-
Deveríamos regressar - insistiu Gared quando os bosques
começaram
a escurecer ao redor do grupo. - Os selvagens
estão mortos.
- Os
mortos o assustam? - perguntou Sor Waymar Royce com
não mais do que
uma sugestão de sorriso no rosto.
Gared não
mordeu a isca. Era um homem velho, com mais de
cinquenta anos, e
vira os nobres chegar e partir.
- Um
morto é um morto - respondeu. - Nada temos a tratar
com os mortos.
- Mas
estão mortos? - perguntou Royce com suavidade. - Que
prova temos
disso?
- Will os
viu - disse Gared. - Se ele diz que estão mortos, é
prova
suficiente para mim.
Will já
sabia que o arrastariam para a disputa mais cedo ou
mais tarde.
Desejou que tivesse sido mais tarde.
- Minha
mãe disse-me que os mortos não cantam – contou
Will.
- Minha
ama de leite disse a mesma coisa, Will – respondeu Royce. - Nunca
acredite em nada do que ouvir junto à mama
de uma mulher. Há
coisas a aprender mesmo com os mortos -
sua voz gerou ecos, alta
demais na penumbra da floresta.
- Temos
perante nós uma longa cavalgada - salientou Gared. -
Oito dias,
talvez nove. E a noite está para cair.
Sor
Waymar Royce olhou o céu de relance, com desinteresse.
- Isso
acontece todos os dias por esta hora. Você perde a
virilidade com o
escuro, Gared?
Will via
o aperto em torno da boca de Gared, a ira só a custo
reprimida nos
olhos que espreitavam sob o espesso capuz
negro de seu manto. Ele
passara quarenta anos na Patrulha
da Noite, em homem e em rapaz, e
não estava acostumado a
ser desvalorizado. Mas era mais do que
isso. Will conseguia
detectar no homem mais velho algo mais sob o
orgulho ferido.
Era possível sentir-lhe o gosto: uma tensão
nervosa que se
aproximava perigosamente do medo.
Will
partilhava o desconforto do outro homem. Estava havia
quatro anos na
Muralha. Da primeira vez que fora enviado
para lá, todas as velhas
histórias lhe tinham acorrido ao
cérebro, e suas entranhas se
tinham feito em água. Era agora
um veterano de cem patrulhas, e a
escura e infinita terra
selvagem a que os sulistas chamavam floresta
assombrada já
não tinha terrores para si.
Até
aquela noite. Algo era diferente então. Havia naquela
escuridão
algo de cortante que lhe fazia eriçar os pelos da
nuca. Cavalgavam
havia nove dias, para norte e noroeste, e
depois de novo para norte,
cada vez para mais longe da
Muralha, seguindo sem desvios a trilha
de um bando de
salteadores selvagens. Cada dia fora pior que o
anterior.
Aquele tinha sido o pior de todos. Um vento frio soprava
do
norte e fazia as árvores sussurrarem como coisas vivas.
Durante
todo o dia
Will tivera uma sensação que era como se alguma coisa
o
estivesse observando, algo frio e implacável que não gostava
dele. Gared também sentira. Will nada desejava com tanta
força
como cavalgar a toda pressa de volta à segurança da
Muralha, mas
este não era um sentimento que se pudesse
partilhar com um
comandante.
Especialmente com um comandante como aquele.
Sor Waymar
Royce era o filho mais novo de uma Casa antiga
com demasiados
herdeiros. Era um jovem bem-apessoado de
dezoito anos, de olhos
cinzentos, elegante e esbelto como uma
faca. Montando em seu enorme
corcel de batalha negro, o
cavaleiro elevava-se bem acima de Will e
Gared, montados
nos seus garranos de menores dimensões. Trajava
botas
negras de couro, calças negras de lã, luvas negras de pele
de
toupeira e uma cintilante cota de malha negra e flexível por
cima de várias camadas de lã negra e couro fervido. Sor
Waymar era
um Irmão Juramentado da Patrulha da Noite
havia menos de meio ano,
mas ninguém poderia dizer que não
se preparara para a sua vocação.
Pelo menos no que dizia
respeito ao guarda-roupa.
O manto
constituía a consumação da sua glória; zibelina,
espessa e
negra, suave como pele. "Aposto que foi ele próprio
quem as
matou todas, ah, pois aposto", dissera Gared na
caserna, entre
os vapores do vinho, “torceu-lhes as cabecinhas
e arrancou-as, o
nosso poderoso guerreiro". A gargalhada fora
partilhada por
todos.
"É
difícil aceitar ordens de um homem de quem nos rimos de
copo na
mão", refletiu Will, sentado, tremendo, sobre o dorso
do
garrano, Gared devia sentir o mesmo.
- Mormont
nos disse para os encontrarmos, e encontramos -
disse Gared. - Estão
mortos. Não voltarão a nos causar
problemas, Temos uma dura
cavalgada à nossa frente. Não
gosto deste tempo. Se nevar,
poderemos levar uma quinzena
para regressar, e a neve é o melhor
que podemos esperar.
Alguma vez viu uma tempestade de gelo, senhor?
O nobre
pareceu não ouvi-lo. Estudava o crepúsculo, o que
aprofundava
aquele seu modo meio aborrecido e meio
distraído. Will já
cavalgava com o cavaleiro havia tempo
suficiente para compreender
que era melhor não o
interromper quando tinha aquela expressão.
- Diga-me
de novo o que viu, Will. Todos os detalhes. Não
deixe nada de
fora,
Will fora
um caçador antes de se juntar à Patrulha da Noite.
Bem, na verdade
fora um caçador furtivo. Os cavaleiros livres
de Mallister
tinham-no apanhado com a boca na botija nos
bosques do próprio
Mallister, esfolando um dos seus gamos, e
apenas pudera escolher
entre passar a vestir-se de negro e
perder uma mão. Ninguém era
capaz de se mover pela floresta
tão silenciosamente como Will, e os
irmãos negros não tinham
demorado muito tempo para descobrir seu
talento.
- O
acampamento fica duas milhas mais à frente, para lá
daquela
cumeada, ao lado de um córrego - disse Will. -
Cheguei o mais perto
que me atrevi. Eles são oito, com
homens e mulheres. Não vi
crianças. Ergueram um abrigo
contra a rocha. A neve já o cobriu
bem, mas mesmo assim
consegui descortiná-lo. Não vi nenhum fogo
ardendo, mas a
cova da fogueira ainda estava clara como o dia.
Ninguém se
movia. Observei durante muito tempo. Nunca um homem
vivo ficou tão quieto.
- Viu
algum sangue?
- Bem,
não - admitiu Will.
- Viu
armas?
- Algumas
espadas, uns quantos arcos. Um homem tinha um
machado. Com ar de ser
pesado, duas lâminas, um cruel
bocado de ferro. Estava no chão à
seu lado, junto à sua mão.
- Prestou
atenção à posição dos corpos?
Will
encolheu os ombros.
- Um par
deles está sentado junto ao rochedo. A maioria está
no chão. Como
caídos.
- Ou
dormindo - sugeriu Royce.
- Caídos
- insistiu Will. - Há uma mulher numa árvore de pau-
ferro, meio
escondida entre os ramos. Uma olhos-longos - ele
deu um tênue
sorriso. - Assegurei-me de que não me
conseguiria ver. Quando me
aproximei, vi que ela também
não se movia - e sacudiu-se por um
estremecimento
involuntário.
- Está
enregelado? - perguntou Royce.
- Um
pouco - murmurou Will. - É o vento, senhor.
O jovem
cavaleiro virou-se para seu grisalho homem de
armas. Folhas pesadas
de geada suspiravam ao passar por
eles, e o corcel de batalha
movia-se de forma inquieta.
- Que lhe
parece que possa ter matado aqueles homens,
Gared? - perguntou Sor
Waymar com ar casual, ajustando a
posição do longo manto de
zibelina.
- Foi o
frio - disse Gared com uma certeza férrea. - Vi homens
congelar no
inverno passado e no outro antes desse, quando
eu era pequeno. Toda
a gente fala de neve com doze metros de
profundidade, e do modo como
o vento de gelo chega do norte
uivando, mas o verdadeiro inimigo é
o frio. Aproxima-se em
silêncio, mais furtivo do que o Will. A
princípio estremece-se e
os dentes batem, e bate-se com os pés no
chão e sonha-se com
vinho aquecido e boas e quentes fogueiras. Ele
queima, ah,
como queima. Nada queima como o frio. Mas só durante
algum tempo. Então, penetra no corpo e começa a enchê-lo, e
passado algum tempo já não se tem força suficiente para
combatê-lo. E mais fácil limitarmo-nos a nos sentar ou a
adormecer. Dizem que não se sente dor alguma perto do fim.
Primeiro, fica-se fraco e sonolento, e tudo começa a se desvanecer,
e depois é como afundar num mar de leite morno.
Como que pacífico.
- Quanta
eloquência, Gared - observou Sor Waymar. - Nunca
suspeitei que a
tivesse dentro de si.
- Também
tive o frio dentro de mim, nobre - Gared puxou
para trás o capuz,
oferecendo a Sor Waymar um longo olhar
sobre os cotos onde as
orelhas tinham estado. - Duas orelhas,
três dedos dos pés e o
mindinho da mão esquerda. Tive sorte.
Encontramos meu irmão
congelado no seu posto de vigia com
um sorriso no rosto.
Sor
Waymar encolheu os ombros.
- Deveria
vestir coisas mais quentes, Gared.
Gared
lançou ao nobre um olhar feroz, e as cicatrizes em redor
das suas
orelhas ficaram vermelhas de fúria nos locais onde o
Meistre Aemon
as cortara.
- Veremos
quão quente poderá se vestir quando chegar o
inverno - puxou o
capuz para cima e arqueou as costas sobre
o garrano, silencioso e
carrancudo.
- Se
Gared diz que foi o frio... - começou Will.
- Você
fez alguma vigia nesta última semana, Will?
- Sim,
senhor - nunca havia uma semana em que ele não
fizesse uma maldita
dúzia de vigias. Aonde o homem queria
chegar?
- E em
que estado encontrou a Muralha?
- Úmida
- Will respondeu, franzindo a sobrancelha. Agora
que o nobre o
fizera notar, via os fatos com clareza. - Eles não
podem ter
congelado. Se a Muralha está úmida, não podem. O
frio não é
suficiente.
Royce
anuiu.
- Rapaz
esperto. Tivemos alguns frios ligeiros na semana
passada, e uma
queda de neve rápida de vez em quando, mas
com certeza não houve
nenhum frio suficientemente forte
para matar oito homens adultos.
Homens vestidos de peles e
couro, relembro, com um abrigo ali à mão
e meios para fazer
fogo - o sorriso do cavaleiro ressumava
confiança. - Will, leve-
nos lá. Quero ver esses mortos com meus
próprios olhos.
E a
partir desse momento nada mais havia a fazer. A ordem
fora dada, e a
honra os obrigava a obedecer.
Will
seguiu à frente, com o pequeno garrano felpudo
escolhendo com
cuidado o caminho por entre a vegetação
rasteira. Uma neve ligeira
caíra na noite anterior, e havia
pedras, raízes e covas escondidas
por baixo da sua crosta, à
espreita dos descuidados e dos
imprudentes. Sor Waymar
Royce vinha logo atrás, com o grande corcel
negro de batalha
resfolegando de impaciência. Aquele cavalo era a
montaria
errada para uma patrulha, mas tentem dizer isto ao nobre.
Gared
fechava a retaguarda. O velho soldado resmungava
para si próprio
enquanto avançava.
O crepúsculo aprofundava-se. O céu sem nuvens
tomou um
profundo tom de púrpura, a cor de uma velha nódoa negra,
e
depois se dissolveu em negro. As estrelas começaram a surgir.
Uma meia-lua se ergueu. Will estava grato pela luz.
- Podemos
decerto avançar mais depressa do que isto - disse
Royce depois de a
lua se erguer por completo.
- Com
este cavalo, não - respondeu Will. O medo tornara-o
insolente. -
Talvez meu senhor deseje tomar a dianteira?
Sor
Waymar Royce não se dignou a responder. Em algum
lugar nos bosques
um lobo uivou.
Will levou o garrano para baixo de uma velha e
nodosa
árvore de pau-ferro e desmontou.
- Por que
parou? - perguntou Sor Waymar.
- É
melhor ir o resto do caminho a pé, senhor. O lugar é logo
depois
daquela colina.
Royce fez
uma pausa momentânea, de olhos presos na
distância e o rosto
pensativo. Um vento frio sussurrou por
entre as árvores. O grande
manto de zibelina agitou-se nas
costas como uma coisa semiviva.
- Há
qualquer coisa de errado aqui - murmurou Gared.
O jovem
cavaleiro dedicou-lhe um sorriso desdenhoso.
- Aí
há?
- Não o
sentiu? - perguntou Gared. - Escute a escuridão.
Will
sentia. Em quatro anos na Patrulha da Noite, nunca
estivera tão
temeroso. O que era aquilo?
- Vento.
Ruído de árvores. Um lobo. Que som te apavora tanto, Gared? - como
Gared não respondeu, Royce deslizou
graciosamente da sela. Atou com
segurança o corcel de
batalha a uma ramada baixa, bem afastado dos
outros
cavalos, e retirou a espada da bainha. Joias cintilaram no
punho e o luar percorreu o aço brilhante. Era uma arma
magnífica,
forjada num castelo e, segundo aparentava,
novinha em folha. Will
duvidava que tivesse sido alguma vez
brandida em fúria.
- O
arvoredo é espesso por aqui - preveniu Will. - Essa espada
o
atrapalhará, senhor. Uma faca é melhor.
- Se
precisar de instruções, eu as pedirei - disse o jovem
senhor. -
Gared, fique aqui. Guarde os cavalos.
Gared
desmontou.
-
Precisamos de uma fogueira. Tratarei disso.
- Quanta
tolice tem nessa cabeça, velhote? Se houver inimigos
nesta
floresta, uma fogueira é a última coisa que queremos.
- Há
alguns inimigos que uma fogueira manterá afastados -
disse Gared. -
Ursos, lobos gigantes e... e outras coisas...
A boca de
Sor Waymar transformou-se numa linha dura.
- Não
haverá fogo.
O capuz
de Gared engolia-lhe o rosto, mas Will conseguia ver
a cintilação
dura nos olhos que se fixavam no cavaleiro. Por
um momento, temeu
que o homem mais velho puxasse a
espada. Era uma coisa curta e feia,
com o punho desbotado
pelo suor e o gume denteado pelo muito uso,
mas Will não
daria um pendão de ferro pela vida do nobre se Gared
a
desembainhasse.
Por fim, Gared olhou para baixo.
- Não
haverá fogo - murmurou de forma quase inaudível.
Royce
tomou aquilo como aquiescência e virou-se.
- Indique
o caminho - disse a Will.
Will
teceu um rumo através de um matagal, depois subiu o
declive da
colina baixa onde encontrara seu ponto de vigia,
por baixo de uma
árvore sentinela. Sob a fina crosta de neve o
solo estava úmido e
lamacento, escorregadio, com rochas e
raízes escondidas, prontas
para provocar tropeços.
Will não
fez nenhum som enquanto subia. Atrás de si ouvia o
suave roçar
metálico da cota de malha do nobre, o restolhar
de folhas e pragas
murmuradas quando ramos espetados se
agarravam à espada e puxavam o
magnífico manto de
zibelina do outro homem.
A grande
árvore estava mesmo no topo da colina onde Will
sabia que estaria,
com os ramos inferiores não mais que trinta
centímetros acima do
solo. Will deslizou por baixo, com a
barriga apoiada na neve e na
lama, e olhou a clareira vazia
mais abaixo.
O coração
parou no seu peito. Por um momento não se
atreveu a respirar. O
luar brilhava sobre a clareira, sobre as
cinzas na cova da fogueira,
sobre o abrigo coberto de neve,
sobre o grande rochedo, sobre o
pequeno riacho meio
congelado. Tudo estava como estivera algumas
horas antes.
Eles não
estavam lá. Todos os corpos tinham desaparecido.
- Deuses!
- ouviu alguém dizer atrás de si. Uma espada
golpeou um ramo
quando Sor Waymar Royce atingiu o topo
da colina. Ficou em pé ao
lado da árvore, de espada na mão,
com o manto a ondular nas
costas, soprado pelo vento que se
levantava, nobremente delineado
contra as estrelas para que
todos o vissem.
-
Abaixem-se! - segredou Will com urgência. - Há algo de
errado.
Royce não
se moveu. Olhou para a clareira vazia e deu risada.
- Parece
que seus mortos levantaram acampamento, Will.
A voz de
Will o abandonou. Procurou palavras que não
vieram. Não era
possível. Seus olhos percorreram para a
frente e para trás o
acampamento abandonado e pararam no
machado. Um enorme machado de
batalha de duas lâminas,
ainda caído onde o vira pela última vez,
intocado. Uma arma
valiosa...
- De pé,
Will - ordenou Sor Waymar. - Não há ninguém aqui.
Não quero
vê-lo escondido por baixo de um arbusto.
Relutante,
Will obedeceu.
Sor
Waymar olhou-o com aberta desaprovação:
- Não
vou regressar a Castelo Negro com um fracasso na
minha primeira
patrulha. Vamos encontrar aqueles homens -
olhou de relance em
volta. - Suba na árvore. Seja rápido.
Procure uma fogueira.
Will
virou-se, sem palavras. Não valia a pena argumentar. O
vento
movia-se. Trespassava-o. Dirigiu-se para a árvore, uma
sentinela
abobadada cinzenta esverdeada, e começou a subir.
Em breve tinha as
mãos pegajosas de seiva e estava perdido
entre as agulhas. O medo
enchia-lhe o estômago como uma
refeição que fosse incapaz de
digerir. Murmurou uma prece
aos deuses sem nome da floresta e
libertou o punhal da
bainha. Colocou-o entre os dentes para manter
as mãos livres
para a escalada. O sabor do ferro frio na boca o
confortou.
Embaixo,
o nobre de repente gritou:
- Quem
vem lá?
Will
ouviu incerteza na chamada. Parou de escalar; escutou;
observou. Os
bosques deram resposta: um restolhar de folhas,
o correr gelado do
riacho, o pio distante de uma coruja das
neves.
Os Outros não
faziam som algum.
Will viu
movimento com o canto do olho. Sombras pálidas
que deslizavam pela
floresta. Virou a cabeça, viu de relance
uma sombra branca na
escuridão. Logo depois ela
desapareceu. Ramos agitaram-se
gentilmente ao vento,
coçando-se uns aos outros com dedos de
madeira. Will abriu a
boca para gritar um aviso, mas as palavras
pareceram
congelar na garganta. Talvez estivesse errado. Talvez
tivesse
sido apenas uma ave, um reflexo na neve, um truque
qualquer
do luar. Afinal, o que vira?
- Will,
onde está? - chamou Sor Waymar. - Vê alguma coisa? -
o homem
descrevia um círculo lento, de súbito cauteloso, de
espada na mão.
Deve tê-los pressentido, tal como Will os
pressentia. Nada havia
para ver. - Responda! Por que está
tão frio?
E estava
frio. Tremendo, Will agarrou-se com mais força ao
seu poleiro.
Apertou o rosto com força contra o tronco da
árvore. Sentia a
seiva doce e pegajosa na bochecha.
Uma
sombra emergiu da escuridão da floresta. Parou na
frente de Royce.
Era alta, descarnada e dura como ossos
velhos, com uma carne pálida
como leite. Sua armadura
parecia mudar de cor quando se movia; aqui
era tão branca
como neve recém-caída, ali, negra como uma sombra,
por
todo o lado sarapintada com o profundo cinzento esverdeado
das
árvores. Os padrões corriam como o luar na água a cada
passo que
dava.
Will
ouviu a exalação sair de Sor Waymar Royce num longo
silvo.
- Não
avance mais - preveniu o nobre. A voz estava quebrada como a de um
rapaz. Atirou o longo manto de zibelina para
trás por sobre os
ombros, a fim de libertar os braços para a
batalha, e pegou na
espada com ambas as mãos. O vento
parara. Estava muito frio.
O Outro
deslizou para a frente sobre pés silenciosos. Na mão
trazia uma
espada que não era como nada que Will tivesse
visto. Nenhum metal
humano tinha entrado na forja daquela
lâmina. Estava viva de luar,
translúcida, um fragmento de
cristal tão fino que parecia quase
desaparecer quando visto de
frente. Havia naquela coisa uma tênue
cintilação azul, uma
luz fantasmagórica que brincava com os seus
limites, e de
algum modo Will soube que era mais afiada do que
qualquer
navalha.
Sor
Waymar enfrentou o inimigo com bravura.
- Neste
caso, dance comigo.
Ergueu a
espada bem alto acima da cabeça, desafiador. As
mãos tremiam com o
peso da arma, ou talvez devido ao frio.
Mas naquele momento, pensou
Will, já não era um rapaz, e
sim um homem da Patrulha da Noite. O
Outro parou. Will
viu seus olhos, azuis, mais profundos e mais azuis
do que
quaisquer olhos humanos, de um azul que queimava como
gelo.
Will fixou-se na espada que estremecia, erguida, e
observou o luar
que corria, frio, ao longo do metal. Durante
um segundo, atreveu-se
a ter esperança.
Emergiram
em silêncio, das sombras, gêmeos do primeiro.
Três... quatro...
cinco... Sor Waymar talvez tivesse sentido o
frio que vinha com
eles, mas não chegou a vê-los, não chegou
a ouvi-los. Will tinha
de chamá-lo. Era seu dever. E sua
morte, se o fizesse. Estremeceu,
abraçou a árvore e manteve o
silêncio.
A espada
clara veio pelo ar, tremendo.
Sor Waymar parou-a com o aço. Quando
as lâminas se
encontraram, não se ouviu nenhum ressoar de metal
com
metal, apenas um som agudo e fino, no limiar da audição,
como
um animal a guinchar de dor. Royce deteve um
segundo golpe, e um
terceiro, e depois recuou um passo. Outra
chuva de golpes, e recuou
outra vez.
Atrás
dele, para a direita, para a esquerda, em seu redor, os
observadores
mantinham-se em pé, pacientes, sem rosto,
silenciosos, com os
padrões mutáveis de suas delicadas
armaduras a torná-los quase
invisíveis na floresta. Mas não
faziam um gesto para intervir.
Uma vez e
outra, as espadas encontraram-se, até Will querer
tapar os ouvidos,
protegendo-os do estranho e angustiado
lamento de seus choques. Sor
Waymar já arquejava por causa
do esforço, e a respiração gerava
nuvens ao luar. Sua lâmina
estava branca de gelo; a do Outro
dançava com uma pálida
luz azul.
Então, a
parada de Royce chegou um momento tarde demais.
A espada cristalina
trespassou a cota de malha por baixo de
seu braço. O jovem senhor
gritou de dor. Surgiu sangue por
entre os aros, correu ao frio, e as
gotas pareciam vermelhas
como fogo onde tocavam a neve. Os dedos de
Sor Waymar
esfregaram o flanco. Sua luva de pele de toupeira veio
empapada de vermelho.
O Outro
disse qualquer coisa numa língua que Will não
conhecia; sua voz
era como o quebrar do gelo num lago de
inverno, e as palavras,
escarnecedoras.
Sor
Waymar Royce encontrou sua fúria.
- Por
Robert! - gritou, e atacou, rosnando, erguendo com ambas as mãos a
espada coberta de gelo e brandindo-a num
golpe lateral paralelo ao
chão, carregado com todo seu peso. A
parada do Outro foi quase
displicente.
Quando as
lâminas se tocaram, o aço despedaçou-se.
Um grito ecoou pela
noite da floresta, e a espada quebrou-se
numa centena de pedaços
quebradiços, espalhando os
estilhaços como uma chuva de agulhas.
Royce caiu de
joelhos, guinchando, e cobriu os olhos. Sangue
jorrou-lhe por
entre os dedos.
Os observadores aproximaram-se uns
dos outros, como que
em resposta a um sinal. Espadas ergueram-se e
caíram, tudo
num silêncio mortal.
Era um
assassinato frio. As lâminas pálidas atravessaram a
cota de malha
como se fosse seda. Will fechou os olhos. Muito
abaixo, ouviu as
vozes e os risos, aguçados como pingentes.
Quando reuniu coragem
para voltar a olhar, um longo tempo
se passara, e a colina lá
embaixo estava vazia.
Ficou na
árvore, quase sem se atrever a respirar, enquanto a
lua foi
rastejando lentamente pelo céu negro. Por fim, com os
músculos
cheios de cãibras e os dedos dormentes de frio,
desceu.
O corpo
de Royce jazia na neve de barriga para baixo, com
um braço aberto.
O espesso manto de zibelina tinha sido
cortado numa dúzia de
lugares. Jazendo assim morto, via-se
como era novo. Um rapaz.
Will
encontrou o que restava da espada a alguns pés de
distância, com a
extremidade estilhaçada e retorcida, como
uma árvore atingida por
um relâmpago. Ajoelhou-se, olhou
em volta com cautela e a apanhou.
A espada quebrada seria
sua prova. Gared saberia compreendê-la, e,
se não soubesse,
então haveria o velho urso do Mormont ou o
Meistre Aemon.
Estaria Gared ainda à espera com os cavalos? Tinha
de se
apressar.
Will
endireitou-se. Sor Waymar Royce erguia-se sobre ele.
Suas belas
roupas eram farrapos, o rosto, uma ruína. Um
estilhaço da espada
trespassara a pupila branca e cega do olho
esquerdo.
O olho direito
estava aberto. A pupila queimava, azul. Via.
A espada quebrada caiu
de dedos despidos de força. Will
fechou os olhos para rezar. Mãos
longas e elegantes roçaram
na sua bochecha e depois se fecharam em
volta de sua
garganta. Estavam enluvadas na mais fina pele de
toupeira e
pegajosas de sangue, mas seu toque era frio como gelo.
Meu Deus! Obrigada por postar! Mas... eh que esse fundo de estrelas preto e branco faz meus olhos doerem. Eu queria saber se sao apenas os meus olhos que tem esse problema ou voce poderia trocar o fundo/
ResponderExcluirMas tirando isso eh incrivel! Obrigada por postar!
Obrigada por comentar (já estava desistindo de postar o próximo livro por falta de comentários)
ExcluirQuanto as estrelinhas, eu deixo essa parte c/ a minha sobrinha (A Tita), só ela pode responder sobre a mudança...
Bjocas
E Boa Leitura!!!
Ahhh De nada *-*, como eu cuido do visual do blog já vou arrumar isso!! já já vou trocar.
ExcluirPOSTA SENHOR DOS ANEÍS , POR FAVOR !!!
ResponderExcluir