quinta-feira, 19 de setembro de 2013

16 - JAIME



Lorde Tywin Lannister entrou na cidade montado num garanhão, com a armadura esmaltada de carmesim polida cintilando, rebrilhando de pedras preciosas e ouro. Deixou-a numa carroça alta envolta em estandartes carmesim, com seis irmãs silenciosas prestando assistência aos seus ossos.
A procissão fúnebre partiu de Porto Real através do Portão dos Deuses, mais largo e mais magnífico do que o Portão do Leão. Para Jaime, a escolha parecia errada O pai fora um leão, isto ninguém poderia negar, mas nem mesmo Lorde Tywin alguma vez afirmara ser um deus.
Uma guarda de honra de cinquenta cavaleiros cercava o carro de Lorde Tywin, com flâmulas carmesim esvoaçando em suas lanças. Os senhores do oeste seguiam logo atrás. Os ventos faziam seus estandartes bater, obrigando os símbolos a dançar e tremular. Subindo a trote ao longo da coluna, Jaime passou por javalis, texugos e escaravelhos, por uma flecha verde e por um boi vermelho, por alabardas e lanças cruzadas, um gato das árvores, um morango, uma manga e quatro esplendores emaranhados.
Lorde Brax usava um gibão de pano de prata cinza-claro rasgado, com um unicórnio de ametista pregado sobre o coração. Lorde Jast trazia uma armadura de aço negro, com três cabeças de leão em ouro embutidas na placa de peito. Os rumores sobre sua morte não eram tão falsos, a julgar por seu aspecto; ferimentos e o tempo que passou encarcerado tinham-no transformado em uma sombra do homem que já tinha sido. Lorde Banefort resistira melhor à batalha, e parecia pronto para regressar imediatamente à guerra. Plumm usava púrpura; Prester, arminho; Moreland, castanho-avermelhado e verde, mas todos envergavam manto de seda carmesim, em honra do homem que escoltavam até sua casa.
Atrás dos senhores vinham uma centena de besteiros e trezentos homens de armas, e também de seus ombros fluía carmesim. Em seu manto branco e alva armadura de escamas, Jaime sentia-se deslocado no meio daquele rio de vermelho.
E o tio tampouco o deixava mais à vontade.
- Senhor Comandante - disse Sor Kevan, quando Jaime se aproximou a trote e se pôs ao seu lado, à cabeça da coluna. - Sua Graça tem alguma última ordem para mim?
- Não estou aqui por Cersei - um tambor começou a soar atrás deles, lento, compassado, fúnebre. Morto, parecia dizer, morto, morto. - Vim me despedir. Ele era meu pai.
- E dela.
- Eu não sou Cersei. Tenho barba, e ela seios. Se ainda estiver confuso, tio, conte as minhas mãos. Cersei tem duas.
- Ambos têm gosto para a zombaria - o tio respondeu. - Poupe-me de seus gracejos, sor, não são coisa que aprecie.
- Como quiser - isto não está correndo tão bem quanto eu esperava. - Cersei teria desejado se despedir do senhor, mas tem muitos deveres inadiáveis.
Sor Kevan fungou;
- Todos temos. Como passa seu rei? - seu tom transformava a pergunta em uma censura.
- Bastante bem - Jaime respondeu em tom defensivo. - Balon Swann passa com ele as manhãs. Um bom e valente cavaleiro.
- Houve tempos em que isto estava subentendido quando os homens falavam daqueles que usavam o manto branco.
Ninguém pode escolher seus irmãos, Jaime pensou. Dê-me licença para escolher os meus homens, e a Guarda Real voltará a ser grande. Mas isto, colocado desta maneira, de forma direta, parecia débil, uma vanglória vazia de um homem a quem o reino chamava Regicida. Um homem com merda no lugar da honra. Jaime deixou passar. Não viera para discutir com o tio.
- Sor - disse - tem de fazer as pazes com Cersei.
- Estamos em guerra? Ninguém me avisou.
Jaime ignorou aquilo.
- Discórdia entre Lannister só pode ajudar os inimigos de nossa Casa.
- Se existe discórdia, não é obra minha. Cersei quer governar. Ótimo. O reino é dela. Tudo que peço é ser deixado em paz. Meu lugar é em Darry, com meu filho. O castelo precisa ser restaurado, e as terras plantadas e protegidas - soltou uma gargalhada amarga. - E sua irmã pouco mais me deixou com que ocupar meu tempo. Também tenho de tratar do casamento de Lancel. A noiva tem se tornado impaciente, à espera de nossa chegada a Darry.
A sua viúva vinda das Gêmeas. O primo Lancel seguia dez metros atrás. Com os olhos encovados e cabelos secos e brancos, parecia mais velho do que Lorde Jast. Jaime sentia comichão nos dedos fantasmas sempre que o olhava...fodendo Lancel e Osmund Kettleblack, e provavelmente até o Rapaz Lua, tanto quanto sei... tentara falar com Lancel mais vezes do que conseguia contar, mas nunca o encontrara sozinho. Se não estava acompanhado pelo pai, era por algum septão. Ele pode ser filho de Kevan, mas tem leite nas veias. Tyrion mentiu para mim. Suas palavras destinavam-se aferir.
Jaime afastou o primo dos pensamentos e voltou a se virar para o tio.
- Ficará em Darry após o casamento?
- Durante algum tempo, talvez. Sandor Clegane tem lançado ataques ao longo do Tridente, segundo dizem. Sua irmã quer a cabeça dele. Pode ter se juntado a Dondarrion.
Jaime tinha ouvido falar de Salinas. Àquela altura, metade do reino já ouvira. O ataque tinha sido excepcionalmente selvagem. Mulheres violadas e mutiladas, crianças massacradas nos braços das mães, metade da vila passada no archote.
- Randyll Tarly está em Lagoa da Donzela. Ele que lide com os fora da lei. Preferiria que fosse para Correrrio.
- Sor Daven tem o comando lá. O Protetor do Oeste. Ele não precisa de mim. Lancel sim.
- Como quiser, tio - a cabeça de Jaime batia no mesmo ritmo do tambor. Morto, morto, morto. - Faria bem em se manter cercado por seus cavaleiros.
O tio lançou-lhe um olhar frio:
- Isto é uma ameaça, sor?
Uma ameaça? A sugestão o surpreendeu.
- Uma advertência. Só queria... Sandor é perigoso.
- Eu já enforcava fora da lei e cavaleiros ladrões quando você ainda cagava nas fraldas. Não sou homem para sair e enfrentar sozinho Clegane e Dondarrion, se é isto que teme, sor. Nem todos os Lannisters são loucos por glória.
Ora, tio, creio que está falando de mim.
- Addam Marbrand poderia lidar com esses fora da lei tão bem quanto você. Brax, Banefort, Plumm e qualquer um dos outros também. Mas nenhum seria uma boa Mão do Rei.
- Sua irmã conhece minhas condições. Elas não mudaram. Diga-lhe isto da próxima vez que estiver em seu quarto - Sor Kevan enterrou os calcanhares no corcel e galopou em frente, colocando um abrupto fim à conversa.
Jaime deixou-o ir, com a mão de espada que não tinha crispando-se. Esperara, contra toda esperança, que Cersei tivesse, de algum modo, entendido mal, mas era claro que não. Ele sabe sobre nós. Sobre Tommen e Myrcella. E Cersei sabe que ele sabe. Sor Kevan era um Lannister de Rochedo Casterly. Não era capaz de acreditar que ela lhe pudesse fazer mal, mas... Eu estava errado sobre Tyrion, por que não estaria sobre Cersei? Quando filhos andavam matando os pais, o que impediria uma sobrinha de ordenar a morte de um tio? Um tio inconveniente, que sabe demais. Embora talvez Cersei esperasse que o Cão de Caça pudesse tratar do assunto antes dela. Se Sandor Clegane abatesse Sor Kevan, ela não precisaria manchar as mãos de sangue. E ele fará isto, caso se encontrem. Kevan Lannister fora, tempos antes, um homem resoluto de espada na mão, mas já não era novo, e Cão de Caça...
A coluna o alcançou. Quando o primo passou por ele, flanqueado por seus dois septões, Jaime o chamou.
- Lancel. Primo. Queria felicitá-lo por seu casamento. Só lamento que meus deveres não me permitam estar presente.
- Sua Graça tem de ser protegida.
- E será. Mesmo assim, detesto perder sua noite de núpcias. Segundo julgo saber, é seu primeiro casamento e o segundo dela. Estou certo de que a senhora ficará feliz por lhe mostrar o que encaixa onde.
O comentário obsceno arrancou uma gargalhada de vários dos senhores que se encontravam por perto e um olhar desaprovador dos septões de Lancel. O primo remexeu-se desconfortavelmente na sela.
- Sei o suficiente para cumprir meu dever de marido, sor.
- Isto é precisamente aquilo que uma noiva deseja em sua noite de núpcias - Jaime rebateu. - Um marido que saiba como cumprir seu dever.
Um rubor subiu ao rosto de Lancel.
- Rezo por você, primo. E por Sua Graça, a rainha. Que a Velha a oriente para a sabedoria, e que o Guerreiro a proteja.
- Para que Cersei precisaria do Guerreiro? Tem a mim - Jaime fez o cavalo dar meia-volta, com o manto branco tremulando ao vento. O Duende estava mentindo. Mais depressa Cersei teria o cadáver de Robert entre as pernas do que um tolo piedoso como Lancel. Tyrion, seu canalha maldoso, devia ter mentido sobre alguém mais crível. Passou a galope pelo carro fúnebre do pai, dirigindo-se à cidade distante.
As ruas de Porto Real pareciam quase desertas quando Jaime Lannister se dirigiu à Fortaleza Vermelha, no topo da Colina de Aegon. Os soldados que enchiam os antros de jogo e as casas de pasto da cidade tinham ido quase todos embora. Garlan, o Galante, levara metade das forças Tyrell para Jardim de Cima, e as senhoras sua mãe e sua avó tinham partido com ele. A outra metade marchara para o sul com Mace Tyrell e Mathis Rowan, a fim de investir contra Ponta Tempestade.
Quanto à hoste Lannister, dois mil veteranos experientes permaneciam acampados fora das muralhas da cidade, esperando a chegada da frota de Paxter Redwyne que os levaria a atravessar a Baía da Água Negra até Pedra do Dragão. Lorde Stannis parecia ter deixado apenas uma pequena guarnição para trás quando zarpara para o norte, de modo que dois mil homens seriam mais do que suficientes, de acordo com a avaliação de Cersei.
O resto dos ocidentais regressara para junto de suas esposas e filhos, para reconstruir suas casas, semear seus campos e conseguir uma última colheita. Cersei levara Tommen para uma ronda aos seus acampamentos antes de se porem em marcha, com o propósito de permitir que os homens saudassem seu pequeno rei. Nunca estivera tão bela como naquele dia, com um sorriso nos lábios e o sol de outono brilhando em seus cabelos dourados. Não importa o que dissessem da irmã, ela sabia como fazer que os homens a amassem quando se importava o suficiente para tentar.
Quando Jaime entrou a trote pelos portões do castelo, deparou com duas dúzias de cavaleiros arremetendo contra um estafermo no pátio exterior. Mais uma coisa que já não posso fazer, pensou. Uma lança era mais pesada e difícil de manejar do que uma espada, e esta já se mostrava provação suficiente. Supunha que poderia tentar segurar a lança com a mão esquerda, mas isto significaria passar o escudo para o braço direito. Num a justa, o adversário estava sempre do lado esquerdo. Um escudo no braço direito seria tão útil quanto mamilos na placa de peito. Não, meus dias de justas chegaram ao fim , pensou enquanto desmontava, mesmo assim, parou para assistir durante algum tempo.
Sor Tallad, o Alto, perdeu a montaria quando o saco de areia deu a volta e o atingiu na cabeça. Varrão Forte atingiu o escudo com tanta força que o rachou. Kennos de Kayce terminou a destruição. Um novo escudo foi pendurado para Sor Dermot, da Mata de Chuva. Lambert Turnberry deu apenas um golpe de raspão, mas Jon Imberbe Bettley, Humfrey Swyft e Alyn Stackspear conseguiram todos golpes bem dados, e Ronnet Vermelho Connington quebrou a lança, e acertou em cheio. Então, o Cavaleiro das Flores montou e reduziu todos os outros ao embaraço.
Jaime sempre achara que três quartos de uma justa eram equitação. Sor Loras montava de forma soberba e manejava uma lança como se tivesse nascido com uma na mão... o que sem dúvida explicava a expressão aflita da mãe. Ele coloca a ponta precisam ente onde pretende colocá-la e parece ter o equilíbrio de um gato. Talvez não tenha sido assim tão por acaso que me derrubou. Era uma pena que nunca mais pudesse testar o rapaz. Deixou os homens absortos em seu desporte.
Cersei encontrava-se em seu aposento privado, na Fortaleza de Maegor, com Tommen e a morena esposa de Lorde Merryweather. Estavam os três rindo com o Grande Meistre Pycelle.
- Perdi algum gracejo inteligente? - Jaime perguntou ao cruzar a soleira da porta.
- Oh, veja - ronronou a Senhora Merryweather - seu bravo irmão regressou, Vossa Graça.
- A maior parte dele - Jaime percebeu que a rainha segurava um copo. Nos últimos tempos, Cersei parecia ter sempre um jarro de vinho à mão, ela que antes desprezara Robert Baratheon por beber. Não gostava daquilo, mas ultimamente parecia não gostar de nada que a irmã fizesse - Grande Meistre - ela disse partilhe as novas com o Senhor Comandante, por favor.
Pycelle parecia desesperadamente desconfortável.
- Chegou uma ave - disse. - De Stokeworth. Senhora Tanda manda a notícia de que a filha Lollys deu à luz um filho forte e saudável.
- E nunca adivinhará o nome que deram ao bastardozinho, irmão.
- Se bem me lembro, queriam chamá-lo Tywin.
- Sim, mas eu os proibi. Disse a Falyse que não aceitaria que o nobre nome de nosso pai fosse atribuído à descendência mal gerada de algum criador de porcos e de uma porca desmiolada.
- Senhora Stokeworth insiste que o nome da criança não foi obra sua - interveio o Grande Meistre Pycelle. Suor salpicava sua testa enrugada. - Escreve dizendo que foi o marido de Lollys quem fez a escolha. Aquele homem, Bronn, ele... parece que ele...
- Tyrion - Jaime arriscou. - Chamou à criança Tyrion.
O velho fez um aceno trêmulo, limpando a testa com a manga da veste.
Jaime teve de rir.
- Aí está, querida irmã. Tem andado à procura de Tyrion por todo lado, e ele esteve todo o tempo escondido no ventre de Lollys.
- Engraçado. Você e Bronn são ambos tão engraçados. Sem dúvida que o bastardo suga uma das tetas de Lollys Idiota neste exato momento, enquanto esse mercenário o observa, sorrindo de sua pequena insolência.
- Talvez a criança tenha alguma semelhança com seu irmão - sugeriu a Senhora Merryweather. - Pode ter nascido deformado, ou sem nariz - e soltou uma gargalhada gutural.
- Teremos de mandar um presente para o querido garoto - a rainha declarou. - Não teremos, Tommen?
- Podíamos lhe mandar um gatinho.
- Uma cria de leão - disse a Senhora Merryweather. Para lhe rasgar a goelinha, sugeria seu sorriso.
- Tenho um tipo diferente de presente em mente - Cersei rebateu.
O mais provável é que seja um novo padrasto. Jaime conhecia a expressão que a irmã trazia nos olhos. Já vira-a, e a última vez fora na noite do casamento de Tommen, quando ela queimara a Torre da Mão. A luz verde do fogovivo banhara o rosto de quem assistia, fazendo-os parecer-se com cadáveres em putrefação, uma alcateia de alegres vampiros, mas alguns dos cadáveres eram mais bonitos do que os outros. Mesmo sob aquele brilho sinistro, Cersei era bela de se contemplar. Ficara em pé, com uma mão no peito, os lábios entreabertos, os olhos verdes brilhando. Ela está chorando, então Jaime tinha compreendido, mas se era de desgosto ou de êxtase não saberia dizer.
Ver aquilo o enchera de inquietação, fazendo-o se recordar de Aerys Targaryen e do modo como as chamas o excitava. Um rei não tem segredos para com sua Guarda Real. As relações entre Aerys e sua rainha tinham sido tensas durante os últimos anos de seu reinado. Dormiam separados, e faziam o que podiam para evitar um ao outro durante as horas de vigília. Mas sempre que Aerys entregava um homem às chamas, a Rainha Rhaella teria um visitante durante a noite. No dia em que queimara sua mão da maça e do punhal, Jaime e Jon Darry tinham ficado de guarda à porta do quarto dela enquanto o rei obtinha seu prazer.
- Está me machucando - tinham ouvido Rhaella gritar através da porta de carvalho. - Está me machucando - de certo e estranho modo, aquilo tinha sido pior do que os gritos de Lorde Chelsted.
- Juramos defendê-la também - Jaime finalmente foi compelido a dizer.
- Sim, juramos - Darry respondeu - mas não dele.
Jaime só tinha visto Rhaella uma vez depois daquilo, na manhã do dia em que partira para Pedra do Dragão. A rainha estava envolta num manto e levava um capuz na cabeça quando subira para a real casa sobre rodas que a levaria ao longo da vertente da Colina de Aegon até o navio que a aguardava, mas ouvira as aias sussurrando depois de ela partir. Diziam que o aspecto da rainha era tal que parecia que uma fera a tinha dilacerado, rasgando-lhe as coxas com as garras e roendo-lhe os seios. Uma fera coroada, Jaime soube.
No fim, o Rei Louco tornara-se tão temeroso que não admitia lâminas em sua presença, exceto as espadas que a Guarda Real usava. Sua barba estava cheia de nós e suja, os cabelos eram um emaranhado loiro-prateado que lhe chegava à cintura, as unhas garras rachadas e amarelas, com vinte centímetros de comprimento. Mesmo assim as lâminas o atormentavam, aquelas de que não poderia nunca escapar, as lâminas do Trono de Ferro. Seus braços e suas pernas estavam sempre cobertos de crostas e cortes meio cicatrizados.
Que seja o rei de ossos carbonizados e carne queimada, recordou Jaime, estudando o sorriso da irmã. Que seja rei das cinzas.
- Vossa Graça - disse - podemos conversar em particular?
- Como quiser. Tommen, já passa da hora de sua aula de hoje. Vá com o Grande Meistre.
- Sim, mãe. Estamos estudando Baelor, o Abençoado.
A Senhora Merryweather também se retirou, beijando a rainha em ambas as bochechas.
- Devo regressar para o jantar, Vossa Graça?
- Ficarei muito zangada com você se não o fizer.
Jaime não conseguiu evitar reparar no modo como a mulher de Myr movia as ancas ao caminhar. Cada passo é um a sedução. Quando a porta se fechou atrás dela, pigarreou e disse:
- Primeiro aqueles Kettleblack, depois Qyburn, agora ela. A fauna que a rodeia hoje em dia é bem estranha, querida irmã.
- Estou me tornando muito amiga da Senhora Taena. Ela me diverte.
- Ela é uma das companheiras de Margaery Tyrell - relembrou-lhe Jaime. - Dá informações sobre você à pequena rainha.
- Claro que dá - Cersei dirigiu-se ao aparador para voltar a encher a taça. - Margaery ficou deliciada quando lhe pedi licença para tomar Taena como minha companheira. Devia tê-la ouvido. “Ela será uma irmã para você, assim como tem sido para mim. Claro que pode ficar com ela! Eu tenho as minhas primas e as outras senhoras.” Nossa pequena rainha não quer que eu me sinta sozinha.
- Se sabe que ela é uma espiã, por que acolhê-la?
- Margaery não tem metade da esperteza que julga ter. Não faz ideia da doce serpente que tem naquela cadela de Myr. Uso Taena para transmitir à pequena rainha aquilo que quero que ela saiba. Parte até é verdade - os olhos de Cersei brilhavam com a travessura. - E Taena me conta tudo o que a Donzela Margaery faz.
- Ah... conta? O que você sabe sobre essa mulher?
- Sei que é uma mãe, com um filho jovem que deseja subir alto no mundo. Fará tudo o que for necessário para se assegurar de que isto aconteça. As mães são todas iguais. Senhora Merryweather pode ser uma serpente, mas está longe de ser estúpida. Sabe que posso fazer mais por ela do que Margaery, portanto, torna-se útil para mim. Você se surpreenderia com todas as coisas interessantes que me contou,
- Que tipo de coisas?
Cersei sentou-se sob a janela:
- Sabia que a Rainha dos Espinhos tem uma arca cheia de moedas em sua casa sobre rodas? Ouro velho de antes da Conquista. Se algum mercador for suficientemente insensato para fazer um preço em moedas de ouro, ela lhe paga com mãos de Jardim de Cima, que têm metade do peso dos nossos dragões. Que mercador se atreveria a se queixar de ser enganado pela senhora mãe de Mace Tyrell? - bebericou o vinho e perguntou: - Gostou do seu pequeno passeio?
- Nosso tio fez um comentário sobre sua ausência.
- Os comentários de nosso tio não me interessam.
- Deviam interessar. Podia fazer bom uso dele. Se não fosse em Correrrio ou no Rochedo, então no Norte, contra Lorde Stannis. O pai sempre contou com Kevan quando...
- Roose Bolton é o nosso Protetor do Norte. Ele lidará com Stannis.
- Lorde Bolton está encurralado abaixo do Gargalo, impedido de chegar ao Norte pelos homens de ferro em Fosso Cailin.
- Não por muito tempo. O filho bastardo de Bolton removerá em breve esse pequeno obstáculo. Lorde Bolton terá dois mil Frey para aumentar suas forças, sob o comando dos filhos de Lorde Walder, Hosteen e Aenys. Isto deve ser mais do que suficiente para lidar com Stannis e alguns milhares de desertores.
- Sor Kevan...
- ... terá as mãos cheias em Darry, ensinando Lancel como limpar o cu. A morte do pai o castrou. É um homem velho e acabado. Daven e Damion nos servirão melhor.
- Serão suficientes - Jaime não tinha disputas com os primos. - Mas ainda precisa de uma Mão. Se não for o nosso tio, então, quem?
A irmã soltou uma gargalhada:
- Você, não. Nada tema a este respeito. Talvez o marido de Taena. O avô dele foi Mão de Aerys.
A Mão da cornucópia. Jaime lembrava-se bastante bem de Owen Merryweather, um homem amigável, mas ineficaz.
- Se bem me lembro, ele fez tão bom trabalho que Aerys o exilou e confiscou suas terras.
- Robert as devolveu. Algumas, pelo menos. Taena ficará contente se Orton conseguir recuperar o resto.
- A ideia aqui é agradar a uma puta qualquer de Myr? E eu que pensava que era governar o reino.
- Eu governo o reino.
Que os Sete nos salvem a todos, mas é verdade. A irmã gostava de pensar em si própria como um Lorde Tywin com seios, mas enganava-se. O pai fora tão inexorável e implacável como um glaciar, enquanto Cersei era toda fogovivo, especialmente quando contrariada. Ficara tonta como uma donzela quando soube que Stannis abandonara Pedra do Dragão, certa de que ele finalmente desistira da luta e zarpara para o exílio. Quando chegou do Norte a notícia de que voltara a aparecer na Muralha, sua fúria fora terrível de se contemplar. Não lhe faltam miolos, mas não tem bom-senso nem paciência.
- Precisa de uma Mão forte para ajudá-la.
- Um governante fraco precisa de uma Mão forte, como Aerys precisou do pai. Um governante forte necessita apenas de um criado diligente que ponha em prática suas ordens - fez rodopiar o vinho - Lorde Hallyne podia adequar-se. Não seria o primeiro piromante a servir como Mão do Rei.
Não mesmo. Eu matei o último.
- Dizem que pretende fazer de Aurane Waters mestre dos navios.
- Alguém anda lhe dando informações a meu respeito? - quando ele não respondeu, Cersei jogou os cabelos para trás e disse: - Waters adapta-se bem ao cargo. Passou metade da vida nos navios.
- Metade da vida? Ele não pode ter mais do que vinte anos.
- Vinte e dois. E então? O pai nem sequer tinha vinte e um quando Aerys Targaryen o nomeou Mão. Já é mais que hora de Tommen ter alguns homens jovens à sua volta, no lugar de todos aqueles grisalhos enrugados. Aurane é forte e vigoroso.
Forte, vigoroso e atraente..., Jaime pensou. Ela tem andado fodendo Lancel e Osmund Kettleblack, e provavelmente até o Rapaz Lua, tanto quanto sei...
- Paxter Redwyne seria uma escolha melhor. Ele comanda a maior frota em Westeros. Aurane Waters podia comandar um esquife, mas só se você comprasse um para ele.
- Você é uma criança, Jaime. Redwyne é vassalo do Tyrell e sobrinho daquela hedionda avó que ele tem. Não quero nenhuma das criaturas de Lorde Tyrell no meu conselho.
- No conselho de Tommen, você quer dizer.
- Você sabe o que quero dizer.
Bem demais.
- O que sei é que Aurane Waters é má ideia, e Hallyne pior ainda. Quanto a Qyburn... pela bondade dos deuses, Cersei, ele acompanhou Vargo Hoat. A Cidadela o despojou da corrente!
- As ovelhas cinzentas. Qyburn tornou-se muito útil para mim. E é leal, o que é mais do que posso dizer de minha própria família.
Os corvos se banquetearão com todos nós se seguir este caminho, querida irmã.
- Cersei, ouça o que está dizendo. Está enxergando anões em cada sombra e transformando amigos em inimigos. O tio Kevan não é seu inimigo. Eu não sou seu inimigo.
O rosto dela retorceu-se de fúria:
- Supliquei-lhe ajuda. Pus-me de joelhos por você, e você me recusou!
- Os meus votos...
- ... não o impediram de matar Aerys. As palavras são vento. Podia ter ficado comigo, mas preferiu um manto. Vá embora.
- Irmã...
- Vá embora, eu disse. Estou farta de olhar para este feio coto que traz aí. Vá embora! - para apressá-lo, lançou-lhe a taça de vinho à cabeça. Falhou, mas Jaime entendeu a deixa.
O ocaso foi encontrá-lo sentado sozinho na sala comum da Torre da Espada Branca, com uma taça de tinto de Dorne e o Livro Branco. Virava páginas com o coto da mão da espada quando o Cavaleiro das Flores entrou, despiu o manto e o cinto da espada e os pendurou num cabide ao lado dos de Jaime.
- Vi você hoje no pátio - Jaime disse. - Montou bem.
- Com certeza foi melhor do que bem - Sor Loras serviu-se de uma taça de vinho e se sentou do outro lado da mesa em forma de meia-lua.
- Um homem mais modesto poderia ter respondido “O senhor é muito gentil” ou “Tive uma boa montaria”.
- O cavalo era adequado, e o senhor é tão gentil quanto sou modesto - Loras indicou o livro com um gesto. - Lorde Renly sempre dizia que os livros eram coisa de meistre.
- Este é coisa nossa. A história de todos os homens que algum dia usaram um manto branco está escrita aqui.
- Já passei os olhos por ele. Os escudos são bonitos. Prefiro livros com mais iluminuras. Lorde Renly possuía alguns com desenhos capazes de cegar um septão.
Jaime teve de sorrir:
- Aqui não há nenhum desses, sor, mas as histórias abrirão seus olhos. Faria bem em conhecer a vida daqueles que vieram antes de nós.
- Já conheço. Príncipe Aemon, o Cavaleiro do Dragão, Sor Ryam Redwyne, o Coração-Magno, Barristan, o Ousado...
- ... Gwayne Corbray, Alyn Connington, o Demônio de Darry. Deve também ter ouvido falar de Lucamore Strong.
- Sor Lucamore, o Ardente? - Sor Loras parecia se divertir. - Três mulheres e trinta filhos, não foi? Cortaram-lhe o pau. Quer que eu cante a canção, senhor?
- E Sor Terrence Toyne?
- Dormiu com a amante do rei e morreu aos gritos. A lição é: homens que usam calções brancos devem mantê-los bem atados.
- Gyles Manto-Cinza? Orivel, o Mãos-Largas?
- Gyles foi um traidor, Orivel um covarde. Homens que envergonharam o manto branco. O que o senhor está sugerindo?
- Pouco e menos ainda. Não se ofenda quando não há qualquer intenção de ofender, sor. E o Longo Tom Costayne?
Sor Loras balançou a cabeça.
- Foi um cavaleiro da Guarda Real durante sessenta anos.
- Quando foi isso? Nunca...
- E Sor Donnel de Valdocaso?
- Posso ter ouvido o nome, mas...
- Addison Hill? O Coruja Branca, Michael Mertyns? Jeffory Norcross? Chamavam-no Render-Jamais. Robert Vermelho Flowers? Que pode me dizer sobre eles?
- Flowers é um nome de bastardo. Hill também.
- E, no entanto, ambos chegaram ao comando da Guarda Real. Suas histórias estão no livro. Rolland Darklyn também está aqui. O mais jovem homem a servir na Guarda Real antes de mim. O manto lhe foi dado num campo de batalha, e ele morreu menos de uma hora depois de envergá-lo.
- Não pode ter sido muito bom.
- Foi suficientemente bom. Morreu, mas seu rei sobreviveu. Montes de homens corajosos usaram o manto branco. A maior parte foi esquecida.
- A maior parte merece ser esquecida. Os heróis serão sempre recordados. Os melhores.
- Os melhores e os piores - o que significa que é provável que um de nós sobreviva nas canções. - E alguns que eram um pouco das duas coisas. Como ele - Tamborilou na página que estava lendo.
- Quem? -Sor Loras esticou a cabeça para ver. - Dez bolas negras em fundo escarlate. Não conheço essas armas.
- Pertenciam a Criston Cole, que serviu o primeiro Viserys e o segundo Aegon - Jaime fechou o Livro Branco. - Chamavam-no o Fazedor de Reis. 

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