domingo, 29 de setembro de 2013

27 - TYRION


Quando chegaram a Volantis, o céu estava púrpura no oeste e negro no leste, e as estrelas começavam a aparecer. As mesmas estrelas de Westeros, Tyrion Lannister pensou.
Poderia ter tirado algum conforto disso, se não estivesse amarrado como um ganso e preso em uma sela. Desistira de se contorcer. Os nós que o prendiam estavam muito apertados. Em vez disso, soltara-se como um saco de farinha. Para poupar minhas forças, disse a si mesmo, embora não soubesse dizer para quê.
Volantis fechava os portões quando escurecia, e os guardas do portão norte resmungavam impacientemente para os retardatários. juntaram-se à fila, atrás de uma carroça repleta de limões e laranjas. Os guardas sinalizaram para a carroça com as tochas, mas lançaram um olhar duro para o grande ândalo em seu cavalo de guerra, com espada longa e cota de malha. Um capitão foi convocado. Enquanto ele e o cavaleiro trocavam algumas palavras em volantino, um dos guardas tirou a manopla com garras e esfregou a cabeça de Tyrion.
- Estou cheio de boa fortuna - o anão disse para ele. - Solte-me, meu amigo, e me assegurarei de que seja bem recompensado.
Seu captor ouviu.
- Guarde suas mentiras para aqueles que falam sua língua, Duende - disse, quando os volantinos acenaram para que passassem.
Então estavam novamente em movimento, passando o portão e sob as maciças muralhas da cidade.
- Você fala minha língua. Posso influenciá-lo com promessas, ou está determinado a comprar sua senhoria com minha cabeçar
- Eu era um lorde, por direito de nascença. Não quero títulos vazios.
- Isso é tudo o que vai conseguir da minha doce irmã.
- E aqui ouvi que um Lannister sempre paga suas dívidas.
- Ah, cada moeda ... Mas nunca uma moeda a mais, senhor. Você terá a refeição pela qual barganhar, mas não será temperada com gratidão e, no fim, não vai nutri-lo.
- Pode ser que tudo o que eu queira é que você pague por seus crimes. Os assassinos de parentes são amaldiçoados perante os olhos dos deuses e dos homens.
- Os deuses são cegos. E os homens só veem o que desejam.
- Vejo você bastante claro, Duende. - Algo sombrio tomou conta do tom do cavaleiro. - Fiz coisas das quais não me orgulho, coisas que trouxeram vergonha à minha casa e ao nome do meu pai ... mas matar o próprio pai? Como um homem pode fazer isso?
- Dê-me uma besta e abaixe os calções que mostro para você. - Alegremente.
- Acha que isso é uma brincadeira?
- Acho que a vida é uma brincadeira. A sua, a minha, a de todo mundo.
Dentro das muralhas da cidade, passaram por guildas, mercados e casas de banho. Fontes jorravam e cantavam no centro de amplas praças onde homens se sentavam em tabuleiros de pedra, movendo peças de cyvasse e bebendo vinho em taças de vidro enquanto escravos acendiam lanternas ornamentadas para manter a escuridão na baía. Palmeiras e cedros cresciam ao longo das ruas pavimentadas, e monumentos eram encontrados em cada cruzamento. Muitas das estátuas não tinham cabeça, o anão notou, mas mesmo assim pareciam majestosas sob o crepúsculo púrpura.
Conforme o cavalo de guerra seguia lentamente para sul junto ao rio, as lojas ficavam menores e mais pobres, as árvores ao longo das ruas tornavam-se uma fileira de tocos. Os paralelepípedos deram lugar à erva-do-diabo sob os cascos do cavalo, e depois a uma lama úmida e mole, da cor de excrementos de bebê. As pequenas pontes que atravessavam os riachos que alimentavam o Roine rangiam sob o peso deles de forma alarmante. Onde uma vez existira um forte na margem do rio, agora havia um portão quebrado, escancarado como a boca sem dentes de um homem velho. Era possível vislumbrar cabras espiando sobre os parapeitos.
