domingo, 11 de agosto de 2013

22 - ARYA


Seu pai tinha estado outra vez lutando com o conselho. Arya podia ver isto em seu rosto quando chegou à mesa, de novo atrasado, como acontecia tantas vezes. O primeiro prato, uma espessa sopa suave feita com abóbora, já fora levado quando Ned Stark entrou a passos largos no Pequeno Salão.
Chamavam-no assim para distingui-lo do Grande Salão, onde o rei podia dar um banquete para mil pessoas, mas era uma sala comprida com um teto alto e abobadado, e lugar para duzentos convivas às mesas.
- Senhor - disse Jory quando Stark entrou. Pôs-se de pé, e o resto da guarda ergueu-se com ele. Todos os homens usavam mantos novos, de pesada lã cinzenta com uma borda de cetim branco. Uma mão feita de prata batida se agarrava às dobras de lã dos mantos e marcava quem os usava como membro da guarda pessoal da Mão. Eram só cinquenta, e a maior parte dos bancos encontrava-se vazia.
- Sentem-se - disse Eddard Stark. - Vejo que começaram sem mim. Agrada-me ver que ainda há alguns homens de bom-senso nesta cidade - fez sinal para a refeição prosseguir. Os criados começaram a trazer bandejas de costeletas assadas em crosta de alho e ervas.
- Dizem no pátio que vamos ter um torneio, senhor - disse Jory quando voltou a se sentar. - Dizem que virão cavaleiros de todo o reino para ajusta e para um banquete em honra da vossa nomeação como Mão do Rei.
Arya percebeu que seu pai não estava muito feliz com aquilo.
- Também dizem que isto é a última coisa no mundo que eu desejaria? - o pai falou, e os olhos de Sansa se esbugalharam.
- Um torneio - suspirou. Estava sentada entre Septã Mordane e Jeyne Poole, o mais longe de Arya que podia sem receber uma reprimenda do pai. - Vão nos deixar ir, pai?
- Conhece os meus sentimentos, Sansa. Parece que devo organizar os jogos de Robert e fingir estar honrado com eles. Isso não quer dizer que deva submeter minhas filhas a esta loucura.
- Ah, por favor - Sansa pediu. - Eu quero ver.
Septã Mordane interveio.
- A Princesa Myrcella estará lá, senhor, e é mais nova que a Senhora Sansa. Num grande evento como este, espera-se a presença de todas as senhoras da corte, e como o torneio é em vossa honra, parecerá estranho se vossa família não comparecer.
O pai fez uma expressão sentida.
- Suponho que sim. Muito bem, arranjarei um lugar para você, Sansa - ele olhou para Arya. - Para as duas.
- Não me interessa o estúpido torneio deles - disse Arya. Sabia que Príncipe Joffrey estaria lá, e ela o odiava.
Sansa ergueu a cabeça.
- Será um evento magnífico. Não a quererão lá.
Um relâmpago de ira surgiu no rosto do pai.
- Basta, Sansa. Diga mais uma coisa dessas e mudo de idéia. Estou cansado de morte desta guerra sem fim que vocês duas travam. São irmãs. Espero que se comportem como tal, entendido?
Sansa mordeu o lábio e anuiu. Arya baixou o rosto para o prato e fitou-o, carrancuda. Sentia lágrimas a arder-lhe nos olhos. Esfregou-as, zangada, determinada a não chorar. O único som que se ouvia era o ruído das facas e dos garfos.
- Por favor, desculpem-me - anunciou o pai à mesa. - Descobri que esta noite tenho pouco apetite - e saiu do salão.
Depois de ele partir, Sansa trocou segredos com Jeyne Poole. Ao fundo da mesa, Jory riu de uma piada e Hullen começou a falar de cavalos.
- Seu cavalo de guerra, preste atenção, pode não ser o melhor para a justa. Não é a mesma coisa, ah, não, não é de todo a mesma coisa - os homens tinham ouvido tudo aquilo antes; Desmond, Jacks e o filho de Hullen, Harwin, gritaram-lhe em uníssono que se calasse, e Porther pediu mais vinho.
