diante de um senhor insignificante. Jon, não posso desobedecer meu pai.
Mate o menino, Jon pensou. O menino em você e o menino nele. Mate ambos, seu bastardo maldito.
- Você não tem pai. Somente irmãos. Somente nós. Sua vida pertence à Patrulha da Noite, então vá, coloque suas roupas de baixo em um saco, juntamente com qualquer outra coisa que queira levar para Vilavelha. Vocês partirão antes do nascer do sol E aqui está outra ordem. Deste dia em diante, você não se chamará de covarde. Você encarou mais coisas no último ano do que a maioria dos homens em toda a vida. Você pode encarar a Cidadela, mas o fará como um Irmão Juramentado da Patrulha da Noite. Não posso ordenar que seja bravo, mas posso ordenar que esconda seus medos. Você fez os votos, Sam. Lembra?
- Eu ... Eu vou tentar.
- Não vai tentar. Vai obedecer.
Obedecer. O corvo de Mormont repetiu e bateu suas grandes asas negras.
Sam pareceu ceder.
- Como meu senhor ordena. Meistre... Meistre Aemon sabe?
- Isso foi ideia tanto dele quanto minha - Jon abriu a porta para ele. - Sem despedidas. Quanto menos pessoas souberem disso, melhor. Uma hora antes da primeira luz, junto ao cemitério.
Sam fugiu dele como Goiva havia feito.
Jon estava cansado. Preciso dormir. Ele passara metade da noite debruçado sobre mapas, escrevendo cartas e fazendo planos com Meistre Aemon. Mesmo quando se jogou em sua cama estreita, o descanso não veio fácil. Ele sabia o que teria que enfrentar naquele dia, e se pegou virando na cama enquanto meditava sobre as palavras finais de Meistre Aemon. - Permita-me, senhor, dar-lhe um último conselho - o velho falara - o mesmo conselho que uma vez dei ao meu irmão quando nos separamos pela última vez. Ele tinha trinta e três quando o Grande Conselho o escolheu para assumir o Trono de Ferro. Um homem crescido, com seus próprios filhos, mas em alguns aspectos ainda um menino. Ovo tinha uma inocência, uma doçura que todos amávamos. Mate o menino em você, eu disse para ele no dia em que peguei o navio para a Muralha. É preciso um homem para governar. Um Aegon, não um Ovo. Mate o menino e deixe o homem nascer. - O velho sentiu o rosto de Jon com as mãos. - Você tem metade da idade que Ovo tinha, e temo que seu fardo seja mais cruel do que o dele. Você terá poucas alegrias com seu comando, mas penso que terá forças para fazer as coisas que precisam ser feitas. Mate o menino, Jon Snow. O inverno está quase sobre nós. Mate o menino e deixe o homem nascer.
Jon vestiu a capa e saiu. Ele fazia rondas no Castelo Negro todos os dias, visitando os homens de guarda e ouvindo seus relatos em primeira mão, observando Ulmer treinar os arqueiros a acertar o alvo, falando tanto com os homens do rei quanto com os homens da rainha, caminhando pelo topo da Muralha, para dar uma olhada na floresta. Fantasma caminhava com ele, uma sombra branca ao seu lado.
Kedge Olho-Branco estava na Muralha quando Jon subiu. Kedge já havia visto uns quarenta dias de seu nome, trinta dos quais na Muralha. Seu olho esquerdo estava cego, o direito mais ou menos. Na natureza, com um machado e um garrano, era tão bom patrulheiro quanto qualquer um da Patrulha, mas nunca se dera bem com outros homens.
- Um dia quieto - disse para Jon. - Nada para informar, exceto os cavaleiros do caminho-errado.
- Cavaleiros do caminho-errado? - Jon perguntou.
Kedge sorriu.
- Um par de cavaleiros. Saíram há uma hora, sentido sul, pela estrada do rei. Quando Dywen viu os dois indo embora, disse que os tolos sulistas estavam cavalgando pelo caminho-errado.
- Entendo - disse Jon.
Descobriu mais do próprio Dywen, enquanto o velho patrulheiro tomava uma tigela de caldo de cevadinha no alojamento.
- Sim, senhor, eu vi os dois. Horpe e Massey, eram eles. Falaram que Stannis mandou eles saírem, mas não falaram para onde, para quê, ou quando estariam de volta.
