quarta-feira, 25 de setembro de 2013

11 - DAENERYS


- O que é? - ela exclamou, quando lrri a sacudiu gentilmente pelo ombro. A noite estava escura lá fora. Algo está errado, ela soube imediatamente. - É Daario? O que aconteceu? - Em seu sonho, eles eram marido e mulher, pessoas simples que viviam uma vida simples em uma casa de pedra alta com uma porta vermelha. No sonho, ele a beijava inteira; sua boca, seu pescoço, seus seios.
- Não, Khaleesi - lrri murmurou. - É o eunuco Verme Cinzento e os homens carecas. Pode recebê-los?
- Sim. - O cabelo dela estava desgrenhado, e a roupa de cama era um emaranhado, Dany percebeu. - Ajude-me a me vestir. Também quero uma taça de vinho. Para clarear a mente. - E afogar meus sonhos. Ouviu um suave som de soluços. - Quem está chorando?
- Sua escrava Missandei. - Jhiqui tinha uma vela nas mãos.
- Minha serva. Não tenho escravos. - Dany não entendeu. - Por que chora?
- Por aquele que era seu irmão - lrri contou.
O restante ela saberia por Skahaz, Reznak e Verme Cinzento, quando foram levados à presença dela. Dany percebeu que as notícias eram ruins antes que qualquer palavra fosse dita. Uma olhada na cara feia do Cabeça-Raspada foi suficiente para lhe dizer isso.
- Os Filhos da Harpia?
Skahaz assentiu. Sua boca estava sinistra.
- Quantos mortos?
Reznak torceu as mãos.
- N-nove, Magnificência. Trabalho sujo é o que foi, e perverso. Uma noite terrível, terrível.
Nove. A palavra era uma adaga no coração de Daenerys. A cada noite a guerra sombria era travada novamente sob as pirâmides de Meereen. A cada manhã, o sol se levantava sobre cadáveres frescos, com harpias desenhadas em sangue nos ladrilhos ao lado deles. Qualquer homem liberto que se tornasse muito próspero ou muito franco era marcado para morrer. Mas nove em uma noite ... aquilo a assustava.
- Conte-me.
Verme Cinzento respondeu:
- Seus servos foram atacados quando faziam a ronda pelas ruas de Meereen, para manter a paz de Vossa Graça. Todos estavam bem armados, com lanças, escudos e espadas curtas. Dois em dois eles andavam, e dois em dois morreram. Seus servos Punho Negro e Cetherys foram assassinados com dardos de besta no Labirinto de Mazdhan. Seus servos Mossador e Duran foram esmagados por pedras que caíram da muralha do rio. Seus servos Eladon Cabelo-Dourado e Lança Leal foram envenenados na taverna em que estavam acostumados a parar a cada noite durante suas rondas.
Mossador. Dany apertou o punho. Missandei e seus irmãos foram tirados de casa, em Naath, por corsários das Ilhas Basilisco, e vendidos como escravos em Astapor. Jovem como era, Missandei havia mostrado tamanho dom para línguas que os Bons Mestres a fizeram uma escriba. Mossador e Marselen não tiveram tanta sorte. Foram castrados e feitos Imaculados.
- Algum dos assassinos foi capturado?
- Seus servos prenderam o dono da taverna e suas filhas. Eles alegam inocência e imploram por misericórdia.
Todos eles alegavam inocência e imploravam por misericórdia.
- Deixe-os com Cabeça-Raspada. Skahaz, mantenha-os separados e interrogue-os.
- Será feito, Vossa Veneração. Devo interrogá-los suavemente ou bruscamente?
- Suavemente, no início. Ouça as histórias que contarem e os nomes que darão a você. Pode ser que não estejam envolvidos. - Ela hesitou. - Nove, o nobre Renzak disse. Quem mais?
- Três libertos, assassinados em suas casas - o Cabeça-Raspada disse. - Um agiota, um sapateiro e a harpista Rylona Rhee. Eles cortaram os dedos dela antes de a matarem.
A rainha vacilou. Rylona Rhee tocava harpa com tanta doçura quanto a Donzela. Quando era escrava em Yunkai, tocara para cada família de alto nascimento da cidade. Em Meereen, tornou-se uma líder entre os libertos yunkaítas, a voz deles no conselho de Dany.
- Não temos outros prisioneiros além deste taverneiro?
- Nenhum, este um lamenta confessar. Pedimos seu perdão.
Misericórdia, pensou Dany. Eles terão a misericórdia do dragão.
- Skahaz, mudei de ideia. Interrogue-os rudemente.