Antiga Volantis, primeira filha de Valíria, o anão devaneou. Orgulhosa Volantis, rainha do Roine e amante do Mar de Verão, lar de nobres senhores e adoráveis senhoras do mais antigo sangue. Não importavam os grupos de crianças nuas que percorriam os becos gritando em vozes estridentes, ou os espadachins parados nas portas das adegas, manejando o cabo de suas espadas, ou os escravos com as costas encurvadas e o rosto tatuado que corriam de um lado para outro como baratas. Poderosa Volantis, a mais grandiosa e mais populosa das Nove Cidades Livres. Contudo, grande parte da cidade havia sido despovoada por antigas guerras, e grandes áreas de Volantis começavam a afundar sob a lama em que estavam. Bela Volantis, cidade de fontes e flores. Mas metade das fontes estava seca, metade das piscinas, rachada e inativa. Trepadeiras floridas saíam de cada rachadura nas paredes ou no chão pavimentado, e jovens árvores lançavam raízes em paredes de lojas abandonadas e de templos sem telhado.
E havia o cheiro. Estava no ar úmido e quente, rico, rançoso, penetrante. Tem cheiro de peixe e flores, assim como de excrementos de elefante. Algo doce, algo terroso, algo morto e podre.
- Esta cidade cheira como puta velha - Tyrion anunciou. - Algo como uma mulher desleixada e flácida que encharcou suas partes íntimas para disfarçar o fedor entre as pernas. Não que eu esteja reclamando. Com putas, as mais jovens cheiram melhor, mas as mais velhas conhecem mais truques.
- Você deve ter mais experiência nisso do que eu.
- Ah, é claro. Aquele bordel onde nos encontramos, você pensou que era um septo? Era sua virginal irmã que se contorcia no seu colo?
Aquilo fez o cavaleiro fechar a cara.
- Dê um descanso à sua língua, a menos que prefira que eu dê um nó nela.
Tyrion engoliu sua resposta. Seus lábios ainda estavam inchados da última vez que fora longe demais. Mãos duras e nenhum senso de humor fazem um péssimo casamento.
Aprendera isso na estrada de Selhorys. Seus pensamentos foram para sua bota, para os cogumelos entre seus dedos. O captor não o havia revistado com tanto cuidado quanto deveria. Sempre há essa fuga. Cersei não me terá vivo, pelo menos.
Mais ao sul, os sinais de prosperidade começaram a reaparecer. Os prédios abandonados eram vistos com menos frequência, as crianças nuas desapareceram e os espadachins diante das portas pareciam mais suntuosamente vestidos. Algumas estalagens pelas quais passaram realmente pareciam lugares nos quais um homem podia dormir sem medo de ter a garganta cortada. Lanternas penduradas em postes de ferro ao longo da estrada do rio agitavam-se quando o vento soprava. As ruas ficaram mais largas, as construções mais imponentes. Algumas eram encimadas por grandes domas de vidro colorido. Na penumbra que se adensava, com as fogueiras acesas, os domas brilhavam em tons de azul, vermelho, verde e púrpura.
Mesmo assim, havia algo no ar que deixava Tyrion desconfortável. A oeste do Roine, ele sabia, o cais de Volantis fervilhava com marinheiros, escravos e comerciantes, além de adegas, estalagens e bordéis todos feitos para eles. A leste do rio, estranhos do outro lado do mar eram raramente vistos. Não somos bem-vindos aqui, Tyrion percebeu.
Da primeira vez que passaram por um elefante, Tyrion não pôde deixar de encarar. Havia um elefante no zoológico de Lannisporto quando era menino, mas o animal morrera quando ele tinha sete anos ... Este grande gigante cinza parecia ter o dobro do tamanho.
Mais adiante, ficaram atrás de um pequeno elefante, branco como osso antigo, que puxava um carrinho enfeitado.
- É um carro de boi sem o boi? - perguntou Tyrion para seu captor. Quando o gracejo não teve resposta, voltou a ficar em silêncio, contemplando a traseira bamboleante do elefante branco diante deles.
Volantis era inundada de elefantes anões brancos. Quando se aproximaram da Muralha Negra e dos bairros lotados próximos à Grande Ponte, viram uma dúzia deles. Grandes elefantes cinzentos tampouco eram incomuns; animais imensos, com castelos nas costas. E, na meia-luz da noite, as carroças de esterco haviam surgido, levadas por escravos seminus cuja tarefa era recolher as pilhas fumegantes deixadas tanto por elefantes grandes quanto pelos pequenos. Enxames de moscas seguiam as carroças, por isso os escravos de esterco tinham moscas tatuadas no rosto, para marcar sua função. Eis um ramo para minha doce irmã, Tyrion ponderou. Ela ficaria linda com uma pazinha e moscas tatuadas naquelas doces faces rosadas.
Até então iam tão devagar que quase se arrastavam. A estrada do rio tinha tráfego pesado, quase todo indo para o sul. O cavaleiro foi com a multidão, uma tora presa na correnteza. Tyrion olhava a multidão que passava. Nove homens em cada dez levavam marcas de escravo no rosto.
- Tantos escravos ... para onde estão indo todos?
- Os sacerdotes vermelhos acendem suas fogueiras noturnas ao pôr do sol. O Alto Sacerdote vai falar. Eu evitaria isso se pudesse, mas para alcançar a Grande Ponte temos que passar pelo templo vermelho.
Três quarteirões depois, a rua se abriu diante deles em uma imensa praça iluminada com tochas, e lá terminou. Que os Sete me salvem, isso é três vezes maior que o Grande Septo de Baelor. Com uma enormidade de pilares, degraus, contrafortes, pontes, domas e torres que fluíam para dentro umas das outras, como se tivessem sido esculpidas em uma única rocha colossal, o Templo do Senhor da Luz assomava como a Colina de Aegon. Uma centena de tons de vermelho, amarelo, dourado e laranja se encontravam e se fundiam nas paredes do templo, dissolvendo-se uns nos outros como nuvens ao entardecer. Suas torres delgadas retorciam-se para cima, como chamas congeladas que alcançavam o céu. Fogo transformado em pedra. Imensas fogueiras queimavam ao lado das escadas do templo e, entre elas, o Alto Sacerdote começara a falar.
Benerro. O sacerdote estava em um pilar de pedra vermelha, unido por uma estreita ponte de pedra a um terraço onde permaneciam os sacerdotes menores e os acólitos. Os acólitos trajavam túnicas amarelo-claras e laranja brilhante; os sacerdotes e as sacerdotisas usavam vermelho.
A grande praça diante deles estava tão lotada que a multidão parecia um único bloco sólido. Muitos adoradores usavam algum pedaço de tecido vermelho pendurado nas mangas ou amarrado ao redor da testa. Cada olhar estava direcionado ao Alto Sacerdote, exceto os deles.
- Abram caminho. - Os volantinos davam licença ressentidos, com murmúrios e olhares zangados.
A voz alta de Benerro se fazia ouvir bem. Alto e magro, tinha o rosto deformado e a pele branca como leite. Chamas haviam sido tatuadas nas bochechas, no queixo e na cabeça raspada, para formar uma brilhante máscara vermelha que crepitava sob seus olhos e circundava sua boca de lábios muito finos.
- Isso é uma tatuagem de escravo? - Tyrion perguntou.
O cavaleiro concordou.
- O Templo Vermelho os compra quando são crianças e faz deles sacerdotes, prostitutas ou guerreiros do templo. Olhe ali. - Apontou para os degraus, onde uma fila de homens em armaduras ornamentadas e mantos laranja permanecia diante das portas do templo, segurando lanças cujas pontas pareciam chamas se contorcendo. - A Mão Ardente. Os soldados sagrados do Senhor da Luz, defensores do templo.
Cavaleiros de fogo.
- E quantos dedos tem essa mão, posso saber?
- Mil. Nunca mais, nunca menos. Uma nova chama é acesa para cada uma que se apaga.
Benerro apontou um dedo para a lua, fechou a mão e depois a espalmou. Quando sua voz aumentou em um crescendo, chamas saíram de seus dedos com um clarão repentino que fez a multidão se sobressaltar. O sacerdote podia traçar letras ardentes no ar também. Glifos valirianos. Tyrion reconheceu talvez dois de dez; um era Perdição e o outro, Escuridão.
Gritos irromperam da multidão. Mulheres choravam e homens agitavam os punhos. Tenho um mau pressentimento sobre isso. O anão se lembrou do dia em que Myrcella partira para Dorne e a revolta que estourou enquanto voltavam para a Fortaleza Vermelha.
Meiomeistre Haldon falara em usar o sacerdote vermelho em benefício do Jovem Griff, Tyrion recordou. Agora que havia visto e ouvido o homem por si mesmo, aquilo parecia uma péssima ideia. Esperava que Griff tivesse mais bom-senso. Alguns aliados são mais perigosos do que inimigos. Mas Lorde Connington terá que juntar essas peças por conta própria. Serei uma cabeça em uma lança.
O sacerdote apontava a Muralha Negra atrás do templo, gesticulando na direção dos parapeitos, onde um punhado de guardas em armaduras olhava para baixo.
- O que ele está dizendo? - Tyrion perguntou ao cavaleiro.
- Que Daenerys está em perigo. O olho sombrio caiu sobre ela, e os asseclas da noite estão tramando sua destruição, rezando para falsos deuses em templos do engano ... conspirando uma traição com forasteiros sem deuses ...
Os cabelos na nuca de Tyrion se arrepiaram. O Príncipe Aegon não encontrará amigos aqui. O sacerdote vermelho falou sobre a antiga profecia, a profecia que predisse a chegada de um herói para livrar o mundo da escuridão. Um herói. Não dois. Daenerys tem dragões, Aegon, não. O anão não precisava ser um profeta para prever como Benerro e seus seguidores podiam reagir a um segundo Targaryen. Griff verá isso também, certamente, pensou, surpreso em descobrir o quanto se importava.
O cavaleiro forçou caminho pela maioria da multidão compacta no fundo da praça, ignorando os xingamentos que eram lançados enquanto passavam. Um homem parou diante deles, mas o captor de Tyrion agarrou o cabo da espada longa e desembainhou o suficiente para mostrar alguns centímetros de aço nu. O homem se afastou e, de repente, um beco se abriu diante deles. O cavaleiro instou a montaria ao trote, e deixaram a aglomeração para trás. Por um tempo, Tyrion ainda pôde ouvir a voz de Benerro, cada vez mais baixa, e os rugidos que suas palavras provocavam, repentinos como trovões.
Chegaram a um estábulo. O cavaleiro desmontou e esmurrou a porta até que um escravo encovado, com uma cabeça de cavalo na bochecha, chegou correndo. O anão foi arrancado bruscamente da sela e amarrado em um poste, enquanto seu captor acordava o dono do estábulo e discutia com ele sobre o preço do cavalo e da sela. É mais barato vender um cavalo do que embarcar um para atravessar meio mundo. Tyrion sentia um navio em seu futuro imediato. Talvez fosse um profeta, no final das contas.
Quando a barganha foi concluída, o cavaleiro pendurou suas armas, o escudo e a sacola por cima do ombro e pediu indicações de como chegar ao ferreiro mais próximo. A oficina estava fechada também, mas abriu rapidamente com o grito do cavaleiro. O ferreiro deu um olhar de soslaio para Tyrion, então acenou com a cabeça e aceitou um punhado de moedas.
- Venha aqui. - O cavaleiro disse para seu prisioneiro. Desembainhou sua adaga e cortou os nós que o prendiam.
- Meus agradecimentos - disse Tyrion, enquanto esfregava os pulsos, mas o cavaleiro apenas riu e disse:
- Guarde sua gratidão para quem a mereça, Duende. Você não gostará do próximo bocado.
Ele não estava errado.
As algemas eram de ferro negro, grossas e pesadas, cada uma com pelo menos um quilo, de acordo com a avaliação do anão. As correntes adicionavam ainda mais peso.
- Devo ser mais temível do que imaginava - Tyrion confessou, enquanto os últimos elos eram fechados a marteladas. Cada batida enviava uma onda de choque pelo braço, até quase o ombro. - Ou você tem medo que eu escape com essas minhas perninhas atrofiadas?
O ferreiro não fez mais do que olhar para seu trabalho, mas o cavaleiro riu sombriamente.
- É sua boca que me preocupa, não suas pernas. Em grilhões, você é um escravo. Ninguém escutará uma palavra do que diz, nem mesmo aqueles que falam a língua de Westeros.
- Não há necessidade disso - Tyrion protestou. - Serei um bom pequeno prisioneiro, serei, serei.
- Então prove e cale a boca.
Então ele baixou a cabeça e mordeu a língua, enquanto as correntes eram fixadas: pulso com pulso, pulso com tornozelo, tornozelo com tornozelo. Essas coisas malditas pesam mais do que eu. Pelo menos ainda respirava. Seu captor poderia facilmente ter cortado sua cabeça. Isso era tudo o que Cersei pedia, afinal. Não fazer isso imediatamente fora o primeiro erro de seu captor. Há meio mundo entre Volantis e Porto Real, e muito mais pode acontecer ao longo do caminho, sor.
O resto do caminho, fizeram a pé, com Tyrion tilintando e retinindo enquanto lutava para acompanhar os passos largos e impacientes de seu captor. Cada vez que ameaçava ficar para trás, o cavaleiro aproveitava os grilhões e o puxava rudemente, trazendo o anão tropeçando e saltando para seu lado. Podia ser pior. Ele podia estar me apressando com um chicote.
Volantis esparramava-se pela foz do Roine, onde o rio beijava o mar, suas duas metades unidas pela Grande Ponte. A parte mais velha e mais rica da cidade era o lado leste do rio, mas mercenários, bárbaros e outros forasteiros incultos não eram bem-vindos, então precisavam cruzar para oeste.
O portão da Grande Ponte era um arco de pedra negra esculpido com esfinges, manticoras, dragões e outras criaturas ainda mais estranhas. Além do arco, estendia-se a grande passagem que os valirianos construíram no auge de sua glória, o piso de pedra fundida suportado por pilares maciços. A estrada era larga o suficiente para duas carretas atravessarem lado a lado, mas toda vez que um carroção vindo do oeste se encontrava com um do leste, ambos tinham que reduzir a velocidade drasticamente.
Ainda bem que estavam a pé. A um terço do caminho, um carroção carregado com melões enroscou a roda em outro que levava altas pilhas de tapetes de seda e levou todo o tráfego em rodas a um impasse. Muito do tráfego a pé também parou para assistir aos motoristas xingarem e gritarem um para o outro, mas o cavaleiro agarrou as correntes de Tyrion e abriu caminho pelas pessoas aglomeradas. No meio da multidão, um garoto tentou alcançar sua bolsa, mas uma cotovelada forte colocou fim a isso e espalhou o sangue do nariz do ladrão por metade do seu rosto.
