segunda-feira, 8 de julho de 2013

POLLYANNA - Capítulo XVII - Como um livro



Nesse dia John Pendleton cumprimentou Pollyanna com um sorriso.
– Muito bem, Miss Pollyanna. Tenho pensado que você deve ser uma menina muito bondosa para ter vindo me ver hoje outra vez.
– Por que, Mr. Pendleton? Eu estou muito contente por ter vindo e também não vejo porque não deveria estar.
– É que fui muito rabugento no outro dia, quando você me trouxe com tanto carinho aquela geleia, como também no dia em que me encontrou com a perna quebrada. A propósito, acho que nunca lhe agradeci pelo que fez por mim. Agora tenho certeza de que você é uma pessoa muito generosa por ter vindo me ver depois de eu ter tratado você com tanta ingratidão!
Pollyanna ficou comovida.
– Mas fui eu que fiquei muito contente por tê-lo encontrado, quero dizer, não por ter quebrado a perna, claro! – corrigiu ela, apressadamente.
John Pendleton sorriu.
– Eu compreendo. A sua língua de vez em quando escapa, não é, Miss Pollyanna? Entretanto, fico muito agradecido e acho que foi muito heroico da sua parte tudo o que fez por mim. Agradeço também a geleia – acrescentou ele com uma voz mais clara.
– Gostou da geleia? – perguntou Pollyanna interessada.
– Gostei muito. Eu suponho que não tem mais dessa geleia que Miss Polly não me enviou, não é? – perguntou ele, com um sorriso estranho.
A menina fez um ar desconsolado.
– Não, senhor. – Ela hesitou, mas depois prosseguiu com mais calor: – Por favor, Mr. Pendleton, no outro dia eu não tive a intenção de ser rude quando disse que a tia Polly não tinha lhe enviado a geleia.
Não houve resposta. John Pendleton deixara de sorrir. Olhava para frente com olhos que pareciam não enxergar nada do estava na sua frente. Passado um tempo, deu um grande suspiro e voltou-se para Pollyanna. Quando voltou a falar a voz transmitia aquela irritação habitual.
– Bem, bem. Não mandei chamá-la para me lamentar. Ouça! Lá na biblioteca, naquela sala grande onde está o telefone, que você já conhece, existe uma caixa na prateleira debaixo do armário com portas de vidro, no canto perto da lareira. Deve estar lá, se aquela mulher atrapalhada não fez uma “arrumação”! Pode trazê-la. É pesada, mas acho que dá para carregá-la.
– Ah, eu sou muito forte – declarou Pollyanna, alegremente, enquanto se colocava de pé. Num minuto voltou com a caixa. Pollyanna passou, então, uma meia hora maravilhosa. A caixa estava cheia de tesouros, curiosidades que John Pendleton havia juntado ao longo de vários anos de viagem e em relação a cada uma delas havia uma história engraçada, fosse sobre a peça de xadrez talhada em marfim trazida da China ou um pequeno ídolo de jade da Índia. Foi depois de ouvir a história sobre o ídolo que Pollyanna murmurou tristemente:
– Eu acho que seria muito melhor cuidar de um menino da Índia, um que não sabe nada além de achar que Deus está num ídolo desses, do que cuidar de Jimmy Bean, um menino que sabe que Deus está no céu. Mas apesar disso, não posso deixar de pensar que seria muito melhor se elas tivessem ficado com o Jimmy, junto com os meninos da Índia.
John Pendleton parecia não ouvir. Os seus olhos estavam de novo fixos sem ver nada. Mas logo se recompôs e pegou outro objeto para contar a sua história.
A visita, certamente, estava sendo muito agradável, mas antes que Pollyanna tivesse percebido, já estavam falando de outras coisas além das curiosidades existentes naquela caixa. Estavam falando dela própria, de Nancy, da tia Polly e da sua vida cotidiana. Conversaram também sobre a vida de Pollyanna quando morava no longínquo oeste.
Quando a menina estava quase indo embora o homem disse, numa voz que Pollyanna nunca tinha ouvido antes:
– Minha menina, quero que venhas me ver sempre. Eu sou muito solitário e preciso de você. E ainda existe outra razão que vou lhe dizer. Inicialmente, no outro dia, depois de saber quem você era, não queria mais vê-la. Você me recorda uma coisa que há muitos anos venho tentando esquecer. Assim, disse a mim mesmo que não queria voltar a vê-la e sempre que o médico perguntava se eu não queria que a trouxesse outra vez, eu respondia que não. Mas, passado um tempo, descobri que não vê-la me fazia recordar ainda mais aquilo que eu queria esquecer. Por isso, agora quero que venha sempre. Você faz isso, minha menina?
– Claro que sim, Mr. Pendleton – disse Pollyanna com os olhos radiantes de simpatia pela tristeza do homem que estava deitado na sua frente. – Eu gosto muito de vir até aqui!
– Muito obrigado – disse John Pendleton amavelmente.
Depois do jantar desta noite, Pollyanna sentada na cozinha, contou para Nancy tudo sobre a caixa maravilhosa de Mr. John Pendleton e das curiosidades que ela continha.
– Imagine só, mostrar todas essas coisas e contar tantas histórias, logo ele que costuma ser tão antipático e que nunca fala com ninguém!
– Mas ele não é antipático, Nancy, é só por fora que ele é. Não sei porque todo mundo acha que ele é mau. Se o conhecessem não pensariam isso. Mas nem a tia Polly gosta muito dele. Ela não queria mandar a geleia porque tinha medo que ele pensasse que tinha sido ela que mandou!
– Ela provavelmente deve ter as suas razões para isso. Mas o que me surpreende é como ele a aceitou, isto é, sem lhe ofender, é claro, mas ele não é do tipo de homem que costuma conversar com crianças.
Pollyanna sorriu contente.
– Pois comigo ele conversa, Nancy, mas acho que não é sempre assim. Hoje ele me confessou que da outra vez não queria me ver mais porque eu lhe lembrava uma coisa que ele queria esquecer. Mas depois...
– O quê? – interrompeu Nancy excitada. – Ele disse que você o fazia recordar uma coisa que queria esquecer?
– Sim. Mas depois...
– E o que era isso? – insistiu Nancy, ansiosa.
– Ele não me contou. Só disse que era uma coisa.
– Que mistério! – exclamou Nancy, numa voz estranha. – Deve ter sido por isso que ele simpatizou com você. Oh, Miss Pollyanna! Isso é como um livro. Eu já li muitos livros. “O segredo de Lady Maud”, “O herdeiro desaparecido” e o “Oculto durante anos”, todos cheios de mistérios como este. Meu Deus! Imagine só ter um livro vivo debaixo do seu nariz e não saber o que é! Conte tudo. Deve haver uma amada! Não me admira que ele tenha simpatizado com você, não me admira nada!
– Mas não foi assim. Ele nem sabia quem eu era, até o dia em que levei a geleia de mocotó e tive que explicar que não tinha sido a tia Polly que tinha mandado e...
De repente Nancy deu um pulo e bateu palmas.
– Ah, Miss Pollyanna, eu sei, eu sei! – exultou ela, radiante. E, voltando a sentar ao lado da menina, disse: – Diga, me responda com franqueza – pediu ela, empolgada. – Não foi depois de saber que você era sobrinha de Miss Polly que ele disse que não queria lhe ver mais?
– Sim, eu contei da última vez que o vi e foi só hoje que ele me disse isso.
– Isso mesmo! – disse Nancy, triunfante. – E Miss Polly não disse porque ela não mandava a geleia, não foi?
– Foi.
– E você lhe disse isso?
– Sim, eu...
– E ele começou a agir de modo estranho e ficou comovido depois que descobriu que você era sobrinha dela, não foi?
– É, sim, ele começou a se comportar de um modo bem estranho depois da geleia – admitiu Pollyanna, pensativa.
Nancy deu um grande suspiro.
– Então tenho certeza que já sei de tudo! Agora ouça isto: Mr. John Pendleton foi o namorado de Miss Polly Harrington! – anunciou, solenemente, enquanto olhava receosa por cima do ombro.
– Não pode ser, Nancy! Ela não gosta dele – objetou Pollyanna.
– Claro que não! Esta é a questão!
Pollyanna continuava a olhar incrédula e Nancy, depois de respirar fundo outra vez, se preparou para contar toda a história.
– É assim. Antes de você chegar, Mr. Tom me contou que, uma vez, Miss Polly tinha tido um namorado. Eu não acreditei. Era impossível, ela com um namorado! Mas Mr. Tom me disse que sim e que ele vivia nesta cidade. E agora já sei; claro que tem que ser Mr. John Pendleton! Ele não tem um mistério na vida? Não se fechou sozinho naquele casarão sem falar com ninguém? Não agiu de modo estranho quando descobriu que você era sobrinha de Miss Polly? E agora não confessou que você lhe lembrava algo que queria esquecer? É claro que é por causa de Miss Polly! Além disso, há o fato dela dizer que nunca lhe mandaria geleia. Está claro como o dia, não acha Miss Pollyanna?
– Oh! – exclamou Pollyanna, perfeitamente surpreendida. – Mas Nancy, se eles se amassem já teriam feito as pazes há bastante tempo, mas os dois estão sozinhos todos estes anos. Eu acho que eles ficariam contentes em fazer as pazes!
Nancy olhou desdenhosamente.
– Acho que a menina não sabe muito sobre namorados. Ainda é muito pequena. Mas se existe alguém no mundo que não faria muito uso do seu jogo do contente, são os namorados zangados. Vivem brigando, tristes ou emburrados como ela... – Nancy parou bruscamente, lembrando-se a tempo sobre quem estava falando. – Está aí um serviço lindo se conseguisse juntá-los de novo. Mas seria um espanto, Miss Pollyanna, pois eu acho que não há muitas chances!
Pollyanna não respondeu, mas quando entrou em casa, pouco depois, trazia uma expressão muito pensativa.

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