sábado, 28 de setembro de 2013

26 - A NOIVA REBELDE


Asha Greyjoy estava sentada no grande salão de Galbart Glover, bebendo o vinho de Galbart Glover, quando o meistre de Galbart Glover trouxe uma carta para ela.
- Senhora. - A voz do meistre estava ansiosa, como em todas as vezes que falava com ela. - Uma ave de Vila Acidentada. - Empurrou o pergaminho, como se não pudesse esperar para se ver livre dele. Estava firmemente enrolado e selado com um botão de cera dura rosa.
Vila Acidentada. Asha tentava se lembrar quem governava Vila Acidentada. Algum senhor nortenho, que não é meu amigo. E o selo ... os Bolton do Forte do Pavor iam para a batalha sob estandartes rosa salpicados com pequenas gotas de sangue. Só havia uma razão para que usassem selos de cera rosa também.
É veneno isso que seguro, ela pensou. Deveria queimá-lo. Em vez disso, rompeu o lacre. Um pedaço de pele voou até seu colo. Quando leu as secas palavras marrons, seu estado de espírito sombrio ficou ainda mais sombrio. Asas escuras, palavras escuras. Os corvos nunca traziam notícias boas. A última mensagem enviada de Bosque Profundo fora de Stannis Baratheon, exigindo obediência. Esta era pior.
- Os nortenhos tomaram Fosso Cailin.
- O Bastardo de Bolton? - perguntou Qarl, ao lado dela.
- Ramsay Bolton, Senhor de Winterfell, ele assina. Mas há outros nomes também. - Senhora Dustin, Senhora Cerwyn e quatro Ryswells haviam anexado suas assinaturas embaixo da dele. Ao lado estava o desenho grosseiro de um gigante, a marca de algum Umber.
As assinaturas haviam sido feitas com tinta de meistre, fabricada com fuligem e alcatrão de carvão, mas a mensagem acima fora rabiscada em marrom, com uma caligrafia imensa e pontiaguda. Falava da queda de Fosso Cailin, do retorno triunfante do Protetor do Norte aos seus domínios, de um casamento que se realizaria em breve. As primeiras palavras eram Escrevo esta carta com o sangue dos homens de ferro, e as últimas: Envio para cada um de vocês um pedaço do príncipe. Demorem em minhas terras e partilharão o destino dele.
Asha acreditara que seu irmãozinho estava morto. Melhor morto do que isso. O pedaço de pele caíra em seu colo. Ela o levou até a vela e viu a fumaça subir em espirais, até que a última parte foi consumida e as chamas lamberam seus dedos.
O meistre de Galbart Glover estava ao seu lado, aguardando.
- Não haverá resposta - ela informou.
- Posso compartilhar essas notícias com a Senhora Sybelle?
- Como quiser. - Se Sybelle Glover encontraria alguma alegria na queda de Fosso Cailin, Asha não sabia dizer. A Senhora Sybelle vivia em seu bosque sagrado, rezando pelos filhos e pelo retorno a salvo de seu marido. Outra oração que ficará sem resposta. Sua árvore-coração é tão surda e cega quanto nosso Deus Afogado. Robert Glover e seu irmão Galbart haviam seguido para o sul com o Jovem Lobo. Se as histórias que ouviram sobre o Casamento Vermelho eram ao menos meio verdadeiras, eles não retornariam ao Norte. Os filhos dela estão vivos, pelo menos, e isso graças a mim. Asha os deixara nas Dez Torres aos cuidados de suas tias. A filha mais nova da Senhora Sybelle ainda era amamentada, e ela julgara a menina muito delicada para ser exposta aos rigores de outra travessia tempestuosa. Asha empurrou a carta para as mãos do meistre. - Aqui. Deixe-a encontrar algum consolo, se puder. Tem minha permissão para ir.
O meistre inclinou a cabeça e partiu. Depois que ele se foi, Tris Bodey virou-se para Asha.
- Se Fosso Cailin caiu, Praça Torrhen logo cairá. E então será nossa vez.
- Não por enquanto. O Boca Fendida os fará sangrar. - Praça Torrhen não era uma ruína como Fosso Cailin, e Dagmer era de ferro até os ossos. Morreria antes de ceder.
Se meu pai ainda vivesse, Fosso Cailin nunca teria caído. Balon Greyjoy sabia que o Fosso era a chave para controlar o Norte. Euron sabia disso também; mas simplesmente não se importava. Não mais do que se importava com o que pudesse acontecer com Bosque Profundo ou Praça Torrhen.
- Euron não tem interesse nas conquistas de Balon. Meu tio está fora, perseguindo dragões. - O Olho de Corvo convocara todas as forças das Ilhas de Ferro para Velha Wyk e navegara para as profundezas do mar do Pôr do Sol, com o irmão Victarion seguindo atrás como um vira-lata açoitado. Não sobrara ninguém em Pyke para quem apelar, exceto o senhor seu marido. - Estamos sozinhos.
- Dagmer vai esmagá-los - insistiu Cromm, que nunca conhecera uma mulher que ele amasse tanto quanto amava a batalha. - São apenas lobos.
- Os lobos foram todos assassinados. - Asha cutucou a cera rosa com a unha. - Esses são os esfoladores que os mataram.
- Devemos ir para Praça Torrhen e nos juntar à luta - exortou Quenton Greyjoy, um primo distante e capitão do Rapariga Salgada.
- Sim - disse Dagon Greyjoy, um primo ainda mais distante. Dagon, o Bêbado, os homens o chamavam, mas, bêbado ou sóbrio, ele amava lutar. - Por que o Boca Fendida deve ficar com todas as glórias?
Dois servos de Galbart Glover trouxeram o assado, mas aquele pedaço de pele tirara o apetite de Asha. Meus homens desistiram de toda esperança de vitória, percebeu melancolicamente. Tudo o que procuram agora é uma boa morte. E os lobos lhes dariam isso, ela não tinha dúvida. Cedo ou tarde, virão retomar este castelo.
O sol mergulhava atrás dos altos pinheiros da Matadelobos enquanto ela subia os degraus de madeira para o quarto de dormir que certa vez fora de Galbart Glover. Bebera vinho demais e sua cabeça martelava. Asha Greyjoy amava seus homens, tanto os capitães quanto os tripulantes, mas metade deles era tola. Tolos corajosos, mas tolos mesmo assim. Ir até Boca Fendida, sim, como se pudéssemos ...
Entre Bosque Profundo e Dagmer estendiam-se muitos quilômetros, montanhas escarpadas, matas espessas, rios selvagens e mais nortenhos do que gostaria de contemplar. Asha tinha quatro dracares e não exatamente duzentos homens ... incluindo Tristifer Bodey, com quem não podia contar. Com toda a conversa de amor de Tris ela não conseguia imaginá-lo correndo até Praça Torrhen para morrer com Dagmer Boca Fendida.
Qarl a seguiu até o quarto de dormir de Galbart Glover.
- Saia daqui - disse para ele. - Quero ficar sozinha.
- O que você quer sou eu. - Ele tentou beijá-la.
Asha o empurrou.
- Encoste em mim novamente e irei ...
- O quê? - Ele puxou a adaga. - Tire a roupa, garota.
- Vá se foder, seu garoto imberbe.
- Prefiro foder você. - Um corte rápido e desatou o justilho dela. Asha apanhou o machado, mas Qarl soltou a faca e agarrou seu punho, torcendo o braço da moça para trás até que a arma caiu de seus dedos. Empurrou-a para a cama de Glover, beijando-a com violência e rasgando sua túnica para deixar seus seios à mostra. Quando ela tentou dar uma joelhada na virilha dele, Qarl se desvencilhou e usou os joelhos para forçar suas pernas a se abrirem. - Vou ter você agora.
- Faça isso - ela cuspiu - e mato você enquanto estiver dormindo.
Asha estava molhada quando ele a penetrou.
- Maldito - ela disse. - Maldito, maldito, maldito.
Ele sugou seus mamilos até que ela gritou, meio de dor, meio de prazer. Sua boceta tornou-se o centro do mundo. Asha se esqueceu de Fosso Cailin, de Ramsay Bolton e do pequeno pedaço de pele, esqueceu-se da assembleia de homens livres, esqueceu seu fracasso, esqueceu seu exílio, seus inimigos e seu marido. Apenas as mãos dele importavam, apenas sua boca, os braços dele em volta dela, seu pau dentro dela. Qarl a fodeu até que ela gritou, e então novamente, até que ela chorou, antes de finalmente derramar sua semente no ventre dela.
- Sou uma mulher casada - ela o recordou, depois de tudo. - Você me despojou, seu garoto imberbe. O senhor meu marido cortará suas bolas e o colocará em um vestido.
Qarl rolou de cima dela.
- Se ele puder se levantar da cadeira.
O quarto estava frio. Asha levantou-se da cama de Galbart Glover e pegou suas roupas rasgadas. O justilho precisava apenas de laços novos, mas a túnica estava destruída. Não gostava dela mesmo. Atirou a peça de roupa nas chamas. O restante ficou em um monte ao lado da cama. Seus seios estavam doloridos e a semente de Qarl escorria por sua coxa. Precisaria fazer um pouco de chá da lua, ou corria o risco de trazer outra lula gigante ao mundo. O que importa? Meu pai está morto, minha mãe está morrendo, meu irmão está sendo esfolado e não há nada que eu possa fazer a respeito. E estou casada. Casada e deflorada ... embora não pelo mesmo homem.
Quando se meteu novamente sob as peles, Qarl estava adormecido.
- Agora sua vida é minha. Onde coloquei minha adaga? - Ela pressionou o corpo contra as costas dele e deslizou os braços sobre ele. Nas ilhas, ele era conhecido como Qarl, o Donzel, em parte para distingui-lo de Qarl Pastor, de Estranho Qarl Kenning, de Qarl Machadoveloz e de Qarl, o Escravo, mas principalmente por seu rosto suave. Quando Asha o conheceu, Qarl estava tentando deixar a barba crescer. - Penugem de pêssego - ela chamara os pelos do rosto dele, rindo. Qarl confessara que nunca vira um pêssego, então Asha lhe disse que ele deveria juntar-se a ela na próxima viagem
para o sul.
Isso acontecera ainda no verão; Robert sentava-se no Trono de Ferro, Balon fazia planos na Cadeira de Pedra do Mar e os Sete Reinos estavam em paz. Asha seguiu com o Vento Negro pela costa, fazendo comércio. Passaram por Ilha Leal e Lannisporto e por vários portos menores antes de chegar à Árvore, onde os pêssegos eram sempre imensos e doces.
- Veja - ela dissera na primeira vez que segurou um pêssego contra o rosto de Qarl. Asha o fez dar uma mordida na fruta, o suco escorreu pelo queixo dele, e ela teve que beijá-lo para limpar.
Passaram aquela noite devorando pêssegos e um ao outro; quando a luz do dia retornou Asha estava saciada e pegajosa, tão feliz quanto jamais estivera. Isso fora seis anos atrás, ou sete? O verão era uma lembrança que se desvanecia, e já fazia três anos desde que apreciara um pêssego pela última vez. Mas ainda apreciava Qarl. Os capitães e os reis podiam não querê-la, mas ele a queria.
Asha conhecera outros amantes; alguns dividiram sua cama por meio ano, alguns por meia noite. Qarl a satisfazia mais do que todos os demais juntos. Ele podia se barbear apenas uma vez a cada quinze dias, mas uma barba desgrenhada não faz um homem. Ela gostava de sentir a pele macia e suave dele sob seus dedos. Gostava do jeito que os longos cabelos lisos dele roçavam em seus ombros. Gostava do jeito que ele a beijava. Gostava do jeito que sorria quando ela passava os polegares pelos mamilos dele. O cabelo entre as pernas de Qarl era um tom de areia mais escuro do que o cabelo em sua cabeça, mas agradável se comparado com a moita grossa e preta ao redor de seu próprio sexo. Ela gostava daquilo também. Ele tinha um corpo de nadador, longo e magro, sem nenhuma cicatriz.
Um sorriso tímido, braços fortes, dedos espertos e duas espadas garantidas. O que mais uma mulher pode querer? Ela teria se casado com Qarl alegremente, mas era a filha de Lorde Balon e ele era alguém do povo, o neto de um escravo. Um nascimento muito baixo para se casar comigo, mas não baixo demais para que eu chupe seu pau. Bêbada, sorrindo, ela se arrastou por baixo das peles e o colocou na boca. Qarl agitou-se em seu sono, e depois de um momento ele começou a enrijecer. Em pouco tempo, ela o tinha duro novamente, Qarl estava acordado e ela, molhada. Asha envolveu as peles ao redor dos ombros nus e montou nele, afundando-o tão profundamente dentro dela que não podia dizer quem tinha o pau e quem tinha a boceta. Dessa vez os dois chegaram ao clímax juntos.
- Minha doce senhora - ele murmurou depois, em uma voz ainda fraca de sono. - Minha doce rainha.
Não, Asha pensou, não sou rainha, nem jamais serei.
- Volte a dormir. - Beijou o rosto dele, atravessou o quarto de Galbart Glover e abriu as persianas. A lua estava quase cheia, a noite tão clara que era possível ver as montanhas e seus picos coroados de neve. Frio, desolado e inóspito, mas belo ao luar. Os cumes brilhavam claros e irregulares, como uma fileira de dentes afiados. O sopé e os montes menores estavam perdidos nas sombras.
O mar estava mais perto, apenas trinta quilômetros ao norte, mas Asha não podia vê-lo. Muitas montanhas estavam no caminho. E árvores, tantas árvores. A Matadelobos era como os nortenhos chamavam a floresta. Na maior parte das noites, era possível ouvir os lobos chamando uns aos outros na escuridão. Um oceano de folhas. Podia ser um oceano de água.
Bosque Profundo estava mais perto do mar do que Winterfell, mas ainda estava longe demais para o gosto dela. O ar cheirava a pinheiro, em vez de sal. A nordeste daquelas montanhas cinzentas e sombrias erguia-se a Muralha, onde Stannis Baratheon levantara seus estandartes. O inimigo do meu inimigo é meu amigo, diziam, mas o outro lado da moeda era o inimigo do meu amigo é meu inimigo. Os homens de ferro eram inimigos dos senhores nortenhos, dos quais este pretendente Baratheon precisava desesperadamente. Eu poderia oferecer meu corpo jovem para ele, ela pensou, afastando uma mecha de cabelo dos olhos, mas Stannis era casado e ela também, e ele e os homens de ferro eram inimigos antigos. Durante a primeira rebelião de seu pai, ele esmagara a Frota de Ferro na Ilha Leal e subjugara Grande Wyk em nome do irmão.
As muralhas cheias de musgo de Bosque Profundo encerravam um monte amplo e arredondado, com o topo achatado, coroado por um longo salão cavernoso com uma torre de vigia na ponta, que se elevava quinze metros acima da colina. Abaixo estava o pátio - com os estábulos, cercados para cavalos, poço e currais - defendido por um fosso profundo, um dique de terra inclinado e uma paliçada de toras. As defesas externas formavam uma figura oval, seguindo o contorno da terra. Havia dois portões, cada um deles protegido por um par de torres quadradas de madeira, e adarves por todo o perímetro. No lado sul do castelo, o musgo crescia espesso sobre a paliçada e rastejava até metade das torres. Para leste e oeste havia campos vazios. Aveia e cevada cresciam lá quando Asha tomara o castelo, apenas para ser pisoteadas durante o ataque. Uma série de fortes geadas haviam matado as sementes que plantaram depois disso, deixando apenas lama e cinzas, além de talos murchos em decomposição.
Era um castelo antigo, mas não um castelo forte. Ela o tomara dos Glover e o Bastardo de Bolton o tomaria dela. Mas não a esfolaria. Asha Greyjoy não pretendia ser pega com vida. Morreria como viveu, com um machado nas mãos e um sorriso nos lábios.
O senhor seu pai lhe dera trinta dracares para capturar Bosque Profundo. Restavam quatro, contando seu próprio Vento Negro, e um dos que pertencia a Tris Bodey, que se juntara a ela quando todos os seus outros homens tinham fugido. Não. Isso não é justo. Eles navegaram para casa para prestar homenagem ao rei. Se alguém fugiu, fui eu. A lembrança ainda a envergonhava.
- Vá - o Leitor a instara, enquanto os capitães carregavam seu tio Euron para o sopé do monte de Nagga para colocar nele a coroa feita de madeira trazida pelo mar.
- Disse o corvo para a gralha. Venha comigo. Preciso de você para levantar os homens de Harlaw. - Naquela época, ela pretendia lutar.
- Os homens de Harlaw estão aqui. Aqueles que contam. Alguns gritavam o nome de Euron. Não colocarei Harlaw contra Harlaw.
- Euron é louco. E perigoso. Aquele berrante do inferno ...
- Eu escutei. Vá, Asha. Assim que Euron estiver coroado, ele a procurará. Não ouse deixá-lo colocar os olhos sobre você.
- Se eu ficar com meus outros tios ...
- ... você morrerá como pária, com todas as mãos contra você. Quando colocou seu nome diante dos capitães, você se submeteu ao julgamento deles. Não pode ir contra esse julgamento agora. Apenas uma vez a escolha da assembleia de homens livres foi revogada. Leia Haereg.
Apenas Rodrik, o Leitor, falaria de um livro velho enquanto suas vidas estavam sob o fio da espada.
- Se você vai permanecer, também vou - ela respondeu, teimosamente.
- Não seja tola. Euron mostrou para o mundo seu olho sorridente esta noite, mas vem o amanhã ... Asha, você é filha de Balon, e sua reivindicação é mais forte do que a dele. Enquanto você respirar, será um perigo para ele. Se ficar, será morta ou vai se casar com o Remador Vermelho. Não sei o que poderia ser pior. Vá. Você não terá outra chance.
Asha deixara o Vento Negro no outro lado da ilha para esse tipo de eventualidade. Velha Wyk não era grande. Poderia estar a bordo de seu navio antes do nascer do sol, a caminho de Harlaw antes que Euron percebesse que desaparecera. Mesmo assim, hesitava, até que o tio disse:
- Faça isso pelo amor que tem por mim, filha. Não me faça ver você morrer.
Então ela se foi. Primeiro para Dez Torres, para despedir-se de sua mãe.
- Pode demorar um longo tempo até que eu volte - Asha a avisou. A Senhora Alannys não entendeu.
- Onde está Theon? - ela perguntou. - Onde está meu menino?
A Senhora Gwynesse só queria saber quando Lorde Rodrik voltaria.
- Sou sete anos mais velha do que ele. Dez Torres deveria ser minha.
Asha ainda estava em Dez Torres, pegando provisões, quando as notícias de seu casamento chegaram.
- Minha sobrinha rebelde precisa ser domada - disseram que Olho de Corvo afirmara - e conheço um homem para domá-la.
Casou-a com Erik lronmaker e nomeou o Quebra-Bigorna para governar as Ilhas de Ferro enquanto ele perseguia dragões. Erik fora um grande homem em sua época, um corsário destemido que podia se vangloriar de ter navegado com o trisavô dela, o mesmo Dagon Greyjoy que dera o nome a Dagon, o Bêbado. As velhas mulheres da Ilha Leal ainda assustavam seus netos com as histórias de Lorde Dagon e seus homens. Feri o orgulho de Erik na assembleia de homens livres, Asha refletiu. Ele não vai esquecer isso.
Ela devia dar o justo valor ao tio. Com um único golpe, Euron transformara um rival em um aliado, assegurara as ilhas em sua ausência e removera Asha como uma ameaça. E dera uma boa gargalhada com isso tudo também. Tris Botley disse que o Olho de Corvo usara uma foca no lugar dela, no casamento.
- Espero que Erik não tenha insistido na consumação - ela comentara.
Não posso ir para casa, pensou, mas não ouso ficar aqui muito mais. O silêncio da floresta a enervava. Asha passara sua vida nas ilhas ou em navios. O mar nunca estava em silêncio. O som das ondas batendo contra uma costa rochosa estava em seu sangue, mas não havia ondas em Bosque Profundo ... apenas árvores, árvores sem fim, pinheiros marciais e árvores sentinelas, faias, freixos e antigos carvalhos, castanheiros, acácias e abetos. O som que faziam era mais suave do que o do mar, e Asha o escutava apenas quando o vento soprava; então o suspiro parecia vir de todos os lados, como se as árvores estivessem sussurrando umas para as outras em algum idioma que não entendia.
Esta noite o sussurro parecia mais alto do que antes. A agitação de folhas mortas marrom, Asha disse para si mesma, galhos nus estalando ao vento. Afastou-se da janela, para longe da floresta. Preciso de um convés sob meus pés novamente. Ou, na falta disso, de alguma comida em meu estômago. Tomara muito vinho esta noite, mas comera pouco pão e nada daquele grande assado sangrento.
O luar estava brilhante o suficiente para que encontrasse suas roupas. Vestiu grossas calças pretas, uma túnica forrada e um justilho de couro verde coberto com placas de aço. Deixando Qarl com seus sonhos, desceu a escada exterior da fortaleza, os degraus rangendo sob os pés descalços. Um dos homens de sentinela nas muralhas espiou sua descida e levantou a lança para ela. Ela assobiou de volta. Enquanto cruzava o pátio interno em direção às cozinhas, os cães de Galbart Glover começaram a latir. Bom, pensou. Eles abafarão o som das árvores.
Estava cortando uma fatia de queijo amarelo de uma esfera tão grande quanto a roda de uma carroça quando Tris Botley entrou na cozinha, enrolado em uma grossa capa de pele.
- Minha rainha.
- Não zombe de mim.
- Você sempre governará meu coração. Nenhum bando de tolos gritando em uma assembleia de homens livres pode mudar isso.
O que devo fazer com este rapaz? Asha não podia duvidar da devoção dele. Ele não só fora seu campeão no monte de Nagga e gritara o nome dela, mas cruzara o mar para se juntar a ela depois de tudo, abandonando seu rei, seus parentes e sua casa. Não que tenha ousado desafiar Euron na cara. Quando o Olho de Corvo levou a frota para o mar, Tris simplesmente ficou para trás, mudando de curso apenas quando perdeu os outros navios de vista. Mas mesmo isso requeria certa coragem; ele nunca poderia voltar para as ilhas.
- Queijo? - ela perguntou. - Temos presunto também, e mostarda.
- Não é comida que quero, senhora. Você sabe disso - Tris deixara crescer uma espessa barba marrom no Bosque Profundo. Dizia que ajudava a manter seu rosto aquecido.
- Vi você da torre de vigia.
- Se está de vigia, o que faz aqui?
- Cromm está lá em cima, e Hagen, o Corno. Quantos olhos precisamos para vigiar folhas sussurrando ao luar? Precisamos conversar.
- De novo? - ela suspirou. - Você conhece a filha de Hagen, aquela de cabelo vermelho. Conduz um navio tão bem quanto qualquer homem, e tem um rosto bonito. Dezessete, e eu a vi olhando para você.
- Não quero a filha de Hagen. - Ele quase a tocou, mas pensou melhor. - Asha, é hora de partir. Fosso Cailin era a única coisa segurando a maré. Se ficarmos aqui, os nortenhos nos matarão a todos, você sabe disso.
- Quer que eu fuja?
- Quero que viva. Amo você.
Não, ela pensou, você ama alguma donzela inocente que vive apenas em sua cabeça, uma criança assustada que precisa da sua proteção.
- Não amo você - ela disse sem rodeios - e não fujo.
- O que há aqui para agarrar com tanta força, além de pinheiros, lama e inimigos? Temos nossos navios. Navegue comigo, e faremos nossa vida no mar.
- Como piratas? - Era quase tentador. Deixar os bosques sombrios para os lobos e retomar o mar aberto.
- Como comerciantes - ele insistiu. - Viajaremos para leste, como Olho de Corvo fez, mas traremos sedas e especiarias, em vez de um chifre de dragão. Uma viagem para o Mar de Jade e seremos tão ricos quanto os deuses. Podemos ter uma mansão em Vilavelha ou em uma das Cidades Livres.
- Você, eu e Qarl? - Ela o viu recuar à menção do nome de Qarl. - A garota de Hagen gostaria de navegar para o Mar de Jade com você. Eu ainda sou a filha da lula gigante. Meu lugar é...
- ... onde? Você não pode retornar às ilhas. A menos que pretenda se submeter ao senhor seu marido.
Asha tentou se imaginar na cama com Erik Ironmaker, esmagada sob seu corpo pesado, sofrendo com seus abraços. Melhor ele do que o Remador Vermelho ou Lucas Mão-Esquerda Codd. O Quebra-Bigornas fora um gigante vociferador, assustadoramente forte, ferozmente leal, absolutamente sem medo. Pode não ser tão ruim. Ele pode morrer na primeira vez que tentar cumprir seu dever de marido. Isso a tornaria viúva de Erik, em vez de esposa de Erik, o que poderia ser um negócio melhor ou pior, dependendo dos netos dele. E do meu tio. No final, todos os ventos me levam de volta a Euron.
- Tenho reféns em Harlaw - ela recordou. - E ainda há Ponta do Mar do Dragão ... se não posso ter o reino do meu pai, por que não fazer o meu próprio? - Nem sempre Ponta do Mar do Dragão fora tão pouco povoada quanto agora. Antigas ruínas ainda podiam ser encontradas entre as colinas e os pântanos, remanescentes dos antigos fortes dos Primeiros Homens. Nos locais mais altos havia círculos de represeiros deixados pelos Filhos da Floresta.
- Está se agarrando à Ponta do Mar do Dragão da mesma maneira que um afogado se apega a um pedaço de destroço. O que o Mar do Dragão tem que alguém possa querer? Não há minas, nenhum ouro ou prata, nem mesmo trigo ou milho.
Não planejo plantar trigo ou milho.
- O que há lá? Direi para você. Duas grandes linhas costeiras, com uma centena de enseadas escondidas, lontras nos lagos, salmões nos rios, mariscos ao longo da costa, colônias de focas em alto-mar e altos pinheiros para a construção de embarcações.
- E quem construirá esses navios, minha rainha? Onde Vossa Graça encontrará súditos para seu reino, se os nortenhos a deixarem tomar o lugar? Ou você pretende governar um reino de focas e lontras?
Ela deu uma risada triste.
- Lontras podem ser mais fáceis de governar do que homens, garanto para você. E focas são mais espertas. Não, você está certo. Minha melhor opção ainda pode ser retornar a Pyke. Há pessoas em Harlaw que gostariam do meu retorno. Em Pyke também. E Euron não conquistou amigos em Pretamare quando matou Lorde Baelor. Posso encontrar meu tio Aeron e levantar as ilhas. - Ninguém vira Cabelo-Molhado desde a assembleia de homens livres, mas seus Homens Afogados afirmavam que estava escondido em Grande Wyk e que logo voltaria para invocar a indignação do Deus Afogado contra Olho de Corvo e seus asseclas.
- O Quebra-Bigorna está procurando por Cabelo-Molhado também. Está perseguindo os Homens Afogados. O Cego Beron Blacktyde foi preso e interrogado. Até mesmo o Velho Gaivota Cinza foi algemado. Como você encontrará o sacerdote quando nenhum dos homens de Euron conseguiu?
- Ele é do meu sangue. Irmão do meu pai. - Era uma resposta fraca, e Asha sabia.
- Sabe o que eu acho?
- Estou prestes a saber, imagino.
- Acho que Cabelo-Molhado está morto. Acho que o Olho de Corvo cortou a garganta dele. A busca dos homens de ferro é só para nos fazer acreditar que o sacerdote escapou. Euron tem medo de ser visto como um assassino de parentes.
- Nunca deixe meu tio escutar isso que você falou. Se disser que Olho de Corvo tem medo de assassinar um parente, ele matará um de seus próprios filhos só para provar que você está errado. - Asha se sentia quase sóbria com ele. Tristifer Botley tinha esse efeito sobre ela.
- Mesmo se encontrasse seu tio Cabelo-Molhado, vocês dois fracassariam. Ambos participaram da assembleia de homens livres, então não podem dizer que o chamado foi ilegal, como Torgon fez. Vocês estão submetidos à decisão da assembleia por todas as leis dos deuses e dos homens. Você...
Asha franziu a testa.
- Espere. Torgon? Que Torgon?
- Torgon, o Atrasado.
- Ele foi rei durante a Era dos Herois. - Ela lembrava pouco além disso. - O que tem ele?
- Torgon Greyjoy era o filho mais velho do rei. O rei era velho, mas Torgon era inquieto, então aconteceu que quando o pai morreu ele estava atacando sozinho o Mander de sua fortaleza no Escudocinza. Os irmãos não o avisaram, e em vez disso convocaram rapidamente uma assembleia de homens livres, imaginando que um deles seria escolhido para usar a coroa feita de madeira trazida do mar. Mas os capitães e os reis escolheram Urragon Goodbrother. A primeira coisa que o novo rei fez foi ordenar que todos os filhos do antigo rei fossem condenados à morte, e assim aconteceu. Depois disso, os homens o chamaram de Irmão Mau, embora na verdade não fosse parente de nenhum dos mortos. Ele governou por quase dois anos.
Asha se lembrava agora.
- Torgon voltou para casa ...
- ... e disse que a assembleia de homens livres era ilegal, já que ele não estivera presente para fazer sua reivindicação. Irmão Mau já provara ser tão mesquinho quanto cruel e tinha poucos amigos nas ilhas. Os sacerdotes o denunciaram, os senhores se levantaram contra ele e seus próprios capitães o fizeram em pedaços. Torgon, o Atrasado, tornou-se rei e governou por quarenta anos.
Asha pegou Tris Bodey pelas orelhas e o beijou na boca. Ele estava vermelho e sem fôlego quando ela o soltou.
- O que foi isso? - ele perguntou.
- Um beijo, assim é chamado. Me afogue por ser uma tola, Tris, eu devia ter lembrado... - Ela parou repentinamente. Quando Tris tentou falar, ela o calou, escutando. - É um berrante de guerra. Hagen. - Seu primeiro pensamento foi seu marido. Teria Erik Ironmaker vindo tão longe para reclamar sua noiva rebelde? - O Deus Afogado me ama afinal de contas. Eu estava aqui me perguntando o que fazer, e ele me manda inimigos com os quais lutar. - Asha levantou-se e colocou a faca de volta na bainha. - A batalha está vindo até nós.
Ela foi correndo até a muralha exterior do castelo, com Tris logo atrás dela, mas mesmo assim chegou tarde demais. A luta tinha acabado. Asha encontrou dois nortenhos sangrando na muralha leste, não muito longe do portão de trás, com Lorren Machadolongo, Harl Seis-Dedos e Linguacruel parados ao lado deles.
- Cromm e Hagen viram eles subindo pela muralha - Linguacruel explicou.
- Apenas estes dois? - perguntou Asha.
- Cinco. Matamos dois antes que conseguissem atravessar, e Harl matou outro no adarve. Esses dois conseguiram chegar ao pátio.
Um homem estava morto, sangue e cérebro incrustados no machado de cabo longo de Lorren, mas o segundo ainda respirava com dificuldade, embora a lança de Linguacruel o tivesse prendido ao solo em uma poça de sangue. Ambos usavam couro cozido e capas furta-cor em marrom, verde e negro, com galhos, folhas e arbustos costurados em suas cabeças e ombros.
- Quem é você? - perguntou Asha para o homem ferido.
- Um Flint. Quem é você?
- Asha da Casa Greyjoy. Este é meu castelo.
- Bosque Profundo pertence a Galbart Glover. Não é casa para lulas.
- Há mais de vocês? - Asha exigiu saber. Quando ele não respondeu, ela pegou a lança de Linguacruel e a girou, e o nortenho gritou de angústia, com mais sangue jorrando de sua ferida. - Qual é seu propósito aqui?
- A senhora - ele disse, estremecendo. - Deuses, pare. Viemos pela senhora. Para resgatá-la. Somos só cinco.
Asha olhou nos olhos dele. Quando viu falsidade ali, pegou novamente a lança e a Virou.
- Quantos mais? - disse. - Diga, senão farei sua morte durar até o amanhecer.
- Muitos - ele finalmente soluçou, entre gritos. - Milhares. Três mil, quatro ... aieeeee ... por favor...
Ela arrancou a lança dele e a enterrou com as duas mãos em sua garganta mentirosa. O meistre de Galbart Glover sempre afirmara que os clãs das montanhas eram muito briguentos para lutarem juntos sem um Stark a liderá-los. Talvez não estivesse mentindo. Talvez só estivesse enganado. Asha aprendera o gosto daquilo na assembleia de homens livres de seu tio.
- Esses cinco foram enviados para abrir nossos portões antes do ataque principal - ela disse. - Lorren, Harl, busquem a Senhora Glover e seu meistre.
- Inteiros ou sangrando? - perguntou Lorren Machadolongo.
- Inteiros e sem ferimentos. Linguacruel, suba nesta torre três vezes maldita e diga para Cromm e Hagen manterem o olho afiado. Se virem uma lebre, eu quero saber.
Em pouco tempo, o pátio interno de Bosque Profundo estava cheio de pessoas assustadas. Seus próprios homens lutavam para entrar nas armaduras, ou subiam até o adarve. O pessoal de Galbart Glover olhava com rostos assustados, sussurrando uns para os outros. O intendente de Glover teve que ser carregado dos porões, pois perdera uma perna quando Asha tomou o castelo. O meistre protestou ruidosamente, até que Lorren o acertou no rosto com o punho fechado. A Senhora Glover saiu do bosque sagrado nos braços de sua aia.
- Eu a avisei de que este dia chegaria, senhora - ela disse, quando viu os cadáveres no chão.
O meistre adiantou-se, com sangue pingando do nariz quebrado.
- Senhora Asha, eu imploro, recolha seus estandartes e me deixe barganhar por sua vida. Você serviu-se de nós com justiça e com honra. Direi isso para eles.
- Trocaremos você pelas crianças. - Os olhos de Sybelle Glover estavam vermelhos, de lágrimas e de noites sem dormir. - Gawen tem quatro agora. Perdi o dia de seu nome. E minha doce menina ... devolva meus filhos, e nenhum dano lhe acontecerá. Nem aos seus homens.
A última parte era uma mentira, Asha sabia. Ela podia ser trocada, talvez, embarcada de volta para as Ilhas de Ferro, para os adoráveis braços de seu marido. Seus primos podiam ser resgatados também, assim como Tris Botley e alguns dos companheiros dela, aqueles cujos parentes tivessem dinheiro suficiente para pagar por eles. Para os demais seria o machado, a forca ou a Muralha. Ainda assim, eles têm o direito de escolher.
Asha subiu em um barril, para que todos pudessem vê-la.
- Os lobos estão chegando sobre nós com seus dentes arreganhados. Estarão em nossos portões antes que o sol nasça. Devemos baixar nossas lanças e machados e implorar para que nos poupem?
- Não - Qarl, o Donzel, desembainhou sua espada.
- Não - ecoou Lorren Machadolongo.
- Não - trovejou Rolfe, o Anão, um homem que mais parecia um urso e era quase uma cabeça mais alto do que qualquer outro de sua tripulação. - Nunca.
E o berrante de Hagen ecoou novamente do alto, ressoando pelo pátio.
Ahooooooooooooooooooooooo, gritou o berrante de guerra, longo e baixo, um som de coagular o sangue. Asha começara a odiar o som dos berrantes. Em Velha Wyk, o berrante do inferno de seu tio soprara uma sentença de morte nos sonhos dela, e agora Hagen soava o que podia ser sua última hora na terra. Se devo morrer, morrerei com um machado na mão e uma maldição nos lábios.
- Para as muralhas - disse Asha Greyjoy para seus homens. Dirigiu-se para a torre de vigia, com Tris Botley bem atrás dela.
A torre de vigia de madeira era a coisa mais alta desse lado das montanhas, erguendo-se seis metros acima das maiores árvores sentinelas e pinheiros marciais da floresta ao redor.
- Ali, capitã - disse Cromm, quando ela alcançou a plataforma. Asha viu apenas árvores e sombras, as colinas iluminadas pela lua e os picos nevados além delas. Então percebeu que as árvores arrastavam-se para mais perto.
- O-ho - riu - essas cabras da montanha se camuflaram com galhos de pinheiro. - A floresta estava em movimento, rastejando em direção ao castelo como uma lenta maré verde. Lembrou-se de um conto que ouvira quando criança, sobre os Filhos da Floresta e suas batalhas contra os Primeiros Homens, quando os videntes verdes transformaram as árvores em guerreiros.
- Não podemos lutar contra tantos - disse Tris Botley.
- Podemos lutar com tantos quantos vierem, filhote - insistiu Cromm. - Quantos mais forem, maior a glória. Homens cantarão sobre nós.
Sim, mas cantarão sobre a coragem de vocês ou sobre minha tolice? O mar estava a quase trinta quilômetros de distância. Fariam melhor em permanecer e lutar atrás dos fossos e das muralhas de madeira de Bosque Profundo? As muralhas de madeira de Bosque Profundo não foram muito úteis para os Glover quando tomei o castelo, lembrou a si mesma. Por que serviriam mais para mim?
- Amanhã banquetearemos sob o mar. - Cromm acariciou seu machado, como se não pudesse esperar.
Hagen abaixou seu berrante.
- Se morrermos com os pés secos, como encontraremos o caminho para os salões molhados do Deus Afogado?
- Essas florestas estão cheias de pequenos riachos - Cromm assegurou. - Todos levam aos rios, e todos os rios, para o mar.
Asha não estava pronta para morrer. Não aqui, não ainda.
- Um homem vivo pode encontrar o mar com mais facilidade do que um morto. Deixem os lobos ficarem com suas florestas sombrias. Fomos feitos para os navios.
Ela se perguntava quem comandava seus inimigos. Se fosse eu, tomaria a costa e passaria nossos dracares pela tocha antes de atacar Bosque Profundo. Mas os lobos não pensariam nisso com tanta facilidade, não sem seus próprios dracares. Asha nunca atracava mais do que a metade de seus navios. A outra metade permanecia a salvo em alto-mar, com ordens de levantar velas e seguir para Ponta do Mar do Dragão se os nortenhos tomassem a costa.
- Hagen, toque seu berrante e faça a floresta chocalhar. Tris, vista uma cota de malha, é hora de testar essa sua doce espada. - Quando viu como ele estava pálido, beliscou sua bochecha. - Espalhe algum sangue sobre a lua comigo, e prometo um beijo por cada morto.
- Minha rainha - disse Tristifer - aqui temos as muralhas, mas se alcançarmos o mar e descobrirmos que os lobos pegaram nossos navios ou os afundaram ...
- ... nós morremos - ela completou alegremente - mas pelo menos morreremos com os pés molhados. Homens de ferro lutam melhor com sal entrando em suas narinas e com O som das ondas às suas costas.
Hagen deu três sopros em sequência rápida, o sinal que enviaria os homens de ferro de volta para seus navios. De baixo vieram gritos, o tinir de lanças e espadas, o relinchar dos cavalos. Poucos cavalos e poucos cavaleiros. Asha se dirigiu para as escadas. No pátio, encontrou Qarl, o Donzel, esperando por ela com sua égua castanha, seu elmo de guerra e seus machados de arremesso. Homens de ferro conduziam cavalos dos estábulos de Galbart Glover.
- Um aríete! - uma voz gritou das muralhas. - Eles têm um aríete!
- Em qual portão? - perguntou Asha, montando.
- O norte! - De trás das muralhas de madeira com musgo de Bosque Profundo veio um repentino som de trombetas.
Trombetas? Lobos com trombetas? Aquilo estava errado, mas Asha não tinha tempo para pensar no assunto.
- Abram o portão sul - ordenou, enquanto o portão norte recebia o impacto do aríete. Ela sacou um machado de arremesso de cabo curto do cinturão em volta dos ombros. - A hora da coruja se foi, meus irmãos. Agora vem a hora da lança, da espada e do machado. Em formação. Estamos indo para casa.
De uma centena de gargantas vieram rugidos de Casa! e Asha! Tris Bodey galopava ao lado dela em um alto garanhão castanho. No pátio, seus homens, juntos uns dos outros, fechavam-se, erguendo escudos e lanças. Qarl, o Donzel, não cavalgava, e tomou seu lugar entre Linguacruel e Lorren Machadolongo. Quando Hagen veio correndo pelos degraus da torre de vigia, uma flecha dos lobos o acertou na barriga, mandando-o de cabeça para o chão. Sua filha correu até ele, gemendo.
- Tragam-na - Asha comandou. Este não era momento para lamentar. Rolfe, o Anão, puxou a garota para seu cavalo, o cabelo vermelho dela esvoaçando. Asha pôde ouvir o portão norte ranger quando o aríete o acertou novamente. Precisamos cortar nosso caminho através deles, pensou, enquanto o portão sul foi aberto. O caminho estava limpo. Por quanto tempo?
- Mexam-se! - Asha apertou os calcanhares nos flancos do cavalo.
Tanto homens quanto montarias estavam trotando quando alcançaram as árvores, do outro lado do campo encharcado onde mudas mortas de trigo de inverno apodreciam sob a lua. Asha comandava seus cavaleiros por último, como uma retaguarda, para manter os retardatários em movimento e assegurar-se de que ninguém seria deixado para trás. Altos pinheiros marciais e antigos carvalhos retorcidos se fechavam em torno deles. Bosque Profundo era um nome apropriado. As árvores eram imensas e escuras, de algum modo ameaçadoras. Galhos agitavam-se uns contra os outros e estalavam com cada sopro de vento, e os ramos maiores arranhavam a face da lua. Quanto antes sairmos daqui, melhor, Asha pensou. As árvores nos odeiam, do fundo de seus corações de madeira.
Apressaram-se para sul e sudoeste, até que as torres de madeira de Bosque Profundo sumiram de vista e os sons das trombetas foram engolidos pela floresta. Os lobos têm seu castelo de volta, ela pensou, talvez se contentem e nos deixem ir.
Tris Botley trotava ao lado dela.
- Estamos indo para o lado errado - ele disse, apontando para a lua que parecia olhar para baixo através do dossel de ramos. - Precisamos virar para o norte, para os navios.
- Oeste primeiro - Asha insistiu. - Oeste até que o sol se levante. Então norte. - Virou-se para Rolfe, o Anão, e Roggon Barbaferrugem, seus melhores cavaleiros. - Patrulhem a frente e assegurem-se de que nosso caminho está limpo. Não quero surpresas quando alcançar a costa. Se encontrarem lobos, voltem para mim com notícias.
- Faremos isso - prometeu Roggon através de sua imensa barba vermelha.
Depois que os batedores desapareceram entre as árvores, os outros homens de ferro retomaram sua marcha, mas a movimentação era lenta. As árvores escondiam a lua e as estrelas, e o chão da floresta, sob as árvores, era escuro e traiçoeiro. Antes de percorrerem meio quilômetro, a égua de seu primo Quenton tropeçou em um buraco e arrebentou a pata dianteira. Quenton teve que cortar a garganta do animal, para que parasse de berrar.
- Devíamos acender tochas - sugeriu Tris.
- Fogo trará os nortenhos até nós - Asha xingou em voz baixa, perguntando-se se fora um erro deixar o castelo. Não. Se tivéssemos ficado e lutado, estaríamos todos mortos agora. Mas tampouco era bom andar às cegas na escuridão. Essas árvores nos matariam se pudessem. Ela tirou o elmo e empurrou o cabelo encharcado para trás. - O sol se levantará em algumas horas. Vamos parar aqui e descansar até o raiar do dia.
Parar foi simples; descansar era difícil. Ninguém dormiu, nem mesmo Dale Olho-prostrado, um remador que era conhecido por cochilar entre as batidas. Alguns homens repartiram um odre da sidra de Galbart Glover, passando o recipiente de mão em mão. Aqueles que trouxeram comida repartiram com os que não trouxeram. Os cavaleiros alimentaram os cavalos e lhes deram água. O primo de Asha, Quenton Greyjoy, mandou três homens para o alto das árvores, para observar qualquer sinal de tochas na floresta. Cromm afiou seu machado e Qarl, o Donzel, sua espada. Os cavalos pastaram grama morta e marrom e ervas daninhas. A filha de cabelo vermelho de Hagen pegou Tris Bodey pela mão para levá-lo para o meio das árvores. Quando ele a recusou, ela foi com Harl Seis-Dedos.
Gostaria de poder fazer o mesmo. Seria doce se perder nos braços de Qarl uma última vez. Asha tinha um mau pressentimento no estômago. Sentiria o convés de Vento Negro sob seus pés novamente? E, se sentisse, para onde navegaria? As ilhas estão fechadas para mim, a menos que eu pretenda dobrar o joelho, abrir as pernas e sofrer com os abraços de Erik Ironmaker, e nenhum porto em Westeros vai saudar a filha da lula gigante. Podia tornar-se comerciante, como Tris parecia querer, ou ir para Passopedra e se juntar aos piratas de lá. Ou ...
- Envio para cada um de vocês um pedaço do príncipe - ela murmurou.
Qarl sorriu.
- Eu prefiro ter um pedaço de você - sussurrou - o doce pedaço que...
Algo voou dos arbustos e caiu com um baque surdo no meio deles, batendo e saltando. Era redondo, escuro e molhado, com longos cabelos que chicoteavam enquanto rolava. Quando parou entre as raízes de um carvalho, Linguacruel disse:
- Rolfe, o Anão, já não é tão alto quanto antes.
Metade dos homens dela estava em pé nesse momento, pegando escudos, lanças e machados. Eles também não acenderam tochas, Asha teve tempo de pensar, e conhecem estas florestas melhor do que jamais poderíamos. Então as árvores explodiram ao redor deles, e os nortenhos fluíram aos gritos. Lobos, ela pensou, eles uivam como malditos lobos. O grito de guerra do norte. Seus homens de ferro gritaram em resposta, e a batalha começou.
Nenhum cantor jamais faria uma canção sobre aquela batalha. Nenhum meistre jamais escreveria um relato para um dos amados livros do Leitor. Nenhum estandarte voando, nenhum berrante de guerra gemendo, nenhum grande senhor reunindo os homens para falar vibrantes palavras finais. Lutaram na escuridão que antecedia a manhã, sombra contra sombra, tropeçando em raízes e pedras, com lama e folhas podres sob os pés. Os homens de ferro estavam vestidos com cotas de malha e couro curtido, os nortenhos em peles, couro cru e galhos de pinheiros. A lua e as estrelas assistiam à batalha, a luz clara atravessando o emaranhado de galhos nus torcidos sobre as cabeças dos guerreiros.
O primeiro homem que chegou até Asha Greyjoy morreu aos pés da moça com o machado de arremesso dela entre os olhos. Aquilo lhe deu tempo suficiente para deslizar o escudo para o braço.
- Até mim! - chamava, mas se clamava por seus próprios homens ou pelos inimigos nem mesmo Asha podia dizer com certeza. Um nortenho com um machado assomou diante dela, balançando-o com as duas mãos, enquanto gritava em fúria sem palavras. Asha levantou o escudo para bloquear o golpe, e então se aproximou para apunhalar sua barriga com uma adaga. O grito dele mudou de tom conforme sentiu a lâmina. Ela girou e encontrou outro lobo atrás dela, e cortou seu rosto sob o elmo. O golpe dele acertou-a embaixo do seio, mas a cota de malha a protegeu, e Asha levou a ponta de sua adaga até a garganta dele e o deixou afogar-se no próprio sangue. Uma mão agarrou seus cabelos, mas não o suficiente para que conseguisse puxar a cabeça dela para trás. Asha acertou o salto de sua bota no peito do pé dele e libertou-se enquanto ele gritava de dor. Mas assim que se virou, o homem estava caído e morrendo, ainda segurando um punhado do cabelo dela. Qarl estava sobre ele, com a espada longa pingando e a luz da lua brilhando em seus olhos.
Linguacruel contava os nortenhos, enquanto os matava, gritando “Quatro” quando um caiu e “Cinco” um segundo depois. Os cavalos relinchavam, davam coices e viravam os olhos de terror, enlouquecidos pelo massacre e pelo sangue... todos exceto o grande garanhão castanho de Tris Bodey. Tris permanecia em sua sela, e sua montaria se erguia e girava enquanto ele atacava com a espada. Posso dever um beijo ou três para ele antes que a noite acabe, pensou Asha.
- Sete! - gritou Linguacruel, mas ao seu lado Lorren Machadolongo se estatelou, com uma perna torcida debaixo dele, e as sombras continuavam vindo, gritando e farfalhando. Estamos lutando contra arbustos, Asha pensou enquanto matava um homem que tinha mais folhas sobre si do que a maioria das árvores ao redor. Aquilo a fez rir. Sua risada atraiu mais lobos sobre ela, e ela os matou também, perguntando-se se deveria começar a própria contagem. Sou uma mulher casada, e aqui está meu bebê de peito. Empurrou sua adaga contra o peito de um nortenho, através de peles, lã e couro fervido. O rosto dele estava tão perto do dela que podia sentir o cheiro azedo de sua respiração, a mão dele estava em sua garganta. Asha sentiu ferro raspando contra osso enquanto sua lâmina deslizava sobre uma costela. Então o homem estremeceu e morreu. Quando ela o deixou, estava tão fraca que quase caiu sobre ele.
Mais tarde, ficou costas contra costas com Qark, ouvindo os grunhidos e maldições ao redor deles, de homens corajosos se arrastando pelas sombras, chorando por suas mães. Um arbusto foi em direção a ela, com uma lança longa o suficiente para atravessar sua barriga e as costas de Qarl também, prendendo-os juntos enquanto morriam. Melhor do que morrer sozinha, pensou, mas seu primo Quenton matou o lanceiro antes que ele chegasse até ela. Um segundo mais tarde outro arbusto matou Quenton, acertando um machado na base de seu crânio, por trás.
Atrás dela, Linguacruel gritou:
- Nove, e malditos sejam todos vocês.
A filha de Hagen surgiu nua por entre as árvores, com dois lobos em seus calcanhares. Asha agarrou um machado de arremesso, jogou-o na direção deles e acertou um pelas costas. Quando ele caiu, a filha de Hagen tropeçou, caindo de joelhos, pegou a espada do morto, acertou o segundo homem, levantou-se novamente, manchada de lama e sangue, com o longo cabelo vermelho desalinhado, e atirou-se na luta.
Em algum lugar no fluxo e refluxo da batalha, Asha perdeu Qarl, perdeu Tris, perdeu todos eles. Sua adaga sumira, assim como todos os seus machados de arremesso; em vez disso, tinha uma espada nas mãos, uma espada curta com uma lâmina grossa, quase como um cutelo de açougueiro. Por sua vida, ela não saberia dizer onde conseguira aquilo. Seu braço doía, a boca tinha gosto de sangue, as pernas tremiam, e feixes de luz clara do amanhecer atravessavam as árvores. Já se passou tanto assim? Há quanto tempo estamos lutando?
Seu último inimigo foi um nortenho com um machado, um homem grande, careca e barbudo, vestido em uma armadura de cota de malha enferrujada e remendada, que só podia significar que era um chefe ou um campeão. Ele não estava feliz em se encontrar lutando com uma mulher.
- Boceta! - rugia cada vez que a atingia, o cuspe acertando o rosto dela. - Boceta! Boceta!
Asha queria gritar de volta para ele, mas sua garganta estava tão seca que tudo o que podia fazer era grunhir. O machado dele fazia o escudo dela tremer, quebrando madeira a cada golpe, arrancando lascas cada vez que puxava a arma de volta. Logo ela teria apenas um emaranhado de gravetos nos braços. Recuou e se livrou do escudo destruído, então recuou mais um pouco e dançou para a esquerda e para a direita, e depois para a esquerda novamente, para evitar o machado que descia com tudo.
Então acertou as costas com força contra uma árvore e não pode mais dançar. O lobo ergueu o machado, pronto para partir a cabeça dela ao meio. Asha tentou deslizar para a direita, mas seu pé se enroscou em algumas raízes, prendendo-a. Ela se contorceu, perdeu o equilíbrio, e a face do machado triturou sua têmpora com um grito de aço sobre aço. O mundo ficou vermelho e negro, e vermelho novamente. A dor crepitava até sua perna, como um relâmpago distante, e ao longe ela ouviu o nortenho dizer:
- Boceta maldita - enquanto levantava o machado para o golpe que acabaria com ela. Uma trombeta tocou.
Isso está errado, ela pensou. Não há trombetas nos salões molhados do Deus Afogado. Sob as ondas, os badejos saúdam seu senhor soprando conchas.
Ela sonhou com corações vermelhos queimando e um veado negro em um campo dourado, com uma chama saindo de seus chifres. 

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