Sor Richard Horpe e Sor Justin Massey eram ambos homens da rainha e tinham altos postos no conselho do rei. Um par de homens comuns seria suficiente se Stannis quisesse fazer algum reconhecimento,Jon Snow refletiu, mas cavaleiros são mais indicados para atuar como mensageiros ou enviados. Cotter Pyke enviara uma carta de Atalaialeste dizendo que o Senhor das Cebolas e Salladhor Saan haviam partido para Porto Branco, para negociar com Lorde Manderly. Fazia sentido que Stannis tivesse despachado outros enviados. Sua Graça não era um homem paciente.
Se os cavaleiros do caminho-errado voltariam era outra questão. Eles podiam ser cavaleiros, mas não conheciam o Norte. Haverá olhos ao longo da estrada do rei, e nem todos amigáveis. Mas isso não era problema de Jon. Deixe Stannis com seus segredos. Os deuses sabem que tenho o meu.
Fantasma dormiu aos pés de sua cama naquela noite, e por uma vez Jon não sonhou que era um lobo. Mesmo assim, dormiu de forma intermitente, virando-se de um lado para o outro por horas antes de mergulhar em um pesadelo. Goiva estava nele, chorando, implorando que deixasse seus bebês em paz, mas ele tirava as crianças dos braços dela e arrancava suas cabeças, para depois trocá-las e falar para ela costurá-las no lugar.
Quando acordou, encontrou Edd Tollett pairando sobre ele na escuridão do quarto.
- Senhor? Já está na hora. A hora do lobo. Deixou ordens para que fosse acordado.
- Traga-me algo quente. - Jon afastou os cobertores.
Edd voltou bem na hora em que ele terminou de se vestir, apertando uma xícara fumegante entre as mãos. Jon esperava vinho quente com especiarias e ficou surpreso ao encontrar sopa, um caldo ralo que cheirava a alho-poró e cenouras, mas que parecia não ter nem alho-poró nem cenouras. Os cheiros são mais fortes nos meus sonhos de lobo, refletiu, e a comida parece mais saborosa também. Fantasma está mais vivo do que eu. Deixou a xícara vazia sobre a forja.
Barricas estava em sua porta naquela manhã.
- Quero falar com Bedwyck e com Janos Slynt - Jon lhe disse. - Traga os dois aqui na primeira hora da manhã.
Do lado de fora, o mundo estava negro e imóvel. Frio, mas não perigosamente frio. Não ainda. Ficará mais quente quando o sol nascer. Se os deuses forem bons, a Muralha vai chorar. Quando chegaram ao cemitério, a coluna já estava em formação. Jon dera o comando da escolta a Jack Negro Bulwer, com uma dúzia de patrulheiros montados e duas carroças. Uma estava repleta de arcas, engradados e sacos, com provisões para a viagem. A outra tinha um teto estirado de couro fervido para manter o vento do lado de fora. Meistre Aemon estava sentado no fundo desta, encolhido em uma pele de urso que o fazia parecer tão pequeno quanto uma criança. Sam e Goiva estavam por perto. Os olhos dela estavam vermelhos e inchados, mas o menino estava em seus braços, embrulhado apertado. Se era o filho dela ou o de Dalla, ele não tinha certeza. Ele vira os dois juntos apenas algumas vezes. O menino de Goiva era mais velho, o de Dalla mais robusto, mas tinham quase a mesma idade e tamanho, então ninguém sabia dizer muito bem qual era um e qual era o outro.
- Lorde Snow - Meistre Aemon chamou - deixei um livro para você em meus aposentos. O Compêndio Jade. Foi escrito pelo aventureiro volantino Colloquo Votar, que viajou para o leste e visitou todas as terras do Mar de Jade. Há uma passagem que pode interessá-lo. Pedi para que Clydas a marcasse para você.
- Eu certamente lerei.
Meistre Aemon limpou o nariz.
- O conhecimento é uma arma, Jon. Arme-se bem antes de ir para a batalha.
- Farei isso. - Jon sentiu algo molhado e gelado no rosto. Quando ergueu os olhos, viu que estava chovendo. Um mau presságio. Virou-se para Jack Negro Bulwer. - Faça no melhor tempo que puder, mas não corra riscos tolos. Você tem um velho e um bebê de peito com você. Mantenha-os aquecidos e bem alimentados.
- Faça o mesmo, senhor. - Goiva não parecia ter nenhuma pressa em subir na carroça. - Faça o mesmo pelo outro. Encontre uma ama de leite para ele, como disse que faria. Prometeu-me isso. O menino ... o menino de Dalla ... o principezinho, quero dizer... encontre uma boa mulher pra ele, pra que ele cresça grande e forte.
- Você tem minha palavra.
- Não dê nome pra ele. Não até que ele tenha mais de dois anos. Dá azar dar um nome pra eles enquanto ainda estão no peito. Seus corvos não sabem disso, mas é verdade.
- Como desejar, senhora.
- Não me chame assim. Sou uma mãe, não uma senhora. Sou esposa e filha de Craster, e uma mãe. - Ela deu o bebê para Edd Doloroso enquanto subia na carroça e se cobria com peles. Quando Edd lhe devolveu a criança, Goiva o colocou no peito. Sam virou o rosto, corado, e subiu em sua égua. - Vamos - comandou Jack Black Bulwer, estalando o chicote. As carroças moveram-se adiante.
Sam permaneceu um momento.
- Bem - disse - até à vista.
- Até à vista, Sam - disse Edd Doloroso. - Não é provável que seu navio afunde, acho. Barcos só afundam quando estou a bordo.
Jon estava recordando.
- Na primeira vez que vi Goiva, ela estava encostada na parede da Fortaleza de Craster, uma menina magrela de cabelos escuros, com a barriga grande, encolhida de medo do Fantasma. Ele tinha se metido entre os coelhos dela, e acho que ela tinha medo que ele a abrisse e devorasse seu bebê... mas não era do lobo que ela tinha que ter medo, não é mesmo?
- Ela tem mais coragem do que imagina - Sam disse.
- E você também, Sam. Faça uma viagem rápida e segura, e cuide dela, de Aemon e da criança. - O frio escorrendo por seu rosto fez Jon lembrar-se do dia em que se despediu de Robb, em Winterfell, sem imaginar que seria a última vez. - E puxe o capuz. Os flocos de neve estão derretendo em seu cabelo.
Quando a pequena coluna diminuiu com a distância, o céu orientai tinha ido de negro a cinza e a neve caía pesadamente.
- O Gigante estará esperando as ordens do Senhor Comandante - Edd Doloroso o lembrou. - E Janos Slyrlt também.
- Sim. - Jon Snow deu uma olhada para a Muralha, erguendo-se sobre eles como um penhasco de gelo. Quinhentos quilômetros de ponta a ponta, e mais de duzentos metros de altura. A força da Muralha estava em sua altura; o comprimento da Muralha era sua fraqueza. Jon se lembrou de algo que o pai lhe dissera certa vez. Uma muralha é tão forte quanto os homens que estão atrás dela. Os homens da Patrulha da Noite eram suficientemente corajosos, mas estavam longe de ser em número suficiente para a tarefa que tinham pela frente.
O Gigante o esperava no arsenal. Seu nome verdadeiro era Bedwyck. Com um fio de cabelo acima de um metro e meio, era o menor homem da Patrulha da Noite. Jon foi direto ao ponto.
- Precisamos de mais olhos na Muralha. As fortalezas são o lugar em que nossas patrulhas podem se abrigar do frio e encontrar comida quente. Vou colocar uma guarnição em Marcagelo e darei o comando dela para você.
O Gigante colocou a ponta do dedo mínimo no ouvido para limpá-lo da cera.
- Comando? Eu? O senhor sabe que sou só um arrendatário que veio para a Muralha por caça ilegal?
- Você é patrulheiro há uma dúzia de anos. Sobreviveu ao Punho dos Primeiros Homens e à Fortaleza de Craster, e voltou para contar a história. Os homens mais jovens se espelham em você.
O homenzinho sorriu.
- Só anões se espelham em mim. Não sei ler, senhor. Em um dia bom, posso escrever meu nome.
- Pedi mais meistres para Vilavelha. Você terá dois corvos para casos urgentes. Quando não for emergência, pode mandar patrulheiros. Até que tenhamos mais meistres e mais aves, pretendo fazer uma linha de faróis ao longo do topo da Muralha.
- E quantos pobres tolos vou comandar?
- Vinte, da Patrulha - disse Jon - e metade disso de homens de Stannis. - Velhos, inexperientes ou feridos. - Eles não serão seus melhores homens e nenhum deles vestirá o negro, mas vão obedecer. Faça o uso que desejar deles. Quatro dos irmãos que vou mandar com você serão de Porto Real, que vieram para a Muralha com Lorde Slynt. Mantenha um olho neles e vigie os escaladores com o outro.
