segunda-feira, 8 de julho de 2013

POLLYANNA - Capítulo XI - Apresentando Jimmy



Chegou agosto. Este mês trouxe várias surpresas e algumas mudanças. No entanto, nenhuma delas foi realmente surpresa para Nancy que, desde a chegada de Pollyanna, já esperava surpresas e mudanças.
Primeiro foi o gatinho. Pollyanna encontrou um gatinho miando desesperadamente, a alguma distância da estrada. Depois de perguntar por toda vizinhança, não encontrou o dono e o levou para casa.
– Fiquei muito contente por não ter encontrado o dono – disse ela à tia, muito alegre, – porque queria trazê-lo logo para casa. Adoro gatinhos. Sabia que a senhora iria deixá-lo viver aqui em casa.
Miss Polly olhou para o monte de pelos que se encolhia nos braços de Pollyanna e fez uma cara de nojo. Ela não gostava de gatos, ainda que fossem lindos, saudáveis e limpos.
– Que horror Pollyanna! Que animal horroroso! Com certeza está doente e cheio de pulgas!
– Eu sei, pobrezinho – lamentou Pollyanna com carinho, olhando para os olhos assustados do bicho. – E está tremendo de medo. É porque ainda não sabe que vamos ficar com ele.
– Não, ninguém vai fazer isso – retorquiu Miss Polly com ênfase.
– Oh, sim, vamos – reafirmou Pollyanna, não tendo compreendido as palavras da tia. – Eu disse para todo mundo que íamos ficar com ele se não encontrássemos o dono. Eu sabia que ia ficar contente e que ia ter pena deste gatinho abandonado!
Miss Polly abriu a boca, para tentar falar, mas foi em vão. Voltava a sentir aquele curioso sentimento de incapacidade de resistir que experimentava tão frequentemente desde a chegada de Pollyanna.
– Eu já sabia – respondeu Pollyanna com gratidão – que a senhora, tendo tomado conta de mim, não ia deixar o pobre bichinho sem casa, e disse para Mrs. Ford, quando ela me perguntou se a senhora ia me deixar ficar com ele, porque eu tive as senhoras da Caridade e o gatinho não tem ninguém. Eu sabia que a senhora ia pensar assim! – e saiu correndo do quarto.
– Mas, Pollyanna, Pollyanna – insistiu Miss Polly – eu não... – Mas Pollyanna já ia a meio caminho da cozinha, gritando.
– Nancy, Nancy, olha este gatinho que a tia Polly vai criar junto comigo!
E a tia Polly que detestava gatos deixou-se cair abatida na cadeira, desalentada e impotente para protestar.
No dia seguinte foi um cachorro ainda mais sujo e desamparado que o gatinho. E mais uma vez Miss Polly, com grande espanto a respeito de si própria, encontrou-se no papel de protetora e anjo da guarda, um papel que Pollyanna lhe atribuía sem hesitar, como algo natural para uma pessoa que detestava cachorros ainda mais do que gatos. Tentou resistir, mas não conseguiu.
Quando, porém, em menos de uma semana, Pollyanna trouxe para casa um menino sujo e mal vestido pedindo confiantemente a mesma proteção para ele, Miss Polly, desta vez, teve que se opor mesmo.
O caso foi assim.
Numa agradável manhã de quinta-feira, Pollyanna foi de novo levar geleia de mocotó para Mrs. Snow. Mrs. Snow e Pollyanna eram, agora, ótimas amigas. A amizade começou a partir da segunda visita de Pollyanna, ou seja, depois da menina ter ensinado o jogo a Mrs. Snow. Esta agora jogava o jogo com Pollyanna, embora não jogasse lá muito bem, pois tinha se lamentado tanto, durante tanto tempo, que agora não era fácil ficar contente com qualquer coisa. Mas, com as alegres instruções de Pollyanna e as risadas que esta dava quando se enganava, ia aprendendo depressa. Hoje, para grande felicidade de Pollyanna, disse que estava muito contente por Pollyanna ter lhe trazido geleia de mocotó porque era justamente isso que ela queria. Ela não sabia que Milly, ao receber Pollyanna, tinha dito que a mulher do pastor já havia estado ali, de manhã, e que tinha trazido um pote com aquela geleia. Pollyanna pensava nisto, quando, de repente, viu o menino. Ele estava sentado com ar desconsolado à beira da estrada, riscando o chão com um pauzinho.
– Olá! – disse Pollyanna, tentando iniciar uma conversa.
O menino olhou para ela, mas logo desviou os olhos.
– Olá! – resmungou ele.
Pollyanna riu.
– Você não tem cara de que vai ficar contente nem ganhando um pote de geleia – disse Pollyanna, parando na frente dele.
O menino olhou surpreendido e continuou a riscar o chão. Pollyanna hesitou, mas logo a seguir decidiu sentar-se na grama. Apesar de que costumava dizer que estava habituada às senhoras da Caridade e que não se importava em não ter companhia, de vez em quando, desejava ter amigos da mesma idade. Daí a sua determinação em conquistar aquele menino.
– Meu nome é Pollyanna Whittier – disse ela com simpatia. – Como é o seu?
O menino olhou para ela inquieto. Esboçou um movimento para ficar de pé, mas ficou no mesmo lugar.
– Meu nome é Jimmy Bean – respondeu ele, com pouca vontade de falar.
– Ótimo! Agora já fomos apresentados. Ainda bem que me disse o seu nome, algumas pessoas não o fazem. Eu moro na casa de Miss Polly Harrington. E você?
– Em lugar nenhum.
– Como em lugar nenhum? Por quê? Isso não pode ser, todo mundo mora em algum lugar.
– Pois eu não moro. Ando justamente procurando um lugar novo para morar.
– Ah sim! Onde?
O menino a olhou com desprezo.
– Boba! Se estou procurando um lugar, como posso saber onde é?
Pollyanna sacudiu a cabeça. Ele não era simpático e ela não gostou que ele a chamou de boba. No entanto, valia a pena insistir, porque ele era diferente dos mais velhos.
– Mas onde morava antes?
– Você nunca levou uma surra por fazer muitas perguntas? – perguntou o menino, impaciente.
– Eu tenho que perguntar – respondeu Pollyanna calmamente, – senão não posso saber nada do que eu quero. Se você falasse mais, eu não precisava perguntar tanto.
O menino deu uma risada. Era um riso forçado, mas o rosto tornou-se mais simpático.
– Está bem, então aí vai! Sou Jimmy Bean e tenho dez anos. Vim no ano passado viver no orfanato, mas já tem tantos meninos que não há lugar para mim. Por isso vou embora. Vou viver em outro lugar, mas ainda não encontrei. Só queria um lar, um lar normal com uma mãe. Ter um lar é ter uma família e eu não tenho uma família desde que o meu pai morreu. Por isso, estou procurando. Já tentei em quatro casas, mas não me quiseram, embora eu dissesse que queria trabalhar. Era isso que queria saber? – a voz do menino esmorecera nas últimas duas frases.
– Mas que pena! – disse Pollyanna, cheia de compaixão. – Ninguém quis você? Eu sei como se sente, porque depois que o meu pai morreu eu também não tinha mais ninguém, a não ser as senhoras da Caridade, até que a tia Polly disse que tomaria conta de mim.
Pollyanna interrompeu bruscamente. Tinha tido uma ideia maravilhosa.
– Ah, já sei de um lugar para você – gritou ela. – A tia Polly ficará com você, tenho certeza! Não ficou comigo? E não ficou também com o Fluffy e o Buffy quando eles não tinham ninguém que tomasse conta deles, nem para onde ir? E afinal não passam de bichos. Vem comigo, eu sei que a tia Polly fica com você! Não imagina como a minha tia é boa e simpática!
O pequeno rosto de Jimmy Bean iluminou-se.
– Tem certeza? Ela fica comigo? Eu posso trabalhar e sou muito forte! – disse ele, mostrando o seu braço magro.
– É claro que sim! A minha tia Polly é a melhor senhora do mundo, depois da minha mãe ter ido para o céu. E há muitos quartos – continuou ela, saltitando e apalpando o braço dele. – É uma casa enorme. Talvez – acrescentou ela um pouco ansiosa, enquanto se apressava – talvez tenha que dormir no quarto do sótão. Eu dormia lá antes, mas agora tem tela nas janelas e já não faz tanto calor, além das moscas não poderem mais entrar com germes nas patas. Sabia disso? Talvez ela deixe você ler o livro se você se comportar. Você também tem sardas – disse ela, com um olhar crítico. – Assim vai ficar contente porque não tem espelho. E a vista daquela janela é mais bonita do que qualquer quadro. Não vai se importar de dormir naquele quarto, tenho certeza – insistiu Pollyanna, descobrindo que precisava de fôlego para outras finalidades além de falar.
– Mas que bom! – exclamou Jimmy Bean sem compreender muito bem, mas satisfeitíssimo. E acrescentou: – Não sabia que era possível continuar falando enquanto se corre!
– Pois então fique contente com isso – respondeu ela, – porque enquanto eu falo você não tem que falar!
Quando chegaram na casa, Pollyanna conduziu o companheiro diretamente à presença da tia, surpreendida.
– Oh, tia Polly – disse ela, triunfante. – Veja só! Trouxe uma coisa muito mais bonita que o Fluffy e o Buffy para a senhora criar. É um menino de verdade. Ele não se importa de dormir no sótão no princípio e diz que pode trabalhar, embora eu ache que vou precisar dele na maior parte do tempo para brincar.
Miss Polly empalideceu e depois ficou vermelha como um pimentão. Pensou não ter compreendido bem, mas bastava aquilo que tinha entendido.
– Pollyanna, o que significa isto? Quem é este menino tão sujo? Onde o encontrou? – perguntou ela severamente.
“O menino tão sujo” recuou um passo e olhou para a porta. Pollyanna procurou rir.
– É verdade, esqueci de dizer o nome dele! Sou tão esquecida como “o homem”. E também está sujinho, não é? Está como o Fluffy e o Buffy quando a senhora os aceitou. Mas acho que ele ficará melhor depois que se lavar, como eles. Oh, ia me esquecendo de novo. Chama-se Jimmy Bean, tia Polly.
– Bem, e o que ele está fazendo aqui?
– Como? Já disse isso, tia Polly! – os olhos de Pollyanna estavam enormes de surpresa. – Eu o trouxe para a senhora. Trouxe-o para casa, para ele viver aqui conosco. Ele quer um lar e uma família. Contei como a senhora era boa para mim, para o Fluffy e para o Buffy e que eu sabia que também seria boa para ele, porque é mais bonito que os bichinhos.
Miss Polly deixou-se cair numa cadeira, levando a mão trêmula até a garganta. A incapacidade de resistir ameaçava apoderar-se dela mais uma vez. Porém, com um esforço visível, Miss Polly endireitou-se repentinamente.
– Isto também não, Pollyanna! Isto é a coisa mais absurda que você já fez até agora. Como se já não bastasse trazer para casa cães e gatos vadios, também tem que ir buscar meninos pedintes na rua!
Aquela expressão foi como uma chicotada no menino. Seus olhos chisparam e seu queixinho levantou-se. Deu dois passos firmes para frente e se colocou corajosamente diante de Miss Polly.
– Não sou nenhum pedinte, minha senhora, e não quero nada da senhora. Estava procurando trabalho para me sustentar. Mas não teria vindo até a sua casa se esta menina não tivesse me dito como a senhora era caridosa e boa, e que desejava tomar conta de mim. Portanto, vou-me embora! – e, dizendo isto, abandonou a sala com uma dignidade que seria absurda se não fosse tão lamentável.
– Oh, tia Polly! – lamentou Pollyanna. – Eu achei que ficaria contente com ele aqui!
Miss Polly ergueu a mão com um gesto firme, impondo o silêncio. Seus nervos não podiam suportar mais aquilo. O que o menino havia dito, “caridosa e boa”, ainda lhe soava nos ouvidos e ela sentia que a sua habitual incapacidade de resistir estava vindo de novo. No entanto, fez um esforço supremo e disse, com energia:
– Pollyanna – gritou zangada! – Pare com essa história de estar contente e querer que todo mundo fique contente! É “contente” o dia inteiro, de manhã a noite. Está me enlouquecendo!
Pollyanna ficou boquiaberta.
– Mas por que, tia Polly? – murmurou ela. – Eu imaginei que fosse ficar contente. Oh! – interrompeu ela, levando a mão à boca e saindo correndo da sala.
Antes do menino chegar no portão, Pollyanna o alcançou.
– Jimmy Bean, estou muito triste com o que aconteceu, peço desculpas – disse pesarosa, agarrando-o.
– Desculpa nada! Não estou culpando você – retorquiu o menino, solenemente. – Mas não sou nenhum pedinte! – acrescentou ele, altivo.
– Claro que não! Mas você não deve culpar a tia Polly. Provavelmente eu não te apresentei da maneira correta, e por não ter dito quem você era. Ela é realmente boa e simpática, sempre tem sido, eu é que não me expliquei bem. Quero arranjar um lugar para você!
O menino encolheu os ombros e fez menção de ir embora.
– Não faz mal. Acho que posso encontrar um lugar. Mas não sou nenhum pedinte.
Pollyanna estava com uma expressão muito triste. De repente, o rosto iluminou-se.
– Já sei o que vou fazer! As senhoras da Caridade vão se reunir esta tarde, ouvi a tia Polly dizendo. Vou apresentar o seu caso. Era o que papai sempre fazia quando queria alguma coisa, como educar os meninos pagãos ou arranjar um tapete novo para a igreja.
O menino virou-se, desconfiado.
– Não sou pagão, nem tapete. Por sinal, o que é isto de senhoras da Caridade?
Pollyanna olhou para ele, reprovadoramente.
– Como? Onde você foi criado para não saber quem são as senhoras da Caridade?
– Está bem, e se não quer contar, não conta – resmungou o garoto, virando e afastando-se com indiferença.
Pollyanna correu para o lado dele.
– São muitas senhoras que se reúnem para costurar, fazem jantares para recolher dinheiro e conversar. São muito simpáticas. Bem, pelo menos a maioria delas era, lá na minha terra. Não conheço as senhoras daqui, mas elas sempre são boas. Vou apresentar o seu caso a elas esta tarde.
O menino virou-se outra vez, desconfiado.
– Nem pense nisso! Com certeza pensa que vou ficar parado na frente delas para ouvir elas me chamarem de pedinte. Já basta uma!
– Mas você não precisa estar lá – argumentou Pollyanna, rapidamente. – Eu vou sozinha e explico tudo.
– Vai?
– Vou sim, mas desta vez vou explicar bem as coisas – apressou-se Pollyanna, vendo que o rosto do menino mostrava sinais mais brandos. – E deve ter alguma que ficará contente em lhe dar um lar.
– E eu trabalho. Não esqueça de dizer isso.
– Claro que não – prometeu Pollyanna satisfeita, convencida de que desta vez ia sair vitoriosa. – Amanhã conto o resultado a você.
– Onde?
– Na estrada onde nos encontramos hoje, perto da casa de Mrs. Snow.
– Está bem, estarei lá. Talvez seja melhor eu voltar para o orfanato, afinal, só por esta noite. Eu não disse que não voltava, senão não iam me deixar voltar. Embora ache que eles nem se importariam se eu desaparecesse. Não são como parentes, não se preocupam com ninguém!
– Eu sei – assentiu Pollyanna, com olhar compreensivo. – Mas tenho certeza de que amanhã, quando nos encontrarmos, já terei arranjado um lar para você e gente amiga para tomar conta de você. Adeus! – disse ela, voltando para casa.
Junto à janela da sala de estar, Miss Polly, que estivera observando as duas crianças, seguiu com os olhos até o menino desaparecer numa curva da estrada. Depois suspirou, voltou-se e subiu as escadas com um ar de desânimo. Miss Polly não costumava ter essa expressão. Nos seus ouvidos ainda ecoavam as palavras ditas pelo menino em tom de desespero: “E como a senhora era caridosa e boa”. O seu coração experimentava uma curiosa sensação de desolação, como se tivesse perdido alguma coisa.

2 comentários:

NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados