segunda-feira, 8 de julho de 2013

POLLYANNA - Capítulo XVI - O xale de renda e uma rosa vermelha



Num dia chuvoso, cerca de uma semana depois da visita de Pollyanna a Mr. Pendleton, Miss Polly foi a uma reunião do comitê das senhoras da Caridade. Quando regressou, às três da tarde, vinha corada e com várias mechas de cabelo soltas pelo vento.
Pollyanna nunca tinha visto a tia assim.
– Oh, tia Polly também tem! – gritava ela dançando irrequieta em redor da tia, quando ela entrou na sala.
– Tem o quê, menina impossível?
Pollyanna continuava a dançar em volta dela.
– E eu que não sabia! Como pode uma pessoa ter uma coisa sem que os outros percebam? Acha que eu também poderia? – gritava ela, puxando com os dedos os cabelos para cima da orelha. – Mas eles não seriam pretos, se eu os tiver.
– Pollyanna, o que significa isto? – perguntou a tia Polly tirando o chapéu e procurando endireitar o cabelo.
– Não, por favor, tia Polly! – pediu Pollyanna num tom apelativo. – Não os endireite! É deles que eu estou falando, desses lindos cachos pretos. Oh, tia Polly, são tão lindos!
– Bobagem! E que ideia foi aquela de aparecer na reunião das senhoras da Caridade no outro dia, para falar sobre aquele menino pedinte?
– Mas não é bobagem, não – exclamou Pollyanna, respondendo somente a primeira parte dos comentários da sua tia. – A senhora não imagina como fica bem com o cabelo assim! Oh, tia Polly, por favor, posso penteá-la como penteei a Mrs. Snow e colocar uma flor? Eu gostaria muito de ver a senhora enfeitada assim! Ficaria muito mais bonita do que ela!
– Pollyanna! – disse a tia Polly muito duramente, e ainda mais porque as palavras de Pollyanna tinham despertado nela uma estranha onda de alegria. Há quanto tempo ninguém se preocupava com ela ou como ficava o seu cabelo? E há quanto tempo ninguém lhe dizia que gostaria que ela ficasse bonita? – Pollyanna, você não respondeu! Por que foi falar com as senhoras da Caridade?
– Sim, eu sei, mas por favor. Eu não sabia que era bobagem, até descobrir que elas preferiam ver o nome delas em primeiro lugar numa lista do que ajudar o Jimmy. E por isso eu escrevi para as minhas senhoras da Caridade, porque o Jimmy está muito longe delas e pensei que ele podia ser para elas o menino da Índia delas, tal como... Tia Polly, eu fui para a senhora a sua menina da Índia? Tia Polly, me deixa pentear o seu cabelo, deixa?
A Tia Polly levou a mão à garganta; sentia de novo aquela sensação estranha.
– Mas Pollyanna, fiquei tão envergonhada quando as senhoras me contaram esta tarde que você tinha ido falar com elas! Eu...
Pollyanna começou a saltitar.
– Ainda não me disse que eu não posso penteá-la – gritou ela triunfalmente, – e quando não diz não, eu sei que é sim, como no dia da geleia para Mr. Pendleton, que a senhora não mandou, mas queria que eu não dissesse que não mandou. Espere aí. Vou buscar um pente.
– Mas, Pollyanna, Pollyanna – protestou Miss Polly, seguindo a menina e subindo as escadas atrás dela.
– Ah, subiu também? Assim fica melhor! Já tenho o pente. Agora faça o favor, sente-se aqui. Ah, estou tão contente por me deixar penteá-la!
– Mas Pollyanna, eu...
Miss Polly não conseguiu concluir a frase. Para sua surpresa, encontrou-se sentada no banco diante do espelho com o cabelo sobre os ombros, desmanchado por dez dedinhos muito ágeis.
– Mas que lindo cabelo que a senhora tem, e também muito mais abundante do que o da Mrs. Snow! Mas claro, a senhora precisa mais, porque está bem de saúde e vai mais a lugares onde as pessoas podem enxergar seus cabelos. Tenho certeza que as pessoas ficarão surpresas ao ver tanto cabelo e tão comprido, escondidos há tanto tempo. Oh, tia Polly, vou deixá-la tão bonita que todos vão adorar olhar para a senhora!
– Pollyanna! – disse a tia um tanto chocada, com o rosto escondido dentro de uma cortina de cabelos caídos. – Nem sei porque estou te deixando fazer estas bobagens.
– Por que, tia Polly? Eu acho que a senhora vai ficar contente ao ver todo mundo olhá-la e achando bonito! Não gosta de olhar para as coisas bonitas? Eu sempre fico muito mais contente quando olho para as pessoas bonitas, porque quando olho para as outras tenho muita pena delas.
– Mas – mas...
– Eu adoro pentear as pessoas! Eu penteei muitas senhoras da Caridade, mas nenhuma delas tinha o cabelo tão bonito como o seu. O de Mrs. White era bem bonito, e ela ficou dez anos mais moça no dia que eu arrumei o cabelo dela. Oh, tia Polly, tive uma ideia, mas é segredo e não posso dizer. O seu penteado está quase pronto e eu tenho que sair por um minuto. Mas a senhora tem que me prometer que não vai espiar até eu voltar. Não se esqueça! — concluiu ela enquanto saía do quarto.
Miss Polly não disse nada em voz alta, mas pensou que era melhor desfazer imediatamente aquele absurdo trabalho dos dedos da sua sobrinha e arrumar o cabelo como sempre. Quanto a dar uma espiada...
Nesse momento, Miss Polly se olhou no espelho. Aquilo que viu a fez corar e quanto mais olhava mais corava. Viu um rosto que não era jovem, é verdade, mas que se iluminava de excitação e surpresa. O rosto estava bonito e rosado. Os olhos cintilavam. O cabelo preto, e ainda úmido, caía em ondas soltas sobre a testa num penteado que ficava muito bem, com pequenos cachos aqui e ali.
Estava tão absorvida e surpreendida com o que via ao espelho que se esqueceu da sua determinação de desmanchar o cabelo, até que ouviu Pollyanna entrar de novo no quarto. Antes de poder se mexer sentiu uma coisa sobre os olhos e que era atada na nuca.
– Pollyanna, o que está fazendo?
Pollyanna riu-se.
– É isso mesmo que eu não quero que saiba, tia Polly, e tinha medo que mexesse, por isso amarrei um lenço. Agora fique quieta. Não se mexa. Só falta um minuto para poder ver.
– Mas, Pollyanna – disse Miss Polly, endireitando-se sem ver nada. – Tenho que tirar isto, o que está fazendo? – protestou ela ao sentir uma coisa macia sobre os ombros.
Pollyanna riu ainda mais. Com dedos irrequietos ela cobria os ombros da tia com um lindo xale, amarelado por ter estado guardado muitos anos. Pollyanna tinha encontrado o xale uma semana antes, quando Nancy arrumava o sótão e tinha se lembrado de que poderia pentear a tia tal como fizera com as senhoras da Caridade.
Concluída a sua tarefa, Pollyanna apreciou o seu trabalho com um olhar aprovador, mas viu que ainda faltava uma coisa. Prontamente, conduziu sua tia para o solário onde uma linda rosa vermelha havia florido na grade, ao alcance da sua mão.
– Pollyanna, o que está fazendo? Para onde estamos indo? – disse a tia Polly, procurando vagamente resistir. – Pollyanna não quero...
– Estamos no solário. É só um minuto! Já está quase pronta – acrescentou Pollyanna, pegando a rosa e colocando-a no cabelo por cima da orelha esquerda de Miss Polly. – Pronto! – exultou ela desamarrando o lenço e retirando-o. – Oh, tia Polly, agora tenho certeza de que a senhora vai ficar contente por ter me deixado penteá-la!
Por um momento, Miss Polly, um pouco confusa, olhou em redor e dando um grito correu para o seu quarto. Pollyanna olhou na mesma direção que a tia e viu, através das janelas abertas do solário, um cavalo e uma charrete que se aproximavam. Reconheceu imediatamente o homem que segurava as rédeas. Encantada, debruçou-se na janela.
– Doutor Chilton, doutor Chilton! O senhor veio me ver? Estou aqui.
– Vim, sim – sorriu o médico, um pouco sério. – Pode descer, por favor?
A menina se virou para descer, e ao atravessar o quarto de Miss Polly, encontrou a tia muito corada e zangada, tirando os alfinetes que seguravam o xale.
– Pollyanna, por que fez isto? – resmungou a tia. – Imagina, me preparar desta maneira e depois deixar que me vejam!
– Mas estava tão linda, tia Polly...
– Linda! – troçou a senhora, pondo o xale de lado e desfazendo o cabelo com os dedos trêmulos.
– Oh, tia Polly, por favor, não desmanche o cabelo! Deixe assim!
– Deixar assim? Como se eu pudesse! – E Miss Polly começou a arrumar os seus cabelos como de costume, puxados para trás.
– Estava tão bonita – disse Pollyanna, quase soluçando enquanto saía do quarto.
Embaixo Pollyanna encontrou o médico que esperava na sua charrete.
– Eu a receitei para um doente e ele me pediu para vir buscar o remédio – anunciou o médico. – Queres ir comigo?
– Quer que eu vá comprar algum remédio na farmácia? – perguntou Pollyanna, na dúvida. – Eu costumava ir quando as senhoras da Caridade me pediam.
O médico abanou a cabeça com um sorriso.
– Não é bem isso. É Mr. John Pendleton. Ele gostaria muito de vê-la hoje, se puder. Já parou de chover e posso levá-la. Você vem? Trago você de volta antes das seis.
– Gostaria muito! – exclamou Pollyanna. Deixa eu pedir para tia Polly.
Depois de um tempo, ela voltou, com o chapéu na mão, mas com uma expressão muito triste.
– A sua tia não queria deixar você ir? – perguntou o médico enquanto se afastavam.
– Não, ela queria muito que eu fosse embora. Estou com medo.
– Queria muito que fosse embora?
Pollyanna suspirou outra vez.
– Sim, acho que ela não me queria lá. Ela disse: “Sim, vai, vai depressa! Era melhor se já tivesse ido há mais tempo.”
O médico sorriu, mas só com os lábios. Seus olhos estavam graves. Calou-se por um tempo, depois, um pouco hesitante, perguntou.
– Não foi a sua tia que eu vi, há pouco, na janela do solário?
Pollyanna respirou fundo.
– Sim, foi esse o problema, eu acho. O senhor a viu penteada, com um lindo xale que encontrei lá em cima e com uma rosa no cabelo. Estava muito bonita. Não achou?
O médico não respondeu logo. Quando falou, a voz era tão baixa que Pollyanna mal podia ouvir as palavras.
– Sim, Pollyanna, ela estava linda!
– Achou? Estou tão contente! Vou contar para ela.
Para surpresa dela, o médico logo exclamou:
– Nunca! Pollyanna, peço que nunca lhe diga nada, ouviu?
– Mas por quê, doutor Chilton? Por que não? Acho que ela ficaria contente.
– Mas pode não ficar – interrompeu o médico.
Pollyanna refletiu sobre isso por um momento.
– Quem sabe? Talvez ela não fique – suspirou. – Agora me lembro, ela correu ao perceber que era o senhor. E depois se queixou que a tinham visto daquele jeito.
– Eu também acho isso – disse o médico suspirando.
– Mas continuo a não entender o porquê – insistia Pollyanna. – Ela estava tão bonita.
O médico não disse nada. Ele não falou de novo até estarem quase chegando no grande casarão de pedra onde John Pendleton se encontrava com a perna quebrada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados