quarta-feira, 11 de setembro de 2013

8 - TYRION


Janos Slynt era filho de um açougueiro e ria como um homem fatiando carne.
- Mais vinho? - Tyrion perguntou.
- Não me oponho - disse Lorde Janos, estendendo a taça. Tinha a constituição de um barril, e uma capacidade semelhante. - Não me oponho mesmo. É um ótimo tinto. Da Árvore?
- De Dorne - Tyrion fez um gesto, e seu criado serviu. Fora os criados, ele e Lorde Janos estavam sozinhos no Salão Pequeno, sentados em volta de uma pequena mesa à luz de vela, rodeados pela escuridão. - Um belo achado. Os vinhos de Dorne não costumam ser tão ricos.
- Rico - repetiu o grande homem com cara de sapo, bebendo um grande gole. Não era homem de bebericar, Janos Slynt. Tyrion tinha notado isso imediatamente. - Sim, rico é a palavra exata que eu estava procurando. A palavra exata. Tem um dom para as palavras, Lorde Tyrion, se me permite dizer. E conta uma história divertida. Divertida, sim.
- Fico agradecido que pense assim... Mas não sou um lorde, como você. Um simples Tyrion basta para mim, Lorde Janos.
- Como quiser - o homem bebeu outro gole, derramando vinho no peito do seu gibão de cetim negro. Envergava uma meia capa de pano dourado presa com uma lança em miniatura, com a ponta esmaltada vermelho-escura. E estava muito, verdadeiramente bêbado.
Tyrion cobriu a boca e soltou um arroto delicado. Ao contrário de Lorde Janos, tinha maneirado no vinho, mas já estava cheio. A primeira coisa que fizera depois de estabelecer residência na Torre da Mão foi saber quem era a melhor cozinheira da cidade e contratá-la para o seu serviço.
Naquela noite tinham jantado rabada, verduras de verão com nozes, uvas, funcho e queijo ralado, empadão quente de caranguejo, abóbora com especiarias e codornas cozidas em manteiga. Cada prato tinha vindo acompanhado com o vinho mais adequado. Lorde Janos admitiu que nunca comera tão bem.
- Sem dúvida tudo isso mudará quando fizer de Harrenhal sua residência.
- Com certeza. Talvez deva pedir a esta sua cozinheira para entrar para o meu serviço. O que me diz?
- Guerras foram travadas por menos - Tyrion respondeu, e os dois partilharam uma boa e longa gargalhada. - É um homem de coragem por aceitar Harrenhal como morada. Um lugar tão sombrio. E enorme... Custoso de manter. E há quem diga também que está amaldiçoado.
- Deveria temer uma pilha de pedras? - Lorde Janos riu da idéia. - Um homem de coragem diz que é preciso ter coragem para subir, como eu fiz. Para Harrenhal, sim! E por que não? Você sabe. Sinto que também é um homem de coragem. Pequeno, talvez, mas corajoso.
- E gentil demais de sua parte. Mais vinho?
- Não, Não, de verdade, eu,., Ah, danem-se os deuses, sim. Por que não? Um homem de coragem bebe à sua conta!
- Certamente - Tyrion encheu a taça de Lorde Slynt até a borda. - Tenho passado os olhos pelos nomes que sugeriu para tomar o seu lugar como Comandante da Patrulha da Cidade.
- Bons homens. Belos homens. Qualquer um dos seis servirá, mas eu escolheria Allar Deem. O meu braço direito. Homem bom, bom. Leal, Escolha-o, e não vai se arrepender. Se agradar ao rei.
- Com certeza - Tyrion bebeu um pequeno gole do seu vinho. - Tenho pensado em Sor Jacelym Bywater. É capitão do Portão da Lama há três anos, e serviu com valor durante a Rebelião de Balon Greyjoy. Rei Robert armou-o cavaleiro em Pyke. E, no entanto, seu nome não aparece na sua lista.
Lorde Janos Slynt sorveu um gole de vinho e bochechou-o por um momento antes de engolir.
- Bywater. Bem. E um homem bravo, com certeza, mas... Esse é rígido. Um cão esquisito. Os homens não gostam dele. E também é aleijado, perdeu a mão em Pyke, foi isso que fez dele cavaleiro. Uma troca ruim, a meu ver, uma mão por um sor - ele gargalhou. - Sor Jacelyn dá valor demais a si mesmo e à sua honra, penso eu. Seria melhor se deixasse esse aí onde está, lor... Tyrion. Aliar Deem é o homem que quer.
- Ouvi dizer que Deem é pouco querido nas ruas.
- E temido. E preferível.
- O que foi que ouvi falar dele? Um problema qualquer num bordel?
- Isso? A culpa não foi dele, lor... Tyrion. Não. Ele nunca quis matar a mulher, foi obra dela. Ele a preveniu para se afastar e deixar que cumprisse o seu dever.
- Mesmo assim... mães e filhos... Ele devia ter previsto que ela tentaria salvar o bebê - Tyrion sorriu. - Coma um pouco deste queijo, é ótimo com o vinho. Diga-me, por que escolheu Deem para essa tarefa infeliz?
- Um bom comandante conhece os seus homens, Tyrion. Alguns são bons para um trabalho, outros para outro. Tratar de um bebê, e ainda de colo, isso requer um tipo especial. Não era qualquer um que serviria. Mesmo que fosse só uma puta e a sua cria.
- Imagino que assim seja - Tyrion falou, ouvindo só uma puta, e pensando em Shae, e em Tysha, de muito tempo atrás, e em todas as mulheres que tinham recebido seu dinheiro e seu sêmen ao longo dos anos.
Slynt prosseguiu, absorto.
- Deem é um homem duro para um trabalho duro. Faz o que lhe pedem e, depois, nem uma palavra - o homem cortou uma fatia de queijo. - Isto é bom. Picante. Dê-me uma boa faca afiada e um bom queijo forte, e serei um homem feliz.
Tyrion encolheu os ombros.
- Aproveite enquanto pode. Com as terras fluviais em chamas e Renly rei em Jardim de Cima, bom queijo será em breve difícil de achar. Mas, então, quem o mandou atrás do bastardo da vadia?
Lorde Janos lançou a Tyrion um olhar cauteloso, depois riu e brandiu um triângulo de queijo na sua direção.
- É um astuto. Pensava que conseguiria me pegar, não é? E preciso mais do que vinho e queijo para fazer com que Janos Slynt diga mais do que deve. Orgulho-me disso. Nunca uma pergunta, e depois nunca uma palavra. Comigo é assim.
- Tal como Deem.
- Exatamente igual. Faça dele seu Comandante quando eu for para Harrenhal, e não se arrependerá.
Tyrion cortou um pequeno pedaço de queijo. Era realmente picante, e com veios de vinho; de primeiríssima linha.
- Vejo que, seja quem for que o rei nomeie, não terá vida fácil para se encaixar na sua armadura, Lorde Mormont enfrenta o mesmo problema.
Lorde Janos pareceu confuso.
- Pensava eu que era uma senhora. Mormont. A que vai para a cama com ursos, é essa?
- Era do irmão dela que eu falava. Jeor Mormont, o Senhor Comandante da Patrulha da Noite. Quando o visitei na Muralha, confidenciou-me como o preocupava encontrar um bom homem para tomar o seu lugar. A Patrulha recebe tão poucos homens bons hoje em dia - Tyrion deu um sorriso, - Imagino que ele dormiria melhor se tivesse um homem como você. Ou o valente Aliar Deem.
Lorde Janos rugiu.
- Há pouca chance de isso acontecer!
- E o que parece - Tyrion devolveu. - Mas a vida realmente dá reviravoltas estranhas. Pense em Eddard Stark, senhor. Não acredito que ele alguma vez tenha imaginado que sua vida terminaria nos degraus do Septo de Baelor.
- Muito pouca gente imaginava tal coisa - Lorde Janos concordou, com um risinho.
Tyrion também soltou um risinho.
- Pena que eu não estivesse lá para ver. Dizem que até Varys foi surpreendido.
Lorde Janos riu tanto que sua barriga tremeu.
- A aranha - ele disse. - Sabe tudo, dizem. Bem, aquilo não sabia.
- E como poderia? - Tyrion colocou o primeiro indício de frieza na voz. - Tinha ajudado a persuadir minha irmã de que Stark devia ser perdoado, na condição de vestir o negro.
- Hã? - Janos Slynt piscou com uma expressão vaga.
- Minha irmã, Cersei - Tyrion repetiu, com uma voz um tantinho mais forte, caso o idiota tivesse alguma dúvida sobre a quem se referia. - A Rainha Regente.
- Sim - Slynt bebeu um trago. - Quanto a isso, bem... O rei ordenou, senhor. O rei em pessoa.
- O rei tem treze anos - lembrou-lhe Tyrion.
- Mesmo assim. Ele é o rei - a papada de Slynt tremeu quando franziu a testa. - O Senhor dos Sete Reinos.
- Bem, pelo menos de um ou dois deles - Tyrion o corrigiu com um sorriso amargo. - Posso ver a sua lança?
- Minha lança? - Lorde Janos pestanejou, confuso, Tyrion apontou.
- O broche que prende a sua capa.
Hesitante, Lorde Janos tirou o ornamento e o entregou a Tyrion.
- Temos ourives em Lanisporto que fazem trabalho melhor - ele opinou. - O esmalte vermelho do sangue é um pouco exagerado, se me permite. Diga-me, senhor, foi você mesmo quem espetou a lança nas costas do homem, ou se limitou a dar a ordem?
- Dei a ordem, e daria de novo. Lorde Stark era um traidor - o ponto calvo no meio da cabeça de Slynt estava da cor de beterraba, e sua capa de pano dourado tinha deslizado dos ombros para o chão. - O homem tentou me comprar.
- Nem sonhava que já tinha sido vendido.
Slynt bateu com a taça de vinho na mesa:
- Está bêbado? Se pensa que vou ficar aqui sentado ouvindo minha honra ser questionada...
- E que honra é essa? Admito, faz negócios melhor do que Sor Jacelyn. Um título e um castelo por uma lança espetada nas costas, e nem sequer precisou pegar na lança - Tyrion atirou o ornamento dourado na direção de Janos Slynt. O objeto bateu no seu peito e tilintou no chão, enquanto o homem se punha de pé.
- Não me agrada o tom da sua voz, lor... Duende. Sou o Senhor de Harrenhal e um membro do conselho do rei. Quem é você para me castigar assim?
Tivrion inclinou a cabeça para o lado:
- Acho que sabe bastante bem quem eu sou. Quantos filhos tem?
- O que importam meus filhos para você, anão?
- Anão? - a ira de Tyrion explodiu. - Devia ter parado em Duende. Sou Tyrion, da Casa Lannister, e um dia, se tiver o bom-senso de um caramujo, cairá de joelhos, grato por ter sido comigo que teve de lidar, e não com o senhor meu pai. Quantos filhos tem?
Tyrion viu o súbito medo nos olhos de Janos Slynt.
- T-três, senhor. E uma filha. Por favor, senhor...
- Não precisa implorar - o Duende deslizou de cima da cadeira. - Dou a minha palavra de que nenhum mal cairá sobre eles. Os rapazes mais novos serão criados como escudeiros. Se servirem bem e com lealdade, poderão eventualmente se tornar cavaleiros. Que nunca se diga que a Casa Lannister não recompensa aqueles que a servem. Seu filho mais velho herdará o título de Lorde Slynt, e este seu terrível brasão - Tyrion chutou a pequena lança de ouro e fez com que deslizasse pelo chão. - Serão arrumadas terras para ele, e poderá construir uma sede. Não será Harrenhal, mas será suficiente. Arranjar casamento para a moça será tarefa dele.
A cara de Janos Slynt tinha ido de vermelha para branca.
- O que... O que pretende...? - sua papada tremia como montículos de sebo.
- O que pretendo fazer com o senhor? - Tyrion deixou o imbecil tremer por um instante antes de responder. - O galeão Sonho de Verão zarpa na maré da manhã. Seu mestre me disse que passará por Vila Gaivotas, as Três Irmãs, a ilha de Skagos e Atalaialeste do Mar. Quando encontrar o Comandante Mormont, dê-lhe os meus amistosos cumprimentos e diga que não me esqueci das necessidades da Patrulha da Noite. Desejo-lhe uma longa vida e bons serviços, senhor.
Assim que Janos Slynt compreendeu que não seria sumariamente executado, a cor voltou ao seu rosto, e ele projetou o queixo.
- Quanto a isso, veremos, Duende. Anão. Talvez seja você quem viajará nesse navio. O que acha disso? Talvez seja você que vai para a Muralha - soltou uma gargalhada ansiosa. - Você e a suas ameaças. Bem, vamos ver. Sou amigo do rei, sabe. Vamos ouvir o que Joffrey tem a dizer sobre isso. E Mindinho, e a rainha, ah, sim. Janos Slynt tem muitos amigos. Vamos ver quem vai velejar, prometo. Veremos. Ah! Sim, veremos.
Slynt girou sobre os calcanhares como o vigia que tinha sido um dia e atravessou o Salão Pequeno a passos largos, fazendo ressoar as botas na pedra. Subiu os degraus com estrondo, abriu violentamente a porta.. E deu de cara com um homem alto, de rosto chupado, usando uma placa de peito negra e um manto dourado. Presa ao toco do seu pulso direito via-se uma mão de ferro.
- Janos - o homem disse, com os olhos encovados brilhando sob supercílios proeminentes e um abundante cabelo grisalho.
Seis homens de mantos dourados entraram calmamente no Salão Pequeno atrás dele quando Janos Slynt recuou.
- Lorde Slynt - Tyrion chamou - creio que conhece Sor Jacelyn Bywater, nosso novo Comandante da Patrulha da Cidade.
- Temos uma liteira à sua espera, senhor - disse Sor Jacelyn a Slynt. - As docas são escuras e distantes, e as ruas não são seguras à noite. Homens.
Enquanto os homens de manto dourado conduziam seu antigo comandante para fora da sala, Tyrion chamou Sor Jacelyn para perto e lhe entregou um rolo de pergaminho.
- É uma longa viagem, e Lorde Slynt vai querer companhia. Certifique-se de que estes seis se juntem a ele no Sonho deVerão.
Bywater deu uma olhada nos nomes e sorriu:
- As suas ordens.
- Um deles - disse Tyrion em voz baixa - Deem. Diga ao capitão que não seria levado a mal se por acaso este cair borda afora antes de chegarem a Atalaialeste.
- Ouvi dizer que essas águas do norte são muito tempestuosas, senhor.
Sor Jacelyn fez uma reverência e se retirou, fazendo esvoaçar o manto atrás de si. No caminho, pisou na capa de pano dourado de Slynt.
Tyrion ficou sentado sozinho, bebericando o que restava do ótimo vinho doce de Dorne. Criados entravam e saíam, tirando os pratos da mesa. Disse-lhes para que deixassem o vinho. Quando terminaram, Varys entrou, deslizando no salão, usando uma toga cor de lavanda, que combinava com o seu cheiro.
- Ah, que bem-feito, meu bom senhor.
- Então, por que tenho este sabor amargo na boca? - Tyrion passou os dedos pelas têmporas. - Disse-lhes para atirar Aliar Deem ao mar. Estou intensamente tentado a fazer o mesmo com você.
- Talvez ficasse desapontado com o resultado - Varys respondeu. - As tempestades vêm e vão, as ondas rebentam sobre as nossas cabeças, os peixes grandes comem os pequenos, e eu continuo chapinhando na água. Posso lhe pedir um pouco do vinho que Lorde Slynt tanto apreciou?
Tyrion fez um gesto para o frasco, franzindo a testa. Varys encheu uma taça.
- Ah! Doce como o verão - bebeu outro gole. - Consigo ouvir as uvas cantando na minha língua.
- Estava me perguntando o que seria esse ruído. Diga às uvas para ficarem quietas, minha cabeça está prestes a rachar. Foi a minha irmã. Foi isso que o Ah... tão... leal Lorde Janos se recusou a dizer. Cersei enviou os homens de manto dourado àquele bordel, Varys sufocou um riso nervoso. Então, ele sempre soubera.
- Não me havia contado essa parte - Tyrion disse, acusadoramente.
- A sua querida irmã - Varys respondeu, tão desgostoso que parecia perto das lágrimas. - E duro contar isso a um homem, senhor. Tive receio de como receberia a notícia. E capaz de me perdoar?
- Não - Tyrion exclamou. - Maldito seja. Maldita seja ela.
Sabia que. não podia tocar em Cersei. Ainda não, nem mesmo se quisesse, e estava longe de ter certeza de querer, Mas irritava-o ficar ali, fazendo uma pantomima de justiça, punindo uns infelizes da laia de Janos Slynt e Aliar Deem, enquanto a irmã prosseguia no seu rumo selvagem.
- Da próxima vez, diga-me o que sabe, Lorde Varys. Tudo o que sabe.
O sorriso do eunuco era malicioso.
- Isso poderá demorar um tempo bastante longo, meu bom senhor. Sei muita coisa.
- Não o suficiente para salvar esta criança, parece.
- Infelizmente, não. Havia outro bastardo, um rapaz, mais velho. Tomei medidas para afastá-lo e mantê-lo em segurança... Mas, confesso, nunca sonhei que o bebê pudesse correr riscos. Uma menina de baixo nascimento, com menos de um ano de idade, com uma mãe prostituta. Que ameaça poderia representar?
- Era de Robert - disse Tyrion amargamente. - O suficiente para Cersei, ao que parece.
- Sim. É muito triste. Tenho de me culpar pelo pobre doce bebê e por sua mãe, que era tão nova e amava o rei.
- Amava? - Tyrion não chegou a ver o rosto da moça morta, mas na sua imaginação era uma combinação de Shae e Tysha. - Uma prostituta pode realmente amar alguém? Não, não responda. Há coisas que prefiro não saber.
Tinha instalado Shae numa vasta mansão de pedra e madeira, com poço, estábulos e jardim próprios; dera-lhe criados para satisfazer as suas necessidades, um pássaro branco das Ilhas do Verão para lhe fazer companhia, sedas, prata e pedras preciosas para enfeitá-la e guardas para protegê-la. E, no entanto, parecia impaciente. Queria passar mais tempo com ele, tinha dito; queria servi-lo e ajudá-lo. "Ajuda-me mais aqui, entre os lençóis", disse-lhe uma noite depois do amor, deitado ao seu lado, com a cabeça apoiada no seu seio e uma doce dor nas virilhas. Ela não tinha respondido, exceto com os olhos. Foi aí que viu que aquilo não era o que ela queria ter ouvido.
Suspirando, Tyrion fez um movimento para o vinho, mas então lembrou-se de Lorde Janos e afastou o frasco.
- Parece que minha irmã falou a verdade a respeito da morte do Stark. Devemos agradecer ao meu sobrinho por essa loucura.
- Rei Joffrey deu a ordem. Janos Slynt e Sor Ilyn Payne cumpriram-na, rapidamente, sem hesitar...
- ... Quase como se já a esperassem. Sim, já percorremos este caminho, e sem chegar a lugar nenhum . Uma tolice.
- Com a Patrulha da Cidade nas mãos, senhor, está bem colocado para se assegurar de que Sua Graça não cometerá mais... tolices? E verdade que ainda é preciso considerar a guarda doméstica da rainha...
- Os homens de manto vermelho? - Tyrion encolheu os ombros. - A lealdade de Vylarr é para com Rochedo Casterly. Ele sabe que estou aqui com a autoridade do meu pai. Cersei teria dificuldade em usar seus homens contra mim... E, além disso, não passam de uma centena. Tenho uma vez e meia esse número de homens meus. E seis mil mantos dourados, se Bywater for o homem que você afirma ser.
- Achará Sor Jacelyn corajoso, honroso, obediente... E muito grato,
- Gostaria de saber a quem - Tyrion não confiava em Varys, embora não fosse possível negar seu valor. Sabia coisas, sem a menor dúvida. - Por que você é tão prestativo, senhor Varys? - perguntou, estudando as mãos suaves do homem, a cara nua e empoada, o sorrisinho servil.
- És a Mão. Eu sirvo ao reino, ao rei e ao senhor.
- Tal como serviu a Jon Arryn e Eddard Stark?
- Servi a Lorde Arryn e a Lorde Stark o melhor que pude. Fiquei triste e horrorizado pelas suas mortes tão precoces.
- Imagine como eu me sinto. E provável que seja o próximo.
- Ah, penso que não - Varys respondeu, agitando o vinho na sua taça. - O poder é uma coisa curiosa, senhor. Terá, por acaso, pensado no enigma que lhe deixei naquele dia na estalagem?
- Passou pela minha cabeça uma ou duas vezes - Tyrion admitiu. - O rei, o sacerdote, o rico... Quem sobrevive e quem morre? A quem obedecerá o mercenário? E um enigma sem resposta, ou melhor, com muitas respostas. Tudo depende do homem que tem a espada.
- E, no entanto, ele não é ninguém - Varys concluiu. - Não tem uma coroa, nem ouro, nem o favor dos deuses, mas apenas um pedaço de aço afiado.
- Esse pedaço de aço é o poder da vida e da morte.
- Precisamente... E, no entanto, se são realmente os homens de armas que nos governam, por que fingimos que nossos reis têm o poder? Por que um homem forte com uma espada obedeceria a um rei criança como Joffrey, ou a um idiota encharcado em vinho como o pai?
- Porque esses reis crianças e idiotas bêbados podem chamar outros homens fortes, com outras espadas.
- Então são esses outros homens de armas que têm o verdadeiro poder. Ou será que não? De onde vieram as suas espadas? Por que é que eles obedecem? - Varys sorriu. - Há quem diga que o conhecimento é poder. Outros, que todo o poder provém dos deuses. Outros, ainda, afirmam que deriva da lei. Mas, naquele dia, nos degraus do Septo de Baelor, nosso devoto Alto Septão, a legítima Rainha Regente e este seu sempre tão sabedor criado viram-se tão impotentes como qualquer sapateiro ou tanoeiro da multidão. Quem você acha que realmente matou Eddard Stark? Joffrey, que foi quem deu a ordem? Sor Ilyn Payne, que foi quem brandiu a espada? Ou...outra pessoa?
Tyrion inclinou a cabeça para o lado.
- Pretende responder ao seu maldito enigma, ou quer apenas fazer com que a minha dor de cabeça piore?
Varys sorriu.
- Eis, então. O poder reside onde os homens acreditam que reside. Nem mais, nem menos.
- Então o poder é um truque de mímica?
- Uma sombra na parede - Varys murmurou. - Mas as sombras podem matar. E, muitas vezes, um homem muito pequeno pode lançar uma sombra muito grande.
Tyrion sorriu.
- Lorde Varys, estou ficando estranhamente seu amigo. Ainda posso acabar matando-o, mas creio que isso me entristeceria.
- Tomarei isso como um grande elogio.
- O que é você, Varys? - Tyrion descobriu que queria mesmo saber. - Uma aranha, segundo dizem?
- Os espiões e informantes raramente são amados, senhor. Não sou mais do que um servidor leal do reino.
- E um eunuco. Não nos esqueçamos disso.
- Raramente me esqueço.
- Também já me chamaram meio homem, mas acho que os deuses foram mais gentis comigo. Sou pequeno, tenho as pernas tortas e as mulheres não me olham com grande desejo... Mas ainda sou um homem. Shae não é a primeira a embelezar minha cama, e um dia poderei vir a ter uma esposa e gerar um filho. Se os deuses forem bons, será parecido com o tio e pensará como o pai. Você não tem uma esperança semelhante para se apoiar. Os anões são uma brincadeira dos deuses... Mas são os homens que fazem eunucos. Quem o cortou, Varys? Quando e por quê? Quem é você, na verdade?
O sorriso do eunuco nunca vacilou, mas seus olhos cintilaram com algo que não era riso.
- É gentil por perguntar, senhor, mas a história é longa e triste, e há traições que precisamos discutir - ele tirou um pergaminho da manga da sua túnica. - O mestre da Galé Real Veado Branco conspira para levantar âncora daqui a três dias, a fim de oferecer a espada e o navio a Lorde Stannis.
Tyrion suspirou.
- Suponho que temos de dar ao homem algum tipo de lição sangrenta.
- Sor Jacelyn poderia fazê-lo desaparecer, mas um julgamento perante o rei ajudaria a assegurar uma continuada lealdade por parte dos outros capitães.
E também manteria ocupado meu real sobrinho.
- Será como diz. Encomende para ele uma dose da justiça de Joffrey.
Varys rabiscou um tique no pergaminho.
- Sor Horas e Sor Hobber Redwyne subornaram um guarda para deixá-los sair por uma porta dos fundos daqui a duas noites. Foram feitos preparativos para que embarcassem na galé Corredor da Lua, de Pentos, disfarçados de remadores.
- Poderíamos mantê-los nesses remos durante alguns anos para ver se gostam? – Tyrion sorriu. - Não. Minha irmã ficaria perturbada por perder hóspedes tão preciosos. Informe Sor Jacelyn. Capture o homem que subornaram e explique a honra que é servir como um irmão da Patrulha da Noite. Coloque homens em torno do Corredor da Lua, para o caso de os Redwyne encontrarem um segundo guarda com falta de moedas.
- Será como deseja - outro tique no pergaminho. - Seu homem, Timett, matou o filho de um vendedor de vinho esta noite, num antro de jogo na Rua da Prata. Acusou-o de trapacear nas pedras.
- E verdade?
- Ah, sem a menor dúvida.
- Então os homens honestos da cidade têm uma dívida de gratidão para com Timett, Vou me assegurar de que receba os agradecimentos do rei.
O eunuco soltou uma pequena gargalhada nervosa e fez outro tique.
- Também temos uma súbita praga de homens santos. Aparentemente, o cometa gerou toda espécie de sacerdotes estranhos, pregadores e profetas. Mendigam nas tavernas e refeitórios e predizem o fim do mundo e a destruição a todos os que param para ouvir.
Tyrion encolheu os ombros:
- Estamos perto do tricentenário do Desembarque de Aegon, imagino que era de esperar. Deixe-os pregar.
- Estão espalhando o medo, senhor.
- Pensei que este fosse o seu trabalho.
Varys cobriu a boca com a mão.
- É muito cruel por dizer isso. Um último assunto. A Senhora Tanda organizou um pequeno jantar ontem à noite. Tenho o menu e a lista de convidados para sua inspeção. Quando o vinho foi servido, Lorde Gyles levantou-se para fazer um brinde ao rei, e Sor Balon Swann foi ouvido comentando: "Iremos precisar de três taças para isso". Muitos riram...
Tyrion levantou uma mão:
- Basta. Sor Balon disse uma frase de efeito. Não estou interessado em conversas de mesa traiçoeiras, Lorde Varys.
- É tão sensato como gentil, senhor - o pergaminho desapareceu na manga do eunuco. - Ambos temos muito o que fazer. Vou deixá-lo a sós.
Depois de o eunuco sair, Tyrion ficou durante muito tempo sentado, observando a vela e se perguntando como sua irmã receberia a notícia da dispensa de Janos Slynt. Se bem a conhecia, não ficaria feliz, mas nem perto de enviar um protesto irado a Lorde Tywin em Harrenhal. Não via o que Cersei podia esperar fazer a respeito. Tyrion controlava agora a Patrulha da Cidade, mais uma centena e meia de ferozes homens dos clãs e uma crescente força de mercenários recrutados por Bronn. Aparentemente, estava bem protegido. Sem dúvida Eddard Stark achava o mesmo.
A Fortaleza Vermelha estava escura e silenciosa quando Tyrion saiu do Pequeno Salão. Bronn esperava-o no aposento privado.
- Slynt? - perguntou.
- Lorde Janos zarpará para a Muralha na maré da manhã. Varys quis me fazer acreditar que substituí um dos homens de Joffrey por um meu. O mais provável é que tenha substituído um homem do Mindinho por um pertencente a Varys. Mas, que seja.
- E bom que saiba que Timett matou um homem...
- Varys me disse - o mercenário não mostrou surpresa.
- O palerma achou que um homem com um olho só seria mais fácil de enganar. Timett cravou seu pulso na mesa com um punhal e rasgou sua garganta com as mãos nuas. Ele faz um truque em que enrijece os dedos...
- Poupe-me dos detalhes macabros, meu jantar mal parou quieto dentro da barriga - Tyrion protestou. - Como vai seu recrutamento?
- Bastante bem. Esta noite arranjei três novos homens.
- Como sabe quem recrutar?
- Examino-os. Interrogo-os para saber onde lutaram e como são mentindo - Bronn sorriu.
- E então dou-lhes uma chance de me matar, enquanto faço o mesmo com eles.
- Matou algum?
- Ninguém que pudéssemos ter usado.
- E se um deles matá-lo?
- Será esse que vai querer contratar.
Tyrion estava um pouco bêbado, e muito cansado.
- Diga-me, Bronn, se lhe dissesse para matar um bebê... digamos, uma menina, ainda no peito da mãe... Mataria? Sem questionar?
- Sem questionar? Não - o mercenário esfregou o polegar no indicador. - Perguntava o preço.
E para que eu precisaria do seu Aliar Deem, Lorde Slynt?, pensou Tyrion. Tenho cem meus. Desejou rir; desejou chorar; mas, acima de tudo, desejou Shae.

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