Ninguém falou com Arya. Ela não se importou. Gostava das coisas assim. Teria feito suas refeições sozinha no quarto se lhe fosse permitido. E por vezes permitiam, quando o pai tinha de jantar com o rei, com algum senhor ou com os enviados deste ou daquele lugar. No resto do tempo, comiam no seu solar, só ele, ela e Sansa. Era então que Arya mais sentia saudades dos irmãos. Queria provocar Bran, brincar com o bebê Rickon e fazer com que Robb lhe sorrisse. Queria que Jon despenteasse seu cabelo, chamasse-a de "irmãzinha" e acabasse as frases junto com ela. Mas estavam todos longe. Não tinha ninguém, a não ser Sansa, e Sansa nem sequer lhe falava, a não ser que o pai a obrigasse.
Em Winterfell, quase metade das refeições era feita no Salão Grande. O pai costumava dizer que um senhor devia comer com seus homens se esperava conservá-los. Arya um dia o ouviu dizer a Robb: "Conheça os homens que o seguem e deixe que eles o conheçam. Não peça aos seus homens para morrer por um estranho". Em Winterfell tivera sempre um lugar extra à sua mesa, e todos os dias um homem diferente era convidado a juntar-se a eles. Uma noite seria Vayon Poole e a conversa versaria sobre cobres, reservas de pão e criados. Na próxima seria Mikken, e o pai o ouviria discorrer sobre armaduras e espadas, quão quente devia estar uma forja e qual a melhor maneira de temperar o aço. Outro dia seria Hullen com sua infinita conversa de cavalos, ou Septão Chayle da biblioteca, ou Jory, ou Sor Rodrik, ou até a Velha Ama com suas histórias.
Não havia nada que Arya mais gostasse do que se sentar à mesa do pai e ouvi-los falar. Também gostava de ouvir os homens que se sentavam nos bancos: cavaleiros livres, duros como couro; cavaleiros cortesãos; jovens e ousados escudeiros; velhos e grisalhos homens de armas. Costumava atirar-lhes bolas de neve e ajudá-los a roubar tortas da cozinha. As mulheres desses homens ofereciam-lhe bolinhos de aveia e trigo e ela inventava nomes para os seus bebês e brincava com seus filhos de monstros e donzelas, ou busca do tesouro, ou vem ao meu castelo. Gordo Tom costumava chama-lá de "Arya Debaixo dos Pés", porque dizia que era aí que ela estava sempre. Gostava muito mais desse nome do que de "Arya Cara de Cavalo".
Mas isso era Winterfell, a um mundo de distância, e agora tudo mudara. Aquela era a primeira vez que tinham comido uma refeição com os homens desde a chegada a Porto Real. E Arya detestou. Agora detestava o som de suas vozes, o modo como riam, as histórias que contavam. Tinham sido seus amigos, tinha se sentido segura junto deles, mas agora sabia que isso era uma mentira. Tinham deixado a rainha matar Lady, e isso já fora suficientemente horrível, mas depois o Cão de Caça encontrara Mycah. Jeyne Poole dissera a Arya que o tinha cortado em tantos pedaços que o devolveram ao carniceiro dentro de um saco, e a princípio o pobre homem pensara tratar-se de um porco morto. E ninguém levantara uma voz ou puxara uma espada ou qualquer coisa, nem Harwin, que falava sempre tão ousadamente, nem Alyn, que ia ser um cavaleiro, ou Jory, que era capitão da guarda. Nem mesmo seu pai.
- Ele era meu amigo - sussurrou Arya para o prato, tão baixo que ninguém a ouviu. Suas costeletas estavam ali, intocadas, esfriando, uma fina película de gordura solidificando por baixo delas no prato. Arya as olhou e se sentiu mal. Afastou a cadeira da mesa.
- Perdão, onde pensa que vai, jovem senhora? - perguntou Septã Mordane.
- Não tenho fome - Arya sentia dificuldade em lembrar-se da boa educação. - Com a sua licença - recitou rigidamente.
- Não a tem - disse a septã. - Quase não tocou na comida. Sente-se e limpe o prato.
- Limpe-o você! - antes que alguém pudesse detê-la, Arya saltou para a porta enquanto os homens riam e Septã Mordane a chamava sonoramente, com a voz cada vez mais aguda.
Gordo Tom estava em seu posto, guardando a porta da Torre da Mão. Pestanejou ao ver Arya correr em sua direção por entre os gritos da septã.
- Ora bem, pequena, espera - começou a dizer, estendendo a mão, mas Arya deslizou entre suas pernas e precipitou-se pelos degraus em espiral da torre acima, com os pés martelando a pedra enquanto Gordo Tom bufava de irritação atrás dela.
Seu quarto era o único lugar de que Arya gostava em todo o Porto Real, e aquilo de que gostava mais nele era a porta, uma maciça prancha de carvalho escuro com reforços negros de ferro. Quando batia aquela porta e deixava cair a pesada tranca, ninguém podia entrar naquele quarto, nem Septã Mordane, nem Gordo Tom, nem Sansa, nem Jory, nem o Cão de Caça, ninguém! E a batia.
Depois de a tranca cair, Arya sentiu-se por fim suficientemente em segurança para chorar. Foi até o assento junto à janela e sentou-se ali, fungando, odiando todos e a si mesma acima de tudo. Era tudo culpa sua, tudo o que acontecera. Era o que Sansa dizia, e Jeyne também.
Gordo Tom estava a batendo à porta.
- Menina Arya, o que se passa? - gritou. - Está aí?
- Não! - gritou Arya. As batidas pararam. Um momento mais tarde, ouviu-o partir. Gordo Tom era sempre fácil de enganar.
Arya dirigiu-se à arca que tinha aos pés da cama. Ajoelhou-se, abriu o tampo e começou a tirar a roupa lá de dentro com ambas as mãos, agarrando a mãos-cheias seda, cetim, veludo e lã e atirando-as ao chão. Ali estava, no fundo da arca, onde a escondera.
Arya ergueu-a quase com ternura e tirou a estreita lâmina de sua bainha. Agulha. Pensou de novo em Mycah e os olhos se encheram de lágrimas. Culpa sua, culpa sua, culpa sua. Se nunca lhe tivesse pedido para brincar de espadas com ela...
Ouviu-se uma batida na porta, mais alta que antes.
- Arya Stark, abra esta porta imediatamente, está ouvindo?
Arya rodopiou, com Agulha na mão.
- É melhor não entrar aqui! - preveniu, e golpeou o ar ferozmente.
- A Mão ouvirá falar disto! - encolerizou-se Septã Mordane.
- Não me importa - gritou Arya. - Vá embora.
- Vai se arrepender deste comportamento insolente, senhorita, é uma promessa que lhe faço - Arya escutou à porta até ouvir o som dos passos da septã se afastando.
Regressou para junto da janela, com Agulha na mão, e olhou o pátio lá embaixo. Se ao menos fosse capaz de escalar como Bran, pensou; sairia pela janela e desceria a torre, fugiria daquele lugar horrível, de Sansa, da Septã Mordane e do Príncipe Joffrey, de todos eles. Roubaria alguma comida da cozinha e levaria Agulha, botas boas e um manto quente.
Poderia encontrar Nymeria nos bosques selvagens abaixo do Tridente e regressariam juntas a Winterfell, ou correriam até Jon, na Muralha. Deu por si a desejar que Jon estivesse ali consigo. Então talvez não se sentisse tão só.
Um suave toque na porta atrás dela fê-la virar as costas à janela e aos seus sonhos de fuga.
- Arya - soou a voz do pai. - Abre a porta. Temos de conversar.
Arya atravessou o quarto e ergueu a tranca. O pai estava só. Parecia mais triste que zangado, fazendo Arya sentir-se ainda pior.
- Posso entrar? - Arya fez que sim com a cabeça e depois abaixou os olhos, envergonhada. O pai fechou a porta. - De quem é essa espada?
- Minha - Arya quase esquecera que tinha Agulha na mão.
- Dê-me.
Relutantemente, Arya entregou a espada, perguntando a si mesma se voltaria algum dia a pegar nela. O pai a fez rodar sob a luz, examinando ambos os lados da lâmina. Testou a ponta com o polegar.
- Uma lâmina de espadachim - disse - No entanto, parece-me que conheço esta marca de fabricante. Isto é trabalho de Mikken.
Arya não podia mentir para o pai. Abaixou os olhos.
Lorde Eddard Stark suspirou.
- Minha filha de nove anos é armada pela minha própria forja, e eu nada sei sobre o assunto. Espera-se que a Mão do Rei governe os Sete Reinos, mas parece que nem sequer é capaz de governar sua casa. Como foi que se tornou dona de uma espada, Arya? Onde arranjou isto?
Arya trincou o lábio e nada disse. Não queria trair Jon, nem mesmo ao pai. Depois de algum tempo, o pai disse:
- Não me parece que realmente importe - olhou gravemente para a espada que tinha nas mãos. - Isto não é brinquedo para uma criança, e muito menos para uma menina. Que diria Septã Mordane se soubesse que está brincando com espadas?
- Não estava brincando - insistiu Arya. - Odeio Septã Mordane.
- Basta - a voz do pai soou seca e dura. - A septã não faz mais que o seu dever, embora os deuses bem saibam que você o transformou numa luta para a pobre mulher. Sua mãe e eu a encarregamos da tarefa impossível de transformar você numa dama.
- Eu não quero ser uma dama! - inflamou-se Arya.
- Devia partir este brinquedo no joelho aqui e agora, e pôr fim a este disparate.
- Agulha não se partiria - disse Arya em desafio, mas a voz traiu-lhe as palavras.
- Ah, até tem nome? - o pai suspirou. - Ah, Arya. Tem um ardor dentro de si, criança. Meu pai costumava chamá-lo "o sangue do lobo". Lyanna tinha um pouco, e meu irmão Brandon, mais que um pouco. Este levou ambos a uma sepultura precoce - Arya ouviu tristeza na voz dele; não era frequente falar do pai ou do irmão e da irmã que tinham morrido antes de ela nascer. - Lyanna poderia ter usado uma espada, se o senhor meu pai o tivesse permitido. Você por vezes me faz lembrar dela. Até se parece com ela.
- Lyanna era linda - disse Arya, surpresa. Todos diziam aquilo. E não era algo que alguma vez se dissesse de Arya.
- Pois era - concordou Eddard Stark - linda e voluntariosa, e morta antes do tempo - ergueu a espada, segurou-a entre os dois. - Arya, o que pensa fazer com esta... Agulha? Quem planeja espetar nela? Sua irmã? Septã Mordane? Sabe alguma coisa sobre esgrima?
Apenas conseguiu lembrar-se da lição que Jon lhe dera.
- Espeta-se com a ponta aguçada - proferiu.
O pai respondeu com uma gargalhada.
- Esta é a essência da coisa, suponho.
Arya queria desesperadamente explicar, para que ele compreendesse.
- Eu estava tentando aprender, mas... - seus olhos se encheram de lágrimas. - Pedi a Mycah para praticar comigo - o desgosto assaltou-a por inteiro. Virou-se, tremendo: - Eu lhe pedi - chorou. - Foi culpa minha, fui eu...
De súbito, os braços do pai estavam à sua volta. Abraçou-a gentilmente quando ela se virou e desatou a soluçar contra seu peito.
- Não, querida - murmurou. - Chore pelo seu amigo, mas nunca se culpe. Você não matou o filho do carniceiro. Esse assassinato cabe ao Cão de Caça, a ele e à mulher cruel que serve.
- Odeio-os - confidenciou Arya, com o rosto vermelho, fungando. - Ao Cão, à rainha, ao rei e ao Príncipe Joffrey. Odeio-os todos. Joffrey mentiu, as coisas não se passaram como ele disse. E também odeio Sansa. Ela se lembrava, só mentiu para que Joffrey gostasse dela.
- Todos mentimos - seu pai disse. - Ou será que pensa mesmo que acreditei que Nymeria tinha fugido?
Arya corou.
- Jory prometeu não contar,
- Jory manteve a promessa - confirmou o pai com um sorriso. - Há certas coisas que não preciso que me sejam ditas. Até um cego podia ver que aquele lobo nunca te deixaria de boa vontade.
- Tivemos de atirar-lhe pedras - disse ela em tom infeliz. - Eu lhe disse para fugir, para ser livre, que já não a queria. Havia outros lobos com quem brincar, ouvíamos seu uivo, e Jory disse que os bosques estavam cheios de caça, e ela teria veados para caçar. Mas ela continuava a nos seguir, e por fim tivemos que lhe atirar pedras. Atingi-a duas vezes. Ela gemeu e olhou para mim, e eu me senti tão envergonhada, mas foi a coisa certa a fazer, não foi? A rainha a teria matado.
- Foi a coisa certa a fazer - seu pai respondeu. - E mesmo a mentira foi... algo com certa honra - Ned colocou Agulha de lado para abraçar Arya. Depois, voltou a pegar a arma e caminhou até a janela, onde parou por um momento, olhando para além do pátio. Quando se voltou virando, tinha os olhos pensativos. Sentou-se no assento de janela, com Agulha pousada nas coxas. - Arya, sente-se. Tenho de tentar lhe explicar algumas coisas.
Ela empoleirou-se ansiosamente na beira da cama.
- Você é nova demais para ser sobrecarregada com todos os meus problemas - disse-lhe - mas também é uma Stark de Winterfell. Conhece o nosso lema.
- O inverno está para chegar - sussurrou Arya.
- Os tempos duros e cruéis - disse o pai. - Provamo-los no Tridente, filha, e quando Bran caiu. Você nasceu durante o longo verão, querida, e nunca conheceu nada além dele, mas agora o inverno está realmente chegando. Lembra-se do selo da nossa Casa, Arya?
- O lobo gigante - ela respondeu, pensando em Nymeria. Abraçou os joelhos contra o peito, de repente sentindo medo.
- Deixe-me lhe dizer algumas coisas acerca de lobos, filha. Quando as neves caem e os ventos brancos sopram, o lobo solitário morre, mas a alcateia sobrevive. O verão é o tempo das picuinhas. No inverno, devemos proteger uns aos outros, nos manter quentes, partilhar nossas forças. Por isso, se tiver de odiar, Arya, odeie aqueles que realmente nos querem fazer mal. Septã Mordane é uma boa mulher, e Sansa... Sansa é sua irmã. Vocês podem ser tão diferentes como o Sol e a Lua, mas o mesmo sangue corre pelos seus corações. Você precisa dela, tal como ela precisa de você... e eu preciso de ambas, que os deuses me protejam.
Seu pai soava tão cansado que fez Arya sentir-se triste.
- Eu não odeio Sansa - disse-lhe. - Não de verdade - era só meia mentira.
- Não quero assustá-la, mas também não vou mentir. Viemos para um lugar escuro e perigoso, filha. Isto não é Winterfell. Temos inimigos que nos desejam mal. Não podemos travar uma guerra entre nós. Essa sua obstinação, as fugas, as palavras zangadas, a desobediência... em casa, eram só os jogos de verão de uma criança. Aqui e agora, com o inverno para chegar em breve, as coisas são diferentes. É tempo de começar a crescer.
- Eu cresço - prometeu Arya. Nunca o amara tanto como naquele instante. - Também posso ser forte. Posso ser tão forte como Robb.
Ele lhe estendeu Agulha, entregando-lhe o cabo.
- Toma.
Ela olhou para a espada com espanto nos olhos. Por um momento teve medo de tocá-la, medo de que, se estendesse a mão, ela lhe seria de novo arrebatada, mas então o pai disse:
- Vá lá, é sua - e ela pegou na arma.
- Posso ficar com ela? - perguntou. - De verdade?
- De verdade - ele sorriu. - Se a tirasse de você, não tenho dúvidas de que em menos de uma quinzena encontraria uma maça escondida debaixo da sua almofada. Tente não apunhalar sua irmã, seja qual for a provocação.
- Não apunhalo. Prometo - Arya apertou Agulha com força contra o peito enquanto o pai se retirava.
Na manhã seguinte, ao desjejum, pediu desculpa à Septã Mordane. A septã a olhou com suspeita, mas o pai acenou com a cabeça.
Três dias mais tarde, ao meio-dia, o intendente do pai, Vayon Poole, mandou Arya até o Salão Pequeno. As mesas tinham sido desmanteladas e os bancos, arrumados junto às paredes. O salão parecia vazio, até que uma voz que não lhe era familiar disse:
- Está atrasado, rapaz - um homem franzino com uma cabeça calva e um nariz que mais parecia um grande bico saiu das sombras segurando um par de estreitas espadas de madeira. - Amanhã deve estar aqui ao meio-dia - seu sotaque tinha a entoação das Cidades Livres, talvez Bravos, ou Myr.
- Quem é o senhor? - perguntou Arya.
- Sou seu mestre de dança - atirou-lhe uma das armas de madeira.
Ela tentou agarrá-la no ar, falhou, e a ouviu cair com estrondo no chão.
- Amanhã você a agarrará. Agora, apanhe-a.
Não era apenas um pau, mas uma verdadeira espada de madeira completa, com punho, guarda e botão. Arya a apanhou e a agarrou nervosamente com ambas as mãos, erguendo-a à sua frente. Era mais pesada do que parecia, muito mais pesada do que Agulha.
O homem calvo fez estalar os cientes.
- Não é assim, rapaz. Isto não é uma espada longa, que precisa de duas mãos para ser brandida. Pega na arma com uma mão.
- É pesada demais - Arya justificou.
- É tão pesada quanto precisa ser para deixá-lo forte e para o equilíbrio. Um buraco aí dentro está cheio de chumbo exatamente para isso. Agora, uma mão é tudo o que é preciso.
Arya tirou a mão direita do punho e limpou a palma suada nas calças. Segurou a espada com a mão esquerda. Ele pareceu aprovar.
- A esquerda é boa. Tudo o que seja invertido atrapalhará mais seus inimigos. Mas está na posição errada. Vira o corpo de lado, isso, assim. Você é magro como o cabo de uma lança, sabia? Isso também é bom, o alvo é menor. Agora, o modo de agarrar. Mostre-me - aproximou-se e espiou-lhe a mão, afastando-lhe os dedos, rearranjando-os. - Assim mesmo, sim. Não aperte com muita força, não, deve segurá-la de forma hábil, delicada.
- E se a deixar cair? - perguntou Arya.
- O aço deve fazer parte do seu braço - disse-lhe o homem calvo. - Pode deixar cair parte do seu braço? Não. Durante nove anos, Syrio Forel foi primeira-espada do Senhor do Mar de Bravos, ele sabe destas coisas. Escute-o, rapaz.
Era a terceira vez que o homem a chamava "rapaz".
- Sou uma menina - objetou Arya.
- Rapaz, menina - disse Syrio Forel. - É uma espada, é tudo - fez estalar os dentes. - Isso mesmo, é assim que se segura. Não está segurando um machado de batalha, mas uma...
- ... agulha - terminou Arya por ele, ferozmente.
- Isso mesmo. Agora começamos a dança. Lembre-se, criança, não é a dança de ferro de Westeros que estamos aprendendo, a dança dos cavaleiros, que corta e bate, não. Esta é a dança do espadachim, a dança da água, rápida e súbita. Todos os homens são feitos de água, sabia disto? Quando os perfura, a água jorra e eles morrem - deu um passo para trás, ergueu a própria lâmina de madeira. - Agora tente me atingir.
Arya tentou atingi-lo. Tentou durante quatro horas, até ficar com cada músculo do corpo dolorido, enquanto Syrio Forel fazia estalar os dentes e lhe dizia que fazer. No dia seguinte, começou o verdadeiro trabalho.  

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