sábado, 3 de agosto de 2013

14 - CATELYN


Ned e as meninas tinham partido havia oito dias quando Meistre Luwin veio ter com Catelyn uma noite, no quarto de doente de Bran, transportando uma candeia de leitura e os livros de contas.
- Já é mais que tempo de rever os números, minha senhora - ele disse. - A senhora vai querer saber quanto nos custou esta visita real.
Catelyn olhou Bran em sua cama, afastou-lhe o cabelo da testa e percebeu que tinha crescido muito. Teria de cortá-lo em breve.
- Não tenho nenhuma necessidade de olhar para números, Meistre Luwin - ela respondeu, sem nunca afastar os olhos de Bran, - Sei o que esta visita nos custou, Leve os livros daqui.
- Minha senhora, a comitiva do rei tinha apetites saudáveis. Temos de voltar a fornecer os nossos armazéns antes que...
Ela o interrompeu.
- Eu disse para levar os livros daqui. O intendente tratará das nossas necessidades.
- Não temos intendente - lembrou-lhe Meistre Luwin. Como uma pequena ratazana cinzenta, pensou ela, o homem não a largava. - Poole foi para o Sul a fim de organizar a casa de Lorde Eddard em Porto Real.
Catelyn anuiu de forma ausente.
- Ah, sim. Lembro-me - Bran parecia tão pálido. Perguntou a si própria se poderiam deslocar a cama até junto da janela para que recebesse o sol da manhã.
Meistre Luwin depositou a candeia num nicho perto da porta e ajustou seu pavio.
- Há várias nomeações que requerem a vossa atenção imediata, minha senhora. Além do intendente, precisamos de um capitão dos guardas para o lugar de Jory, um novo mestre dos cavalos...
Os olhos dela dardejaram em redor e o encontraram.
- Um mestre dos cavalos? - sua voz era um chicote.
O meistre ficou abalado.
- Sim, minha senhora. Hullen foi para o Sul com Lorde Eddard, por isso...
- Meu filho jaz aqui partido e morrendo, Luwin, e quer conversar sobre um novo mestre dos cavalos? Acha que me importa o que acontece nos estábulos? Acha que isso tem alguma importância para mim? De bom grado mataria com as minhas próprias mãos os cavalos de Winterfell um a um se isso fizesse com que os olhos de Bran se abrissem. Compreende isso? Compreende?
Ele inclinou a cabeça.
- Sim, minha senhora, mas as nomeações...
- Eu farei as nomeações - disse Robb.
Catelyn não o ouvira entrar, mas ali estava ele, na soleira da porta, olhando-a. Compreendeu com um súbito ataque de vergonha que estava gritando. O que estava acontecendo com ela? Estava tão cansada, e sua cabeça doía constantemente.
Meistre Luwin desviou o olhar de Catelyn para o filho.
- Preparei uma lista daqueles em que podemos querer pensar para os cargos vagos - disse, oferecendo a Robb um papel retirado de dentro da manga.
O filho de Catelyn olhou os nomes. Ela percebeu que ele viera de fora: tinha as bochechas vermelhas do frio e os cabelos desgrenhados pelo vento.
- São bons homens - disse. - Falaremos deles amanhã - devolveu a lista de nomes.
- Muito bem, senhor - o papel desapareceu dentro da manga.
- Agora, deixe-nos - disse Robb.
Meistre Luwin fez uma reverência e partiu. Robb fechou a porta atrás dele e virou-se para ela. Catelyn reparou que o filho usava uma espada.
- Mãe, o que está fazendo?
Catelyn sempre achara que Robb se parecia com ela; tal como Bran, Rickon e Sansa, possuía as cores dos Tully, os cabelos ruivos, os olhos azuis. Mas agora, pela primeira vez, via algo de Eddard Stark no seu rosto, algo tão resistente e duro como o Norte.
- Que estou fazendo? - respondeu num eco, confusa. - Como pode me perguntar isso? O que imagina que estou fazendo? Estou cuidando do seu irmão, Estou cuidando de Bran.
- É esse o nome que dá a isto? Não saiu deste quarto desde que Bran se machucou. Nem sequer foi ao portão quando o Pai e as meninas partiram para o Sul.
- Dei-lhes as minhas despedidas aqui e os vi partir daquela janela - ela suplicara a Ned que não partisse, não agora, não depois do que acontecera; tudo tinha mudado, ele não compreendia isso? Sem sucesso. Ele dissera-lhe que não tinha escolha, e então saíra, fazendo sua escolha. - Não posso deixá-lo, nem por um momento, quando qualquer momento pode ser o último. Tenho de estar com ele, se... se... - pegou na mão flácida do filho, deslizando seus dedos entre os dele. Ele estava frágil e magro, não lhe restava nenhuma força na mão, mas ainda podia sentir o calor da vida na sua pele.
A voz de Robb suavizou-se.
- Ele não vai morrer, mãe. Meistre Luwin diz que o maior perigo já passou.
- E se Meistre Luwin se enganar? E se Bran precisar de mim e eu não estiver aqui?
- Rickon precisa da senhora - disse Robb em tom penetrante. - Só tem três anos, não compreende o que está se passando. Pensa que todos o abandonaram, e por isso me segue para todo o lado, agarrando-se à minha perna e chorando. Não sei o que fazer com ele - fez uma pequena pausa, mordendo o lábio inferior como fazia quando era pequeno. - Mãe, eu também preciso da senhora. Estou tentando, mas não posso... não posso fazer tudo sozinho - sua voz quebrou-se com súbita emoção, e Catelyn lembrou-se de que ele tinha apenas catorze anos. Quis levantar-se e ir falar com ele, mas Bran ainda segurava sua mão, e não podia se mover.
Fora da torre, um lobo começou a uivar. Catelyn estremeceu, só por um segundo.
- É o de Bran - Robb abriu a janela e deixou entrar o ar da noite no abafado quarto da torre. Os uivos ficaram mais fortes. Era um som frio e solitário, cheio de melancolia e desespero.
- Não - disse ela. -Bran precisa ficar quente.
- Ele precisa ouvi-los cantar - disse Robb. Em outro ponto, em Winterfell, um segundo lobo começou a uivar em coro com o primeiro. Depois um terceiro, mais perto. - Cão Felpudo e Vento Cinzento - disse Robb enquanto as vozes dos lobos se erguiam e caíam em conjunto. - É possível identificá- los se ouvirmos com atenção.
Catelyn estava tremendo. Era a dor, o frio, os uivos dos lobos gigantes. Noite após noite, os uivos, o vento frio e o vazio castelo cinzento continuavam, imutáveis, e o seu rapaz jazendo ali, quebrado, o mais doce dos seus filhos, o mais gentil, o Bran que gostava de rir, de escalar, de sonhos de cavalaria, tudo agora desaparecido, nunca mais o ouviria rir. Soluçando, libertou sua mão da dele e cobriu os ouvidos contra aqueles terríveis uivos.
- Faça-os parar! - gritou. - Não aguento mais, faça-os parar, faça-os parar, mate-os todos se for preciso, mas faça-os parar!
Não se lembrava de ter caído ao chão, mas era no chão que estava, e Robb erguia-a, segurando-a com braços fortes.
- Não tenha medo, mãe. Eles nunca lhe fariam mal - ajudou-a a caminhar até sua estreita cama no canto do quarto de doente - Feche os olhos - disse, em voz branda. - Descanse. Meistre Luwin disse-me que quase não tem dormido desde a queda de Bran.
- Não posso - ela chorou. - Que os deuses me perdoem, Robb, mas não posso, e se ele morrer enquanto durmo, e se ele morrer, e se ele morrer... - os lobos ainda uivavam. Ela gritou e voltou a tapar os ouvidos. - Ah, deuses, feche a janela!
- Se me jurar que vai dormir - Robb foi até a janela, mas ao estender as mãos para os postigos, outro som foi acrescentado ao fúnebre uivar dos lobos gigantes. - Cães - ele disse, escutando. - Os cães estão todos ladrando. Nunca antes tinham agido assim... - Catelyn o ouviu prender a respiração. Quando ergueu os olhos, o rosto estava pálido à luz da candeia.
- Fogo - murmurou o jovem. Fogo, pensou ela e, em seguida, Bran!
- Ajude-me - disse, com urgência na voz, sentando-se. - Ajude-me com Bran. Robb não pareceu ouvi-la.
- A torre da biblioteca está ardendo - ele disse.
Catelyn podia ver agora a tremeluzente luz avermelhada pela janela aberta. Recostou-se, aliviada. Bran estava a salvo. A biblioteca ficava para lá do muro exterior do castelo, não havia maneira de o fogo chegar até ali.
- Graças aos deuses - sussurrou.
Robb a olhou como se tivesse enlouquecido.
- Mãe, fique aqui. Volto assim que o fogo estiver extinto - depois correu. Ela o ouviu gritar para os guardas que estavam do lado de fora do quarto, ouviu-os descer juntos as escadas em desenfreado ímpeto, saltando os degraus, dois ou três de cada vez.
Lá fora, ouviam-se berros de "Fogo!" no pátio, gritos, passos
em corrida, os relinchos de cavalos assustados e o frenético ladrar dos cães do castelo. Enquanto escutava aquela cacofonia, percebeu que os uivos tinham desaparecido. Os lobos gigantes tinham-se silenciado.
Catelyn rezou uma silenciosa prece de agradecimento às sete caras de deus quando se encaminhou para a janela. Do lado de lá do muro do castelo, longas línguas de fogo jorravam das janelas da biblioteca. Viu a fumaça erguer-se para o céu e pensou com tristeza em todos os livros que os Stark tinham reunido ao longo dos séculos. Então fechou as janelas. Quando virou as costas a janela, o homem estava no quarto com ela.
- Não devia estar aqui - ele murmurou amargamente. - Ninguém devia estar aqui.
Era um homem pequeno e sujo, vestido com imundas roupas pardas, e fedia a cavalos. Catelyn conhecia todos os homens que trabalhavam nas cavalariças, e aquele não era nenhum deles. Era magro, com cabelos louros escorridos e olhos claros profundamente afundados num rosto ossudo, e trazia na mão um punhal.
Catelyn olhou para a faca, e depois para Bran.
- Não - disse. A palavra ficou-lhe presa na garganta, um mero sussurro. Ele deve tê-la ouvido.
- É uma misericórdia - disse. - Ele já tá morto.
- Não - disse Catelyn, agora mais alto depois de ter reencontrado a voz. - Não, não pode - girou de volta à janela, a fim de gritar por ajuda, mas o homem se moveu mais depressa do que ela teria acreditado ser possível. Uma mão fechou-se sobre sua boca e atirou-lhe a cabeça para trás, a outra trouxe o punhal até sua traqueia. O fedor que o homem exalava era opressivo.
Ergueu ambas as mãos e agarrou a lâmina com todas as suas forças, afastando-a da garganta. Ouviu-o praguejar ao seu ouvido. Os dedos dela estavam escorregadios de sangue, mas não largava o punhal. A mão sobre sua boca apertou-se mais, tirando-lhe o ar. Catelyn torceu a cabeça para o lado e conseguiu pôr um pouco da carne do homem entre os dentes.
Mordeu-lhe a palma da mão com força. O homem grunhiu de dor. Ela fez mais força e rasgou-lhe a pele, e, de repente, ele a largou. O gosto do sangue do homem enchia-lhe a boca. Ela bebeu uma golfada de ar e soltou um grito, e ele agarrou-lhe o cabelo e a empurrou para longe, fazendo-a tropeçar e cair. Então, saltou sobre ela, respirando com força, tremendo. A mão direita do homem ainda agarrava com força o punhal, escorregadio de sangue.
- Não devia estar aqui - repetiu, estupidamente.
Catelyn viu a sombra deslizar pela porta aberta atrás dele. Houve um ruído surdo e baixo, menos que um rosnado, o menor murmúrio de ameaça, mas ele deve tê-lo ouvido, porque começou a virar-se no preciso instante em que o lobo saltou. Caíram juntos, meio estatelados, sobre Catelyn, que continuava estendida onde tombara. O lobo o tinha preso nas maxilas. O guincho do homem durou menos de um segundo antes que o animal atirasse a cabeça para trás, arrancando-lhe metade da garganta.
O sangue dele foi como chuva quente quando se espalhou sobre o rosto de Catelyn. O lobo a olhava. Suas maxilas estavam vermelhas e úmidas, e os olhos brilhavam, dourados, no quarto escuro. Catelyn percebeu que era o lobo de Bran. Claro que era,
- Obrigada - sussurrou, com a voz tênue e aguda. Ergueu a mão, estremecendo. O lobo aproximou-se, farejou-lhe os dedos e pôs-se a lamber o sangue com uma língua úmida e áspera. Depois de limpar todo o sangue de sua mão, ele virou-se em silêncio e saltou para a cama de Bran, deitando-se a seu lado. Catelyn desatou a rir histericamente.
Foi assim que os encontraram, quando Robb, Meistre Luwin e Sor Rodrik entraram num rompante no quarto com metade dos guardas de Winterfell. Quando o riso finalmente lhe morreu na garganta, enrolaram-na em cobertores quentes e a levaram de volta para a Grande Torre, para seus aposentos. A Velha Ama a despiu, ajudou-a a entrar no banho quente e a lavou do sangue com um pano suave.
Mais tarde, Meistre Luwin chegou para fechar suas feridas. Os cortes nos dedos eram profundos, quase chegavam ao osso, e tinha o couro cabeludo em carne viva e sangrando no lugar onde o homem lhe arrancara um tufo de cabelo. O meistre disse-lhe que a dor estava agora apenas começando, e deu-lhe leite de papoula para ajudá-la a dormir. E ela, finalmente, fechou os olhos.
Quando voltou a abri-los, disseram-lhe que dormira durante quatro dias. Catelyn fez um aceno com a cabeça e sentou-se na cama. Agora, tudo lhe parecia um pesadelo, tudo desde a queda de Bran, um terrível sonho de sangue e desgosto, mas tinha a dor nas mãos para lembrá-la de que era real. Sentia-se fraca e entontecida, mas estranhamente resoluta, como se um grande peso tivesse sido tirado de cima de seus ombros.
- Tragam-me um pouco de pão e mel - disse às criadas - e mandem um recado a Meistre Luwin, dizendo que minhas ataduras precisam ser trocadas - olharam-na, surpresas, e correram para cumprir suas ordens.
Catelyn lembrava-se de como estivera antes, e sentiu-se envergonhada. Falhara para com todos, os filhos, o marido, a Casa. Não voltaria a acontecer. Ia mostrar àqueles nortenhos como uma Tully de Correrrio podia ser forte.
Robb chegou antes dos alimentos. Rodrik Cassei veio com ele, bem como o protegido do marido, Theon Greyjoy, e por fim Hallis Mollen, um guarda musculoso com uma barba castanha e quadrada. Era o novo capitão da guarda, disse Robb. Reparou que o filho vinha vestido com couro fervido e cota de malha, e que trazia uma espada à cintura.
- Quem era ele? - perguntou-lhes Catelyn.
- Ninguém sabe seu nome - informou Hallis Mollen. - Não era homem de Winterfell, senhora, mas há quem diga que foi visto aqui e nas imediações do castelo ao longo destas últimas semanas.
- Então é um dos homens do rei - disse ela - ou dos Lannister. Pode ter ficado para trás, à espreita, quando os outros partiram.
- Pode ser - disse Hal. - Com todos aqueles estranhos a encher Winterfell nos últimos tempos, não há maneira de dizer a quem pertencia.
- Ele esteve escondido nas cavalariças - disse Greyjoy. - Podia-se sentir o cheiro nele.
- E como pôde passar despercebido? - disse ela em tom penetrante. Hallis Mollen pareceu atrapalhado.
- Com os cavalos que o Senhor Eddard levou para o Sul e os que enviamos para o Norte para a Patrulha da Noite, as cavalariças ficaram meio vazias. Não seria grande truque se esconder dos moços da cavalariça. Pode ser que Hodor o tenha visto, dizem que o rapaz anda esquisito, mas simplório como é... - Hal abanou a cabeça.
- Encontramos o lugar onde ele dormia - interveio Robb. - Tinha noventa veados de prata num saco de couro escondido debaixo da palha.
- É bom saber que a vida do meu filho não foi vendida barato - disse Catelyn amargamente. Hallis Mollen a olhou, confuso.
- As minhas desculpas, senhora, mas está dizendo que ele foi mandado para matar o seu rapaz?
Greyjoy mostrou dúvida.
- Isso é uma loucura.
