Ned e as
meninas tinham partido havia oito dias quando Meistre Luwin veio ter
com Catelyn uma noite, no quarto de doente de Bran, transportando uma
candeia de leitura e os livros de contas.
- Já é
mais que tempo de rever os números, minha senhora - ele disse. - A
senhora vai querer saber quanto nos custou esta visita real.
Catelyn
olhou Bran em sua cama, afastou-lhe o cabelo da testa e percebeu que
tinha crescido muito. Teria de cortá-lo em breve.
- Não
tenho nenhuma necessidade de olhar para números, Meistre Luwin - ela
respondeu, sem nunca afastar os olhos de Bran, - Sei o que esta
visita nos custou, Leve os livros daqui.
- Minha
senhora, a comitiva do rei tinha apetites saudáveis. Temos de voltar
a fornecer os nossos armazéns antes que...
Ela o
interrompeu.
- Eu
disse para levar os livros daqui. O intendente tratará das nossas
necessidades.
- Não
temos intendente - lembrou-lhe Meistre Luwin. Como uma pequena
ratazana cinzenta, pensou ela, o homem não a largava. - Poole foi
para o Sul a fim de organizar a casa de Lorde Eddard em Porto Real.
Catelyn
anuiu de forma ausente.
- Ah,
sim. Lembro-me - Bran parecia tão pálido. Perguntou a si própria
se poderiam deslocar a cama até junto da janela para que recebesse o
sol da manhã.
Meistre
Luwin depositou a candeia num nicho perto da porta e ajustou seu
pavio.
- Há
várias nomeações que requerem a vossa atenção imediata, minha
senhora. Além do intendente, precisamos de um capitão dos guardas
para o lugar de Jory, um novo mestre dos cavalos...
Os olhos
dela dardejaram em redor e o encontraram.
- Um
mestre dos cavalos? - sua voz era um chicote.
O meistre
ficou abalado.
- Sim,
minha senhora. Hullen foi para o Sul com Lorde Eddard, por isso...
- Meu
filho jaz aqui partido e morrendo, Luwin, e quer conversar sobre um
novo mestre dos cavalos? Acha que me importa o que acontece nos
estábulos? Acha que isso tem alguma importância para mim? De bom
grado mataria com as minhas próprias mãos os cavalos de Winterfell
um a um se isso fizesse com que os olhos de Bran se abrissem.
Compreende isso? Compreende?
Ele
inclinou a cabeça.
- Sim,
minha senhora, mas as nomeações...
- Eu
farei as nomeações - disse Robb.
Catelyn
não o ouvira entrar, mas ali estava ele, na soleira da porta,
olhando-a. Compreendeu com um súbito ataque de vergonha que estava
gritando. O que estava acontecendo com ela? Estava tão cansada, e
sua cabeça doía constantemente.
Meistre
Luwin desviou o olhar de Catelyn para o filho.
-
Preparei uma lista daqueles em que podemos querer pensar para os
cargos vagos - disse, oferecendo a Robb um papel retirado de dentro
da manga.
O filho
de Catelyn olhou os nomes. Ela percebeu que ele viera de fora: tinha
as bochechas vermelhas do frio e os cabelos desgrenhados pelo vento.
- São
bons homens - disse. - Falaremos deles amanhã - devolveu a lista de
nomes.
- Muito
bem, senhor - o papel desapareceu dentro da manga.
- Agora,
deixe-nos - disse Robb.
Meistre
Luwin fez uma reverência e partiu. Robb fechou a porta atrás dele e
virou-se para ela. Catelyn reparou que o filho usava uma espada.
- Mãe, o
que está fazendo?
Catelyn
sempre achara que Robb se parecia com ela; tal como Bran, Rickon e
Sansa, possuía as cores dos Tully, os cabelos ruivos, os olhos
azuis. Mas agora, pela primeira vez, via algo de Eddard Stark no seu
rosto, algo tão resistente e duro como o Norte.
- Que
estou fazendo? - respondeu num eco, confusa. - Como pode me perguntar
isso? O que imagina que estou fazendo? Estou cuidando do seu irmão,
Estou cuidando de Bran.
- É esse
o nome que dá a isto? Não saiu deste quarto desde que Bran se
machucou. Nem sequer foi ao portão quando o Pai e as meninas
partiram para o Sul.
-
Dei-lhes as minhas despedidas aqui e os vi partir daquela janela -
ela suplicara a Ned que não partisse, não agora, não depois do que
acontecera; tudo tinha mudado, ele não compreendia isso? Sem
sucesso. Ele dissera-lhe que não tinha escolha, e então saíra,
fazendo sua escolha. - Não posso deixá-lo, nem por um momento,
quando qualquer momento pode ser o último. Tenho de estar com ele,
se... se... - pegou na mão flácida do filho, deslizando seus dedos
entre os dele. Ele estava frágil e magro, não lhe restava nenhuma
força na mão, mas ainda podia sentir o calor da vida na sua pele.
A voz de
Robb suavizou-se.
- Ele não
vai morrer, mãe. Meistre Luwin diz que o maior perigo já passou.
- E se
Meistre Luwin se enganar? E se Bran precisar de mim e eu não estiver
aqui?
- Rickon
precisa da senhora - disse Robb em tom penetrante. - Só tem três
anos, não compreende o que está se passando. Pensa que todos o
abandonaram, e por isso me segue para todo o lado, agarrando-se à
minha perna e chorando. Não sei o que fazer com ele - fez uma
pequena pausa, mordendo o lábio inferior como fazia quando era
pequeno. - Mãe, eu também preciso da senhora. Estou tentando, mas
não posso... não posso fazer tudo sozinho - sua voz quebrou-se com
súbita emoção, e Catelyn lembrou-se de que ele tinha apenas
catorze anos. Quis levantar-se e ir falar com ele, mas Bran ainda
segurava sua mão, e não podia se mover.
Fora da
torre, um lobo começou a uivar. Catelyn estremeceu, só por um
segundo.
- É o de
Bran - Robb abriu a janela e deixou entrar o ar da noite no abafado
quarto da torre. Os uivos ficaram mais fortes. Era um som frio e
solitário, cheio de melancolia e desespero.
- Não -
disse ela. -Bran precisa ficar quente.
- Ele
precisa ouvi-los cantar - disse Robb. Em outro ponto, em Winterfell,
um segundo lobo começou a uivar em coro com o primeiro. Depois um
terceiro, mais perto. - Cão Felpudo e Vento Cinzento - disse Robb
enquanto as vozes dos lobos se erguiam e caíam em conjunto. - É
possível identificá- los se ouvirmos com atenção.
Catelyn
estava tremendo. Era a dor, o frio, os uivos dos lobos gigantes.
Noite após noite, os uivos, o vento frio e o vazio castelo cinzento
continuavam, imutáveis, e o seu rapaz jazendo ali, quebrado, o mais
doce dos seus filhos, o mais gentil, o Bran que gostava de rir, de
escalar, de sonhos de cavalaria, tudo agora desaparecido, nunca mais
o ouviria rir. Soluçando, libertou sua mão da dele e cobriu os
ouvidos contra aqueles terríveis uivos.
- Faça-os
parar! - gritou. - Não aguento mais, faça-os parar, faça-os parar,
mate-os todos se for preciso, mas faça-os parar!
Não se
lembrava de ter caído ao chão, mas era no chão que estava, e Robb
erguia-a, segurando-a com braços fortes.
- Não
tenha medo, mãe. Eles nunca lhe fariam mal - ajudou-a a caminhar até
sua estreita cama no canto do quarto de doente - Feche os olhos -
disse, em voz branda. - Descanse. Meistre Luwin disse-me que quase
não tem dormido desde a queda de Bran.
- Não
posso - ela chorou. - Que os deuses me perdoem, Robb, mas não posso,
e se ele morrer enquanto durmo, e se ele morrer, e se ele morrer... -
os lobos ainda uivavam. Ela gritou e voltou a tapar os ouvidos. - Ah,
deuses, feche a janela!
- Se me
jurar que vai dormir - Robb foi até a janela, mas ao estender as
mãos para os postigos, outro som foi acrescentado ao fúnebre uivar
dos lobos gigantes. - Cães - ele disse, escutando. - Os cães estão
todos ladrando. Nunca antes tinham agido assim... - Catelyn o ouviu
prender a respiração. Quando ergueu os olhos, o rosto estava pálido
à luz da candeia.
- Fogo -
murmurou o jovem. Fogo, pensou ela e, em seguida, Bran!
-
Ajude-me - disse, com urgência na voz, sentando-se. - Ajude-me com
Bran. Robb não pareceu ouvi-la.
- A torre
da biblioteca está ardendo - ele disse.
Catelyn
podia ver agora a tremeluzente luz avermelhada pela janela aberta.
Recostou-se, aliviada. Bran estava a salvo. A biblioteca ficava para
lá do muro exterior do castelo, não havia maneira de o fogo chegar
até ali.
- Graças
aos deuses - sussurrou.
Robb a
olhou como se tivesse enlouquecido.
- Mãe,
fique aqui. Volto assim que o fogo estiver extinto - depois correu.
Ela o ouviu gritar para os guardas que estavam do lado de fora do
quarto, ouviu-os descer juntos as escadas em desenfreado ímpeto,
saltando os degraus, dois ou três de cada vez.
Lá fora,
ouviam-se berros de "Fogo!" no pátio, gritos, passos
em
corrida, os relinchos de cavalos assustados e o frenético ladrar dos
cães do castelo. Enquanto escutava aquela cacofonia, percebeu que os
uivos tinham desaparecido. Os lobos gigantes tinham-se silenciado.
Catelyn
rezou uma silenciosa prece de agradecimento às sete caras de deus
quando se encaminhou para a janela. Do lado de lá do muro do
castelo, longas línguas de fogo jorravam das janelas da biblioteca.
Viu a fumaça erguer-se para o céu e pensou com tristeza em todos os
livros que os Stark tinham reunido ao longo dos séculos. Então
fechou as janelas. Quando virou as costas a janela, o homem estava no
quarto com ela.
- Não
devia estar aqui - ele murmurou amargamente. - Ninguém devia estar
aqui.
Era um
homem pequeno e sujo, vestido com imundas roupas pardas, e fedia a
cavalos. Catelyn conhecia todos os homens que trabalhavam nas
cavalariças, e aquele não era nenhum deles. Era magro, com cabelos
louros escorridos e olhos claros profundamente afundados num rosto
ossudo, e trazia na mão um punhal.
Catelyn
olhou para a faca, e depois para Bran.
- Não -
disse. A palavra ficou-lhe presa na garganta, um mero sussurro. Ele
deve tê-la ouvido.
- É uma
misericórdia - disse. - Ele já tá morto.
- Não -
disse Catelyn, agora mais alto depois de ter reencontrado a voz. -
Não, não pode - girou de volta à janela, a fim de gritar por
ajuda, mas o homem se moveu mais depressa do que ela teria acreditado
ser possível. Uma mão fechou-se sobre sua boca e atirou-lhe a
cabeça para trás, a outra trouxe o punhal até sua traqueia. O
fedor que o homem exalava era opressivo.
Ergueu
ambas as mãos e agarrou a lâmina com todas as suas forças,
afastando-a da garganta. Ouviu-o praguejar ao seu ouvido. Os dedos
dela estavam escorregadios de sangue, mas não largava o punhal. A
mão sobre sua boca apertou-se mais, tirando-lhe o ar. Catelyn torceu
a cabeça para o lado e conseguiu pôr um pouco da carne do homem
entre os dentes.
Mordeu-lhe
a palma da mão com força. O homem grunhiu de dor. Ela fez mais
força e rasgou-lhe a pele, e, de repente, ele a largou. O gosto do
sangue do homem enchia-lhe a boca. Ela bebeu uma golfada de ar e
soltou um grito, e ele agarrou-lhe o cabelo e a empurrou para longe,
fazendo-a tropeçar e cair. Então, saltou sobre ela, respirando com
força, tremendo. A mão direita do homem ainda agarrava com força o
punhal, escorregadio de sangue.
- Não
devia estar aqui - repetiu, estupidamente.
Catelyn
viu a sombra deslizar pela porta aberta atrás dele. Houve um ruído
surdo e baixo, menos que um rosnado, o menor murmúrio de ameaça,
mas ele deve tê-lo ouvido, porque começou a virar-se no preciso
instante em que o lobo saltou. Caíram juntos, meio estatelados,
sobre Catelyn, que continuava estendida onde tombara. O lobo o tinha
preso nas maxilas. O guincho do homem durou menos de um segundo antes
que o animal atirasse a cabeça para trás, arrancando-lhe metade da
garganta.
O sangue
dele foi como chuva quente quando se espalhou sobre o rosto de
Catelyn. O lobo a olhava. Suas maxilas estavam vermelhas e úmidas, e
os olhos brilhavam, dourados, no quarto escuro. Catelyn percebeu que
era o lobo de Bran. Claro que era,
-
Obrigada - sussurrou, com a voz tênue e aguda. Ergueu a mão,
estremecendo. O lobo aproximou-se, farejou-lhe os dedos e pôs-se a
lamber o sangue com uma língua úmida e áspera. Depois de limpar
todo o sangue de sua mão, ele virou-se em silêncio e saltou para a
cama de Bran, deitando-se a seu lado. Catelyn desatou a rir
histericamente.
Foi assim
que os encontraram, quando Robb, Meistre Luwin e Sor Rodrik entraram
num rompante no quarto com metade dos guardas de Winterfell. Quando o
riso finalmente lhe morreu na garganta, enrolaram-na em cobertores
quentes e a levaram de volta para a Grande Torre, para seus
aposentos. A Velha Ama a despiu, ajudou-a a entrar no banho quente e
a lavou do sangue com um pano suave.
Mais
tarde, Meistre Luwin chegou para fechar suas feridas. Os cortes nos
dedos eram profundos, quase chegavam ao osso, e tinha o couro
cabeludo em carne viva e sangrando no lugar onde o homem lhe
arrancara um tufo de cabelo. O meistre disse-lhe que a dor estava
agora apenas começando, e deu-lhe leite de papoula para ajudá-la a
dormir. E ela, finalmente, fechou os olhos.
Quando
voltou a abri-los, disseram-lhe que dormira durante quatro dias.
Catelyn fez um aceno com a cabeça e sentou-se na cama. Agora, tudo
lhe parecia um pesadelo, tudo desde a queda de Bran, um terrível
sonho de sangue e desgosto, mas tinha a dor nas mãos para lembrá-la
de que era real. Sentia-se fraca e entontecida, mas estranhamente
resoluta, como se um grande peso tivesse sido tirado de cima de seus
ombros.
-
Tragam-me um pouco de pão e mel - disse às criadas - e mandem um
recado a Meistre Luwin, dizendo que minhas ataduras precisam ser
trocadas - olharam-na, surpresas, e correram para cumprir suas
ordens.
Catelyn
lembrava-se de como estivera antes, e sentiu-se envergonhada. Falhara
para com todos, os filhos, o marido, a Casa. Não voltaria a
acontecer. Ia mostrar àqueles nortenhos como uma Tully de Correrrio
podia ser forte.
Robb
chegou antes dos alimentos. Rodrik Cassei veio com ele, bem como o
protegido do marido, Theon Greyjoy, e por fim Hallis Mollen, um
guarda musculoso com uma barba castanha e quadrada. Era o novo
capitão da guarda, disse Robb. Reparou que o filho vinha vestido com
couro fervido e cota de malha, e que trazia uma espada à cintura.
- Quem
era ele? - perguntou-lhes Catelyn.
- Ninguém
sabe seu nome - informou Hallis Mollen. - Não era homem de
Winterfell, senhora, mas há quem diga que foi visto aqui e nas
imediações do castelo ao longo destas últimas semanas.
- Então
é um dos homens do rei - disse ela - ou dos Lannister. Pode ter
ficado para trás, à espreita, quando os outros partiram.
- Pode
ser - disse Hal. - Com todos aqueles estranhos a encher Winterfell
nos últimos tempos, não há maneira de dizer a quem pertencia.
- Ele
esteve escondido nas cavalariças - disse Greyjoy. - Podia-se sentir
o cheiro nele.
- E como
pôde passar despercebido? - disse ela em tom penetrante. Hallis
Mollen pareceu atrapalhado.
- Com os
cavalos que o Senhor Eddard levou para o Sul e os que enviamos para o
Norte para a Patrulha da Noite, as cavalariças ficaram meio vazias.
Não seria grande truque se esconder dos moços da cavalariça. Pode
ser que Hodor o tenha visto, dizem que o rapaz anda esquisito, mas
simplório como é... - Hal abanou a cabeça.
-
Encontramos o lugar onde ele dormia - interveio Robb. - Tinha noventa
veados de prata num saco de couro escondido debaixo da palha.
- É bom
saber que a vida do meu filho não foi vendida barato - disse Catelyn
amargamente. Hallis Mollen a olhou, confuso.
- As
minhas desculpas, senhora, mas está dizendo que ele foi mandado para
matar o seu rapaz?
Greyjoy
mostrou dúvida.
- Isso é
uma loucura.
- Ele
veio por Bran - disse Catelyn. - Ficou o tempo todo resmungando que
eu não devia estar ali. Provocou o incêndio da biblioteca pensando
que eu correria para tentar apagá-lo, levando os guardas comigo. Se
não estivesse meio louca de desgosto, teria funcionado.
- Por que
haveria alguém de querer matar Bran? - Robb perguntou. - Deuses, não
passa de um rapazinho, indefeso, dormindo...
Catelyn
lançou ao seu primogênito um olhar de desafio.
- Se
quiser governar o Norte, Robb, precisa analisar estas coisas até o
fim. Responda à sua pergunta. Por que haveria alguém de querer
matar uma criança adormecida?
Antes que
Robb pudesse responder, as criadas regressaram com uma bandeja de
comida fresca acabada de vir da cozinha. Havia muito mais do que ela
pedira: pão quente, manteiga, mel e conservas de amoras silvestres,
uma fatia de bacon e um ovo cozido, uma porção de queijo, um bule
de chá de menta. E com os alimentos chegou Meistre Luwin.
- Como
está meu filho, Meistre? - Catelyn olhou toda aquela comida e
descobriu que não tinha apetite.
Meistre
Luwin baixou os olhos.
- Sem
alterações, minha senhora.
Era a
resposta que ela esperava, nem mais, nem menos. As mãos
palpitaram-lhe de dor, como se a lâmina ainda estivesse nelas,
cortando-as profundamente. Mandou as criadas embora e voltou a olhar
para Robb.
-Já tem
a resposta?
- Alguém
tem medo de que Bran acorde - disse Robb - medo do que ele possa
dizer ou fazer, medo de qualquer coisa que ele sabe.
Catelyn
sentiu orgulho do filho.
- Muito
bem - virou-se para o novo capitão da guarda. - Temos de manter Bran
a salvo. Se existiu um assassino, poderá haver outros.
- Quantos
guardas serão necessários, senhora? - perguntou Hal.
-
Enquanto o Senhor Eddard estiver fora, é o meu filho quem governa
Winterfell - ela respondeu.
Robb
pareceu crescer um pouco.
- Ponha
um homem no quarto, de noite e de dia, um junto à porta, dois ao
fundo das escadas. Ninguém pode ver Bran sem minha autorização, ou
a da minha mãe.
-
Certamente, senhor.
- Trate
disto já - sugeriu Catelyn.
- E deixe
que o lobo dele fique no quarto - acrescentou Robb.
- Sim -
disse Catelyn. E depois de novo: - Sim.
Hallis
Mollen fez uma reverência e deixou o quarto.
- Senhora
Stark - disse Sor Rodrik depois de o guarda sair - teria a senhora,
por acaso, reparado no punhal que o assassino usou?
- As
circunstâncias não me permitiram examiná-lo de perto, mas posso
certificar que era afiado - respondeu Catelyn com um sorriso seco. -
Por que pergunta?
-
Encontramos a faca ainda na mão do vilão. Pareceu-me uma arma boa
demais para um homem daqueles, e olhei-a longa e atentamente. A
lâmina é de aço valiriano e o punho, de osso de dragão. Uma arma
assim não tem nada a ver com um homem como ele. Alguém lhe deu.
Catelyn
fez um aceno, pensativa.
- Robb,
feche a porta.
Ele a
olhou de um modo estranho, mas fez o que lhe foi pedido.
- O que
vou dizer não deve sair deste quarto - ela avisou. - Quero que
jurem. Se até mesmo parte daquilo de que suspeito for verdade, Ned e
as minhas meninas viajaram para um perigo mortal, e uma palavra aos
ouvidos errados poderá custar-lhes a vida.
- Lorde
Eddard é como um segundo pai para mim - disse Theon Greyjoy. -
Presto esse juramento.
- A
senhora tem o meu juramento - disse Meistre Luwin.
- E o meu
também, minha senhora - ecoou Sor Rodrik. Ela olhou para o filho.
- E você,
Robb?
Ele
consentiu com um aceno de cabeça.
- Minha
irmã Lysa acredita que os Lannister assassinaram o marido, Lorde
Arryn, a Mão do Rei - informou Catelyn. - Ocorre-me que Jaime
Lannister não se juntou à caçada no dia em que Bran caiu.
Permaneceu aqui no castelo - o quarto estava num silêncio mortal. -
Não me parece que Bran tenha caído daquela torre - disse ela para o
silêncio. - Penso que foi atirado.
O choque
era claro no rosto dos quatro homens.
- Minha
senhora, essa sugestão é monstruosa - disse Rodrik Cassei - Até
mesmo o Regicida hesitaria em assassinar uma criança inocente.
- Ah,
hesitaria? - perguntou Theon Greyjoy. - Tenho dúvidas.
- Não há
limites para o orgulho ou a ambição dos Lannister - disse Catelyn.
- O rapaz
sempre teve antes a mão segura - Meistre Luwin disse, pensativo. -
Conhece todas as pedras de Winterfell.
- Deuses
- praguejou Robb, com o jovem rosto escuro de fúria. - Se isto for
verdade, ele pagará - puxou a espada e a brandiu no ar. - Eu próprio
o matarei!
Sor
Rodrik irritou-se com ele.
- Guarde
isso! Os Lannister estão a cem léguas daqui. Nunca puxe a espada, a
menos que tencione usá-la. Quantas vezes tenho de lhe dizer isto,
meu tolo rapazinho?
Envergonhado,
Robb embainhou a espada, subitamente transformado de novo numa
criança. Catelyn disse a Sor Rodrik:
- Vejo
que meu filho agora usa aço.
O velho
mestre de armas respondeu:
- Achei
que era tempo - Robb a olhou ansiosamente:
- Já era
mais que tempo. Winterfell pode necessitar de todas as suas espadas
em breve, e é bom que elas não sejam feitas de madeira.
Theon
Greyjoy pôs a mão no punho de sua espada e disse:
- Minha
senhora, se chegar a tanto, minha Casa tem uma grande dívida para
com a vossa. Meistre Luwin puxou a corrente do colar onde lhe
irritava a pele do pescoço.
- Tudo o
que temos são conjecturas. Quem queremos acusar é o irmão querido
da rainha. Ela não o aceitará de bom grado. Temos de encontrar
provas, ou ficar em silêncio para sempre,
- Sua
prova está no punhal - disse Sor Rodrik - Uma bela lâmina como
aquela não pode passar despercebida.
Catelyn
compreendeu que havia apenas um lugar onde a verdade podia ser
encontrada.
- Alguém
tem de ir a Porto Real.
- Eu vou
- disse Robb.
- Não -
ela disse imediatamente. - Seu lugar é aqui. Deve haver sempre um
Stark em Winterfell - olhou para Sor Rodrik com suas grandes suíças
brancas, para Meistre Luwin com sua túnica cinzenta, para o jovem
Greyjoy, magro, escuro e impetuoso. Quem enviar? Em quem
acreditariam? Então soube. Catelyn esforçou-se por empurrar os
cobertores, com os dedos tão rígidos e inflexíveis como pedra, e
levantou-se da cama. - Devo ir eu mesma.
- Minha
senhora - disse Meistre Luwin - será avisado? Decerto que os
Lannister encararão a vossa chegada com suspeita.
- E Bran?
- perguntou Robb. O pobre rapaz parecia agora completamente
confundido. - Não pode ter a intenção de abandoná-lo.
- Fiz por
Bran tudo o que podia fazer - ela disse, pousando sua mão ferida
sobre o braço do filho. - Sua vida está nas mãos dos deuses e de
Meistre Luwin. Tal como você mesmo me lembrou, Robb, tenho agora
outros filhos em que pensar.
- Minha
senhora vai precisar de uma forte escolta - lembrou Theon.
-
Enviarei Hal com um pelotão de guardas - disse Robb.
- Não -
Catelyn respondeu. - Um grupo grande atrai atenções indesejadas.
Não quero que os Lannister saibam que estou a caminho.
Sor
Rodrik protestou.
- Minha
senhora, deixe-me pelo menos acompanhá-la. A estrada do rei pode ser
perigosa para uma mulher só.
- Não
irei pela estrada do rei - ela retrucou. Pensou por um momento e
consentiu com a cabeça. - Dois cavaleiros podem deslocar-se tão
depressa como um, e bastante mais depressa do que uma longa coluna
sobrecarregada com carroças e casas rolantes. Aceito sua companhia,
Sor Rodrik. Seguiremos o Faca Branca até o mar e alugaremos um navio
em Porto Branco. Com cavalos fortes e ventos vivos, deveremos chegar
a Porto Real bem antes de Ned e dos Lannister - e então, pensou,
veremos o que tivermos de ver.
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