quinta-feira, 29 de agosto de 2013

40 - CATELYN


O céu oriental era rosa e ouro quando o sol surgiu sobre o Vale de Arryn. Catelyn Stark viu a luz espalhar-se, com as mãos pousadas na delicada pedra esculpida da balaustrada fora da janela. Embaixo, o mundo passou de negro a índigo e a verde à medida que a alvorada rastejava por campos e florestas. Pálidas névoas brancas ergueram-se das Lágrimas de Alyssa, onde as fantasmagóricas águas mergulhavam em uma saliência na montanha para começar sua longa queda pela vertente da Lança do Gigante. Catelyn conseguia sentir o tênue toque do vapor no rosto.
Alyssa Arryn vira o marido, os irmãos e todos os filhos assassinados, mas em vida nunca derramara uma lágrima. Por isso, na morte, os deuses tinham decretado que não conheceria descanso até que seu choro regasse a terra negra do Vale, onde estavam enterrados os homens que amara. Alyssa estava morta havia seis mil anos, e ainda nem uma gota da torrente atingira o fundo do vale, muito abaixo. Catelyn perguntou a si mesma qual seria o tamanho da cascata que suas lágrimas fariam quando morresse.
- Conte-me o resto - disse.
- O Regicida está reunindo uma hoste no Rochedo Casterly - respondeu Sor Rodrik Cassei do quarto atrás dela. - Seu irmão escreve que enviou cavaleiros ao Rochedo exigindo que Lorde Tywin proclamasse suas intenções, mas não obteve resposta. Edmure ordenou a Lorde Vance e a Lorde Piper que aguardassem sob o Dente Dourado. Jura que não cederá nem um pé da terra Tully sem primeiro regá-la com sangue Lannister.
Catelyn virou as costas ao nascer do sol. Sua beleza pouco fazia para melhorar seu humor; parecia cruel que um dia amanhecesse tão belo e terminasse tão feio como aquele prometia.
- Edmure enviou cavaleiros e fez juramentos - disse - mas não é Edmure o senhor de Correrrio. E o senhor meu pai?
- A mensagem não menciona Lorde Hoster, senhora - Sor Rodrik puxou as suíças. Tinham crescido brancas como a neve e espetadas como um espinheiro enquanto ele se recuperava dos ferimentos; já quase parecia ele mesmo de novo.
- Meu pai não teria dado a Edmure a defesa de Correrrio a menos que estivesse muito doente - disse ela, preocupada. - Devia ter sido acordada assim que esta ave chegou.
- Meistre Colemon disse-me que a senhora sua irmã achou melhor deixá-la dormir.
- Devia ter sido acordada - insistiu Catelyn.
- O meistre disse-me que sua irmã planeja ter uma conversa com a senhora depois do combate - Sor Rodrik respondeu.
- Então ainda tenciona ir em frente com esta farsa? - Catelyn fez uma careta. - O anão a tocou como se fosse uma gaita, mas ela é surda demais para ouvir a melodia. Aconteça o que acontecer esta manhã, Sor Rodrik, já é mais que tempo de nos retirarmos. Meu lugar é em Winterfell com meus filhos. Se estiver suficientemente forte para viajar, pedirei a Lysa uma escolta para nos levar a Vila Gaivotas. Podemos apanhar um navio lá.
- Outro navio? - Sor Rodrik ficou ligeiramente verde, mas conseguiu não estremecer. - Como quiser, senhora.
O velho cavaleiro esperou à porta dos aposentos enquanto Catelyn chamava os criados que Lysa lhe dera. Enquanto a vestiam, pensou que, se falasse com a irmã antes do duelo, talvez fosse capaz de fazê-la mudar de ideia. Os planos de Lysa mudavam com os seus humores, e estes mudavam de hora em hora. A acanhada jovem que conhecera em Correrrio tinha se transformado numa mulher que era alternadamente orgulhosa, atemorizada, cruel, sonhadora, imprudente, medrosa, teimosa, vaidosa e, acima de tudo, inconstante.
Quando aquele seu nojento carcereiro viera rastejando lhes dizer que Tyrion Lannister desejava confessar, Catelyn insistira com Lysa para que o anão fosse trazido somente a elas, mas não, nada estaria bom a menos que a irmã conseguisse um espetáculo para metade do Vale. E agora isto...
- O Lannister é meu prisioneiro - disse a Sor Rodrik enquanto desciam as escadas da torre e avançavam através dos frios salões brancos do Ninho da Águia. Catelyn vestia lã cinzenta sem ornamentos e um cinto prateado. - Minha irmã tem de ser lembrada disso.
À porta dos aposentos de Lysa, encontraram o tio saindo, furioso.
- Vai se juntar ao festival de tolos? - proferiu bruscamente Sor Brynden. - Eu lhe diria para enfiar algum bom-senso na sua irmã a tapas, se pensasse que isso teria algum resultado, mas só machucaria sua mão.
- Chegou uma ave de Correrrio - começou Catelyn - uma carta de Edmure...
- Eu sei, filha - o peixe negro que prendia seu manto era a única concessão que Brynden fazia aos ornamentos. - Tive de ouvir a notícia da boca de Meistre Colemon. Pedi à sua irmã licença para levar mil homens experimentados para Correrrio a toda pressa. Sabe o que ela me disse? O Vale não pode prescindir de mil espadas, nem mesmo de uma, Tio, é o Cavaleiro do Portão. Vosso lugar é aqui - uma rajada de risos infantis soprou pelas portas abertas atrás dele, e Brynden lançou um relance sombrio por sobre o ombro. - Bem, disse-lhe que bem poderia arranjar um novo Cavaleiro do Portão. Peixe Negro ou não, ainda sou um Tully. Partirei para Correrrio ao cair da noite.
Catelyn não podia fingir surpresa.
- Sozinho? Sabe tão bem como eu que nunca sobreviveria à estrada de altitude. Sor Rodrik e eu vamos regressar a Winterfell. Venha conosco, tio. Eu lhe darei os seus mil homens. Correrrio não lutará sozinho.
Brynden refletiu por um momento e depois concordou com um aceno brusco.
- Será como diz. E o caminho maior para casa, mas assim é mais provável que lá chegue. Espero por você lá embaixo - foi-se embora a passos largos, com o manto rodopiando atrás dele.
Catelyn trocou um olhar com Sor Rodrik. Atravessaram as portas na direção do agudo e nervoso som do riso de uma criança.
Os aposentos de Lysa abriam-se para um pequeno jardim, um círculo de terra e plantas plantado com flores azuis e rodeado por todos os lados de grandes torres brancas. Os construtores tinham-no planejado como um bosque sagrado, mas o Ninho da Águia era rodeado de pedra dura da montanha, e não importava quanta terra era trazida do Vale, não conseguiam que um represeiro ganhasse raízes ali. Assim, os senhores do Ninho da Águia plantaram grama e espalharam estátuas por entre pequenos arbustos floridos. Seria ali que os dois campeões se defrontariam para colocar suas vidas, e a de Tyrion Lannister, nas mãos dos deuses.
Lysa, recém-escovada e vestida de veludo creme com um cordão de safiras e selenita ao redor do pescoço leitoso, encontrava-se no terraço que dava para o local do combate, rodeada pelos seus cavaleiros, servidores e senhores, grandes e pequenos. A maior parte ainda acalentava a esperança de desposá-la, dormir com ela e governar o Vale de Arryn a seu lado. Pelo que Catelyn vira durante sua estadia no Ninho da Águia, era uma vã esperança.
Uma plataforma de madeira fora construída para elevar a cadeira de Robert; era aí que se sentava o Senhor do Ninho da Águia, rindo e batendo as mãos enquanto um corcunda, vestido de retalhos azuis e brancos, fazia suas marionetes, dois cavaleiros de madeira, se golpearem mutuamente.
Tinham sido trazidos grandes jarros de um creme espesso e cestos de amoras silvestres, e os convidados bebiam um vinho doce, com aroma de laranja, de taças de prata com gravuras. Brynden chamara àquilo um festival de tolos, e não era de admirar.
Do outro lado do terraço, Lysa riu alegremente de alguma brincadeira de Lorde Hunter, e mordiscou uma amora espetada na ponta do punhal de Sor Lyn Corbray. Eram os pretendentes que se encontravam em melhor posição nas graças de Lysa... hoje, pelo menos. Catelyn teria dificuldades para decidir qual dos homens era mais inadequado. Eon Hunter era ainda mais velho que Jon Arryn, meio estropiado pela gota e amaldiçoado por três filhos conflituosos, cada um mais ganancioso que o outro. Sor Lyn era um tipo de loucura diferente; esbelto e bem-apessoado, herdeiro de uma casa antiga mas empobrecida, porém vaidoso, imprudente, de temperamento quente... e, segundo se sussurrava, notoriamente desinteressado nos encantos íntimos das mulheres.
Quando Lysa viu Catelyn, recebeu-a com um abraço fraternal e um beijo úmido na face.
- Não está uma manhã adorável? Os deuses nos sorriem. Experimente uma taça de vinho, querida irmã. Lorde Hunter teve a amabilidade de mandá-lo buscar da sua própria adega.
- Obrigada, mas não. Lysa, temos de conversar.
- Depois - prometeu a irmã, já começando a virar-lhe as costas.
- Agora - Catelyn falou mais alto do que desejara. Os homens viraram-se para olhar. - Lysa, não pode querer seguir em frente com esta loucura. Vivo, o Duende tem valor. Morto, não passa de comida para corvos. E se seu campeão prevalecer aqui...
- Há poucas hipóteses de isso acontecer, senhora - assegurou-lhe Lorde Hunter, dando-lhe pancadinhas no ombro com uma mão cheia de sardas. - Sor Vardis é um valente lutador. Ele dará cabo do mercenário.
- Dará? - disse friamente Catelyn. - Tenho dúvidas - ela vira Bronn lutar na estrada de altitude; não fora por acaso que sobrevivera à viagem, enquanto outros homens tinham morrido. Movia-se como uma pantera, e aquela sua feia espada parecia fazer parte de seu braço.
Os pretendentes de Lysa reuniam-se à volta delas como abelhas em torno de uma flor.
- As mulheres pouco sabem destas coisas - disse Sor Morton Waynwood. - Sor Vardis é um cavaleiro, querida senhora. Este outro homem, bem, no fundo os homens desse tipo são todos covardes. São suficientemente úteis em batalha, com milhares de companheiros em redor, mas basta pô-los em combate individual e a virilidade lhes escoa do corpo.
- Suponhamos então que seja verdade o que diz - disse Catelyn com uma cortesia que lhe fez doer a boca. - O que ganharíamos com a morte do anão? Imagina que Jaime se interessará um pouco que seja por termos dado ao irmão um julgamento antes de o atirarmos da montanha?
- Decapitem o homem - sugeriu Sor Lyn Corbray. - Quando o Regicida receber a cabeça do Duende, isto lhe servirá de aviso.
Lysa sacudiu impacientemente os longos cabelos ruivos.
- Lorde Robert quer vê-lo voando - disse, como se isso decidisse tudo. - E o Duende só tem de culpar a si próprio. Foi ele que exigiu julgamento por combate.
- A Senhora Lysa não tinha maneira honrosa de lhe negar, mesmo se o desejasse fazer - lembrou solenemente Lorde Hunter.
Ignorando-os todos, Catelyn virou todas as suas forças para a irmã.
- Lembro-lhe de que Tyrion Lannister é meu prisioneiro.
- E eu lembro a você que o anão assassinou o senhor meu esposo! - a voz dela se ergueu. - Envenenou a Mão do Rei e deixou meu querido bebê sem pai, e agora pretendo vê-lo pagar por isso! - rodopiando, com as saias balançando em volta das pernas, Lysa atravessou o terraço a passos rápidos.
Sor Lyn, Sor Morton e os outros pretendentes despediram-se com acenos frios e a seguiram.
- Você acha que ele assim fez? - perguntou-lhe Sor Rodrik em voz baixa quando ficaram de novo a sós. - Refiro-me a assassinar Jon Arryn. O Duende ainda nega, e com grande veemência...
- Acredito que os Lannister assassinaram Lorde Arryn - respondeu Catelyn - mas se foi Tyrion, Sor Jaime, a rainha, ou todos juntos, nem posso começar a decidir - Lysa tinha falado o nome de Cersei na carta que enviara para Winterfell, mas agora parece certa de que Tyrion é o autor do crime... talvez porque o anão estava ali, ao passo que a rainha se encontrava a salvo atrás das muralhas da Fortaleza Vermelha, a milhares de léguas ao sul. Catelyn quase desejava ter queimado a carta da irmã antes de tê-la lido.
Sor Rodrik puxou as suíças.
- O veneno, bem... é verdade que isso podia ser trabalho do anão. Ou de Cersei. Diz-se que veneno é a arma das mulheres, com o seu perdão, minha senhora... Agora, o Regicida... não tenho grande apreço pelo homem, mas ele não é desse tipo. Gosta demasiado de ver sangue naquela sua espada dourada. Terá sido veneno, senhora?
Catelyn franziu a testa, vagamente incomodada.
- De que outra forma teriam eles feito com que a morte parecesse natural? - atrás dela Lorde Robert guinchou, deliciado, quando um dos cavaleiros fantoches cortou o outro ao meio, derramando uma enchente de serragem vermelha no terraço. Catelyn olhou de relance para o sobrinho e suspirou. - O rapaz não tem absolutamente disciplina alguma. Nunca será suficientemente forte para governar, a menos que seja tirado da mãe por algum tempo.
- O senhor seu pai concordaria com a senhora - disse uma voz vinda por trás de Catelyn, Virou-se e deparou com Meistre Colemon com uma taça de vinho na mão. - Planejava mandar o rapaz para a Pedra do Dragão, para ser criado, sabia... Ah, mas não devia ter dito isto - o pomo de adão oscilou ansiosamente sob a larga corrente de meistre. - Temo que tenha bebido demais do excelente vinho de Lorde Hunter. A perspectiva do derramamento de sangue deixou-me os nervos todos em desordem...
- Está enganado, meistre - disse Catelyn. - Era Rochedo Casterly, não Pedra do Dragão, e essas combinações foram feitas depois da morte da Mão, sem consentimento da minha irmã.
A cabeça do meistre deu uma sacudidela tão vigorosa sobre o pescoço absurdamente longo que ele próprio se pareceu por um momento com uma marionete.
- Não, com a sua licença, minha senhora, mas foi Lorde Jon que...
Um sino soou com estrondo abaixo deles. Tanto os grandes senhores como as criadas interromperam o que estavam fazendo e se dirigiram para a balaustrada. Embaixo, dois guardas de manto azul-celeste trouxeram Tyrion Lannister. O rechonchudo septão do Ninho da Águia o escoltou até a estátua no centro do jardim, uma mulher chorosa esculpida num mármore cheio de veios, sem dúvida uma representação de Alyssa.
- O homenzinho mau - disse Lorde Robert, entre risinhos. - Mãe, posso fazê-lo voar? Quero vê-lo voar.
- Mais tarde, meu doce bebê - prometeu-lhe Lysa.
- Primeiro o julgamento - pronunciou vagarosamente Sor Lyn Corbray - depois a execução.
Um momento mais tarde, os dois campeões surgiram de lados opostos do jardim. O cavaleiro era servido por dois jovens escudeiros; o mercenário, pelo mestre de armas do Ninho da Águia.
Sor Vardis Egen era de aço dos pés à cabeça, enfiado numa pesada armadura couraçada sobre cota de malha e uma capa almofadada. Grandes ornamentos esmaltados de creme e azul com o símbolo da lua e do falcão da Casa Arryn protegiam a vulnerável articulação do braço com o peito. Uma saia de tiras de metal cobria-lhe o corpo desde a cintura até o meio da coxa, ao passo que um sólido gorjal lhe rodeava a garganta. Asas de falcão projetavam-se das têmporas de seu elmo, e a viseira era um pontiagudo bico de metal com uma estreita fenda para dar visibilidade.
Bronn tinha uma proteção tão ligeira que parecia quase nu ao lado do cavaleiro. Usava apenas uma cota de malha, negra e oleada, cobrindo-lhe o torso sobre couro cozido, um meio elmo redondo de aço com proteção para o nariz e uma rede de cota de malha na cabeça. Botas de couro de cano alto com anteparos de aço davam-lhe alguma proteção às pernas, e tinha discos de ferro negro cosidos aos dedos das luvas. Mas Catelyn reparou que o mercenário era meia mão mais alto que o adversário, com maior alcance... e, ou ela não sabia avaliar idades, ou Bronn era uns quinze anos mais novo.
Ajoelharam-se na relva sob a mulher chorosa, de frente um para o outro, com o Lannister entre ambos. O septão tirou uma esfera facetada de cristal do saco de tecido leve que trazia à cintura. Ergueu-a bem alto acima da cabeça, e a luz estilhaçou-se. Arcos-íris dançaram pela cara do Duende. Com voz sonora, solene e cantante, o septão pediu aos deuses que olhassem para baixo e testemunhassem, a fim de encontrar a verdade na alma daquele homem, para conceder-lhe a vida e a liberdade, se fosse inocente, ou a morte, se culpado. Sua voz ecoava nas torres em redor.
Depois de o último eco se desvanecer, o septão baixou o cristal e partiu às pressas. Tyrion inclinou-se e segredou qualquer coisa ao ouvido de Bronn antes que os guardas o levassem. O mercenário pôs-se em pé, rindo, e sacudiu uma folha de relva do joelho.
Robert Arryn, Senhor do Ninho da Águia e Defensor do Vale, mexia-se impacientemente na sua cadeira elevada.
- Quando é que eles vão lutar? - ele perguntou em tom lamentoso.
Sor Vardis foi ajudado a se erguer por um dos escudeiros. O outro lhe trouxe um escudo triangular com quase um metro e vinte de altura, feito de pesado carvalho pontilhado com rebites de ferro. Os escudeiros ataram o escudo ao braço esquerdo do cavaleiro. Quando o mestre de armas de Lysa ofereceu a Bronn um escudo semelhante, o mercenário cuspiu e afastou-o com um gesto. Uma rude barba negra de três dias cobria-lhe o maxilar e as bochechas, mas, se não a cortava, não era por falta de navalha; o gume de sua espada possuía o perigoso brilho de aço amolado todos os dias durante horas até ficar afiado demais para ser tocado.
Sor Vardis estendeu a mão enluvada, e o escudeiro colocou-lhe entre os dedos uma bela espada longa de dois gumes. A lâmina estava gravada com o delicado rendilhado em prata de um céu de montanha; o botão do punho era uma cabeça de falcão, a guarda tinha sido esculpida com a forma de asas.
- Mandei fabricar aquela espada para Jon em Porto Real - disse Lysa orgulhosamente aos convidados enquanto observavam Sor Vardis experimentar um golpe. - Ele a usava sempre que se sentava no Trono de Ferro no lugar do Rei Robert. Não é adorável? Achei adequado que nosso campeão vingue Jon com sua própria lâmina.
A lâmina com prata gravada era sem dúvida bela, mas a Catelyn parecia que Sor Vardis talvez messe se sentido mais confortável com sua própria espada. No entanto, nada disse, estava cansada de discussões fúteis com a irmã.
- Faça-os lutar! - gritou Lorde Robert.
Sor Vardis virou-se para o Senhor do Ninho da Águia e ergueu a espada numa saudação.
- Pelo Ninho da Águia e pelo Vale!
Tyrion Lannister sentou-se na varanda do outro lado do jardim, flanqueado pelos guardas. Foi para ele que Bronn se virou com uma saudação apressada.
- Eles esperam a sua ordem - disse a Senhora Lysa ao senhor seu filho,
- Lutem! - gritou o rapaz, com as mãos tremendo, agarradas à cadeira.
Sor Vardis girou, erguendo o pesado escudo. Bronn virou-se para enfrentá-lo. As espadas ressoaram, uma, duas vezes, testando-se. O mercenário recuou um passo. O cavaleiro avançou, segurando o escudo à sua frente. Tentou um golpe, mas Bronn saltou para trás, bem para lá do seu alcance, e a lâmina prateada apenas cortou ar. Bronn rodeou-o pela direita. Sor Vardis virou-se, seguindo-o, mantendo o escudo entre ambos. O cavaleiro avançou, pousando com cuidado as pés no chão irregular. O mercenário cedeu, com um tênue sorriso brincando em seus lábios. Sor Vardis atacou, lançando cutiladas, mas Bronn saltou para fora de seu alcance, pulando com ligeireza por cima de uma pedra baixa, coberta de musgo.
Agora, o mercenário flanqueava pela esquerda, para longe do escudo, na direção do lado desprotegido do cavaleiro. Sor Vardis tentou uma estocada nas suas pernas, mas não tinha alcance suficiente. Bronn dançou mais para a esquerda. Sor Vardis girou no mesmo lugar.
- O homem é um medroso - declarou Lorde Hunter. - Pare e lute, covarde! - outras vozes fizeram eco daquele sentimento.
Catelyn olhou para Sor Rodrik. O mestre de armas deu uma concisa sacudidela na cabeça.
- Ele quer fazer com que Sor Vardis o persiga. O peso da armadura e do escudo cansará até o mais forte dos homens.
Ele vira homens treinar esgrima quase todos os dias de sua vida, assistira, nos seus tempos, a meia centena de torneios, mas isto era algo diferente e mais mortífero, uma dança onde o menor passo em falso significaria a morte. E, enquanto observava, a memória de outro duelo, em outro tempo, regressou ao espírito de Catelyn Stark, tão nítida como se tivesse sido no dia anterior.
Tinham-se encontrado na muralha inferior de Correrrio. Quando Brandon viu que Petyr usava apenas elmo, peitoral e cota de malha, despiu a maior parte de sua armadura. Petyr o lembrou que podia usá-la, mas ele rejeitara. O senhor seu pai a prometera a Brandon Stark, e por isso foi a ele que deu o seu sinal, um lenço azul-claro que bordara com a truta saltante de Correrrio. No momento em que apertava o lenço entre os dedos, ela confessou:"Ele não passa de um rapaz insensato, mas amei-o como a um irmão. Sofreria demais se o visse morrer". E seu prometido a olhou com os frios olhos cinzentos de um Stark e lhe prometeu poupar a vida do rapaz que a amava.
Aquela luta terminara quase tão depressa como começara. Brandon era um homem-feito, e empurrou Mindinho ao longo de toda a muralha e pela escada da água abaixo, fazendo chover aço sobre ele a cada passo, até deixá-lo cambaleando e sangrando de uma dúzia de ferimentos. "Renda-se!" ele gritou, mais de uma vez, mas Petyr limitara-se a abanar a cabeça e continuou lutando, carrancudo. Quando o rio já lhes batia nos tornozelos, Brandon finalmente acabou com a luta, com um golpe brutal dado por trás que cortou a malha e o couro de Petyr e se enterrou na carne mole sob suas costelas, tão profundamente que Catelyn teve certeza de que a ferida era mortal. Ele a olhara ao cair e murmurara "Cat", enquanto o sangue vermelho vivo brotava por entre os dedos recobertos de cota de malha. Catelyn julgara que tivesse esquecido aquilo.
Fora a última vez em que vira seu rosto... até o dia em que foi trazida à sua presença em Porto Real. Decorrera uma quinzena até Mindinho estar suficientemente forte para abandonar Correrrio, mas o senhor seu pai a proibira de visitá-lo na torre onde estava acamado. Lysa ajudara o meistre a tratar dele; naquele tempo, era mais suave e tímida. Edmure também tentara visitá-lo, mas Petyr o mandara embora. O irmão de Catelyn agira como escudeiro de Brandon no duelo, e Mindinho não o perdoaria. Assim que ficou suficientemente forte para ser movido, Lorde Hoster Tully mandou Petyr Baelish embora em uma liteira fechada, para terminar de se curar nos Dedos, no promontório rochoso varrido pelo vento onde nascera.
O ressoante estrondo de aço trouxe Catelyn de volta ao presente. Sor Vardis atacava Bronn com força, caindo-lhe em cima com o escudo e a espada. O mercenário recuava, parando todos os golpes, saltando agilmente sobre pedras e raízes, sem nunca afastar os olhos do inimigo. Catelyn viu que ele era o mais rápido; a espada prateada do cavaleiro nunca chegava perto de tocá-lo, mas sua feia lâmina cinzenta fizera um entalhe na placa de ombro de Sor Vardis.
A breve agitação do combate terminou tão depressa como começara quando Bronn deu um passo para o lado e deslizou para trás da estátua da mulher chorosa. Sor Vardis golpeou o local onde ele estivera, fazendo saltar uma faísca do mármore claro da coxa de Alyssa.
- Eles não estão lutando bem, mãe - queixou-se o Senhor do Ninho da Águia. - Quero que eles lutem.
- Vão lutar, querido filho - ela tentou sossegá-lo. - O mercenário não pode fugir o dia todo.
Bronn saiu de trás da estátua, duro e rápido, ainda deslocando-se para a esquerda, desferindo um golpe a duas mãos no desprotegido lado direito do cavaleiro. Sor Vardis o parou, mas de forma desajeitada, e a espada do mercenário relampejou para cima, na direção de sua cabeça. Metal ressoou, e uma asa de falcão quebrou-se com estrondo. Sor Vardis deu meio passo para trás a fim de se recuperar do golpe e ergueu o escudo. Lascas de carvalho voaram quando a espada de Bronn fez um entalhe na muralha de madeira. O mercenário voltou a dar um passo para a esquerda, para longe do escudo, e apanhou Sor Vardis no estômago, abrindo um corte brilhante quando o aguçado gume da espada penetrou no peitoral do cavaleiro.
Sor Vardis apoiou-se no pé para avançar, fazendo descer sua lâmina prateada num arco violento. Bronn afastou-o para o lado e dançou para longe. O cavaleiro esbarrou na mulher chorosa, fazendo-a oscilar sobre a base. Entontecido, deu um passo para trás, virando a cabeça para um lado e para o outro em busca do adversário. A ranhura na viseira do elmo estreitava-lhe o campo de visão.
- Atrás de si, senhor! - gritou Lorde Hunter, tarde demais.
Bronn fez cair a espada, com ambas as mãos, apanhando Sor Vardis no cotovelo do braço que empunhava a arma. As finas tiras de metal que protegiam a articulação se quebraram com um crunch. O cavaleiro soltou um grunhido, virando-se, torcendo a espada para cima. Dessa vez, Bronn manteve-se firme. As espadas voaram uma contra a outra, e a canção de aço encheu o jardim e ressoou nas torres brancas do Ninho da Águia.
- Sor Vardis está ferido - disse Sor Rodrik, com voz grave. Catelyn não precisava que isso lhe fosse dito; tinha olhos, via o brilhante sangue que corria ao longo do braço do cavaleiro, a umidade dentro da articulação do cotovelo. Cada parada era um pouco mais lenta e um pouco mais baixa que a anterior. Sor Vardis virou o flanco ao adversário, tentando usar o escudo para bloquear a espada do mercenário, mas Bronn deslizou ao seu redor, rápido como um gato. Parecia ficar cada vez mais forte. Seus golpes agora deixavam marcas.
Profundos golpes brilhantes cintilavam por todo lado, na armadura do cavaleiro, na sua coxa direita, na viseira em forma de bico, cruzando-lhe o peitoral, um longo percorrendo-lhe o gorjal. O ornamento da lua e do falcão sobre o braço direito de Sor Vardis tinha sido quebrado ao meio, pendendo da presilha. Conseguia-se ouvir sua respiração laboriosa rouquejando através das fendas de ar da viseira.
Mesmo cegos pela arrogância, os cavaleiros e senhores do Vale eram capazes de ver o que estava acontecendo diante de seus olhos, mas Lysa, não.
- Basta, Sor Vardis! - ela gritou para baixo. - Acabe com ele já, meu filhinho está ficando cansado.
E há que ser dito em honra de Sor Vardis que ele foi fiel às ordens da sua senhora, mesmo até o fim. Num momento cambaleava para trás, meio acocorado atrás do escudo cheio de cicatrizes, e no seguinte avançou. O súbito ímpeto de touro apanhou Bronn desequilibrado. Sor Vardis chocou-se contra ele e atirou a aresta do escudo contra o rosto do mercenário.
Bronn quase, quase, perdeu o apoio... cambaleou para trás, tropeçou numa pedra e agarrou-se à mulher chorosa para manter o equilíbrio. Atirando fora o escudo, Sor Vardis guinou sobre ele, usando ambas as mãos para erguer a espada.
O braço direito estava agora com sangue do cotovelo aos dedos, mas seu último golpe desesperado teria talhado Bronn do pescoço ao umbigo... se o mercenário tivesse se levantado para recebê-lo.
Mas Bronn saltou para trás. A bela espada gravada em prata de Jon Arryn resvalou no cotovelo de mármore da mulher chorosa e um terço da ponta se quebrou. Bronn empurrou as costas da estátua com o ombro. O desgastado retrato de Alyssa vacilou e caiu com grande estrondo, e Sor Vardis Egen tombou por baixo dele.
Num instante, Bronn estava sobre o cavaleiro, chutando para o lado o que restava do ornamento partido a fim de expor o ponto fraco entre o braço e o peitoral. Sor Vardis jazia de lado, preso sob o tronco quebrado da mulher chorosa. Catelyn ouviu o cavaleiro gemer quando o mercenário ergueu sua arma com ambas as mãos e a baixou, pondo no golpe todo o seu peso, por baixo do braço e por entre as costelas. Sor Vardis Egen estremeceu e ficou imóvel.
Sobre o Ninho da Águia pairou o silêncio. Bronn arrancou o meio elmo e o deixou cair na relva. Tinha o lábio amassado e sangrento onde fora atingido pelo escudo, e os cabelos negros como o carvão estavam empapados de suor. Cuspiu um dente partido.
- Acabou, mãe? - perguntou o Senhor do Ninho da Águia.
Não, Catelyn quis lhe dizer, está apenas começando.
- Sim - disse Lysa sombriamente, com a voz tão fria e morta como o capitão de sua guarda.
- Posso fazer o homenzinho voar agora?
Do outro lado do jardim, Tyrion Lannister pôs-se em pé.
- Este homenzinho, não - disse. - Este homenzinho irá para baixo no cesto dos nabos, muito obrigado.
- Presume... - começou Lysa.
- Presumo que a Casa Arryn recorde suas próprias palavras - disse o Duende. - Tão Alto Como a Honra.
- A senhora me prometeu que eu o faria voar - gritou o Senhor do Ninho da Águia à mãe, e começou a tremer.
O rosto da Senhora Lysa estava corado de fúria.
- Os deuses acharam por bem proclamá-lo inocente, filho. Não temos outra escolha que não seja libertá-lo - ergueu a voz. - Guardas. Levem o senhor de Lannister e o seu... a sua criatura para longe da minha vista. Escoltem-nos até o Portão Sangrento e os libertem. Tratem que tenham cavalos e abastecimentos suficientes para alcançar o Tridente, e assegurem-se de que todos os seus bens e armas lhes sejam devolvidos. Precisarão deles na estrada de altitude.
- A estrada de altitude - disse Tyrion Lannister. Lysa permitiu-se um tênue sorriso satisfeito. Catelyn compreendeu que era outro tipo de sentença de morte. Tyrion Lannister devia sabê-lo também. Mas o anão concedeu à Senhora Arryn uma reverência trocista. - Que seja conforme ordena, minha senhora. Julgo que conhecemos o caminho.  

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