Pollyanna
estava em casa há uma semana, quando chegou uma carta de Della
Wetherby, dirigida a Mrs. Chilton:
"Só
gostaria de conseguir explicar-lhes o que a vossa sobrinhinha fez
pela minha irmã, mas receio não o conseguir. Era preciso que a
conhecessem antes. A senhora viu-a e talvez se tenha percebido um
pouco da tristeza e escuridão em que ela se envolvia desde há anos.
E não faz ideia da amargura que lhe inundava o coração, da falta
de interesses e de objetivos, e da insistência no luto permanente.
Então
chegou Pollyanna. Talvez não lhe tenha contado, mas a minha irmã,
logo a seguir à promessa de tomar conta de Pollyanna, arrependeu-se
e estava firmemente decidida a devolver-ma, assim que Pollyanna lhe
começasse com prédicas. Só que Pollyanna nunca lhe fez prédicas,
pelo menos minha irmã diz que não, e ela estava bem atenta a isso.
No entanto, deixe-me só dizer o que encontrei, quando ontem a fui
visitar. Talvez nada lhe possa dar uma ideia melhor do que a vossa
maravilhosa Pollyanna realizou.
Para
começar, quando me aproximei da casa vi que todos os estores estavam
levantados, quando antes estavam sempre fechados. Ao entrar no hall
ouvi música - era o Parsifal. As salas estavam abertas e o ar
cheirava a rosas.
Mrs.
Carew e Mr. Jamie estão ambos no salão de música, - disse-me a
criada. De fato, lá os encontrei, minha irmã e o rapazinho que ela
decidiu levar para casa, escutando ambos um desses aparelhos modernos
que podem conter uma companhia inteira de ópera, incluindo a
orquestra.
O rapaz
estava sentado numa cadeira de rodas, de ar pálido mas
beatificamente feliz. Minha irmã parecia dez anos mais nova. O seu
rosto, habitualmente descorado, apresentava-se com boas cores e os
olhos brilhavam. Um pouco depois, após eu ter falado alguns minutos
com o rapaz, minha irmã e eu subimos ao andar de cima, aos seus
aposentos, e aí falou-me de Jamie. Não do antigo Jamie, de quem
costumava falar com olhos úmidos e suspiros de desespero, mas do
novo Jamie, agora sem sinal de lágrimas, e, em vez disso, com
entusiástico interesse.
“-Della,
ele é maravilhoso, - começou por dizer. - Tudo o que há de melhor
em música, arte e literatura, parece agradar- lhe de forma
maravilhosa. Só que, evidentemente, necessita de evoluir e de se
educar. É disso que me vou ocupar. Amanhã chega um tutor. É claro
que a linguagem dele é um bocado feia, mas leu tantos livros bons,
que o vocabulário dele é surpreendente e havias de ouvir as
histórias que sabe contar! É claro, em educação geral ele é
bastante deficiente, mas está ansioso por aprender e, assim, isso
será facilmente remediado. Adora música e vou proporcionar-lhe toda
a aprendizagem que precisa. Já arranjei um lote de discos
cuidadosamente selecionados. Gostava que visses a cara dele quando
ouviu pela primeira vez a música do Santo Graal. Conhece tudo sobre
o Rei Artur e a Távola Redonda e fala de cavaleiros, lordes e damas,
como tu e eu falamos dos membros da nossa família, só que, às
vezes, quando fala de Sir Lancelot, se refere ou ao antigo cavaleiro
ou a um esquilo do Jardim Público. E Della, creio, é possivel que
ele torne a andar. Vou pedir ao Dr. Ames que o veja e...
E assim
continuou, enquanto eu ficava sentada de boca aberta e língua
amarrada, mas felicíssima! Conto-lhe tudo isto, cara Mrs. Chilton,
para que possa saber como ela está interessada e com que dedicação
vai acompanhar o crescimento e desenvolvimento desse rapaz, e como,
apesar do seu estado anterior, tudo isto veio alterar a sua atitude
em relação à vida. Tenho a certeza de que nunca mais será a
mulher amargurada e rabugenta que foi. E tudo isto se deve a
Pollyanna.
Querida
Pollyanna! Estou em crer que a menina está perfeitamente
inconsciente de tudo isto. Até creio que nem minha irmã ainda
compreendeu o que está a suceder no seu coração e na sua vida.
E agora,
cara Mrs. Chilton, como posso agradecer-lhe? Eu sei que não posso,
por isso nem sequer vou tentar. No entanto, no seu intimo, deve
calcular como estou grata, tanto a si como a Pollyanna.
Della
Wetherby. "
- Parece
que se operou mesmo uma cura! - disse o Dr. Chilton, sorrindo, quando
a mulher concluiu a leitura da carta.
Para sua
surpresa, porém, ela levantou rapidamente a mão em tom reprovador e
disse:
- Por
favor Thomas!
- Porquê
Polly? Qual é o problema? Não estás contente por o remédio
funcionar?
Mrs.
Chilton encostou-se na cadeira, desanimada.
- Lá
estás tu outra vez, Thomas. Claro que estou contente que essa
senhora infeliz tivesse mudado e seja agora útil a alguém. E
contente também por Pollyanna o ter feito. Mas não gosto que falem
dessa criança, permanentemente, como se fosse um frasco de remédio
ou uma "cura". Só isso, percebes?
- Que
disparate! Onde está o mal? Sempre tenho chamado Pollyanna de
tônico!
- Mal!
Thomas Chilton: essa criança está a crescer, queres estragá-la?
Até aqui ela tem estado inconsciente do seu poder extraordinário, e
é nisso que reside o segredo do seu sucesso. Mas quando se puser
conscientemente a querer modificar alguém, ah! então sabes tão bem
como eu que se tornará impossível. Deus permita que ela nunca
perceba que é uma espécie de cura!
-
Disparate! Ia agora preocupar-me com isso!
- Vês,
eu preocupo-me, Thomas.
- Polly,
pensa só no que ela tem feito! - argumentou o médico. - Pensa em
Mrs. Snow, em John Pendleton e nas outras pessoas. Todos se
modificaram, tal como Mrs. Carew e por graça de Pollyanna!
- Eu sei!
- concordou Mrs. Polly Chilton com ênfase. - Mas não quero que
Pollyanna o saiba! Evidentemente que ela o sabe de certo modo, pois
ensinou-os a jogar o "Jogo do Contente" e isso fê-los mais
felizes. Assim, está bem. É o jogo, o jogo dela, jogam-no em
conjunto. Nem quero admitir que Pollyanna nos impinja um tal sermão
quando souber... o problema é esse! Não quero que ela o saiba. É
tudo! E agora deixa-me que te diga que decidi ir à Alemanha contigo,
neste Outono. Ao princípio pensei em não ir. Não queria deixar
Pollyanna e não vou deixá-la agora. Irá connosco!
- Levá-la
connosco? Ótimo! Porque não?
- Tenho
de a levar. Afastá-la-íamos de Beldingsville por uns tempos. Quero
mantê-la meiga, sem que se estrague, se puder.
Adorei seu blog, estão de parabéns pelos os tópicos..
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