- Ele veio por Bran - disse Catelyn. - Ficou o tempo todo resmungando que eu não devia estar ali. Provocou o incêndio da biblioteca pensando que eu correria para tentar apagá-lo, levando os guardas comigo. Se não estivesse meio louca de desgosto, teria funcionado.
- Por que haveria alguém de querer matar Bran? - Robb perguntou. - Deuses, não passa de um rapazinho, indefeso, dormindo...
Catelyn lançou ao seu primogênito um olhar de desafio.
- Se quiser governar o Norte, Robb, precisa analisar estas coisas até o fim. Responda à sua pergunta. Por que haveria alguém de querer matar uma criança adormecida?
Antes que Robb pudesse responder, as criadas regressaram com uma bandeja de comida fresca acabada de vir da cozinha. Havia muito mais do que ela pedira: pão quente, manteiga, mel e conservas de amoras silvestres, uma fatia de bacon e um ovo cozido, uma porção de queijo, um bule de chá de menta. E com os alimentos chegou Meistre Luwin.
- Como está meu filho, Meistre? - Catelyn olhou toda aquela comida e descobriu que não tinha apetite.
Meistre Luwin baixou os olhos.
- Sem alterações, minha senhora.
Era a resposta que ela esperava, nem mais, nem menos. As mãos palpitaram-lhe de dor, como se a lâmina ainda estivesse nelas, cortando-as profundamente. Mandou as criadas embora e voltou a olhar para Robb.
-Já tem a resposta?
- Alguém tem medo de que Bran acorde - disse Robb - medo do que ele possa dizer ou fazer, medo de qualquer coisa que ele sabe.
Catelyn sentiu orgulho do filho.
- Muito bem - virou-se para o novo capitão da guarda. - Temos de manter Bran a salvo. Se existiu um assassino, poderá haver outros.
- Quantos guardas serão necessários, senhora? - perguntou Hal.
- Enquanto o Senhor Eddard estiver fora, é o meu filho quem governa Winterfell - ela respondeu.
Robb pareceu crescer um pouco.
- Ponha um homem no quarto, de noite e de dia, um junto à porta, dois ao fundo das escadas. Ninguém pode ver Bran sem minha autorização, ou a da minha mãe.
- Certamente, senhor.
- Trate disto já - sugeriu Catelyn.
- E deixe que o lobo dele fique no quarto - acrescentou Robb.
- Sim - disse Catelyn. E depois de novo: - Sim.
Hallis Mollen fez uma reverência e deixou o quarto.
- Senhora Stark - disse Sor Rodrik depois de o guarda sair - teria a senhora, por acaso, reparado no punhal que o assassino usou?
- As circunstâncias não me permitiram examiná-lo de perto, mas posso certificar que era afiado - respondeu Catelyn com um sorriso seco. - Por que pergunta?
- Encontramos a faca ainda na mão do vilão. Pareceu-me uma arma boa demais para um homem daqueles, e olhei-a longa e atentamente. A lâmina é de aço valiriano e o punho, de osso de dragão. Uma arma assim não tem nada a ver com um homem como ele. Alguém lhe deu.
Catelyn fez um aceno, pensativa.
- Robb, feche a porta.
Ele a olhou de um modo estranho, mas fez o que lhe foi pedido.
- O que vou dizer não deve sair deste quarto - ela avisou. - Quero que jurem. Se até mesmo parte daquilo de que suspeito for verdade, Ned e as minhas meninas viajaram para um perigo mortal, e uma palavra aos ouvidos errados poderá custar-lhes a vida.
- Lorde Eddard é como um segundo pai para mim - disse Theon Greyjoy. - Presto esse juramento.
- A senhora tem o meu juramento - disse Meistre Luwin.
- E o meu também, minha senhora - ecoou Sor Rodrik. Ela olhou para o filho.
- E você, Robb?
Ele consentiu com um aceno de cabeça.
- Minha irmã Lysa acredita que os Lannister assassinaram o marido, Lorde Arryn, a Mão do Rei - informou Catelyn. - Ocorre-me que Jaime Lannister não se juntou à caçada no dia em que Bran caiu. Permaneceu aqui no castelo - o quarto estava num silêncio mortal. - Não me parece que Bran tenha caído daquela torre - disse ela para o silêncio. - Penso que foi atirado.
O choque era claro no rosto dos quatro homens.
- Minha senhora, essa sugestão é monstruosa - disse Rodrik Cassei - Até mesmo o Regicida hesitaria em assassinar uma criança inocente.
- Ah, hesitaria? - perguntou Theon Greyjoy. - Tenho dúvidas.
- Não há limites para o orgulho ou a ambição dos Lannister - disse Catelyn.
- O rapaz sempre teve antes a mão segura - Meistre Luwin disse, pensativo. - Conhece todas as pedras de Winterfell.
- Deuses - praguejou Robb, com o jovem rosto escuro de fúria. - Se isto for verdade, ele pagará - puxou a espada e a brandiu no ar. - Eu próprio o matarei!
Sor Rodrik irritou-se com ele.
- Guarde isso! Os Lannister estão a cem léguas daqui. Nunca puxe a espada, a menos que tencione usá-la. Quantas vezes tenho de lhe dizer isto, meu tolo rapazinho?
Envergonhado, Robb embainhou a espada, subitamente transformado de novo numa criança. Catelyn disse a Sor Rodrik:
- Vejo que meu filho agora usa aço.
O velho mestre de armas respondeu:
- Achei que era tempo - Robb a olhou ansiosamente:
- Já era mais que tempo. Winterfell pode necessitar de todas as suas espadas em breve, e é bom que elas não sejam feitas de madeira.
Theon Greyjoy pôs a mão no punho de sua espada e disse:
- Minha senhora, se chegar a tanto, minha Casa tem uma grande dívida para com a vossa. Meistre Luwin puxou a corrente do colar onde lhe irritava a pele do pescoço.
- Tudo o que temos são conjecturas. Quem queremos acusar é o irmão querido da rainha. Ela não o aceitará de bom grado. Temos de encontrar provas, ou ficar em silêncio para sempre,
- Sua prova está no punhal - disse Sor Rodrik - Uma bela lâmina como aquela não pode passar despercebida.
Catelyn compreendeu que havia apenas um lugar onde a verdade podia ser encontrada.
- Alguém tem de ir a Porto Real.
- Eu vou - disse Robb.
- Não - ela disse imediatamente. - Seu lugar é aqui. Deve haver sempre um Stark em Winterfell - olhou para Sor Rodrik com suas grandes suíças brancas, para Meistre Luwin com sua túnica cinzenta, para o jovem Greyjoy, magro, escuro e impetuoso. Quem enviar? Em quem acreditariam? Então soube. Catelyn esforçou-se por empurrar os cobertores, com os dedos tão rígidos e inflexíveis como pedra, e levantou-se da cama. - Devo ir eu mesma.
- Minha senhora - disse Meistre Luwin - será avisado? Decerto que os Lannister encararão a vossa chegada com suspeita.
- E Bran? - perguntou Robb. O pobre rapaz parecia agora completamente confundido. - Não pode ter a intenção de abandoná-lo.
- Fiz por Bran tudo o que podia fazer - ela disse, pousando sua mão ferida sobre o braço do filho. - Sua vida está nas mãos dos deuses e de Meistre Luwin. Tal como você mesmo me lembrou, Robb, tenho agora outros filhos em que pensar.
- Minha senhora vai precisar de uma forte escolta - lembrou Theon.
- Enviarei Hal com um pelotão de guardas - disse Robb.
- Não - Catelyn respondeu. - Um grupo grande atrai atenções indesejadas. Não quero que os Lannister saibam que estou a caminho.
Sor Rodrik protestou.
- Minha senhora, deixe-me pelo menos acompanhá-la. A estrada do rei pode ser perigosa para uma mulher só.
- Não irei pela estrada do rei - ela retrucou. Pensou por um momento e consentiu com a cabeça. - Dois cavaleiros podem deslocar-se tão depressa como um, e bastante mais depressa do que uma longa coluna sobrecarregada com carroças e casas rolantes. Aceito sua companhia, Sor Rodrik. Seguiremos o Faca Branca até o mar e alugaremos um navio em Porto Branco. Com cavalos fortes e ventos vivos, deveremos chegar a Porto Real bem antes de Ned e dos Lannister - e então, pensou, veremos o que tivermos de ver.  

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