terça-feira, 1 de outubro de 2013

44 - JON


- Vossa Graça. Castelo Negro lhe dá as boas-vindas e aos seus.
A Rainha Selyse olhou para ele.
- Meus agradecimentos. Por favor, me leve ao seu senhor comandante.
- Meus irmãos me escolheram para esta honra. Sou Jon Snow.
- Você? Disseram que era jovem, mas ... - O rosto da Rainha Selyse era descarnado e pálido. Usava uma coroa de ouro vermelho com pontas no formato de chamas, irmã gêmea da usada por Stannis. - ... pode se levantar, Lorde Snow. Esta é minha filha, Shireen.
- Princesa. - Jon inclinou a cabeça. Shireen era uma criança desajeitada, tornada ainda mais feia pelo escamagris que deixara seu pescoço e parte de sua bochecha duros, cinzentos e rachados. - Meus irmãos e eu estamos ao seu serviço - disse para a garota.
Shireen enrubesceu.
- Obrigada, meu senhor.
- Acredito que está familiarizado com meu parente, Sor Axell Florent? - a rainha perguntou.
- Apenas por corvo. - E relatos. As cartas que recebia de Atalaialeste do Mar tinham um tanto a dizer sobre Axell Florent, muito pouco de bom. - Sor Axell.
- Lorde Snow. - Um homem corpulento, Florent tinha pernas curtas e peito compacto. Pelos grossos cobriam seu rosto e papada e saíam das orelhas e do nariz.
- Meus leais cavaleiros - a Rainha Selyse continuou. - Sor Narbert, Sor Benethon, Sor Brus, Sor Patrek, Sor Dorden, Sor Malegorn, Sor Lambert, Sor Perkin. - Cada citado abaixou a cabeça. Ela não se preocupou em dizer o nome do bobo, mas os guizos no chapéu de pontas e os quadrados vermelhos e verdes tatuados nas bochechas gordas o tornavam difícil de ignorar. Cara-Malhada. As cartas de Cotter Pyke faziam menção a ele também. Pyke afirmava que era um simplório.
Então a rainha fez sinal para outro curioso membro de sua comitiva: uma vareta alta e magra de homem, sua altura acentuada por um chapéu estrangeiro de três camadas de feltro púrpura.
- E aqui temos o honorável Tycho Nestoris, um emissário do Banco de Ferro de Bravos, que vem tratar com Sua Graça, o Rei Stannis.
O banqueiro tirou o chapéu e fez uma profunda reverência.
- Senhor Comandante. Agradeço a você e aos seus irmãos pela hospitalidade. - Ele falava a Língua Comum fluentemente, com um traço mínimo de sotaque. Cerca de quinze centímetros mais alto do que Jon, o bravosi ostentava uma barba tão fina como um cordão, que brotava do queixo e ia quase até a cintura. Sua túnica era roxo-escura, com acabamento de arminho. Uma gola alta e dura emoldurava o rosto fino. - Espero que não estejamos trazendo nenhum inconveniente.
- De modo algum, meu senhor. Você é muito bem-vindo. - Mais bem-vindo do que esta rainha, verdade seja dita. Cotter Pyke enviara um corvo na frente para avisar da vinda do banqueiro. Jon Snow já tivera tempo para pensar um pouco sobre isso.
Jon se virou para a rainha.
- Os aposentos reais na Torre do Rei foram preparados para Vossa Graça, pelo tempo que desejar permanecer conosco. Este é nosso Senhor Intendente, Bowen Marsh. Ele encontrará alojamentos para seus homens.
- Que gentileza abrir espaço para nós. - As palavras da rainha eram corteses o suficiente, mas seu tom de voz dizia: Não é mais do que sua obrigação, e é bom esperar que essas acomodações me agradem. - Não ficaremos muito tempo. Alguns dias, no máximo. É nossa intenção seguir para nossa nova sede, em Fortenoite, assim que estejamos descansados. A jornada desde Atalaialeste foi cansativa.
- Como desejar, Vossa Graça - disse Jon. - Devem estar com frio e com fome, tenho certeza. Uma refeição quente aguarda por vocês no nosso salão comum.
- Muito bem. - A rainha olhou pelo pátio. - Mas, antes, desejamos nos consultar com a Senhora Melisandre.
- É claro, Vossa Graça. Os aposentos dela também ficam na Torre do Rei. Por aqui, se me permite. - A Rainha Selyse acenou com a cabeça, pegou a filha pela mão e permitiu que ele as levasse dos estábulos. Sor Axell, o banqueiro bravosi e o resto da comitiva os seguiram, como vários patinhos feitos de lã e peles.
- Vossa Graça - Jon Snow falou - meus construtores fizeram o melhor que puderam para tornar Fortenoite pronto para recebê-la ... mesmo assim, muito ainda permanece em ruínas. É um castelo grande, o maior da Muralha, e fomos capazes de restaurar apenas uma parte dele. Estaria mais confortável em Atalaialeste do Mar.
A Rainha Selyse fungou.
- Cansamos de Atalaialeste. Não gostamos de lá. Uma rainha deve ser senhora de seu próprio teto. Achamos seu Cotter Pyke um homem rude e desagradável, briguento e mesquinho.
Devia ouvir o que Cotter diz de você.
- Sinto por isso, mas temo que Vossa Graça vá encontrar condições em Fortenoite ainda menos ao seu gosto. Falamos de uma fortaleza, não de um palácio. Um lugar sombrio e frio. Considerando Atalaialeste ...
- Atalaialeste não é seguro. - A rainha colocou a mão no ombro da filha. - Esta é a herdeira legítima do rei. Shireen um dia sentará no Trono de Ferro e governará os Sete Reinos. Ela deve ser mantida a salvo, e Atalaialeste é onde o ataque ocorrerá. Este Fortenoite é o lugar que meu marido escolheu para nossa sede, e respeitaremos isso. Nós ... oh!
Uma enorme sombra emergiu de trás da casca da Torre do Senhor Comandante. A Princesa Shireen deu um grito, e três dos cavaleiros da rainha engasgaram ao mesmo tempo. Outro conjurou.
- Sete, nos salvem - disse, quase se esquecendo de seu novo deus vermelho com o choque.
- Não temam - Jon falou para eles. - Não há perigo nele, Vossa Graça. Este é Wun Wun.
- Wun Weg Wun Dar Wun. - A voz do gigante retumbou como uma rocha despencando de uma montanha. Ele se ajoelhou diante deles. Mesmo assim, era mais alto do que qualquer um. - Rainha ajoelhada. Pequena rainha. - Palavras que Couros ensinara a ele, sem dúvida.
Os olhos da Princesa Shireen estavam arregalados como pratos.
- É um gigante! Um gigante de verdade, como os das histórias. Mas por que ele fala tão engraçado?
- Ele só conhece algumas poucas palavras da Língua Comum - explicou Jon. - Em suas próprias terras, os gigantes falam a Língua Antiga.
- Posso tocá-lo?
- Melhor não - sua mãe avisou. - Olhe para ele. Uma criatura imunda. - A rainha virou um olhar severo para Jon. - Lorde Snow, o que esta criatura bestial está fazendo do nosso lado da Muralha?
- Wun Wun é um convidado da Patrulha da Noite, assim como vocês.
A rainha não gostou daquela resposta. Nem seus cavaleiros. Sor Axell fez uma careta de desgosto, Sor Brus deu um risinho nervoso, Sor Narbert disse:
- Achei que todos os gigantes estavam mortos.
- Quase todos. - Ygritte chorava por eles.
- Na escuridão, a morte está dançando. - Cara-Malhada arrastou os pés em um passo de dança grotesco. - Eu sei, eu sei, oh, oh, oh. - Em Atalaialeste, alguém costurara para ele um manto de retalhos de peles de castor, de ovelha e de coelho. Seu chapéu ostentava chifres com guizos pendurados, e longas tiras de pele de esquilo que pendiam sobre suas orelhas. A cada passo que dava, os guizos tocavam.
Wun Wun estava boquiaberto com ele, fascinado, mas quando o gigante tentou alcançá-lo o bobo pulou para trás, tilintando.
- Oh, não, oh, não, oh, não. - Aquilo fez Wun Wun cambalear para ficar em pé. A rainha agarrou a Princesa Shirren e a puxou para trás, seus cavaleiros alcançaram as espadas e Cara-Malhada pisou em falso com o susto, caindo de bunda em um monte de neve.
Wun Wun começou a rir. A risada do gigante podia envergonhar o rugido de um dragão. Cara-Malhada cobriu as orelhas, a Princesa Shireen apertou o rosto nas peles da roupa da mãe, e o mais ousado dos cavaleiros da rainha se adiantou, aço na mão. Jon ergueu um braço para bloquear seu caminho.
- Você não vai querer irritá-lo. Guarde seu aço, sor. Couros, leve Wun Wun de volta para Hardin.
- Comer agora, Wun Wun? - perguntou o gigante.
- Comer agora - Jon concordou. Para Couros, disse - Mandarei uns trinta quilos de vegetais para ele e carne para você. Faça uma fogueira.
Couros sorriu.
- Farei, 'nhor, mas Hardin é de gelar os ossos. Talvez, 'nhor possa mandar algum vinho para nos aquecer?
- Para você. Não para ele. - Wun Wun nunca provara vinho até chegar a Castelo Negro, mas uma vez que o fizera, tomara um gosto gigantesco pela coisa. Um gosto grande demais. Jon tinha o suficiente com o que lidar nesse momento, sem ter que adicionar um gigante bêbado à mistura. Virou-se para o cavaleiro da rainha. - O senhor meu pai costumava dizer que um homem nunca deve desembainhar a espada, a menos que pretenda usá-la.
- Usá-la era minha intenção. - O cavaleiro tinha o rosto barbeado e queimado pelo vento; sob uma capa de pele branca, vestia uma túnica de samito de prata estampada com uma estrela azul de cinco pontas. - Eu tinha entendido que a Patrulha da Noite defendia o reino contra tais monstros. Ninguém falou sobre mantê-los como animais de estimação.
Outro maldito tolo sulista.
- Você é?
- Sor Patrek ria Montanha do Rei, se for do agrado do meu senhor.
- Não sei corno observa as leis de hospitalidade em sua montanha, sor. No Norte, ainda são sagradas. Wun Wun é um hóspede aqui.
Sor Patrek sorriu.
- Diga-me, Senhor Comandante, se os Outros aparecerem, você planeja oferecer sua hospitalidade para eles também?- O cavaleiro se voltou para sua rainha. - Vossa Graça, ali está a Torre do Rei, se não estou enganado. Posso ter a honra?
- Como desejar. - A rainha pegou seu braço e passou pelos homens da Patrulha da Noite sem dar um segundo olhar.
Aquelas chamas na coroa são a coisa mais calorosa nela.
- Lorde Tycho - Jon chamou. - Um momento, por favor.
O bravosi o interrompeu.
- Não sou nenhum lorde. Apenas um simples servo do Banco de Ferro de Bravos.
- Cotter Pyke me informou que você chegou a Atalaialeste com três navios. Uma galé, uma galera e uma coca.
- Exatamente, meu senhor. A travessia pode ser perigosa nesta estação. Um barco sozinho pode afundar, já três juntos podem ajudar um ao outro. O Banco de Ferro é sempre prudente em tais assuntos.
- Talvez, antes da sua partida, possamos ter uma conversa tranquila?
- Estou ao seu serviço, senhor comandante. E, em Bravos, dizemos que não há tempo como o presente. Isso será adequado?
- Tão bom quanto qualquer outro. Devemos nos dirigir ao meu solar, ou gostaria de ver o topo da Muralha?
O banqueiro olhou para cima, onde o gelo pairava vasto e pálido contra o céu.
- Temo que será muito frio lá em cima.
- Sim, e venta muito. Aprende-se a andar bem longe da beirada. Homens foram soprados de lá. Ainda hoje em dia. Não há nada como a Muralha na terra. Pode não ter outra chance de vê-la.
- Sem dúvida, posso me arrepender da minha prudência em meu leito de morte, mas depois de um longo dia na sela, uma sala aquecida soa preferível para mim.
- Meu solar, então. Cetim, um pouco de vinho quente com especiarias, se puder.
Os aposentos de Jon atrás do arsenal eram tranquilos o suficiente, embora não especialmente quentes. Sua fogueira se apagara havia algum tempo; Cetim não era tão cuidadoso em alimentá-la como Edd Doloroso. O corvo de Mormont os recebeu com um grito de Grão! Jon pendurou seu manto.
- Você vem procurando Stannis, está corretor
- Está, sim, meu senhor. A Rainha Selyse sugeriu que pudéssemos enviar notícias para Bosque Profundo por corvo, para informar Sua Graça que estarei à disposição em Fortenoite. O assunto que pretendo tratar com ele é muito delicado para confiar em cartas.
- Uma dívida. - O que mais poderia ser? - Dívida dele? Ou de seu irmão?
O banqueiro apertou os dedos uns contra os outros.
- Não seria adequado para mim discutir o endividamento de Lorde Stannis, ou a falta dele. Quanto ao Rei Robert... foi realmente um prazer atender Sua Graça em suas necessidades. Enquanto Robert viveu, tudo estava bem. Agora, contudo, o Trono de Ferro cessou todos os pagamentos.
Podiam os Lannister ser realmente tão tolos?
- Você não pretende considerar Stannis responsável pelas dívidas do irmão.
- As dívidas pertencem ao Trono de Ferro - Tycho declarou - e quem quer que se sente naquela cadeira deve pagá-las. Uma vez que o jovem Rei Tommen e seus conselheiros se tornaram tão inflexíveis, pretendemos abordar o assunto com o Rei Stannis. Se ele se provar mais digno da nossa confiança, é claro que teremos grande prazer em lhe emprestar toda a ajuda de que ele necessitar.
Ajuda, o corvo gritou. Ajuda, ajuda, ajuda.
Muito disso Jon tinha imaginado no momento em que soube que o Banco de Ferro havia mandado um enviado para a Muralha.
- O último que soubemos é que Sua Graça estava marchando para Winterfell para confrontar Lorde Bolton e seus aliados. Pode procurá-lo lá, se desejar, embora isso represente um risco. Você pode se encontrar preso no meio da guerra dele.
Tycho inclinou sua cabeça.
- Nós, que servimos ao Banco de Ferro, nos deparamos com a morte com a mesma frequência que vocês que servem ao Trono de Ferro.
É a isso que sirvo? Jon Snow não tinha tanta certeza.
- Posso provê-lo com cavalos, guias, o que for necessário para que chegue até Bosque Profundo. De lá, precisará fazer seu próprio caminho até Stannis. - E poderá encontrar a cabeça dele sobre um espigão. - Haverá um preço.
Preço, gritou o corvo de Mormont. Preço, preço.
- Sempre há um preço, não é mesmo? - O bravosi sorriu. - O que a Patrulha requer?
- Seus navios, para começar. Com as respectivas tripulações.
- Todos os três? E como retornarei para Bravos?
- Preciso deles apenas para uma única viagem.
- Uma viagem perigosa, imagino. Para começar, você disse?
- Precisamos de um empréstimo, também. Ouro suficiente para nos manter alimentados até a primavera. Para comprar comida e contratar navios para trazê-la até nós.
- Primavera? - Tycho suspirou. - Isso é impossível, meu senhor.
O que Stannis dissera dele? Você barganha como uma velha com um bacalhau, Lorde Snow. Lorde Eddard concebeu você com uma peixeira? Talvez tivesse.
Levou boa parte de uma hora antes que o impossível se tornasse possível, e outra hora antes que pudessem concordar com os termos. A jarra de vinho quente com especiarias que Cetim trouxera ajudou a resolver os pontos mais incômodos. No momento em que Jon Snow assinou o pergaminho que o bravosi elaborou, ambos estavam meio bêbados e totalmente infelizes. Jon achou aquilo um bom sinal.
Os três navios bravosis elevariam a frota de Atalaialeste a onze, incluindo o baleeiro ibenês que Cotter Pyke confiscara por ordem de Jon, uma galé mercantil de Pentos, igualmente impressionante, e três maltratados navios de guerra lisenos, remanescentes da extinta frota de Salladhor Saan que as tempestades de outono trouxeram de volta ao Norte. Todos os três navios de Saan precisavam de reparos extremos, mas agora o trabalho já devia estar terminado.
Onze navios não eram o suficiente, mas se esperasse demais o povo livre em Durolar estaria morto quando a frota de resgate chegasse. Navegue agora, ou não navegue. Se Mãe Toupeira e seu povo iriam estar desesperados o suficiente para confiar suas vidas à Patrulha da Noite, no entanto ...
O dia havia escurecido quando ele e Tycho Nestoris deixaram o solar. A neve começara a cair.
- Nosso respiro foi breve, ao que parece. - Jon apertou a capa em torno do corpo.
- O inverno estará logo sobre nós. No dia em que deixei Bravos, havia gelo nos canais.
- Três de meus homens passaram por Bravos há não muito tempo - Jon contou para ele. - Um velho meistre, um cantor e um jovem intendente. Escoltavam uma garota selvagem e uma criança para Vilavelha. Imagino que não teve chance de cruzar com eles ...
- Temo que não, meu senhor. Westerosis passam por Bravos todos os dias, mas a maioria vem e vai do Porto do Trapeiro. Os navios do Banco de Ferro atracam no Porto Púrpura. Se desejar, posso perguntar por eles quando voltar para casa.
- Não é necessário. Até lá, já devem estar a salvo em Vilavelha.
- Esperemos que sim. O mar estreito é perigoso nesta época do ano, e ultimamente tem havido relatos preocupantes de estranhos navios em Passopedra.
- Salladhor Saan?
- O pirata liseno? Alguns dizem que retornou para seu antigo covil, isso é verdade. E a frota de guerra de Lorde Redwyne se arrasta pelo Braço Partido também. Em seu caminho para casa, sem dúvida. Mas esses homens e esses navios são bem conhecidos para nós. Não, essas outras velas ... do extremo oriente, talvez ... ouvem-se estranhas histórias sobre dragões.
- Poderíamos ter um aqui. Um dragão poderia aquecer um pouco as coisas.
- Meu senhor brinca. Vai me perdoar se não rio. Nós, bravosis, somos descendentes daqueles que fugiram de Valíria e da ira dos senhores dos dragões. Não brincamos com dragões.
Não, suponho que não.
- Minhas desculpas, Lorde Tycho.
- Não é necessário, senhor comandante. Agora descobri que estou com fome. Emprestar grandes somas de dinheiro abre o apetite de um homem. Seria gentil em me indicar seu salão de banquetes:
- Eu mesmo o levarei até lá. - Jon indicou o caminho com um gesto. - Por aqui.
Uma vez lá, teria sido descortês não partilhar o pão com o banqueiro, então Jon pediu para Cetim buscar comida para eles. A recém-chegada comitiva havia atraído quase todos os homens que não estavam de serviço ou dormindo, então o salão estava lotado e quente.
A rainha não estava presente, nem sua filha. Provavelmente estavam se estabelecendo na Torre do Rei. Mas Sor Brus e Sor Malegorn estavam por ali, entretendo os irmãos presentes com as últimas novidades de Atalaialeste e de além-mar. Três das damas da rainha sentavam-se com eles, cercadas por suas aias e por uma dúzia de admiradores da Patrulha da Noite.
Perto da porta, a Mão da Rainha atacava um pedaço de capão, sugando a carne dos ossos e empurrando cada pedaço para baixo com cerveja. Quando viu Jon Snow, Axell Florent jogou o osso de lado, limpou a boca com as costas da mão e dirigiu-se tranquilamente em sua direção. Com suas pernas arqueadas, peito estufado e orelhas proeminentes, tinha uma aparência cômica, mas Jon sabia que não era um homem de quem se devia rir. Era tio da Rainha Selyse, e esteve entre os primeiros a seguir sua aceitação ao deus vermelho de Melisandre. Se ele não é um assassino de parentes, é a coisa mais próxima que existe disso. O irmão de Axell Florent fora queimado por Melisandre, Meistre Aemon contara a Jon, e Sor Axell fizera pouco e ainda menos para deter a sacerdotisa. Que tipo de homem fica de braços cruzados e assiste ao seu próprio irmão ser queimado vivo?
- Nestoris - disse Sor Axell - e o senhor comandante. Posso me juntar a vocês: - Sentou-se no banco antes que pudessem responder. - Lorde Snow, se posso perguntar... esta princesa selvagem sobre quem o Rei Stannis escreveu ... onde ela está, meu senhor?
Muito longe daqui, Jon pensou. Se os deuses forem bons, a esta altura já encontrou Tormund Terror dos Gigantes.
- Val é a irmã mais nova de Dalla, que era esposa de Mance Rayder e mãe do filho dele. O Rei Stannis pegou Val e a criança como prisioneiros, depois que Dalla morreu no parto, mas ela não é uma princesa, não como você imagina.
Sor Axell deu de ombros.
- O que quer que ela seja, em Atalaialeste os homens afirmavam que a meretriz era bonita. Gostaria de vê-la com meus próprios olhos. Com algumas dessas mulheres selvagens, bem, um homem precisa virá-las de costas para cumprir seu dever de marido. Se for do agrado do senhor comandante, traga-a até aqui, deixe-nos dar uma olhada.
- Ela não é um cavalo para ser exibida para inspeção, sor.
- Prometo não contar os dentes dela. - Florent riu. - Oh, não tema, eu a tratarei com a cortesia que lhe é devida.
Ele sabe que não a tenho. Uma aldeia não tinha segredos, e menos ainda Castelo Negro. A ausência de Val não era falada abertamente, mas alguns homens sabiam, e no salão comum, à noite, os irmãos conversavam. O que ele ouviu? Jon se perguntou. Em quanto do que ouviu acredita?
- Perdoe-me, sor, mas Val não se juntará a nós.
- Irei até ela. Onde você mantém a meretriz?
Longe de você.
- Em um lugar seguro. Basta, sor.
O rosto do cavaleiro enrubesceu.
- Meu senhor, se esqueceu de quem eu sou? - Seu hálito cheirava a cerveja e cebolas. - Devo falar com a rainha? Uma palavra de Sua Graça e posso ter essa garota selvagem entregue nua no salão para nossa inspeção.
Isso seria um belo truque, mesmo para uma rainha.
- A rainha nunca abusaria da nossa hospitalidade - Jon respondeu, esperando que fosse verdade. - Agora, sinto que devo deixá-los, antes que esqueça meus deveres de anfitrião. Lorde Tycho, deve me perdoar.
- Sim, é claro - o banqueiro disse. - Foi um prazer.
Do lado de fora, a neve começava a cair com mais força. Do outro lado do pátio, a Torre do Rei se transformara em uma pesada sombra, as luzes nas janelas obscurecidas pela neve que caía.
De volta ao solar, Jon encontrou o corvo do Velho Urso empoleirado no encosto da cadeira de carvalho e couro atrás da mesa de cavalete. A ave começou a gritar por comida no momento em que ele entrou. Jon pegou um punhado de grãos secos de um saco ao lado da porta e espalhou-os no chão, e então reivindicou a cadeira.
Tycho Nestoris deixara uma cópia do acordo deles. Jon leu o pergaminho pela terceira vez. Aquilo foi fácil, refletiu. Mais fácil do que eu esperava. Mais fácil do que deveria ter sido.
Aquilo o fez ficar inquieto. O dinheiro bravosi permitiria à Patrulha da Noite comprar comida no Sul quando seus estoques estivessem baixos, comida suficiente para passar o inverno, por mais longo que pudesse ser. Um longo e duro inverno deixará a Muralha com uma dívida tão grande que nunca sairemos dela, Jon recordou a si mesmo, mas quando a escolha é dívida ou morte, melhor pedir emprestado.
Ele não tinha que gostar, no entanto. E quando a primavera chegasse, quando chegasse o momento de devolver todo aquele ouro, gostaria menos ainda. Tycho Nestoris o impressionara com sua cultura e cortesia, mas o Banco de Ferro de Bravos tinha uma reputação temível quando cobrava dívidas. Cada uma das Nove Cidades Livres tinha seu banco, e algumas tinham mais do que um, lutando por cada moeda como cães em cima de um osso, mas o Banco de Ferro era mais rico e mais poderoso do que todos os demais juntos. Quando príncipes faltavam com suas dívidas para com bancos menores, banqueiros arruinado:, vendiam esposa e filhos para traficantes de escravos e abriam as próprias veias. Quando príncipes deixavam de pagar o Banco de Ferro, novos príncipes surgiam do nada e tomavam seus tronos.
Como o pobre e gordinho Tommen pode estar prestes a aprender. Sem dúvida, os Lannister tinham boas razões para recusar-se a honrar as dívidas do Rei Stannis, mas era tolice do mesmo jeito. Se Stannis não fosse cabeça-dura demais para aceitar os termos deles, os bravosis lhe dariam todo o ouro e prata de que precisava, dinheiro suficiente para comprar uma dúzia de companhias de mercenários, para subornar uma centena de senhores, para manter seus homens pagos, alimentados, vestidos e armados. A menos que Stannis esteja morto sob as muralhas de Winterfell, ele pode ter ganho o Trono de Ferro. Jon se perguntava se Melisandre tinha visto isso em suas chamas.
Recostou-se no encosto da cadeira, bocejou e se espreguiçou. Pela manhã, escreveria ordens para Cotter Pyke. Onze navios para Durolar. Traga quantos puder, mulheres e crianças primeiro. Era tempo de levantar velas. Devo ir eu mesmo, ou deixar isso com Cotter? O Velho Urso liderou uma expedição. Sim. E nunca retornou.
Jon fechou os olhos. Apenas por um momento ...
... e acordou, duro como uma tábua, com o corvo do Velho Urso resmungando, Snow, Snow, e Mully sacudindo-o.
- 'Nhor, você é chamado. Mil perdões, 'nhor. Uma garota foi encontrada.
- Uma garota? - Jon se sentou, esfregando o sono dos olhos com as costas das mãos. - Val? Val retornou?
- Não é Val, 'nhor. Foi deste lado da Muralha.
Arya. Jon se endireitou. Tinha que ser ela.
Garota, gritou o corvo. Garota, garota.
- Ty e Dannel encontraram ela a uns dez quilômetros ao sul de Vila Toupeira. Estavam caçando alguns selvagens que resolveram descer a estrada do rei. Trouxeram eles de volta também, mas então encontraram a garota. Ela é bem-nascida, 'nhor, e está perguntando por você.
- Quantos estavam com ela? - Ele foi até a bacia e jogou água no rosto. Deuses, como estava cansado.
- Nenhum, 'nhor. Ela veio sozinha. Seu cavalo estava morrendo. Todo pele e ossos, coxo e espumando. Eles o soltaram e trouxeram a garota para interrogatório.
Uma garota cinzenta em um cavalo moribundo. Parecia que as chamas de Melisandre não mentiram. Mas o que acontecera com Mance Rayder e suas esposas de lança?
- Onde está a garota agora?
- Nos aposentos de Meistre Aemon, 'nhor. - Os homens de Castelo Negro ainda os chamavam assim, embora agora o velho meistre devesse estar aquecido e seguro em Vilavelha. - A garota estava azul de frio, tremendo toda, então Ty pediu que Clydas desse uma olhada nela.
- Isso é bom. - Jon se sentiu com quinze anos novamente. Irmãzinha. Levantou-se e vestiu seu manto.
A neve ainda estava caindo quando cruzou o pário com Mully. Um amanhecer dourado nascia no leste, mas, atrás da janela da Senhora Melisandre na Torre do Rei, uma luz avermelhada ainda tremeluzia. Ela nunca dorme? Que jogo está jogando, sacerdotisa? Você tem alguma outra tarefa para Mance?
Queria acreditar que fosse Arya. Queria ver o rosto dela novamente, sorrir para ela e bagunçar seu cabelo, dizer que estava a salvo. Mas ela não estará a salvo. Winterfell está queimado e quebrado e não há mais lugares seguros.
Não poderia mantê-la com ele, não importava o quanto quisesse. A Muralha não era lugar para uma mulher, muito menos uma garota de nascimento nobre. Nem podia entregá-la para Stannis ou Melisandre. O rei só iria querer casá-la com um de seus próprios homens, Horpe, Masscy ou Godry, o Matador de Gigantes, e só os deuses podiam saber o que a mulher vermelha faria com ela.
A melhor solução que podia ver seria enviá-la para Atalaialeste e pedir para Cotter Prke colocá-la em um navio para algum lugar do outro lado do mar, fora do alcance de todos aqueles reis briguentos. Seria necessário esperar até que os navios voltassem de Durolar, certamente. Ela poderia ir para Bravos com Tycho Nestoris. Talvez o Banco de Ferro possa encontrar alguma família nobre para hospedá-la. Bravos era a mais próxima das Cidades Livres, no entanto ... o que fazia dela tanto a melhor quanto a pior opção. Lorath ou o Porto de Ibben devem ser mais seguros. Para onde quer que a mandasse, contudo, Arya precisaria de prata para se manter, de um teto sobre sua cabeça, de alguém para protegê-la. Era apenas uma criança.
Os velhos aposentos de Meistre Aemon estavam tão quentes que a súbita nuvem de vapor quando Mully abriu a porta foi o suficiente para cegar os dois. Lá dentro, um fogo recente brilhava na lareira, as toras crepitando e cuspindo. Jon passou por cima de um monte de roupas molhadas. Snow, Snow, Snow, o corvo gritou de cima da lareira. A garota estava encolhida perto do fogo, enrolada em um manto de lã negra três vezes maior do que ela, e adormecida.
Ela parecia o suficiente com Arya para fazê-lo titubear, mas apenas por um momento. Uma garota alta, magra, viva, toda pernas e cotovelos, seu cabelo castanho estava preso em uma grossa trança, atada com tiras de couro. Tinha um rosto comprido, um queixo pontudo, orelhas pequenas.
Mas era muito velha, demasiado velha. Essa garota tem quase a minha idade.
- Ela comeu? - Jon perguntou para Mully.
- Apenas pão e caldo, meu senhor. - Clydas se levantou de uma cadeira. - É melhor ir devagar, Meistre Aemon sempre dizia. Algo mais e ela pode não ser capaz de digerir.
Mully concordou.
- Dannel tinha uma das linguiças do Hobb e ofereceu um pedaço para ela, mas ela não quis nem tocar.
Jon não podia culpá-la por aquilo. As linguiças de Hobb eram feitas de gordura, sal e coisas que era melhor nem pensar.
- Talvez devêssemos deixá-la descansar.
Foi quando a garota se sentou, apertando o manto em seus pequenos e pálidos seios. Parecia confusa.
- Onde ...
- Castelo Negro, minha senhora.
- A Muralha. - Os olhos dela se encheram de lágrimas. - Estou aqui.
Clydas se aproximou.
- Pobre criança. Quantos anos tem?
- Dezesseis no próximo dia do meu nome. Não sou nenhuma criança, mas uma mulher crescida e florescida. - Ela bocejou, cobrindo a boca com o manto. Um joelho desnudo apontou através das pregas. - Você não usa uma corrente. É um meistre?
- Não - disse Clydas - mas servi um.
Ela se parece um pouco com Arya, Jon pensou. Faminta e magra, mas tinha os olhos e os cabelos da mesma cor.
- Me falaram que procurava por mim. Sou ...
- ... Jon Snow. - A garota jogou a trança para trás. - Minha casa e a sua estão unidas por sangue e honra. Ouça-me, parente. Meu tio Cregan está seguindo meu rastro. Você não pode deixá-lo me levar de volta para Karhold.
Jon a olhava. Conheço essa garota. Havia algo em seus olhos, na sua postura, na maneira que falava. Por um momento, a memória lhe escapou. Então veio.
- Alys Karstark.
Aquilo trouxe um vago sorriso aos lábios dela.
- Não estava segura de que se lembraria. Faz seis anos desde a última vez que me viu.
- Você foi para Winterfell com seu pai. - O pai que Robb decapitou. - Não me lembro para quê.
Ela corou.
- Para que pudesse conhecer seu irmão. Oh, havia algum outro pretexto, mas essa era a razão verdadeira. Eu era quase da mesma idade de Robb e meu pai achava que podíamos formar um casal. Teve um banquete. Dancei com você e com seu irmão. Ele foi muito cortês e disse que dancei belamente. Você estava mal-humorado. Meu pai disse que isso era de se esperar de um bastardo.
- Eu me lembro. - Era apenas meia mentira.
- Você ainda é um pouco mal-humorado - a garota disse - mas eu o perdoarei se você me salvar do meu tio.
- Seu tio ... seria Lorde Arnolf?
- Ele não é nenhum lorde - Alys disse com desdém. - Meu irmão Harry é o legítimo senhor, e, por lei, sou sua herdeira. Uma filha vem antes de um tio. Tio Arnolf é apenas o castelão. Ele é meu tio-avô, na verdade, o tio do meu pai. Cregan é filho dele. Imagino que isso faça dele um primo, mas nós sempre o chamamos de tio. Agora, eles pretendem que eu o chame de marido. - Ela fechou o punho. - Antes da guerra, eu estava prometida a Daryn Homwood. Estávamos apenas esperando que eu florescesse para nos casarmos, mas o Regicida matou Daryn no Bosque dos Murmúrios. Meu pai escreveu dizendo que encontraria algum lorde sulista para se casar comigo, mas nunca o fez. Seu irmão Robb cortou a cabeça dele por matar uns Lannister. - Sua boca se contorceu. - Eu pensava que todo o motivo pelo qual marcharam para o Sul era para matar alguns Lannister.
- Isso não ... não é tão simples assim. Lorde Karstark assassinou dois prisioneiros, minha senhora. Garotos desarmados, escudeiros em uma cela.
A garota não parecia surpresa.
- Meu pai nunca gritou como Grande-Jon, mas não era menos perigoso em sua ira. Mas está morto, agora. Assim como seu irmão. Mas você e eu estamos aqui, ainda vivos. Há contenda de sangue entre nós, Lorde Snow?
- Quando um homem toma o negro, ele coloca as contendas de lado. A Patrulha da Noite não tem disputas com Karhold, nem com você.
- Bom. Eu tinha medo ... Implorei ao meu pai que deixasse um dos meus irmãos como castelão, mas nenhum deles queria perder a glória e os resgates a serem conquistados no Sul. Agora, Torr e Edd estão mortos. Harry é prisioneiro em Lagoa da Donzela, foi o último que soubemos, mas isso foi há quase um ano. Ele pode estar morto também. Não sabia a quem mais recorrer, se não ao último filho de Eddard Stark.
- Por que não ao rei? Karhold se declarou por Stannis.
- Meu tio se declarou por Stannis na esperança de fazer os Lannister cortarem a cabeça do pobre Harry. Se meu irmão morrer, Karhold passará para mim, mas meus tios querem meu direito de nascença para eles. Uma vez que Cregan tenha um filho comigo, não precisará mais de mim. Já enterrou duas esposas. - Ela secou uma lágrima com raiva, da mesma maneira que Arya teria feito. - Vai me ajudar?
- Casamentos e heranças são assuntos para o rei, minha senhora. Escreverei a Stannis em seu nome, mas ...
Alys Karstark riu, mas era um riso de desespero.
- Escreva, mas não espere resposta. Stannis estará morto antes de receber sua mensagem. Meu tio garantirá isso.
- O que quer dizer?
- Arnolf está correndo para Winterfell, é verdade, mas apenas para enfiar uma adaga nas costas do seu rei. Ele se aliou a Roose Bolton há muito tempo ... por ouro, pela promessa de perdão e pela cabeça do pobre Harry. Lorde Stannis está marchando para um abate. Ele não poderá me ajudar, mesmo se quisesse. - Alys se ajoelhou diante dele, segurando o manto negro. - Você é minha única esperança, Lorde Snow. Em nome de seu pai, eu lhe imploro. Proteja-me. 

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