- Farei isso. Ou posso interrogar as filhas rudemente enquanto o pai assiste. Isso deve arrancar alguns nomes deles.
- Faça como achar melhor, mas me traga um nome. - A fúria era fogo em seu estômago. - Não terei mais Imaculados assassinados. Verme Cinzento, mande seus homens de volta aos quartéis. De agora em diante, eles guardarão meus muros, meus portões e minha pessoa. Daqui para a frente, os meereeneses manterão a paz em Meereen. Skahaz, crie uma nova patrulha, formada por partes iguais de cabeças-raspadas e libertos.
- Às suas ordens. Quantos homens?
- Tantos quantos precise.
Reznak mo Reznak engasgou.
- Magnificência, de onde virá o dinheiro para pagar os salários de tantos homens?
- Das pirâmides. Chame de imposto de sangue. Terei cem peças de ouro de cada pirâmide, para cada liberto que os Filhos da Harpia mataram.
Aquilo trouxe um sorriso ao rosto do Cabeça-Raspada.
- Será feito - disse - mas Vossa Iluminada deve saber que os Grandes Mestres de Zhak e Merreq estão fazendo preparativos para deixar suas pirâmides e sair da cidade.
Daenerys estava cansada até a morte de Zhak e Merreq; estava cansada de todos os meereeneses, grandes e pequenos.
- Deixe-os ir, mas assegure-se de que não partam com mais do que as roupas do corpo. Tenha certeza de que todo o ouro deles ficará para nós. Seus estoques de comida também.
- Magnificência - murmurou Reznak mo Reznak - não sabemos se esses grandes nobres pretendem se juntar aos seus inimigos. Mas como eles estão simplesmente mudando-se para suas propriedades nas montanhas ...
- Então não se importarão se mantivermos seu ouro a salvo. Não há nada para comprar nas montanhas.
- Eles temem por seus filhos - Reznak disse.
Sim, Daenerys pensou, e eu também.
- Podemos mantê-los a salvo, também. Manterei comigo dois filhos de cada um deles. Das outras pirâmides também. Um menino e uma menina.
- Reféns - disse Skahaz alegremente.
- Pajens e copeiros. Se os Grandes Mestres fizerem objeções, explique para eles que em Westeros é uma grande honra a uma criança ser escolhida para servir na corte. - Ficou sem dizer o resto. - Vão e façam como ordenei. Tenho meu morto para lamentar.
Quando retornou para seus aposentos no topo da pirâmide, encontrou Missandei chorando suavemente em seu catre, tentando fazer o melhor possível para abafar o som dos soluços.
- Venha dormir comigo - disse à pequena escriba. - O amanhecer ainda levará horas para chegar.
- Vossa Graça é muito gentil com esta aí. - Missandei escorregou sob os lençóis. - Ele era um bom irmão.
Dany passou os braços em volta da garota.
- Fale-me dele.
- Ele me ensinou a subir nas árvores quando éramos pequenos. Podia pegar um peixe com as mãos. Uma vez eu o encontrei dormindo no nosso jardim com uma centena de borboletas voando sobre ele. Ele parecia tão bonito esta manhã, esta aí... quero dizer, eu o amava.
- Como ele amava você - Dany acariciou o cabelo da garota. - Diga uma palavra, minha querida, e eu tiro você deste lugar horrível. De alguma forma encontrarei um navio para mandar você para casa. Para Naath.
- Eu prefiro ficar. Em Naath, teria medo. E se os traficantes de escravos viessem novamente: Sinto-me segura ao seu lado.
Segura. A palavra fez os olhos de Dany se encherem de lágrimas.
- Quero manter você segura. - Missandei era apenas uma criança. Com ela, Dany se sentia como se também pudesse ser uma criança. - Ninguém jamais me manteve em segurança quando eu era pequena. Bem, Sor Willem manteve, mas então ele morreu, e Viserys ... Eu quero proteger você, mas ... é tão difícil. Ser forte. Eu nem sempre sei o que devo fazer. Preciso saber, no entanto. Sou tudo o que eles têm. Sou a rainha ... a ... a ...
- ... mãe - sussurrou Missandei.
- Mãe de dragões. - Dany estremeceu.
- Não. Mãe de todos nós. - Missandei a abraçou mais apertado. - Vossa Graça deve dormir. A manhã chegará logo, e a audiência.
- Ambas dormiremos e sonharemos com dias melhores. Feche os olhos. - Quando ela fechou, Dany beijou suas pálpebras e a fez rir.
Os beijos vieram com mais facilidade do que o sono, contudo. Dany fechou os olhos e tentou pensar em casa, em Pedra do Dragão e Porto Real, e em todos os outros lugares sobre os quais Viserys falara para ela, em uma terra mais gentil do que aquela ... mas seu pensamento continuava voltando para a Baía dos Escravos, como navios pegos por algum vento amargo. Quando Missandei pareceu adormecida, Dany escorregou dos braços dela, e caminhou para o ar que antecedia o amanhecer e se debruçou sobre o parapeito de tijolo gelado para contemplar toda a cidade. Mil telhados se estendiam sob ela, pintados em tons de marfim e prata pela lua.
Em algum lugar sob esses telhados, os Filhos da Harpia estavam reunidos, tramando meios de matá-la e a todos aqueles que a amavam e de acorrentar novamente seus filhos. Em algum lugar lá embaixo uma criança faminta estava chorando por leite. Em algum lugar uma idosa estava morrendo. Em algum lugar um homem e uma donzela se abraçavam, avançando um sobre as roupas do outro com mãos ansiosas. Mas ali em cima havia apenas o brilho do luar sobre as pirâmides e os poços, sem nenhum indício do que ocorria abaixo. Ali em cima era apenas ela, sozinha.
Ela era o sangue do dragão. Ela podia matar os Filhos da Harpia, e os filhos dos filhos, e os filhos dos filhos dos filhos. Mas um dragão não podia alimentar uma criança faminta, nem impedir a dor de uma mulher morrendo. E quem ousaria amar um dragão?
Ela se pegou pensando novamente em Daario Naharis, Daario com seu dente de ouro e sua barba em forma de tridente, suas fortes mãos repousando sobre o arak combinado com punhal, cujo punho de ouro tinha o formato de uma mulher nua. No dia em que partira, enquanto ela se despedia, ele passava o dedo suavemente sobre o punho, para a frente e para trás. Estou com ciúmes de um punho de espada, ela percebeu, de mulheres feitas de ouro. Mandá-lo para os Homens-Ovelha havia sido sábio. Ela era uma rainha, e ele não tinha o estofo dos reis.
- Já faz tanto tempo - ela dissera para Sor Barristan, no dia anterior. - E se Daario me traiu e passou para o lado dos meus inimigos? - Três traições você conhecerá. - E se ele conheceu outra mulher, alguma princesa lhazarena?
O velho cavaleiro não gostava nem confiava em Daario, ela sabia. Mesmo assim, ele respondera galantemente.
- Não há mulher mais adorável do que Vossa Graça. Apenas um cego poderia pensar o contrário, e Daario Naharis não é cego.
Não, ela pensou. Seus olhos são de um azul profundo, quase púrpura, e seus dentes de ouro brilham quando ele sorri para mim.
Sor Barristan tinha certeza de que ele voltaria. Dany só podia rezar para que estivesse certo.
Um banho vai me ajudar a relaxar. Caminhou descalça pela grama até a piscina do terraço. A água estava fria contra sua pele, causando arrepios. Pequenos peixes mordiscavam seus braços e pernas. Ela fechou os olhos e deixou-se flutuar.
Um suave farfalhar a fez abrir os olhos novamente. Sentou-se com um leve respingo.
- Missandei2 - chamou. - Irri? Jhiqui?
- Elas estão dormindo - veio a resposta.
Uma mulher estava sob o pé de caqui, vestindo uma túnica com capuz que arrastava pela grama. Sob o capuz, seu rosto parecia duro e brilhante. Está vestindo uma máscara, Dany percebeu, um máscara de madeira com acabamento em laca vermelho-escura.
- Quaithe? Estou sonhando? - ela se beliscou e fez uma careta de dor. - Sonhei com você em Balerion, na primeira vez que chegamos a Astapor.
- Você não sonhou. Nem naquela ocasião, nem agora.
- O que está fazendo aqui? Como passou pelos meus guardas?
- Vim por outro caminho. Seus guardas nunca me viram.
- Se eu os chamar, eles a matarão.
- Eles vão jurar que não estou aqui.
- Você está aqui?
- Não. Escute-me, Daenerys Targaryen. As velas nos vidros estão queimando. Logo virá a égua descorada e, depois dela, os outros. A lula gigante e a chama escura, o leão e o grifo, o filho do sol e o dragão do pantomimeiro. Não acredite em nenhum deles. Lembre-se dos Imortais. Cuidado com o senescal perfumado.
- Reznak? Por que eu deveria temê-lo? - Dany se levantou da piscina. A água escorria por suas pernas e os braços estavam arrepiados no ar frio da noite. - Se tem algum aviso para me dar, fale claramente. O que você quer de mim, Quaithe?
O luar brilhou nos olhos da mulher.
- Mostrar-lhe o caminho.
- Eu lembro o caminho. Vou para o norte para ir ao sul, leste para ir ao oeste, para trás para seguir adiante. E para tocar a luz, tenho que passar sob a sombra. - Ela espremeu a água do cabelo prateado. - Estou meio enjoada dos enigmas. Em Qarth eu era uma pedinte, mas aqui sou a rainha. Eu ordeno ...
- Daenerys. Lembre-se dos Imortais. Lembre-se de quem você é.
- O sangue do dragão. - Mas meus dragões estavam rugindo na escuridão. - Eu me lembro dos Imortais. Filha de três, eles me chamaram. Prometeram-me três montarias, três fogueiras e três traições. Uma por sangue, uma por ouro e uma por...
- Vossa Graça? - Missandei estava parada na porta dos aposentos da rainha, com uma lanterna na mão. - Com quem está falando?
Dany olhou para trás, em direção ao pé de caqui. Não havia nenhuma mulher ali. Nenhuma túnica com capuz, nenhuma máscara laqueada, nada de Quaithe.
Uma sombra. Uma memória. Ninguém. Ela era do sangue do dragão, mas Sor Barristan a avisara de que esse sangue tinha uma mácula. Estarei ficando louca? Eles haviam chamado o pai dela de louco certa vez.
- Estava rezando - disse para a garota naathi. - Logo vai amanhecer. É melhor que eu coma algo antes da audiência.
- Trarei comida para quebrar seu jejum.
Sozinha novamente, Dany caminhou pela pirâmide na esperança de encontrar Quaithe, além das árvores queimadas e da terra chamuscada onde seus homens tinham tentado capturar Drogon. Mas o único som era o do vento nas árvores frutíferas, e as únicas criaturas nos jardins eram algumas traças sem cor.
Missandei retornou com um melão e uma tigela de ovos cozidos, mas Dany descobriu que estava sem apetite. Como o céu clareava e as estrelas sumiam uma a uma, Irri e Jhiqui a ajudaram a vestir um tokar de seda violeta com franjas de ouro.
Quando Reznak e Skahaz apareceram, ela se pegou olhando para eles de soslaio, com as três traições em mente. Cuidado com o senescal perfumado. Ela cheirou Reznak mo Reznak, desconfiada. Eu poderia ordenar que Cabeça-Raspada o prendesse e o interrogasse. Isso evitaria a profecia? Ou algum outro traidor tomaria seu lugar? Profecias são traiçoeiras, ela lembrou a si mesma, e Reznak pode não ser mais do que aparenta.
No salão púrpura, Dany encontrou em seu banco de ébano uma pilha de almofadas de cetim. A visão lhe trouxe um leve sorriso aos lábios. Trabalho de Sor Barristan, ela sabia. O velho cavaleiro era um bom homem, mas algumas vezes muito literal. Era só uma brincadeira, sor, ela pensou, mas mesmo assim sentou-se em uma das almofadas.
Sua noite insone logo se fez sentir. Em pouco tempo estava lutando contra os bocejos, enquanto Reznak tagarelava sobre as guildas de artesãos. Os escultores estavam indignados com ela, parecia. E os pedreiros também. Certos ex-escravos estavam esculpindo pedras e assentando tijolos, roubando trabalho tanto dos artífices quanto dos mestres das guildas.
- Os libertos trabalham muito mais barato, Magnificência - disse Reznak. - Alguns se intitulam artífices ou até mestres, títulos que pertencem por direito somente aos artesãos das guildas. Os escultores e pedreiros respeitosamente pedem a Vossa Graça que garanta seus antigos direitos e costumes.
- Os libertos trabalham mais barato porque estão com fome - Dany apontou. - Se proibir que esculpam pedras ou assentem tijolos, os merceeiros, os tecelãos e os ourives logo estarão na minha porta pedindo que os libertos sejam excluídos de seus negócios também. - Ela considerou um momento. - Deixe escrito que daqui em diante apenas membros das guildas poderão intitular-se artífices ou mestres ... desde que as guildas abram suas listas para qualquer liberto que demonstre as habilidades necessárias.
- Assim será proclamado - disse Reznak. - Agradaria Vossa Senhoria ouvir o nobre Hizdahr zo Loraq?
Ele nunca vai admitir a derrota?
- Deixe-o dar um passo adiante.
Hizdahr não usava um tokar naquele dia. Em vez disso, vestira uma simples túnica cinza e azul. Estava bem despojado. Está barbeado e cortou o cabelo, ela percebeu. O homem não se tornara um cabeça-raspada, não ainda, mas pelo menos aquelas absurdas asas tinham desaparecido.
- Seu barbeiro o tem servido bem, Hizdahr. Espero que tenha vindo me mostrar o trabalho dele e não me atormentar novamente com as arenas de luta.
Ele fez uma profunda reverência.
- Vossa Graça, temo ser obrigado a isso.
Dany fez uma careta. Nem mesmo seu pessoal lhe dava descanso sobre o tema. Reznak mo Reznak salientava o dinheiro a ser arrecadado com impostos. A Graça Verde dizia que reabrir as arenas agradaria aos deuses. O Cabeça-Raspada achava que com isso ela ganharia apoio contra os Filhos da Harpia.
- Deixe eles lutarem! - grunhira Belwas, o Forte, que certa vez fora campeão nas arenas. Sor Barristan sugerira um torneio em vez disso; seus órfãos podiam cavalgar em justas e lutar corpo a corpo com armas cegas, dissera, uma sugestão que Dany sabia ser tão desesperada quanto bem-intencionada. Era sangue que os meereeneses ansiavam por ver, não habilidade. Caso contrário, os escravos lutadores teriam usado armaduras. Apenas a pequena escriba Missandei parecia compartilhar as dúvidas da rainha.
- Já lhe neguei seis vezes - Dany recordou a Hizdahr.
- Vossa Iluminada tem sete deuses, então talvez olhe para meu sétimo apelo com complacência. Hoje não vim sozinho. Ouvirá meus amigos? São sete também. - Ele os apresentou um a um. - Aqui está Khrazz. Aqui Barsena Cabelo Negro, sempre valente. Aqui Camarron da Conta e Goghor, o Gigante. Este é Gato Malhado, e este Ithoke Destemido. Por último, Belaquo Quebra-Osso. Eles vieram unir suas vozes à minha e pedir que Vossa Graça reabra as arenas de luta.
Dany conhecia os sete, de nome se não de vista. Todos estavam entre os mais famosos escravos lutadores de Meereen ... e haviam sido os escravos lutadores, libertos de suas amarras pelos ratos de esgoto dela, que lideraram o levante que ganhou a cidade para ela.
Tinha uma dívida de sangue com eles.
- Ouvirei vocês - concordou.
Um por um, cada um deles pediu para ela reabrir as arenas.
- Por quê? - ela exigiu saber, quando Ithoke terminou. - Vocês não são mais escravos, condenados a morrer pelo capricho de seus mestres. Eu libertei vocês. Por que querem terminar a vida sobre as areias escarlate?
- Treino desde os três anos - disse Goghor, o Gigante. - Mato desde os seis. Mãe de Dragão diz, sou livre. Por que não livre para lutar?
- Se é lutar que você quer, lute por mim. Jure sua espada aos Homens da Mãe, aos Irmãos Livres ou aos Escudos Robustos. Ensine meus outros libertos a lutar.
Goghor abanou a cabeça.
- Antes, eu lutava pelo mestre. Você diz, lutar por você. Eu digo, lutar por mim. - O homem enorme bateu no peito com um punho tão grande quanto um presunto. - Por ouro. Por glória.
- Goghor fala por todos nós. - O Gato Malhado vestia uma pele de leopardo sobre um ombro. - Da última vez em que fui vendido, o preço era trezentas mil honras. Quando era escravo, dormia sobre peles e comia carne vermelha no osso. Agora que sou livre, durmo na palha e como peixe salgado, quando consigo.
- Hizdahr promete que todos os vencedores vão dividir metade das moedas coletadas nos portões - disse Khrazz. - Metade, ele prometeu, e Hizdahr é um homem honrado.
Não, um homem astuto. Daenerys se sentia presa em uma armadilha.
- E os perdedores? O que receberão?
- Seus nomes serão gravados nos Portões do Destino, entre outros valentes caídos - declarou Barsena. Dizia-se que, por oito anos, matara cada mulher enviada contra ela. - Todos os homens devem morrer, e as mulheres também ... mas nem todos serão lembrados.
Dany não tinha resposta para isso. Se é realmente o que meu povo deseja, tenho o direito de negar-lhes? Era a cidade deles antes de ser minha, e é a própria vida que desejam desperdiçar.
- Vou considerar o que disseram. Obrigada pelo conselho de vocês. - Ela se ergueu. - Continuaremos amanhã.
- Todos de joelhos para Daenerys Nascida da Tormenta, a Não Queimada, Rainha de Meereen, Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Khaleesi do Grande Mar de Grama, Rompedora de Algemas e Mãe de Dragões - Missandei convocou.
Sor Barristan a escoltou de volta para seus aposentos.
