quinta-feira, 26 de setembro de 2013

12 - FEDOR


O rato gritou quando ele o mordeu, contorcendo-se descontroladamente em suas mãos, frenético para fugir. A barriga era a parte mais macia. Ele rasgou a carne fresca, o sangue morno escorrendo por seus lábios. Era tão bom que trazia lágrimas aos olhos. Seu estômago roncou e ele engoliu. Na terceira mordida, o rato parou de lutar, e ele se sentiu quase satisfeito.
Então ouviu o som de vozes do lado de fora da porta do calabouço.
Parou imediatamente, com medo até de mastigar. Sua boca estava cheia de sangue, carne e pelos, mas não ousava cuspir ou engolir. Ouvia aterrorizado, paralisado como pedra, o roçar das botas e o tilintar das chaves de ferro. Não, pensou, não, por favor, deuses, não agora, não agora. Demorara tanto tempo para pegar o rato. Se me pegarem com esse bicho, vão tirá-lo de mim e vão contar para Lorde Ramsay e ele vai me machucar.
Ele sabia que tinha que esconder o rato, mas estava com tanta fome. Já fazia dois dias desde que comera, talvez três. Ali embaixo, na escuridão, era difícil dizer. Embora os braços e as pernas estivessem finos como juncos, sua barriga estava inchada e vazia, e doía tanto que ele não conseguia dormir. Cada vez que fechava os olhos, começava a se lembrar da Senhora Hornwood. Depois do casamento, Lorde Ramsay a trancara em uma torre e a deixara morrer de fome. No final, ela comera os próprios dedos.
Agachou-se no canto da cela, apertando o prêmio contra o queixo. Sangue escorria pelos cantos da boca, enquanto mordiscava o rato com o que restara de seus dentes, tentando engolir o máximo de carne morna que conseguisse antes que a cela se abrisse. A carne estava fibrosa, mas tão suculenta que ele pensou que talvez estivesse doente. Mastigou e engoliu, pegando pequenos ossos dos buracos na gengiva de onde seus dentes haviam sido arrancados. Doía mastigar, mas estava com tanta fome que não podia parar.
Os sons estavam ficando mais altos. Por favor, deuses, ele não está vindo por mim, orou, arrancando uma das pernas do rato. Fazia um longo tempo desde que alguém viera até ele. Havia outras celas, outros prisioneiros. Algumas vezes ele os ouvia gritar, mesmo pelas grossas paredes de pedra. As mulheres sempre gritavam mais alto. Chupou a carne crua e tentou cuspir o osso da perna, mas o osso só escorregou por seus lábios e se enroscou na barba. Vá embora, rezou, vá embora, passe por mim, por favor, por favor.
Mas os passos pararam justamente quando ficaram mais altos, e as chaves retiniram do lado de fora da porta. O rato caiu de seus dedos. Ele limpou os dedos ensanguentados no calção.
- Não - murmurou. - Nãããooo. - Seus calcanhares rasparam na palha, quando tentou empurrar o próprio corpo contra o canto da cela, nas frias e úmidas paredes de pedra.
O som da trava se abrindo era o mais terrível de todos. Quando a luz bateu em cheio em seu rosto, ele soltou um grito. Teve que cobrir os olhos com as mãos. Ele os arranharia se ousasse, sua cabeça latejava muito.
- Tirem ele daqui, mas façam no escuro, por favor, oh, por favor.
- Não é ele - disse uma voz de garoto. - Olhe para ele. Estamos na cela errada.
- Última cela da esquerda - outro garoto respondeu. - Esta é a última cela da esquerda, não é?
- Sim. - Uma pausa. - O que ele está dizendo?
- Acho que não gosta da luz.
- Você gostaria, se fosse parecido com isso? - O garoto pigarreou e cuspiu. - E o cheiro dele. Estou ficando sufocado.
- Ele esteve comendo ratos - disse o segundo garoto. - Olhe.
O primeiro garoto riu.
- É verdade. Que engraçado.
Tive que fazer isso. Os ratos o mordiam quando ele dormia, roendo seus dedos das mãos e dos pés e até seu rosto, então, quando colocou as mãos em um, não hesitou. Comer ou ser comido, essas eram suas únicas escolhas.
- Eu comi - ele murmurou - eu comi, eu comi, eu comi ele, eles faziam o mesmo comigo, por favor...
Os garotos se aproximaram, a palha sendo triturada suavemente sob seus pés.
- Fale comigo - disse um deles. Era o menor dos dois, um garoto magro mas esperto. - Você se lembra de quem a
O medo borbulhou dentro dele, e ele gemeu.
- Fale comigo. Diga-me seu nome.
Meu nome. Um grito ficou preso na garganta. Eles tinham lhe ensinado seu nome, eles tinham, eles tinham, mas fazia tanto tempo que ele esquecera. Se eu disser algo errado, ele vai me tirar outro dedo, ou pior, ele vai, ele vai ... Ele não pensaria naquilo, ele não podia pensar naquilo. Havia agulhas em sua mandíbula, em seus olhos. Sua cabeça latejava.
- Por favor - ele guinchou, com uma voz fina e fraca. Soava como se tivesse cem anos. Talvez tivesse. Há quanto tempo estou aqui? - Vão - ele murmurou, os dentes quebrados e os dedos quebrados, os olhos fechados apertados contra a terrível luz brilhante. - Por favor, você pode levar o rato, não me machuque...
- Fedor - disse o maior dos garotos. - Seu nome é Fedor. Lembra? - Ele estava com uma tocha. O menor levava o molho de chaves de ferro.
Fedor? Lágrimas correram por seu rosto.
- Lembro. Eu me chamo assim. - Sua boca se abriu e se fechou. - Meu nome é Fedor. Rima com licor. - No escuro, ele não precisava de um nome, então era fácil esquecer. Fedor, Fedor, meu nome é Fedor. Ele não nascera com aquele nome. Em outra vida ele fora outra pessoa, mas, ali, agora, seu nome era Fedor. Ele se lembrava.
Lembrava-se dos garotos também. Estavam vestidos em gibões de lã de cordeiro iguais, cinza-prateados com acabamento azul-escuro. Ambos eram escudeiros, ambos tinham oito anos e ambos eram Walder Frey. Grande Walder e Pequeno Walder, sim. Só que o maior era o Pequeno e o menor era o Grande, o que divertia os meninos e confundia o resto do mundo.
- Eu conheço vocês - murmurou através dos lábios rachados. - Sei seus nomes.
- Você vem conosco - disse Pequeno Walder.
- Sua senhoria precisa de você - disse Grande Walder.
O medo o atravessou como uma faca. São apenas crianças, pensou. Dois garotos de oito anos. Podia derrotá-los, certamente. Mesmo tão fraco como estava, podia pegar a tocha, tomar as chaves, tirar a adaga pendurada no quadril de Pequeno Walder e escapar. Não. Não, está fácil demais. É uma armadilha. Se eu fugir, ele vai me tirar outro dedo ou mais alguns dos meus dentes.
Ele fugira antes. Anos atrás, parecia, quando ainda restava alguma força nele, quando ainda era desafiador. Daquela vez fora Kyra com as chaves. Ela lhe dissera que as roubara e que conhecia um portão traseiro que nunca era vigiado.
- Leve-me de volta a Winterfell, senhor - ela implorara, pálida e tremendo. - Não sei o caminho. Não posso fugir sozinha. Venha comigo, por favor.
E ele foi. O carcereiro estava desmaiado de bêbado em uma poça de vinho, com os calções abaixados até os tornozelos. A porta do calabouço estava aberta e o portão traseiro vazio, bem como ela dissera. Esperaram que a lua ficasse atrás de uma nuvem, então deslizaram para fora do castelo e chapinharam pelas Águas Chorosas, tropeçando nas pedras, semi congelados pelo fluxo gelado. Do outro lado, ele a beijara.
- Você nos salvou - dissera. Tolo. Tolo.
Fora tudo uma armadilha, um jogo, uma brincadeira. Lorde Ramsay adorava perseguições e preferia caçar presas de duas pernas. Durante toda a noite, eles correram pela floresta sombria, mas quando o sol apareceu, o som distante de um berrante chegou fraco por entre as árvores, e eles ouviram os latidos de uma matilha de cães de caça.
- Devemos nos separar - dissera para Kyra, quando os cães pareceram mais próximos. - Eles não conseguirão seguir nós dois. - A garota, enlouquecida pelo medo, recusou-se a sair do lado dele, mesmo quando ele jurou que reuniria uma tropa de homens de ferro e voltaria por ela, se ela fosse a única a ser seguida.
Dentro de uma hora, foram capturados. Um cão o derrubou no chão, e um segundo mordeu Kyra na perna quando ela se arrastou até uma encosta. Os outros os cercaram, latindo e rosnando, avançando sobre eles cada vez que se moviam, prendendo-os até que Ramsay Snow chegou com seus caçadores. Ele, então, ainda era um bastardo, e não um Bolton.
- Aí estão vocês - disse, sorrindo de cima da cela. - Vocês me magoam, vagando por aí assim. Cansaram-se da minha hospitalidade tão cedo? - Foi quando Kyra pegou uma pedra e atirou na cabeça dele. Errou por quase meio metro e Ramsay sorriu. - Você precisa ser punida.
Fedor se lembrava do olhar desesperado e assustado de Kyra. Ela nunca parecera tão jovem quanto naquele momento, ainda meio menina, mas não havia nada que ele pudesse fazer. Ela trouxe eles até nós, ele pensou. Se tivéssemos nos separado como eu queria, um de nós podia ter fugido.
A lembrança tornava difícil respirar. Fedor se afastou da tocha com lágrimas nos olhos. O que ele quer de mim desta vez? Pensou, desesperado. Por que não me deixa em paz? Não fiz nada errado, não desta vez, por que ele simplesmente não me deixa na escuridão? Ele tinha um rato, um rato gordo, quente e se contorcendo ...
- Devemos lavar ele? - perguntou Pequeno Walder.
- Sua senhoria gosta dele fedendo - disse Grande Walder. - Foi por isso que o chamou de Fedor.
Fedor. Meu nome é Fedor, rima com temor. Ele tinha que se lembrar disso. Sirva, obedeça e lembre-se de quem você é, e nenhum outro mal acontecerá. Ele prometeu, sua senhoria prometeu. Mesmo se quisesse resistir, não tinha forças. As forças o abandonaram quando fora açoitado, passara fome e fora esfolado. Quando Pequeno Walder o levantou e Grande Walder levou a tocha até ele, para guiá-lo para fora da cela, seguiu tão dócil quanto um cão. Se tivesse um rabo, estaria enfiado entre as pernas.
Se eu tivesse um rabo, o Bastardo teria cortado ele fora. O pensamento veio espontaneamente, um pensamento vil, perigoso. Sua senhoria não era mais um bastardo. Bolton, não Snow. O rei menino do Trono de Ferro legitimara Lorde Ramsay, dando a ele o direito de usar o nome do pai. Chamá-lo de Snow o recordava de sua ilegitimidade e o fazia ficar com uma raiva negra. Devia se lembrar disso. E do seu nome, tinha que lembrar seu nome. Por meio segundo, esqueceu como se chamava, e isso o assustou tanto que tropeçou nos degraus da escadaria do calabouço e rasgou os calções na pedra, sangrando. Pequeno Walder teve que enfiar a tocha nele, para que ficasse em pé e andasse novamente.
No pátio, a noite caía sobre Forte do Pavor, e uma lua cheia subia pela muralha ocidental do castelo. Sua pálida luz lançava as sombras dos altos merlões triangulares através do chão congelado, uma linha de afiados dentes negros. O ar estava frio e úmido e repleto de cheiros meio esquecidos. O mundo, Fedor disse para si mesmo, é assim que o mundo cheira. Não sabia por quanto tempo estivera no calabouço, mas fora por, pelo menos, meio ano. Esse tanto, ou ainda mais. E se foram cinco anos, ou dez, ou vinte? Como eu saberia? E se fiquei louco lá embaixo e metade da minha vida se foi? Não, isso era tolice. Não fora tanto tempo. Os garotos ainda eram garotos. Se dez anos tivessem se passado, já seriam homens. Tinha que se lembrar disso. Não posso deixar ele me enlouquecer. Ele pode levar meus dedos das mãos e dos pés, pode arrancar meus olhos e fatiar minhas orelhas, mas não pode tirar meu juízo, a menos que eu deixe.
Pequeno Walder seguiu na frente com a tocha na mão. Fedor o seguiu mansamente, com Grande Walder bem atrás dele. Os cães nos canis latiram quando passaram. O vento rodopiava no pátio, atravessando o fino trapo imundo que ele vestia e causando arrepios em sua pele. O ar da noite estava frio e úmido, mas ele não via nenhum sinal de neve, embora o inverno devesse estar bem próximo. Fedor se perguntava se estaria vivo para ver a neve chegar. Quantos dedos terei nas mãos? E quantos nos pés? Quando levantou uma mão, ficou chocado em ver como estava branca, como estava sem carne. Pele e ossos, pensou. Tenho a mão de um velho. Poderia estar errado a respeito dos garotos? E se não fossem Pequeno Walder e Grande Walder, afinal, mas os filhos dos meninos que conhecera?
O grande salão estava escuro e esfumaçado. Fileiras de tochas queimavam à esquerda e à direita, presas por esqueletos de mãos humanas que pendiam das paredes. Bem no alto de suas cabeças havia vigas de madeira escurecidas pela fumaça e um teto abobadado perdido nas sombras. O ar estava pesado com os cheiros de vinho, cerveja e carne assada. O estômago de Fedor roncou ruidosamente com aqueles odores e sua boca começou a salivar.
Pequeno Walder o empurrou aos tropeções pelas longas mesas onde os homens da guarnição comiam. Podia sentir os olhares sobre ele. Os melhores lugares, perto do estrado, estavam ocupados pelos favoritos de Ramsay, os Rapazes do Bastardo. Ben Ossos, o velho que mantinha os amados cães de caça de sua senhoria. Damon, chamado Damon-Dance-para-Mim, cabelos louros e cara de menino. Grunhido, que perdera a língua por falar sem pensar nos ouvidos de Lorde Roose. Alyn Azedo. Peleiro. Caralho Amarelo. Mais afastados, estavam outros que Fedor conhecia de vista, mas não de nome; espadas juramentadas e oficiais, soldados, carcereiros e torturadores. Mas havia estranhos também, rostos que nunca vira. Alguns franziam o nariz quando ele passava, enquanto outros riam ao vê-lo. Convidados, Fedor pensou, amigos de sua senhoria, e fui trazido para a diversão deles. Um arrepio de medo passou por ele.
Na mesa mais elevada, o Bastardo de Bolton estava sentado na cadeira do senhor seu pai, bebendo na taça paterna. Dois velhos dividiam a mesa com ele, e Fedor soube com um único olhar que ambos eram senhores. Um deles era magro, olhos impiedosos, uma comprida barba branca, e o rosto tão duro quanto uma geada de inverno. Seu gibão era uma pele de urso esfarrapada, gasta e gordurosa. Por baixo, usava uma cota de malha longa, mesmo à mesa. O segundo senhor também era magro, mas torto onde o primeiro era reto. Um de seus ombros era muito mais alto que o outro, e ele se debruçava sobre seu trincho como um abutre sobre a carniça. Seus olhos eram cinzentos e gananciosos, os dentes amarelos, a barba bifurcada um emaranhado de neve e cinza. Apenas poucos tufos de cabelo branco se penduravam em seu crânio manchado, mas o manto que usava era macio e fino, de lã cinza debruada com zibelina negra, preso ao ombro com uma estrela forjada em prata batida.
Ramsay estava vestido de preto e rosa; botas pretas, cinto e bainha pretos, um justilho de couro preto sobre um gibão de veludo rosa e cetim vermelho-escuro. Em sua orelha direita brilhava uma granada cortada na forma de uma gota de sangue. Apesar de todo o esplendor da vestimenta, ainda era um homem feio, com grandes ossos e ombros inclinados e uma corpulência que sugeria que no futuro ficaria gordo. A pele era rosada e manchada, o nariz largo, a boca pequena, o cabelo longo, escuro e seco. Os lábios eram grandes e carnudos, mas a primeira coisa que as pessoas notavam nele eram os olhos. Ele tinha os olhos do senhor seu pai: pequenos, juntos, estranhamente claros. Cinza-fantasma, alguns homens diziam nas sombras, mas na verdade seus olhos eram quase sem cor, como dois pedaços de gelo sujo.
Ao ver Fedor, deu um sorriso com os lábios úmidos.
- Aí está ele. Meu velho amigo azedo. - Para os homens ao lado dele, disse. - Fedor está comigo desde que eu era menino. O senhor meu pai me deu ele, como símbolo de seu amor.
Os dois senhores trocaram um olhar.
- Tinha ouvido dizer que seu servo estava morto - disse o dos ombros inclinados. - Assassinado pelos Stark, disseram.
Lorde Ramsay riu.
- Os homens de ferro diriam para você que o que está morto não pode morrer, mas volta a se erguer, mais duro e mais forte. Como Fedor. Embora ele cheire a túmulo, isso eu garanto.
- Ele cheira a excrementos e vômito velho. - O velho senhor do ombro caído jogou o osso que estivera roendo e limpou os dedos na toalha da mesa. - Há alguma razão para que você nos imponha a presença dele enquanto estamos comendo?
O segundo senhor, o velho de costas eretas e cota de malha longa, estudou Fedor com olhos impiedosos.
- Olhe novamente - pediu ao outro. - O cabelo está branco e ele está uns vinte quilos mais magro, sim, mas este não é nenhum servo. Você se esqueceu?
O senhor corcunda olhou novamente e deu uma fungada súbita.
- Ele? Será possível? O protegido de Stark. Sorrindo, sempre sorrindo.
- Ele sorri com menos frequência agora - Lorde Ramsay confessou. - Posso ter quebrado alguns de seus belos dentes brancos.
- Teria feito melhor se tivesse cortado a garganta dele - disse o senhor em cota de malha. - Um cão que se volta contra seu dono não serve para nada, só para ser esfolado.
- Ah, ele está sendo esfolado, em um lugar ou noutro - disse Ramsay.
- Sim, meu senhor. Eu fui mau, senhor, insolente e... - Ele passou a língua pelos lábios, tentando pensar o que mais havia feito. Servir e obedecer, disse a si mesmo, e ele o deixará viver e manter as partes que você ainda tem. Servir, obedecer e lembrar seu nome. Fedor, fedor, rima com amor. - ... mau e...
- Há sangue em sua boca - Ramsay observou. - Você andou roendo seus dedos novamente, Fedor?
- Não. Não, senhor, eu juro. - Fedor tentara arrancar o próprio dedo com uma mordida, certa vez, para parar a dor depois que tiraram a pele. Lorde Ramsay nunca cortava simplesmente o dedo de um homem. Preferia esfolá-lo e deixar a carne exposta secar, rachar e inflamar. Fedor havia sido chicoteado, torturado e cortado, mas nenhuma dor trazia a metade do sofrimento daquela que seguia o esfolamento. Era o tipo de dor que levava os homens à loucura, e não podia ser suportada por muito tempo. Cedo ou tarde a vítima gritava: - Por favor, não mais, não mais, pare a dor, corte fora - e Lorde Ramsay era obrigado a fazê-lo. Era um jogo. Fedor aprendera as regras, como suas mãos e pés podiam testemunhar, mas naquela vez ele se esquecera e tentara acabar com a dor por conta própria, com os dentes. Ramsay não ficara satisfeito, e a ofensa custara a Fedor outro dedo.
- Comi um rato - murmurou.
- Um rato? - Os olhos claros de Ramsay brilharam com a luz das tochas. - Todos os ratos em Forte do Pavor pertencem ao senhor meu pai. Como você ousa comer um deles sem minha permissão?
Fedor não sabia o que dizer, então não disse nada. Uma palavra errada podia custar outro dedo da mão, talvez um do pé. Até agora, perdera dois dedos da mão esquerda e o mindinho da direita, mas somente um dedinho do pé direito, contra três do esquerdo. Algumas vezes, Ramsay fazia piadas sobre desequilibrá-lo. Meu senhor está apenas brincando, tentou dizer para si mesmo. Ele não quer me machucar, ele me disse, só faz isso quando dou motivo. Seu senhor era misericordioso e gentil. Ele poderia ter esfolado seu rosto por algumas coisas que Fedor dissera, antes de aprender seu nome verdadeiro e seu lugar.
- Isto está ficando tedioso - disse o senhor na cota de malha. - Mate-o e acabe com isso.
Lorde Ramsay encheu o copo com cerveja.
- Isso estragaria nossa celebração, senhor. Fedor, tenho boas novas para você. Vou me casar. O senhor meu pai está me trazendo uma garota Stark. A filha de Lorde Eddard, Arya. Você se lembra da pequena Arya, não?
Arya Debaixo dos Pés, ele quase disse. Arya Cara de Cavalo. A irmã mais nova de Robb, cabelo castanho, rosto comprido, magra como uma varinha, sempre suja. Sansa era a bonita. Lembrava-se de uma época em que pensava que Lorde Eddard Stark pudesse casá-lo com Sansa e assumi-lo como filho, mas isso fora apenas fantasia de criança. Arya, porém...
- Lembro-me dela. Arya.
- Ela deverá ser a Senhora de Winterfell, e eu, seu senhor.
Ela é somente uma menina.
- Sim, meu senhor. Congratulações.
- Você estará presente ao meu casamento, Fedor?
Ele hesitou.
- Se desejar, senhor.
- Ah, eu desejo.
Ele hesitou novamente, se perguntando se era alguma armadilha cruel.
- Sim, meu senhor. Se agradá-lo. Ficarei honrado.
- Temos que tirá-lo daquele calabouço vil, então. Esfregá-lo até você ficar rosado novamente, arranjar roupas limpas e alguma comida. Algum mingau suave, gostaria disso? Talvez uma torta de ervilhas com bacon. Tenho uma pequena tarefa para você, e para me servir você precisará recuperar as forças. Você quer me servir, eu sei.
- Sim, meu senhor. Mais do que qualquer coisa. - Um arrepio atravessou seu corpo. - Sou seu Fedor. Por favor, deixe-me servi-lo. Por favor.
- Já que você pede tão gentilmente, como posso negar: - Ramsay Bolton sorriu. - Eu cavalgo para a guerra, Fedor. E você virá comigo, para me ajudar a trazer para casa minha noiva virgem. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados