terça-feira, 1 de outubro de 2013

42 - O PRÊMIO DO REI


A tropa do rei partiu de Bosque Profundo com a luz de uma aurora dourada, desenrolando-se detrás das paliçadas de toras como uma longa serpente de aço emergindo de seu ninho.
Os cavaleiros sulistas cavalgavam com armaduras e cotas de malha amassadas e marcadas pelas batalhas que lutaram, mas ainda brilhantes o suficiente para reluzirem sob a luz do sol. Desbotados, manchados, rasgados e remendados, os estandartes e as capas ainda formavam uma profusão de cores entre a floresta de inverno - índigo e laranja, vermelho e verde, púrpura, azul e dourado, refletindo entre troncos marrons sem folhas, pinheiros e árvores sentinelas cinza-esverdeados, montes de neve suja.
Cada cavaleiro tinha seus escudeiros, servos e mestres em armas. Atrás deles vinham armeiros, cozinheiros, cavalariços; fileiras de lanceiros, homens com machado, arqueiros; veteranos grisalhos de centenas de batalhas e garotos inexperientes esperando a primeira vez. Antes deles, marchavam os homens dos clãs das montanhas; chefes e campeões montados em garranos peludos, seus hirsutos combatentes trotando ao lado, vestidos em peles, couro cozido e velhas cotas de malha. Alguns pintavam o rosto de marrom e verde e amarravam feixes de arbustos sobre o corpo, para se camuflar entre as árvores.
Atrás da coluna principal seguia o comboio de bagagem; mulas, cavalos, bois, um quilômetro e meio de carroções e carroças repletos de comida, forragem, tendas e outras provisões. Por último, a retaguarda; mais cavaleiros em armaduras e cotas de malha, com um anteparo de batedores seguindo semiocultos, para ter certeza de que o inimigo não os pegaria desprevenidos.
Asha Greyjoy seguia no comboio da bagagem, em um carroção coberto, com duas imensas rodas de aros de ferro, acorrentada pelo pulso e pelos tornozelos e vigiada dia e noite por uma Mulher-Ursa que roncava mais do que qualquer homem. Sua Graça, o Rei Stannis, não queria correr nenhum risco de seu prêmio escapar do cativeiro. Ele pretendia levá-la para Winterfell, para mostrá-la em correntes para os senhores do Norte, a filha da lula gigante amarrada e quebrada, a prova de seu poder.
Trombetas colocaram a coluna a caminho. Pontas de lanças brilhavam na luz do sol nascente e, por toda a margem, a grama reluzia com a geada matinal. Entre Bosque Profundo e Winterfell estendiam-se quinhentos e cinquenta quilômetros de floresta. Menos de quinhentos quilômetros no voo de um corvo.
- Quinze dias - os cavaleiros diziam uns para os outros.
- Robert teria feito em dez - Asha escutou Lorde Fell alardeando. Seu avô fora morto por Robert em Solar de Verão; de algum modo, isso elevara o assassino à coragem divina aos olhos do neto. - Robert já teria entrado em Winterfell há uma quinzena, caçoando de Bolton das ameias do castelo.
- Melhor não mencionar isso para Stannis - sugeriu Justin Massey - ou ele nos fará marchar dia e noite.
Este rei vive à sombra de seu irmão, Asha pensou.
Seu tornozelo ainda acusava uma pontada de dor sempre que ela tentava apoiar o peso do corpo nele. Alguma coisa estava quebrada lá dentro, Asha não duvidava. O inchaço desaparecera em Bosque Profundo, mas a dor permanecia. Uma entorse certamente estaria curada a essa altura. Seus ferros rangiam todas as vezes que ela se mexia. Os grilhões feriam seus pulsos e seu orgulho. Mas esse era o custo da submissão.
- Nenhum homem morreu por dobrar os joelhos - seu pai lhe dissera uma vez. - Aquele que se ajoelha pode se erguer novamente, espada na mão. O que não se ajoelha permanece morto, pernas rígidas e tudo. - Balon Greyjoy provara a verdade de suas palavras quando sua primeira rebelião falhou; a lula gigante ajoelhou-se diante do veado e do lobo gigante, apenas para se levantar novamente quando Robert Baratheon e Eddard Stark estavam mortos.
E então, em Bosque Profundo, a filha da lula gigante fez o mesmo quando foi jogada diante do rei, amarrada e mancando (embora abençoadamente não estuprada), o tornozelo uma explosão de dor.
- Eu me rendo, Vossa Graça. Faça o que quiser comigo. Peço apenas que poupe meus homens. - Qarl, Tris e o restante dos sobreviventes da Matadelobos eram tudo com o que se importava. Apenas nove restaram. Os nove esfarrapados, Cromm os chamara. Ele era o mais seriamente ferido.
Stannis lhe dera as vidas deles. Mesmo assim, ela não sentiu uma misericórdia verdadeira nele. Era determinado, não havia dúvidas. Tampouco lhe faltava coragem. Os homens diziam que era justo... e se sua justiça era do tipo severo, linha-dura, bem, a vida nas Ilhas de Ferro fizera Asha Greyjoy se acostumar com isso. Mesmo assim, não gostava desse rei. Os profundos olhos azuis dele pareciam sempre semicerrados em desconfiança, fúria gelada em ebulição logo abaixo da superfície. A vida dela significava pouco e ainda menos para ele. Era apenas uma refém, um prêmio para mostrar ao Norte que ele podia derrotar os homens de ferro.
Tolice dele. Derrubar uma mulher não traria nenhuma admiração dos nortenhos, se ela conhecia a raça, e seu valor como refém era menos que nada. Seu tio governava as Ilhas de Ferro agora, e ao Olho de Corvo não importava se ela viveria ou morreria. Poderia significar alguma coisa para a miserável ruína de marido que Euron infligira a ela, mas Eric lronmaker não teria dinheiro suficiente para seu resgate. Mas não era possível explicar essas coisas para Stannis Baratheon. Até sua feminilidade parecia ofendê-lo. Homens das terras verdes gostavam de suas mulheres suaves e doces em seda, ela sabia, não vestidas em cota de malha e couro, com um machado de arremesso em cada mão. Mas o curto tempo em que esteve com o rei em Bosque Profundo a convenceu de que ele não teria sido mais agradável se ela estivesse de vestido. Mesmo com a esposa de Galbart Glover, a piedosa Senhora Sybelle, ele fora correto e cortês, mas estava claramente desconfortável. Esse rei sulista parecia ser um daqueles homens para os quais as mulheres são outra raça, tão estranhas e insondáveis quanto gigantes, gramequins e os filhos da floresta. A Mulher-Ursa o fazia ranger os dentes também.
Havia apenas uma mulher que Stannis ouvia, e ele a deixara na Muralha.
- Eu pensava que ela estaria logo conosco - confessou Sor Justin Massey, o cavaleiro loiro que comandava o comboio de bagagem. - A última vez que fomos para uma batalha sem a Senhora Melisandre foi na Água Negra, quando a sombra de Lorde Renly veio sobre nós e levou metade da nossa tropa para dentro da baía.
- A última vez? - disse Asha. - Essa feiticeira estava em Bosque Profundo? Não a vi.
- Dificilmente aquilo foi uma batalha - Sor Justin disse, sorrindo. - Seus homens de ferro lutaram bravamente, minha senhora, mas tínhamos muitas vezes seu número e os pegamos desprevenidos. Winterfell saberá que estamos chegando. E Roose Bolton tem tantos homens quanto nós.
Ou mais, pensou Asha.
Mesmo prisioneiros tinham ouvidos, e ela ouvira toda a conversa em Bosque Profundo, quando o Rei Stannis e seus capitães discutiam a marcha. Sor Justin se opusera desde o início, juntamente com muitos dos cavaleiros e senhores que vieram com Stannis do Sul. Mas os lobos insistiam; era intolerável que Roose Bolton ficasse com Winterfell, e a garota de Ned deveria ser resgatada das garras do bastardo. Assim disseram Morgan Liddle, Brandon Norrey, Grande Balde Wull, os Flint e até mesmo a Mulher- Ursa.
- São mais de quinhentos quilômetros de Bosque Profundo até Winterfell - disse Artos Flint, na noite em que a discussão esquentou no grande salão de Galbart Glover.
- Uma longa marcha - um cavaleiro chamado Corliss Penny disse.
- Não tão longa assim - insistiu Sor Godry, o grande cavaleiro que os outros chamavam de Matador de Gigante. - Já fomos tão longe quanto. O Senhor da Luz iluminará um caminho para nós.
- E quando chegarmos diante de Winterfell? - perguntou Justin Massey. - Duas muralhas com um fosso entre elas, e a muralha interior tem trinta metros de altura. Bolton nunca sairá para nos enfrentar em campo, e não temos provisões para armar um cerco.
- Arnolf Karstark juntará suas forças às nossas, não se esqueça - disse Harwood Fell.
- Mors Umber também. Teremos tantos nortenhos quanto Lorde Bolton. E a floresta é espessa ao norte do castelo. Ergueremos torres de cerco, construiremos aríetes ...
E morrerão aos milhares, pensou Asha.
- Faríamos melhor em passar o inverno aqui - sugeriu Lorde Peasebury.
- Passar o inverno aqui? - Grande Balde rugiu. - Quanta comida e forragem você acha que Galbart Glover tem estocado?
Então Sor Richard Horpe, o cavaleiro com o rosto devastado e com borboletas-caveira em sua túnica, virou-se para Stannis e disse:
- Vossa Graça, seu irmão ...
O rei o interrompeu.
- Todos nós sabemos o que meu irmão faria. Robert teria galopado sozinho até Winterfell, arrebentado os portões com seu martelo de guerra e cavalgado sobre os escombros para matar Roose Bolton com a mão esquerda e o Bastardo com a direita. - Stannis se levantou. - Não sou Robert. Mas marcharemos e libertaremos Winterfell. ou morreremos na tentativa.
Quaisquer que fossem as dúvidas que os senhores pudessem nutrir, os homens comuns pareciam ter fé em seu rei. Stannis esmagara os selvagens de Mance Rayder na Muralha e despejara Asha e seus homens de ferro de Bosque Profundo, era irmão de Robert, vitorioso em uma famosa batalha no mar da Ilha Leal, o homem que mantivera Ponta Tempestade durante toda a Rebelião de Robert. E tinha uma espada de herói, a lâmina encantada Luminífera, que resplandecia à noite.
- Nossos inimigos não são tão formidáveis quanto parecem - Sor Justin assegurou a Asha, no primeiro dia de marcha. - Roose Bolton é temido, mas pouco amado. E seus amigos, os Frey... o Norte não esqueceu o Casamento Vermelho.Todo senhor em Winterfell perdeu parentes lá. Stannis precisa apenas sangrar Bolton, e os nortenhos o abandonarão.
Assim você espera, pensou Asha, mas primeiro o rei precisa sangrá-lo. Apenas um tolo deserta o lado que está vencendo.
Sor Justin foi até a carroça dela meia dúzia de vezes naquele primeiro dia, para levar comida, bebida e notícias da marcha. Um homem de sorrisos fáceis e piadas sem fim, largo e carnudo, com bochechas rosadas, olhos azuis e cabelo loiro-claro, tão claro quanto linho, emaranhado pelo vento, Massey era um carcereiro atencioso, sempre solícito com o conforto de sua cativa.
- Ele quer você - disse a Mulher-Ursa, depois da terceira visita.
O nome real dela era Alysane da Casa Mormont, mas ela usava o outro nome tão facilmente quanto usava sua cota de malha. Baixa, robusta, musculosa, a herdeira da Ilha dos Ursos tinha grandes coxas, grandes seios e grandes mãos endurecidas com calos. Mesmo dormindo, usava cota de malha sob as peles, couro cozido sob a cota de malha, e uma velha pele de ovelha sob o couro, virada do avesso para aquecer. Todas essas camadas faziam-na parecer ser tão larga quanto alta. E feroz. Algumas vezes era difícil para Asha Greyjoy se lembrar que ela e a Mulher-Ursa tinham quase a mesma idade.
- Ele quer minhas terras - Asha respondeu. - Quer as Ilhas de Ferro. - Ela conhecia os sinais. Já vira isso em outros pretendentes. As posses dos ancestrais de Massey, bem distantes ao Sul, estavam perdidas para ele, então ele precisava fazer um casamento vantajoso ou se resignar em ser não mais do que um cavaleiro a serviço do rei. Stannis frustrara as esperanças de Sor Justin de se casar com a princesa selvagem de quem Asha ouvira tanto, então agora ele voltava suas atenções para ela. Sem dúvida, sonhava em colocá-la sobre a Cadeira da Pedra do Mar, em Pyke, e governar através dela, como seu senhor e mestre. Isso requeria tirá-la de seu atual senhor e mestre, certamente ... sem mencionar o tio que a casara com ele. Nada provável, Asha julgou. O Olho de Corvo comeria Sor Justin para quebrar o jejum e não daria nem um arroto.
Não fazia diferença. As terras de seu pai nunca seriam dela, não importava com quem estivesse casada. Os homens de ferro não eram um povo inclinado ao perdão, e Asha fora derrotada duas vezes. Uma na assembleia de homens livres, por seu tio Euron, e novamente em Bosque Profundo, por Stannis. Mais do que suficiente para marcá-la como incapaz de governar. Casar com Justin Massey ou outro dos fidalgotes de Stannis Baratheon atrapalharia mais do que poderia ajudar. A filha da lula gigante, afinal, se tornou apenas uma mulher, os capitães e os reis poderiam dizer. Veja como ela abre as pernas para seu suave senhor das terras verdes.
Mesmo assim, se Sor Justin queria cortejar seu favor com comida, vinho e notícias, Asha não o desencorajaria. Era uma companhia melhor do que a taciturna Mulher-Ursa, e, de qualquer modo, ela estava sozinha entre cinco mil inimigos. Tris Bodey, Qarl, o Donzel, Cromm, Roggon e o resto de seu bando ensanguentado foram deixados para trás, em Bosque Profundo, nos calabouços de Galbart Glover.
O exército cobriu trinta e cinco quilômetros no primeiro dia, pela contagem dos guias que a Senhora Sybelle dera para eles, rastreadores e caçadores com as espadas juramentadas a Bosque Profundo, com nomes de clãs como Forrester, Woods, Branch e Bole. No segundo dia, as tropas fizeram trinta e oito, enquanto a vanguarda passava além das terras de Glover para dentro da espessa Matadelobos.
- R'hllor, envie-nos sua luz para nos guiar por esta escuridão - os crentes rezaram naquela noite, enquanto se reuniam em torno de uma fogueira que ardia do lado de fora do pavilhão do rei. Cavaleiros sulistas e homens em armas, muitos deles. Asha os teria chamado de homens do rei, mas os outros homens de Ponta Tempestade e das terras da coroa os chamavam de homens da rainha ... embora a rainha que seguissem fosse a vermelha que estava no Castelo Negro, não a esposa que Stannis Baratheon deixara em Atalaialeste do Mar. - Oh, Senhor da Luz, nós vos suplicamos, lance seu olho ardente sobre nós e nos mantenha a salvo e aquecidos - cantavam para as chamas - pois a noite é escura e cheia de terrores.
Um grande cavaleiro chamado Sor Godry Farring os liderava. Godry, o Matador de Gigante. Um grande nome para um homem pequeno. Farring tinha o peito largo e musculoso sob a placa peitoral e a cota de malha. Também era arrogante e vaidoso, pareceu à Asha; faminto por glória, surdo à cautela, um glutão por louvor e depreciativo com camponeses, lobos e mulheres. No fim, não era diferente de seu rei.
- Deixe-me ter um cavalo - Asha pediu a Sor Justin, quando de foi até o carroção com meio presunto. - Estou enlouquecendo nestas correntes. Não tentarei fugir. Tem minha palavra nisso.
- Eu deixaria se pudesse, minha senhora. Mas você é cativa do rei, não minha.
- Seu rei não aceitará a palavra de uma mulher.
A Mulher- Ursa rosnou:
- Por que ele acreditaria na palavra de qualquer homem de ferro depois do que seu irmão fez em Winterfell?
- Não sou Theon - Asha insistiu ... mas as correntes permaneceram.
Enquanto Sor Justin galopava ao longo da coluna, ela se pegou lembrando da última vez que vira sua mãe. Fora em Harlaw, nas Dez Torres. Uma vela tremeluzia nos aposentos maternos, mas a grande cama esculpida estava vazia sob o dossel empoeirado. A Senhora Alannys sentava-se ao lado de uma janela, encarando o oceano.
- Você trouxe meu menino? - ela perguntara, com a boca trêmula.
- Theon não pôde vir - Asha lhe dissera, olhando para a ruína de mulher que lhe havia dado à luz, uma mãe que perdera dois de seus filhos. E o terceiro ...
Enviarei para você cada pedaço do príncipe.
Qualquer que fosse o resultado da batalha em Winterfell, Asha Greyjoy não achava que seu irmão sobreviveria a ela. Theon Vira-Casaca. Até mesmo a Mulher-Ursa quer sua cabeça em um espeto.
- Você tem irmãos? - Asha perguntou para sua carcereira.
- Irmãs - Alysane Mormont respondeu, ríspida como sempre. - Éramos cinco. Todas garotas. Lyanna está de volta à Ilha dos Ursos. Lyra e Jory estão com nossa mãe. Dacey foi assassinada.
- O Casamento Vermelho.
- Sim. - Alysane encarou Asha por um momento. - Tenho um filho. Ele tem dois anos. Minha filha tem nove.
- Você começou cedo.
- Bem cedo. Mas melhor assim do que esperar demais.
Uma cutucada para mim, Asha pensou, mas deixe estar.
- Você é casada.
- Não. Minhas crianças foram geradas por um urso. - Alysane sorriu. Seus dentes eram tortos, mas havia algo insinuante naquele sorriso. - As mulheres Mormont são troca-peles. Nos transformamos em ursas e encontramos parceiros na floresta. Todo mundo sabe.
Asha sorriu de volta.
- As mulheres Mormont são todas lutadoras também.
O sorriso da outra mulher desapareceu.
- Somos o que vocês fizeram de nós. Na Ilha dos Ursos, toda criança aprende a temer as lulas gigantes levantando-se do mar.
O Antigo Costume. Asha se afastou, com as correntes tilintando suavemente.
No terceiro dia, a floresta se comprimia em volta deles, e as estradas esburacadas diminuíram para trilhas de caça que logo se mostraram ser estreitas demais para seus largos carroções. Aqui e ali, o caminho os levava por marcos familiares: uma colina pedregosa que parecia uma cabeça de lobo quando vista de certo ângulo, uma queda d'água semi congelada, um arco de pedra natural barbado com musgo cinza-esverdeado. Asha conhecia todos eles. Fizera esse caminho antes, cavalgando até Winterfell para persuadir seu irmão Theon a abandonar sua conquista e retornar com ela em segurança para Bosque Profundo. Falhei nisso também.
Naquele dia, fizeram vinte e dois quilômetros, e ficaram felizes com isso.
Quando o anoitecer caiu, o carroceiro empurrou o carroção para baixo das árvores. Enquanto ele soltava os cavalos, Sor Justin foi até lá e tirou os grilhões dos tornozelos de Asha. Ele e a Mulher-Ursa a escoltaram pelo acampamento, até a tenda do rei. Ela podia ser uma cativa, mas ainda era uma Greyjoy de Pyke, e Stannis Baratheon ficava satisfeito em alimentá-la com restos de sua própria mesa, onde ceava com seus capitães e comandantes.
O pavilhão do rei era quase tão grande quanto o grande salão de Bosque Profundo, mas havia pouco de grandioso nele, além do tamanho. Suas rígidas paredes de lona amarela estavam muito desbotadas, manchadas com lama e água, e mostravam pontos de mofo. No topo do mastro central estava o estandarte real, dourado, com a cabeça do veado em um coração incandescente. Os senhores sulistas que vieram ao Norte com Stannis circundavam três lados do pavilhão. No quarto, uma fogueira noturna ardia, atacando o céu que escurecia com redemoinhos de fogo.
Uma dúzia de homens partia toras para alimentar as chamas quando Asha chegou mancando com seus carcereiros. Homens da rainha. O deus deles era R'hllor, e que deus ciumento ele era. Seu próprio deus, o Deus Afogado das Ilhas de Ferro, era um demônio aos olhos deles, e, se não abraçasse esse Senhor da Luz, ela estaria amaldiçoada e condenada. Eles me queimariam alegremente entre essas toras e galhos quebrados. Alguns chegaram a pedir isso durante a audiência dela, depois da batalha na floresta. Stannis recusara.
O rei estava do lado de fora da tenda, encarando a fogueira noturna. O que ele vê ali? Vitória? Condenação? O rosto de seu deus vermelho e faminto? Os olhos dele estavam enfiados em covas profundas, sua barba cortada rente não mais do que uma sombra nas bochechas côncavas e no maxilar ossudo. No entanto, havia poder em seu olhar, uma ferocidade de ferro que dizia a Asha que esse homem nunca, jamais voltaria atrás em seu curso.
Ela se ajoelhou diante dele.
- Majestade. - Sou humilde o suficiente para você, Vossa Graça? Estou batida, curvada e quebrada o suficiente para seu gosto? - Tire estas correntes dos meus pulsos, eu lhe imploro. Deixe-me cavalgar. Não tentarei nenhuma fuga.
Stannis olhou para ela como se estivesse olhando um cão que tentava montar em sua perna.
- Você mereceu esses ferros.
- Mereci. Agora ofereço a você meus homens, meus navios, meu juízo.
- Seus navios são meus, ou serão queimados. Seus homens ... quantos sobraram? Dez? Doze?
Nove. Seis, se considerar apenas aqueles com força suficiente para lutar.
- Dagmer Boca Fendida mantém Praça Torrhen. Um combatente feroz e um servo leal da Casa Greyjoy. Posso entregar aquele castelo para você, e sua guarnição também. - Talvez, ela poderia ter completado, mas não serviria à sua causa mostrar dúvidas diante desse rei.
- Praça Torrhen não vale a lama sob meus calcanhares. É Winterfell que importa.
- Tire-me destes ferros e deixe-me ajudá-lo a pegá-lo, Majestade. O irmão real de Vossa Graça era famoso por transformar inimigos caídos em amigos. Faça-me seu homem.
- Os deuses não a fizeram um homem. Como eu o farei? - Stannis se virou para a fogueira noturna e para o que quer que visse dançando entre as chamas alaranjadas.
Sor Justin Massey agarrou Asha pelo braço e a empurrou para dentro da tenda real.
- Isso foi um erro, minha senhora - disse para ela. - Nunca fale de Robert para ele.
Eu deveria saber. Asha sabia como era com irmãos mais jovens. Lembrava-se de Theon quando menino, uma criança tímida que vivia com temor e medo de Rodrik e Maron. Eles nunca escapam disso, ela percebeu. Um irmão mais jovem pode viver cem anos, mas sempre será um irmão mais jovem. Sacudiu as joias de ferro e imaginou como seria agradável ficar atrás de Stannis e esganá-lo com as correntes que prendiam seus pulsos.
Naquela noite, jantaram um ensopado de carne de caça, feito com um cervo magricela que um batedor chamado Benjicot Branch trouxera. Mas apenas na tenda real. Além daquelas paredes de lona, cada homem ganhou um naco de pão e um pedaço de linguiça preta não maior do que um dedo da mão, empurrado para baixo com a última cerveja de Galbart Glover.
Quinhentos e cinquenta quilômetros de Bosque Profundo até Winterfell. Menos de quinhentos quilômetros no voo de um corvo.
- Queria que fôssemos corvos - disse Justin Massey no quarto dia de marcha, o dia em que começou a cair neve. Apenas algumas pequenas rajadas, no começo. Frias e molhadas, mas nada que os impedisse de avançar facilmente.
Mas nevou novamente no dia seguinte, e no próximo, e no dia depois desse. As grossas barbas dos lobos logo estavam cobertas de gelo onde suas respirações congelavam, e cada garoto barbeado sulista começou a deixar o bigode crescer para manter o rosto aquecido. Em pouco tempo, o campo à frente da coluna ficou coberto de branco. escondendo pedras, raízes retorcidas e quedas mortais, transformando cada passo em uma aventura. O vento os apanhava também, trazendo a neve consigo. A tropa do rei tornou-se uma coluna de homens de neve, cambaleando através de montes de neve na altura dos joelhos.
No terceiro dia de neve, a tropa do rei começou a se desfazer. Enquanto os cavaleiros e fidalgotes sulistas lutavam, os homens das montanhas do Norte saíam-se melhor. Os garranos eram animais de patas firmes, que comiam menos que os palafréns e muito menos do que os grandes corcéis de guerra, e os homens que os cavalgavam estavam em casa na neve. Muitos dos lobos usavam calçados curiosos. Patas de urso, eles os chamavam, estranhas coisas alongadas, feitas com madeiras dobradas e tiras de couro, Amarradas na base de suas botas, as coisas, de algum modo, permitiam que andassem sobre a neve sem quebrar a crosta e afundar até as coxas.
Alguns tinham patas de urso para os cavalos, também, e os pequenos garranos peludos as usavam com a mesma facilidade que outras montarias usavam ferraduras ... mas os palafréns e os corcéis não queriam fazer parte disso. Quando alguns dos cavaleiros do rei tentaram amarrar as tais patas de urso em seus animais, os grandes cavalos sulistas empacaram e se recusaram a andar, ou tentaram arrancar as coisas das patas. Um corcel quebrou um tornozelo tentando caminhar com aquilo.
Os nortenhos com suas patas de urso logo começaram a se distanciar do restante da tropa. Ultrapassaram os cavaleiros na coluna principal, e então Sor Godry Farring e sua vanguarda. Enquanto isso, os carroções e carroças do comboio de bagagem ficavam mais e mais para trás, tanto que os homens da retaguarda estavam constantemente instando-os a irem mais rápido.
No quinto dia da tempestade, o comboio de bagagem cruzou uma extensão ondulante de montes de neve que: chegavam à altura da cintura e escondiam um lago congelado. Quando o gelo oculto rachou sob o peso dos carroções, três carroceiros e quatro cavalos foram engolidos pela água congelante, juntamente com dois dos homens que tentaram resgatá-los. Um era Harwood Fell. Os cavaleiros o puxaram antes que se afogasse, mas não antes que seus lábios estivessem azuis e sua pele, pálida como leite. Nada que fizeram parecia aquecê-lo depois disso. Ele tremeu violentamente por horas, mesmo quando arrancaram suas roupas encharcadas, enrolaram-no em peles quentes e o sentaram ao lado do fogo. Naquela mesma noite, ele deslizou para um sono febril. Nunca acordou,
Foi nessa noite que Asha ouviu pela primeira vez os homens da rainha sussurrarem sobre um sacrifício; uma oferenda para seu deus vermelho, então ele poderia parar a tempestade.
- Os deuses do Norte desencadearam esta tempestade sobre nós - disse Sor Corliss Penny.
- Falsos deuses - insistiu Sor Godry, o Matador de Gigante.
- R'hllor está conosco - disse Sor Clavton Suggs.
- Mas Melisandre não está - disse Justin Massey.
O rei não disse nada. Mas ouviu. Asha tinha certeza disso. Estava sentado na mesa principal com um prato de sopa de cebola esfriando diante dele, quase intacto, encarando a chama da vela mais próxima com aqueles olhos encobertos, ignorando a conversa ao seu redor. O segundo em comando, o cavaleiro alto e magro chamado Richard Horpe falou por ele:
- A tempestade deve parar logo - declarou.
Mas a tempestade só piorou. O vento tornou-se um açoite tão cruel quanto o chicote de qualquer senhor de escravos. Asha achava que conhecia frio em Pyke, quando o vento chegava uivando do mar, mas aquilo não era nada comparado a isso. Este é um frio que enlouquece os homens.
Mesmo quando paravam para acampar à noite. Não era fácil se aquecer. As tendas estavam úmidas e pesadas, difíceis de ser erguidas, mais difíceis ainda de ser presas ao chão, e propensas ao súbito colapso pelo tanto de neve acumulado sobre elas. A tropa do rei se arrastava pela maior floresta dos Sete Reinos e, mesmo assim, era difícil encontrar madeira seca. Cada acampamento tinha menos fogueiras queimando, e aquelas que eram acesas produziam mais fumaça do que calor. Frequentemente se comia a comida fria, ou mesmo crua.
Até a fogueira noturna ficava menor e mais fraca, para desespero dos homens da rainha.
- Senhor da Luz, preserve-nos deste mal - rezavam, liderados pela voz profunda de Sor Godry, o Matador de Gigante. - Mostre-nos seu brilhante sol novamente, detenha estes ventos e derreta esta neve, para que possamos alcançar nossos inimigos e feri-los. A noite é escura, fria e cheia de terrores, mas são seus o poder, a glória e a luz. R'hllor, encha-nos com seu fogo.
Mais tarde, quando Sor Corliss Penny se perguntou em voz alta se alguma vez um exército inteiro já congelara até a morte em uma tempestade de inverno, os lobos riram.
- Isso não é inverno - declarou Grande Balde Wull. - Lá nas montanhas, dizemos que o outono beija você, mas o inverno o fode vigorosamente. Isto é apenas um beijo de outono.
Deus, garanta que eu nunca conheça o verdadeiro inverno, então. A própria Asha fora poupada do pior; era o prêmio do rei, no fim das contas. Enquanto outros ficavam com fome, era alimentada. Enquanto outros tremiam, estava aquecida. Enquanto outros lutavam para atravessar a neve em cavalos cansados, viajava em uma cama de peles dentro de um carroção, com um teto de lona esticada para manter a neve afastada, confortável em suas correntes.
Os cavalos e os homens comuns tinham mais dificuldades. Dois escudeiros de Ponta Tempestade esfaquearam um homem em armas até a morte em uma disputa sobre quem se sentaria mais perto do fogo. Na noite seguinte, alguns arqueiros, desesperados para se aquecer de alguma maneira, acabaram colocando fogo na própria tenda, o que, ao menos, teve a vantagem de aquecer as tendas ao lado. Corcéis começaram a perecer de exaustão e exposição ao mau tempo.
- O que é um cavaleiro sem. um cavalo? - os homens faziam adivinhas. - Um homem de neve com uma espada. - Qualquer cavalo que viesse abaixo era destroçado no mesmo lugar, pela carne. Suas provisões começavam a diminuir também.
Peasebury, Cobb, Foxglove e outros senhores sulistas pediram ao rei para acampar até que a tempestade passasse. Stannis não queria nada daquilo. Nem atenderia aos homens da rainha quando esses vieram pedir para fazer uma oferenda ao seu faminto deus vermelho.
Ela ouvira aquela história de Justin Massey, que era menos devoto do que a maioria.
- Um sacrifício provará que nossa fé ainda arde verdadeira, Majestade - Clayton Suggs disse para o rei. E Godry, o Matador de Gigante, completou:
- Os velhos deuses do Norte mandaram esta tempestade sobre nós. Apenas R'hllor pode pará-la. Devemos dar um descrente para ele.
- Metade do meu exército é feito de descrentes - Stannis respondeu. - Não queimaremos ninguém. Rezem mais.
Ninguém queimado hoje, nem amanhã ... mas, se a neve continuar, quanto tempo até que a resolução do rei comece a enfraquecer? Asha nunca partilhara a fé de seu tio Aeron no Deus Afogado, mas, naquela noite, orou mais fervorosamente Àquele que Habita Sob as Ondas do que Cabelo-Molhado jamais o fizera. A tempestade não parou. A marcha continuou, reduzindo seu ritmo para um cambaleio, então para um rastejo. Oito quilômetros era um bom dia. Então cinco. Então três.
No nono dia da tempestade, todo acampamento viu os capitães e comandantes entrando na tenda do rei, molhados e cansados, para afundar sobre um joelho e reportar suas perdas do dia.
- Um homem morto, três perdidos.
- Seis cavalos perdidos, um deles o meu.
- Dois homens mortos, um deles um cavaleiro. Quatro cavalos caídos. Levantamos um novamente. Os outros estavam perdidos. Corcéis e um palafrém.
A contagem do frio, Asha ouvira-os falar. O comboio de bagagem sofrera ainda mais, cavalos mortos, homens perdidos, carroções virados e quebrados.
- Os cavalos afundam na neve - Justin Massey contou ao rei. - Homens vagueiam por aí, ou simplesmente se sentam para morrer.
- Deixe-os - o Rei Stannis estourou. - Vamos em frente.
Os nortenhos se saíam muito melhor, com seus garranos e suas patas de urso. Donnel Negro Flint e seu meio-irmão Artos haviam perdido apenas um de seus homens. Os Liddle, os Wull e os Norrey não perderam nenhum. Uma das mulas de Morgan Liddle havia se extraviado, mas ele parecia pensar que os Flint a roubaram.
Quinhentos e cinquenta quilômetros de Bosque Profundo a Winterfell. Menos de quinhentos quilômetros em um voo de corvo. Quinze dias. O décimo quinto dia de marcha veio e se foi, e haviam cruzado menos da metade do caminho. Um rastro de carroções quebrados e cadáveres congelados, enterrados sob a neve que soprava, se estendia atrás deles. O sol, a lua e as estrelas tinham ficado tão distantes que Asha começava a se perguntar se havia sonhado com eles.
Era o vigésimo dia de avanço quando ela finalmente conseguiu se ver livre das correntes de seu tornozelo. Naquela tarde, um dos cavalos que puxava seu carroção morreu. Não foi possível encontrar substituto; os cavalos de lida que sobravam eram necessários para puxar as carroças com comida e forragem. Quando Sor Justin Massey cavalgou até eles, ordenou que destroçassem o cavalo pela carne, e quebrassem o carroção para fazer lenha. Então removeu os grilhões dos tornozelos de Asha, esfregando a rigidez das panturrilhas.
- Não tenho montaria para lhe dar, minha senhora - ele disse - e se tentássemos cavalgar em dupla, seria o fim do meu cavalo também. Você deve caminhar.
O tornozelo de Asha latejava sob seu peso a cada passo. O frio vai entorpecê-lo em breve, disse para si mesma. Em uma hora, não sentirei meus pés. Estava apenas parcialmente errada; levou menos tempo que isso. Quando a escuridão caiu sobre a coluna, ela estava cambaleando e ansiava pelo conforto de sua prisão móvel. Os ferros me deixaram fraca. Estava tão exausta na ceia, que adormeceu na mesa.
No vigésimo sexto dia da marcha de quinze dias, os últimos vegetais foram consumidos. No trigésimo segundo dia, os últimos grãos e o restante da forragem. Asha se perguntava quanto tempo um homem poderia viver de carne crua e semi congelada de cavalo.
- Branch jura que estamos apenas a três dias de Winterfell - Sor Richard Horpe contou para o rei naquela noite, após a contagem do frio.
- Se deixarmos os homens mais fracos para trás - disse Corliss Penny.
- Os homens mais fracos estão além da salvação - insistiu Horpe. - Aqueles que ainda têm força suficiente devem alcançar Winterfell, ou morrer também.
- O Senhor da Luz nos entregará o castelo - disse Sor Godry Farring. - Se a Senhora Melisandre estivesse conosco ...
Finalmente, após um dia de pesadelo, quando a coluna avançou um quilômetro e meio e perdeu uma dúzia de cavalos e quatro homens, Lorde Peasebury se virou contra os nortenhos.
- Esta marcha é uma loucura. Mais homens morrem a cada dia, e para quê? Por uma garota?
- A garota de Ned - disse Morgan Liddle. Ele era o segundo de três filhos, então os lobos o chamavam de Liddle do Meio, embora muitas vezes não em sua presença. Fora Morgan quem quase matara Asha na batalha em Bosque Profundo. Viera até ela mais tarde, já durante a marcha, para pedir-lhe perdão ... por tê-la chamado de boceta no ímpeto da batalha, não por tentar arrancar sua cabeça com um machado.
- A garota de Ned - repetiu Grande Balde Wull. - E já a teríamos, e o castelo, se vocês, sulistas empinados e arrogantes, não mijassem em seus calções de cetim por causa de um pouco de neve.
- Um pouco de neve? - a suave boca feminina de Peasebury se torceu em fúria. - Seu péssimo conselho nos forçou a esta marcha, Wull. Começo a suspeitar que você tem sido uma criatura de Bolton todo o tempo. Essa é a razão disso? Ele enviou você para sussurrar venenos no ouvido do rei?
Grande Balde riu na cara dele.
- Lorde Vagem de Ervilha. Se você fosse homem, eu o mataria por isso, mas minha espada é feita de um aço muito bom para manchar no sangue de um covarde. - Tomou um gole de cerveja e limpou a boca. - Sim, homens estão morrendo. Mais ainda morrerão antes que cheguemos a Winterfell. E daí? Isto é guerra. Homens morrem na guerra. É assim que deve ser. É assim que sempre foi.
Sor Corliss Penny deu um olhar incrédulo para o chefe do clã.
- Você quer morrer, Wull?
Aquilo pareceu divertir o nortenho.
- Quero viver para sempre em uma terra onde o verão dure mil anos. Quero um castelo nas nuvens de onde possa ver o mundo todo. Quero ter vinte e seis de novo. Quando eu tinha vinte e seis, podia lutar o dia todo e foder a noite inteira. O que os homens querem não importa. O inverno está quase sobre nós, rapaz. E o inverno é a morte. Eu prefiro que meus homens morram lutando pela garotinha de Ned do que sozinhos e famintos na neve, chorando lágrimas que vão congelar em suas bochechas. Ninguém canta canções sobre homens que morrem assim. Quanto a mim, estou velho. Este será meu último invemo. Deixe que me banhe em sangue Bolton antes de morrer. Quero senti-lo espirrar em meu rosto quando enterrar meu machado em um crânio Bolton. Quero lamber o sangue dele de meus lábios e morrer com o gosto na boca.
- Sim! - gritou Morgan Liddle. - Sangue e luta! - Então todos os homens das montanhas estavam gritando, batendo suas taças e bebendo em chifres na mesa, enchendo a tenda do rei com o repique.
Asha Greyjoy também teria apreciado uma luta. Urna batalha, para pôr fim a esta miséria. Aço contra aço, neve rosada, escudos quebrados e membros decepados, e tudo estaria acabado.
No dia seguinte, os batedores do rei chegaram a uma vila de arrendatários abandonada, entre dois lagos; um lugar insignificante e pobre, não mais do que algumas choupanas, um salão e uma torre de vigia. Richard Horpe ordenou uma parada, embora o exército não tivesse avançado nem um quilômetro naquele dia, e ainda restassem horas até escurecer. A lua já havia nascido quando o comboio de bagagem e a retaguarda chegaram. Asha estava entre eles.
- Há peixes nestes lagos - Horpe disse para o rei. - Cortaremos buracos no gelo. Os nortenhos nos ensinarão como fazer.
Mesmo em sua volumosa capa de peles e pesada armadura, Stannis parecia um homem com um pé na cova. A pouca carne que levava sobre seu esqueleto alto e magro em Bosque Profundo derretera durante a marcha. O formato de seu crânio podia ser visto sob a pele, e sua mandíbula estava tão travada que Asha temia que seus dentes quebrassem.
- Peixe, então - disse, marcando cada palavra com um piscar de olhos. - Mas marcharemos na primeira luz.
No entanto, quando a luz chegou, o acampamento acordou com neve e silêncio.
O céu mudou de negro para branco, e não parecia mais brilhante. Asha Greyjoy acordou com câimbras e com frio sob a pilha de peles para dormir, ouvindo a Mulher-Ursa roncar. Nunca conhecera uma mulher que roncasse tão alto, mas acostumara-se durante a marcha e até sentia algum conforto nisso agora. Era o silêncio que a incomodava. Nenhuma trombeta para erguer os homens para montar, formar coluna, preparar-se para a marcha. Nenhum berrante de guerra para convocar os nortenhos. Alguma coisa está errada.
Asha se arrastou para fora de suas peles de dormir e abriu caminho para fora, jogando de lado a parede de neve que selara a tenda durante a noite. Seus ferros chocalhavam enquanto ficava em pé e respirava o ar gelado da manhã. A neve caía, ainda mais pesadamente do que quando se arrastara para dentro da tenda. Os lagos haviam desaparecido, a floresta também. Ela podia ver as formas das outras tendas e barracas e o difuso brilho alaranjado do farol no topo da torre de observação, mas não a torre em si. A tempestade engolira o resto.
Em algum lugar adiante, Roose Bolton esperava por eles atrás das muralhas de Winterfell, mas as tropas de Stannis Baratheon imobilizavam-se, presas pela neve, cercadas por gelo e neve e morrendo de fome. 

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