- Conte-me uma história, sor - Dany disse, enquanto subiam. - Alguma história de valor com um final feliz. - Ela sentia necessidade de finais felizes. - Conte-me como escapou do Usurpador.
- Vossa Graça. Não há valor em correr pela própria vida.
Dany sentou-se sobre uma almofada, cruzou as pernas e olhou para ele.
- Por favor. Foi o Jovem Usurpador quem o afastou da Guarda Real.
- Joffrey, sim. Eles usaram minha idade como motivo, mas a verdade era outra. O garoto queria um manto branco para seu cão, Sandor Clegane, e a mãe dele queria que o Regicida fosse Senhor Comandante. Quando me disseram, eu ... eu tirei meu manto como ordenado, joguei minha espada aos pés de Joffrey e falei imprudentemente.
- O que você disse?
- A verdade... mas a verdade nunca foi bem-vinda na corte. Saí da sala do trono com a cabeça erguida, embora não soubesse para onde estava indo. Não tinha outra casa que não a Torre da Espada Branca. Meus primos poderiam encontrar um lugar para mim em Solar da Colheita, eu sei, mas não queria atrair o desagrado de Joffrey sobre eles. Estava reunindo minhas coisas quando percebi que aquilo acontecera por minha culpa, por aceitar o perdão de Robert. Ele era um bom cavaleiro, mas um mau rei, por não ter nenhum direito ao trono que ocupava. Foi quando soube que, para me redimir, eu deveria encontrar o verdadeiro rei e servi-lo lealmente com todas as forças que ainda me restavam.
- Meu irmão Viserys.
- Essa era minha intenção. Quando deixei os estábulos, os mantos dourados tentaram me prender. Joffrey havia me oferecido uma torre para morrer, mas como eu recusara o presente, ele agora pretendia me oferecer um calabouço. O comandante da Patrulha da Cidade me confrontou em pessoa, encorajado pela minha bainha vazia, mas tinha apenas três homens com ele e eu ainda tinha minha faca. Cortei o rosto de um dos homens, quando colocou as mãos sobre mim, e cavalguei por entre os outros. Enquanto me lançava em direção aos portões, ouvia Janos Slynt gritando para irem atrás de mim. Uma vez fora da Fortaleza Vermelha, as ruas estavam congestionadas, de outra forma, teria ido embora ileso. Em vez disso, me pegaram no Portão do Rio. Os mantos dourados que me perseguiam do castelo gritaram para os que estavam no portão me pararem, então eles cruzaram as lanças para barrar meu caminho.
- E você sem sua espada? Como conseguiu passar por eles?
- Um verdadeiro cavaleiro vale dez guardas. Os homens no portão foram pegos de surpresa. Desmontei um, arrancando sua lança, e já atravessei a garganta do perseguidor mais próximo com ela. O outro desistiu quando eu já estava no portão, então fiz o cavalo galopar seguindo a margem do rio, até perder a cidade de vista. Naquela noite, troquei meu cavalo por um punhado de moedas e uns trapos e, na manhã seguinte, me juntei à multidão de camponeses que ia para Porto Real. Eu havia saído pelo Portão da Lama, então retornei pelo Portão dos Deuses, com sujeira na cara, barba por fazer e nenhuma arma além de um bastão de madeira. Com aquelas roupas rústicas e as botinas com lama seca, não era mais do que um velho fugindo da guerra. Os mantos dourados me tomaram um veado de prata e me deixaram passar. Porto Real estava repleta de camponeses que buscavam refúgio dos combates. Perdi-me entre eles. Eu tinha um pouco de prata, mas precisava pagar minha passagem para atravessar o Mar Estreito, então dormia nos septos e nos becos e comia nas casas de pasto. Deixei minha barba crescer e me camuflei na idade. No dia que Lorde Stark perdeu a cabeça, eu estava lá, assistindo. Depois daquilo, fui para o Grande Septo e agradeci aos sete deuses por Joffrey ter tirado meu manto.
- Stark era um traidor que encontrou o fim de um traidor.
- Vossa Graça - disse Selmy - Eddard Stark tomou parte na queda de seu pai, mas não fez nenhum mal a você. Quando o eunuco Varys nos contou que você esperava uma criança, Robert queria vê-la morta, mas Lorde Stark se opôs a isso. Em vez de aprovar o infanticídio, ele disse a Robert que encontrasse outra Mão.
- Você se esqueceu da Princesa Rhaenys e do Príncipe Aegon?
- Nunca. Isso foi trabalho dos Lannister, Vossa Graça.
- Lannister ou Stark, qual a diferença? Viserys costumava chamá-los de cães do Usurpador. Se uma criança é atacada por uma matilha de cães, faz diferença qual deles rasgou sua garganta? Todos os cães são igualmente culpados. A culpa ... - A palavra ficou presa em sua garganta. Hazzea, ela pensou, e subitamente se ouviu dizendo: - Preciso ver o poço - em uma voz tão baixa quanto o sussurro de uma criança. - Leve-me até lá, sor, se puder.
Um lampejo de desaprovação cruzou o rosto do velho, mas não era do feitio dele questionar sua rainha.
- Às suas ordens.
A escada dos servos era a maneira mais rápida de descer; não era comprida, mas íngreme, estreita e apertada. Sor Barristan levava uma lanterna, para que ela não caísse. Tijolos de vinte cores diferentes pesavam em volta deles, desvanecendo-se em cinza e negro além da luz da lanterna. Três vezes eles passaram por guardas Imaculados, em pé como se tivessem sido esculpidos em pedra. O único som era o suave raspar de seus pés nas pedras.
No nível do solo, a Grande Pirâmide de Meereen era um lugar abafado, cheio de poeira e sombras. As paredes externas tinham mais de nove metros de espessura. Dentro delas, os sons ecoavam em arcos de tijolos de muitas cores, e entre os estábulos, baias e depósitos. Passaram sob três arcos maciços, por uma rampa iluminada com tochas até os salões debaixo da pirâmide, após cisternas, masmorras e câmaras de tortura onde escravos haviam sido açoitados, esfolados e queimados com ferro em brasa. Finalmente chegaram diante de duas enormes portas de ferro com dobradiças enferrujadas, guardadas por um Imaculado.
Ao comando dela, o Imaculado pegou uma chave de ferro. A porta se abriu, enquanto as dobradiças gritavam. Daenerys Targaryen avançou até o âmago quente da escuridão e parou na beirada de um poço profundo. Doze metros abaixo, seus dragões levantaram as cabeças. Quatro olhos queimando contra as sombras; dois de ouro fundido e dois de bronze.
Sor Barristan a segurou pelo braço.
- Não tão perto.
- Acha que me machucarão?
- Não sei, Vossa Graça, mas não arriscarei sua pessoa para descobrir a resposta.
Quando Rhaegal rugiu, um clarão de chama amarela transformou a escuridão em dia por meio segundo. O fogo lambeu as paredes, e Dany sentiu o calor em seu rosto, como a explosão de um forno. Do outro lado da cova, Viserion desdobrou as asas, agitando o ar viciado. Tentou voar até ela, mas as correntes se esticaram quando ele se ergueu e fizeram-no cair de barriga. Elos tão grossos quanto punhos de um homem prendiam a pata do animal ao solo. A coleira de ferro em seu pescoço estava presa à parede atrás dele. Rhaegal usava correntes iguais. Sob a luz da lanterna de Selmy, as escamas do dragão brilhavam como jade. Fumaça saía por entre seus dentes. Ossos estavam espalhados no chão aos seus pés, rachados, queimados e fragmentados. O ar era desconfortavelmente quente e cheirava a enxofre e a carne queimada.
- Estão maiores. - A voz de Dany ecoou nas paredes de pedra queimadas. Uma gota de suor escorreu de sua testa e caiu entre os seios. - É verdade que dragões nunca param de crescer?
- Se tiverem comida suficiente e espaço para crescer. Acorrentados aqui, no entanto ...
Os Grandes Mestres haviam usado o poço como prisão. Era grande o suficiente para comportar quinhentos homens ... e mais do que amplo para os dois dragões. Mas por quanto tempo? O que acontecerá quando crescerem demais para o tamanho do poço? Vão se virar um contra o outro com chamas e garras? Crescerão abatidos e fracos, com flancos murchos e asas encolhidas? O fogo deles sumirá antes do final?
Que tipo de mãe deixa os filhos apodrecerem na escuridão?
Se olhar para trás, estou condenada, Dany disse para si mesma ... mas como não olhar para trás? Eu devia ter percebido. Estava tão cega, ou fechei os olhos propositadamente para não ter que ver o preço do poder?
Viserys havia contado todas aquelas histórias quando ela era pequena. Ele adorava falar sobre dragões. Ela sabia como Harrenhal caíra. Sabia sobre o Campo de Fogo e a Dança dos Dragões. Um dos antepassados dela, o terceiro Aegon, havia visto a própria mãe ser devorada pelo dragão do tio. E havia canções além da conta sobre vilas e reinos que eram atemorizados por esses animais até que algum bravo matador de dragões os salvasse. Em Astapor, os olhos dos traficantes de escravos haviam derretido. Na estrada para Yunkai, quando Daario jogara as cabeças de Sallor, o Calvo, e Prendahl na Ghezn aos pés dela, seus filhos se banquetearam. Dragões não temiam o homem. E dragões grandes o suficiente para devorar uma ovelha podiam facilmente fazer o mesmo com uma criança.
O nome dela havia sido Hazzea. Tinha quatro anos. A menos que o pai tenha mentido. Ele pode ter mentido. Ninguém vira o dragão além dele. A prova que apresentara foram ossos queimados, mas ossos queimados não provavam nada. Ele mesmo poderia ter matado a garotinha e a queimado depois. Não seria o primeiro pai a dispor de uma indesejada filha mulher, o Cabeça-Raspada afirmara. Os Filhos da Harpia podem ter feito isso e arranjado para parecer trabalho de dragão e a cidade me odiar. Dany queria acreditar nisso ... mas, se fosse isso, por que o pai de Hazzea esperara até a audiência estar quase vazia para se apresentar? Se o propósito dele fosse inflamar os meereeneses contra ela, teria contado sua história quando o salão estava cheio de ouvidos para escutar.
O Cabeça-Raspada pedira que ela mandasse o homem para a morte.
- Ao menos arranque sua língua. A mentira deste homem pode destruir a todos nós, Magnificência.
Em vez disso, Dany escolheu pagar o preço do sangue. Ninguém soube dizer o valor de uma filha, então ela estabeleceu como cem vezes o preço de um cordeiro.
- Eu lhe daria Hazzea de volta se pudesse - disse ao pai - mas algumas coisas estão além do poder até mesmo de uma rainha. Os ossos dela descansarão no Templo das Graças, e cem velas queimarão dia e noite por sua memória. Venha até mim a cada ano, no dia do nome dela, e seus outros filhos não passarão necessidades ... mas esta história nunca deve sair de seus lábios novamente.
- As pessoas vão perguntar - o pai de luto dissera. - Vão me perguntar onde está Hazzea e como ela morreu.
- Ela morreu de uma picada de cobra - Reznak mo Reznak insistiu. - Um lobo voraz a devorou. Uma doença repentina a levou. Fale o que quiser, mas nunca fale sobre dragões.
As garras de Viserion rasparam nas pedras, e as imensas correntes sacudiram quando ele tentou ir até ela novamente. Quando não conseguiu, deu um rugido, virou a cabeça para trás o máximo que conseguiu e cuspiu uma chama dourada contra a parede atrás de si. Quanto tempo até que seu fogo fique quente o suficiente para rachar a pedra e derreter o ferro?
Uma vez, havia não muito tempo, ele montara sobre o ombro dela, com a cauda enrolada em seu braço. Outra vez ela o alimentara colocando pedaços de carne torrada em sua própria mão. Ele fora o primeiro a ser acorrentado. Daenerys o levara até o poço e o trancara lá dentro com vários bois. Quando ele se fartou, caiu adormecido. Foi acorrentado enquanto dormia.
Rhaegal fora mais difícil. Talvez pudesse ouvir o irmão irado no poço, apesar das paredes de tijolos e pedras entre eles. No fim, tiveram que cobri-lo com uma pesada rede de correntes de ferro, enquanto ele se aquecia no terraço, e ele lutara tão ferozmente que foram necessários três dias para arrastá-lo pela escadaria dos servos, torcendo e encaixando o dragão. Seis homens haviam sido queimados na luta.
E Drogon ...
A sombra alada, o pai em luto o chamara. Ele era o maior dos três, o mais feroz, o mais selvagem, com escamas tão negras como a noite e olhos como poços de fogo.
Drogon caçava longe, mas, quando se saciava, gostava de se aquecer ao sol no ápice da Grande Pirâmide, onde uma vez estivera a harpia de Meereen. Três vezes tentaram tirá-lo de lá, e três vezes falharam. Dois grupos de seus homens mais corajosos haviam se arriscado tentando capturá-lo. Quase todos sofreram queimaduras e quatro morreram. A última vez que ela vira Drogon fora ao pôr do sol da noite, na terceira tentativa. O dragão negro voara para o Norte, através do Skahazadhan, em direção à grama alta do Mar Dothraki. Não retornara.
Mãe de dragões, Daenerys pensou. Mãe de monstros. O que eu desencadeei sobre o mundo? Sou uma rainha, mas meu trono é feito de ossos queimados e repousa sobre areia movediça. Sem os dragões, como poderia esperar manter Meereen e muito menos retomar Westeros? Sou o sangue do dragão, ela pensou. Se eles são monstros, eu também sou. 

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