Um por um foram se passando os dias curtos de inverno. Mas, para Pollyanna, não eram curtos. Eram longos e, por vezes, cheios de dor. Apesar disso, resolutamente, a menina fez renascer em sua alma, aquela maravilhosa antiga alegria. Quanto não valia, por exemplo, poder agora jogar o famoso jogo com sua tia? E como Miss Polly sabia contar histórias maravilhosas. Foi ela quem descobriu aquela da velhinha que só possuía dois dentes – e que vivia muito alegre com o fato de que os dois dentes estarem exatamente na mesma posição: um em cima e o outro em baixo.
Agora, Pollyanna, como Mrs. Snow, tricotava lindas malhas em cores vivas e isso era motivo para que ela, tal como Mrs. Snow, ficasse muito contente por ainda ter braços e mãos.
De vez em quando, Pollyanna já podia receber visitas, de modo que as vezes costumava conversar com algum dos seus numerosos amigos, e quando não tinha visitas, recebia recados, cartas e bilhetes, que sempre lhe traziam motivos para ficar contente.
John Pendleton já a tinha visitado uma vez e Jimmy Bean por duas vezes. John Pendleton tinha contado como Jimmy estava se comportando bem e como ele próprio se sentia bem na companhia do menino. Jimmy contou sobre o belo lar que tinha agora e como fazia uma boa família com Mr. Pendleton. Ambos manifestaram a Pollyanna a sua gratidão. Pollyanna confiou então à tia:
– Isto faz com que eu me sinta ainda mais contente por ter tido as minhas pernas.
O inverno passou e chegou a primavera. Apesar do tratamento, Pollyanna pouco melhorou. Parecia que as previsões mais pessimistas do doutor Meed estavam se concretizando e que Pollyanna nunca mais poderia voltar a andar.
Toda a cidade procurava manter-se informada sobre Pollyanna e uma pessoa em especial estava excepcionalmente impaciente. Entretanto, como os dias passavam, e as noticias não eram nada animadoras, algo mais do que ansiedade começou a estampar-se no rosto do homem. Por fim, transformou-se em desespero e numa firme determinação de intervir, de entrar na luta contra a misteriosa doença. Foi por causa disto que Mr. John Pendleton recebeu, com surpresa, a visita do doutor Thomas Chilton num domingo.
– Pendleton, vim aqui visitá-lo porque você, melhor do que qualquer outra pessoa da cidade, tem conhecimento da minha relação com Miss Polly Harrington.
John Pendleton manifestou-se surpreso, pois apesar de saber alguma coisa sobre a relação entre Polly Harrington e Thomas Chilton, fazia quinze anos que o assunto não era mencionado entre eles.
– Sim – disse ele tentando fazer com que a sua voz manifestasse simpatia e não curiosidade.
– Pendleton, eu quero ver aquela criança. Quero examiná-la, eu tenho que examiná-la.
– Por que não o faz, então?
– Não posso! Sabe muito bem que eu não entro naquela casa há mais de quinze anos. Você não sabe, mas vou lhe contar. A dona daquela casa declarou que se por acaso eu for chamado algum dia, isso significará pedido de perdão, que tudo voltaria a ser como antes e que se casaria comigo. Assim, não imagina que ela vá me chamar, não é?
– Mas podia lá ir sem ser convidado?
O médico franziu a testa.
– Isso é difícil. O orgulho me impede.
– Mas se está tão ansioso, não pode engolir o seu orgulho e esquecer a discussão?
– Esquecer a discussão! – interrompeu o médico violentamente. – Não estou falando desse tipo de orgulho. No que se refere a isso eu seria capaz de ir até lá de joelhos. É do orgulho profissional que estou falando. É um caso de doença e eu sou médico. Não posso chegar lá e dizer “aqui estou eu, me aceite como o seu médico”.
– Chilton, qual foi a discussão? – perguntou Pendleton.
O médico fez um gesto de impaciência.
– A discussão? Foi uma briga de namorados, uma coisa sem importância. Talvez uma discussão qualquer sobre o tamanho da lua ou a profundidade de um rio. Sem qualquer significado se compararmos com os anos de infelicidade que se seguiram! A discussão não teve qualquer importância! No que me diz respeito, estou disposto a esquecê-la completamente. Pendleton, eu tenho que ver aquela criança! É um caso de vida ou de morte. Acredito honestamente que Pollyanna tem nove chances em dez de voltar a andar de novo!
O médico pronunciou estas palavras bem alto e com muita clareza. Foi assim que Jimmy Bean que ia passando do lado de fora da janela ouviu o que ele disse.
– Andar! Pollyanna! – dizia John Pendleton. – O que quer dizer com isso?
– Significa que, tanto quanto eu sei do que me dizem, o caso dela é muito semelhante ao que um colega meu curou. Há anos que ele se especializou nesta área. Tenho me mantido em contacto com ele e também estudei o assunto. E do que tenho ouvido... mas preciso ver a menina!
John Pendleton endireitou-se na cadeira.
– Sim, precisa! Não pode ir por intermédio do doutor Warren?
O outro abanou a cabeça.
– Receio que não. Warren tem sido muito decente. Ele me disse que tinha sugerido a Miss Harrington uma consulta comigo, mas que ela tinha recusado e ele não se atreve a pedir de novo, mesmo sabendo do meu desejo de ver a criança. Ultimamente, alguns dos seus melhores doentes passaram para mim e isso me constrange ainda mais. Mas tenho que ver aquela criança! Imagine o que isso poderá significar para ela!
– Temos que fazer com que ela lhe peça para ir lá! – disse Pendleton.
– Como?
– Não sei.
– Se você não sabe, ninguém sabe. Ela é orgulhosa e está muito zangada comigo para me pedir. Depois do que disse, há anos, isso também teria outro significado. Mas quando penso naquela criança condenada a ficar paralítica, eu tendo na mão a sua cura e só não posso agir por uma questão de orgulho e de etiqueta profissional. – O doutor caminhava, fora de si, de um lado para o outro da sala.
– Mas se conseguíssemos fazer com que ela compreendesse – repetiu John Pendleton.
– Sim, e quem é que fará isso? – perguntou o médico virando-se bruscamente.
– Não sei, não sei – resmungou o outro desanimado.
Do lado de fora da janela, Jimmy Bean deu um salto de alegria.
– Quem? Pois eu sei! – sussurrou ele cheio de alegria. Eu vou! – e desatou a correr em direção ao solar dos Harrington.
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