- Podemos vigiar, senhor, mas se escaladores suficientes chegarem ao topo da Muralha, trinta homens não vão conseguir derrubá-los.
Trezentos homens podem não ser o suficiente. Jon manteve aquela dúvida para si mesmo. Era verdade que escaladores eram muito vulneráveis durante a subida. Pedras, lanças e barris de piche ardente podiam ser derramados de cima, e tudo o que eles podiam fazer era se agarrar desesperadamente ao gelo. Algumas vezes, a própria Muralha os repelia, como um cachorro se abana para se livrar das pulgas. Jon havia visto isso com seus próprios olhos, quando uma camada de gelo rachou sob o amante de Val, Jari, e o mandou para a morte.
No entanto, se os escaladores chegassem ao topo da Muralha sem ser notados, tudo mudava. Com tempo, eles podiam escavar pontos de apoio para os pés, fazendo baluartes dos quais podiam atirar cordas e escadas para que milhares subissem depois deles. Fora assim que Raymun Barbarruiva fizera, Raymun que havia sido Rei-para-lá-da-Muralha nos dias do avô de seu avô. Jack Musgood era o Senhor Comandante naquela época. Jack Alegre era como o chamavam antes que Barbarruiva viesse do Norte; tornou-se Jack Sonolento para sempre, depois disso. O grupo de Raymun encontrara um fim sangrento nas margens do Lago Longo, pego entre Lorde Willam de Winterfell e o Gigante Bêbado, Harmond Umber. Barbarruiva foi morto por Artos, o Implacável, irmão mais novo de Lorde Willam. A Patrulha chegou tarde demais para combater os selvagens, mas a tempo de enterrá-los, tarefa que Artos Stark designou para eles, em sua ira, enquanto velava o cadáver sem cabeça do irmão.
Jon não pretendia ser lembrado como o Sonolento Jon Snow.
- Trinta homens são uma chance melhor do que nenhum - disse ao Gigante.
- Isso é verdade - o homenzinho respondeu. - Vai ser só Marcagelo, ou o senhor vai abrir os outros fortes também?
- Pretendo guarnecer todos eles, com o tempo - disse Jon - mas por enquanto serão apenas Marcagelo e Guardagris.
- E o senhor já decidiu quem vai comandar Guardagris?
- Janos Slynt - falou Jon. Que os deuses nos ajudem. - Um homem não ganha o comando dos mantos dourados sem alguma habilidade. Slynt nasceu filho de um açougueiro. Era capitão dos Portões de Ferro quando Manly Stokeworth morreu, e Jon Arryn o promoveu e colocou a defesa de Porto Real nas mãos dele. Lorde Janos não pode ser um tolo tão grande quanto parece. - E eu o quero longe de Alliser Thorne.
- Pode ser que seja assim - disse o Gigante - mas eu ainda mandaria ele para as cozinhas, para ajudar Hobb Três-Dedos a cortar nabos.
Se fizer isso, nunca mais ousarei comer outro nabo.
Metade da manhã se passara antes que Lorde Janos se apresentasse, como lhe fora ordenado. Jon estava limpando Garralonga. Alguns homens davam essa tarefa para um intendente ou um escudeiro, mas Lorde Eddard ensinara os filhos a cuidar das próprias armas. Quando Barricas e Edd Doloroso chegaram com Slynt, Jon agradeceu-lhes e convidou Lorde Janos a se sentar.
Foi o que ele fez, com pouca elegância, cruzando os braços, carrancudo, e ignorando o aço nu nas mãos do Senhor Comandante. Jon deslizou o oleado pela espada bastarda, observando as luzes da manhã brincando em suas ondulações, pensando em quão fácil a lâmina atravessaria pele, gordura e tendões para separar a cabeça feia de Slynt de seu corpo. Todos os crimes de um homem eram esquecidos quando ele vestia o negro, assim como todas as alianças, ainda assim era difícil pensar em Janos Slynt como um irmão. Há sangue entre nós. Esse homem ajudou a assassinar meu pai e fez o melhor que pôde para me matar também.
- Lorde Janos - Jon embainhou a espada - estou lhe dando o comando de Guardagris.
Aquilo pegou Slynt de surpresa.
- Guardagris... Guardagris foi onde você escalou a Muralha com seus amigos selvagens ...
- Foi. A fortaleza está em estado lamentável, sem dúvida. Você vai restaurá-la da melhor maneira que puder. Comece limpando a floresta, afastando-a. Pegue pedras das estruturas que caíram para reparar as que ainda estão em pé. - O trabalho será brutal, ele podia ter dito. Você dormirá na pedra, cansado demais para reclamar ou tramar, e logo vai esquecer o que é se sentir aquecido, mas poderá se lembrar de como é ser um homem. - Você terá trinta homens. Dez daqui, dez da Torre Sombria e dez emprestados pelo Rei Stannis.
O rosto de Slynt ficou cor de ameixa. Sua papada começou a tremer.
- Você acha que não vejo o que está fazendo? Janos Slynt não é homem para ser enganado tão facilmente. Eu cuidava da defesa de Porto Real enquanto você ainda se sujava em seus panos. Fique com sua ruína, bastardo.
Estou lhe dando uma chance, senhor. É mais do que deu para meu pai.
- Engana-se comigo, senhor - Jon disse. - Isto é uma ordem, não uma oferta. São mais de duzentos quilômetros até Guardagris. Embale suas armas e armadura, faça suas despedidas e esteja pronto para partir na primeira luz da manhã.
- Não. - Lorde Janos levantou-se abruptamente, derrubando a cadeira para trás. - Não vou partir humildemente para congelar e morrer. Nenhum bastardo de um traidor vai dar ordens para Janos Slynt! Não estou sem amigos, fique sabendo. Aqui e em Porto Real também. Eu era Senhor de Harrenhal! Dê sua ruína para um dos tolos cegos que atiram uma pedra por você, porque eu não vou para lá. Você me ouviu, rapaz? Não vou para lá!
- Você vai.
Slynt não se dignou a responder, mas chutou a cadeira para o lado quando saiu.
Ele ainda me vê como um garoto, Jon pensou, um garoto inexperiente que pode ser intimidado por palavras raivosas. Ele só podia esperar que uma noite de sono trouxesse um pouco de juízo a Lorde Janos.
A manhã seguinte provou que suas esperanças eram vãs.
Jon encontrou Slynt quebrando o jejum no salão comum. Sor Alliser Thorne estava com ele, e vários de seus comparsas. Estavam rindo de algo quando Jon desceu os degraus acompanhado de Emmett de Ferro e Edd Doloroso e, atrás deles, Mully; Cavalo, Jack Caranguejo Vermelho, Rusty Flowers e Owen, o Idiota. Hobb Três-Dedos estava servindo mingau de aveia de seu caldeirão. Homens da rainha, homens do rei e irmãos negros sentavam em mesas separadas, alguns debruçados sobre suas tigelas, outros enchendo a barriga de pão frito e bacon. Jon viu Pyp e Green em uma mesa, Bowen Marsh em outra. O ar cheirava a fumaça e gordura, e o barulho de facas e colheres ecoava pelo teto abobadado.
Todas as vozes morreram ao mesmo tempo.
- Lorde Janos - Jon disse - vou lhe dar uma última chance. Abaixe a colher e vá para os estábulos. Seu cavalo já está com sela e freio. É um longo e difícil caminho para Guardagris.
- Então é melhor se colocar a caminho, garoto. - Slynt riu, com mingau escorrendo pelo peito. - Guardagris é um bom lugar para pessoas como você, estou pensando. Bem longe de gente decente e boa. A marca da besta está em você, bastardo.
- Está se recusando a obedecer minha ordem?
- Você pode enfiar sua ordem no seu rabo bastardo - disse Slynt, com a papada tremendo.
Alliser Thome deu um tênue sorriso, os olhos negros fixos em Jon. Em outra mesa, Godry, o Matador de Gigantes, começou a rir.
- Como desejar. - Jon acenou para Emmett de Ferro. - Por favor, leve Lorde Janos para a Muralha ...
... e confine-o em uma cela de gelo, ele poderia ter dito. Um dia ou dez apertado dentro do gelo, e ele ficaria trêmulo e febril, implorando para ser libertado, Jon não tinha dúvidas. E no momento em que estivesse fora, ele e Thome começariam a tramar novamente.
... e amarre-o ao seu cavalo, ele poderia ter dito. Se Slynt não desejava ir para Guardagris como comandante, poderia ir como cozinheiro. Mas seria apenas questão de tempo até que ele desertasse. E quantos outros levaria com ele?
... e enforque-o,Jon completou.
O rosto de Janos Slynt ficou branco como leite. A colher caiu de seus dedos. Edd e Emmett cruzaram o salão, seus passos ecoando no chão de pedra. Bowen Marsh abriu e fechou a boca, mas as palavras não saíram. Sor Alliser Thome alcançou o punho da espada. Vamos lá, Jon pensou. Garralonga estava pendurada em suas costas. Mostre seu aço. Me dê motivo para fazer o mesmo.
Metade dos homens no salão estava em pé. Cavaleiros sulistas e homens em armas, leais ao Rei Stannis ou à mulher vermelha, ou a ambos, e Irmãos Juramentados da Patrulha da Noite. Alguns haviam escolhido Jon para ser Senhor Comandante deles. Outros haviam colocado suas pedras para Bowen Marsh, Sor Denys Mallister, Cotter Pyke ... e alguns para Janos Slynt. Centenas deles, se me lembro bem. Jon se perguntava quantos deles estariam naquele porão. Por um momento, o mundo ficou equilibrado no fio da espada.
Alliser Thome tirou a mão da espada e deu um passo para trás, para deixar Edd Doloroso passar.
Edd Doloroso segurou Slynt por um braço, Emmett de Ferro pelo outro. Juntos, arrancaram-no do banco.
- Não! - Lorde Janos protestou, cuspindo mingau. - Não! Solte-me. Ele é só um garoto, um bastardo. O pai dele era um traidor. A marca da besta está nele, aquele lobo ... Soltem-me! Vão lamentar o dia que colocaram as mãos em Janos Slynt. Tenho amigos em Porro Real. Estou avisando. - Ele ainda estava protestando, conforme eles meio andavam, meio o arrastavam pelos degraus.
Jon os seguiu para fora. Atrás dele, o porão havia se esvaziado. Na gaiola, Slynt conseguiu escapar por um momento e tentou lutar, mas Emmett de Ferro o pegou pela garganta e apertou-o contra as barras de ferro até que desistisse. Nesse momento, todo o Castelo Negro já estava do lado de fora para assistir. Até Val estava em sua janela, com a longa trança dourada em um ombro. Stannis estava em pé nos degraus da Torre do Rei, cercado por seus cavaleiros.
- Se o rapaz acha que pode me assustar, está enganado - ouviram Lorde Janos dizer. - Ele não ousará me enforcar. Janos Slynt tem amigos, amigos importantes, vocês verão ... - o vento levou embora o resto de suas palavras.
Isto está errado, Jon pensou.
- Pare.
Emmett virou-se, franzindo a testa.
- Senhor?
- Não vou enforcá-lo - Jon disse. - Traga-o aqui.
- Oh, os Sete nos salvaram - ele ouviu Bowen Marsh gritar.
O sorriso que Lorde Janos Slynt deu tinha toda a doçura de manteiga rançosa. Até que Jon disse:
- Edd, traga-me um bloco - e desembainhou Garralonga.
Enquanto um bloco adequado para corte estava sendo procurado, Lorde Janos voltou para dentro da gaiola, mas Emmett de Ferro foi atrás dele e o arrancou de lá.
- Não! - gritou Slynt, enquanto Emmett meio o empurrava meio o puxava pelo pátio.
- Solte-me... vocês não podem... quando Lorde Tywin Lannister ouvir falar disso, vocês todos estarão ...
Emmett chutou suas pernas para derrubá-lo. Edd Doloroso colocou um pé em suas costas para mantê-lo de joelhos, enquanto Emmett posicionava o bloco sob sua cabeça.
- Isto será mais fácil se você ficar quieto - Jon prometeu para ele. - Mova-se para evitar o corte e você ainda morrerá, mas sua morte será mais feia. Estique o pescoço, senhor. - A luz clara do sol da manhã correu pela lâmina enquanto Jon tirou a espada bastarda da bainha com as duas mãos e a levantou. - Se tem alguma última coisa para dizer, agora é a hora de falar - disse, esperando uma última maldição.
Janos Slynt virou o pescoço para encará-lo.
- Por favor, senhor. Perdão. Eu ... Eu irei, eu vou, eu ...
Não, pensou Jon. Você fechou esta porta. Garralonga desceu.
- Posso ficar com as botas dele? - perguntou Owen, o Idiota, enquanto a cabeça de Janos Slynt rolava pelo chão lamacento. - Estão quase novas, essas botas. Forradas com pele.
Jon olhou para Stannis. Por um instante, seus olhos se encontraram. Então o rei assentiu com a cabeça e voltou para dentro de sua torre. 

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