Construções erguiam-se nos dois lados; lojas e templos, tavernas e estalagens, salões de cyvasse e bordéis. A maioria tinha três ou quatro andares, cada andar pendendo sobre o de baixo. Os andares de cima de cada lado quase se beijavam. Cruzar a ponte era como atravessar um túnel de tochas acesas. Ao longo da passagem havia lojas e bancas de todos os tipos; tecelões e rendeiras mostravam seus produtos lado a lado com sopradores de vidro, fabricantes de velas e peixeiras que vendiam enguias e ostras. Cada ourives tinha um guarda em sua porta; cada vendedor de especiarias tinha dois, uma vez que suas mercadorias eram duas vezes mais preciosas. Aqui e acolá, entre as lojas, um viajante podia ter um vislumbre do rio que atravessavam. Para o norte, o Roine era uma ampla fita negra, resplandecendo com as estrelas, cinco vezes mais largo do que a Torrente do Água Negra, em Porto Real. Ao sul da ponte, o rio se abria para abraçar o mar salgado.
Na arcada central da ponte, várias mãos decepadas de ladrões e batedores de carteiras estavam penduradas como réstias de cebolas em ganchos de ferro ao longo do caminho. Três cabeças estavam em exposição também: dois homens e uma mulher, com seus crimes rabiscados em tábuas abaixo deles. Um par de lanceiros fazia a guarda, vestidos com elmos polidos e camisas de cota de malha de prata. Em suas bochechas estavam tatuadas listras de tigres, tão verdes quanto jade. De tempos em tempos, agitavam as lanças para espantar falcões, gaivotas e corvos carniceiros que cortejavam os falecidos. Momentos mais tarde, as aves estavam de volta.
- O que fizeram? - Tyrion inquiriu inocentemente.
O cavaleiro olhou as inscrições.
- A mulher era uma escrava que levantou a mão para sua patroa. O homem mais velho foi acusado de fomentar rebelião e de espionar para a rainha dragão.
- E o jovem?
- Matou o próprio pai.
Tyrion olhou novamente para a cabeça apodrecida. Ora, é quase como se seus lábios estivessem sorrindo.
Mais adiante, o cavaleiro fez uma breve pausa para considerar uma tiara cravejada de pedras exibida em uma almofada de veludo púrpura. Seguiu em frente, mas poucos passos adiante parou novamente para regatear um par de luvas na tenda de um coureiro. Tyrion estava grato por essas pausas. O ritmo impetuoso o deixara sem fôlego, e seus pulsos estavam em carne viva por causa das algemas.
Da extremidade da Grande Ponte, era apenas uma caminhada curta pelos apinhados bairros da margem ocidental do rio, por ruas iluminadas com tochas, repletas de marinheiros, escravos e foliões embriagados. Um elefante passou vagarosamente por eles, com uma dúzia de escravas seminuas que acenavam do castelo nas costas do animal, provocavam os transeuntes com vislumbres de seus seios e gritavam:
- Malaquo, Malaquo.
Eram uma visão tão fascinante que Tyrion quase bamboleou direto para uma pilha fumegante de estrume que o elefante deixara para marcar passagem. Foi salvo no último instante, quando o cavaleiro o arrebatou para o lado, puxando sua corrente com tanta força que o fez cambalear e pisar em falso.
- Quanto ainda faltar - o anão perguntou.
- É bem ali. Na Praça do Peixeiro.
O destino deles era a Casa do Mercador, uma monstruosidade de quatro andares, acocorada entre armazéns, bordéis e tavernas de beira de rio, como um enorme homem gordo cercado por crianças. O salão comum era maior do que os grandes salões de metade dos castelos de Westeros, um labirinto fracamente iluminado, com centenas de alcovas privadas e recantos escondidos, cujas vigas e teto enegrecidos ecoavam a balbúrdia feita por marinheiros, comerciantes, capitães, cambistas, carregadores e traficantes de escravos, mentindo, praguejando e enganando uns aos outros em meia centena de idiomas.
Tyrion aprovou a escolha da hospedagem. Cedo ou tarde, o Donzela Tímida chegaria a Volantis. Essa era a maior estalagem da cidade, a primeira escolha para carregadores, capitães e mercadores. Muitos negócios eram fechados nas tocas cavernosas do salão comum. Conhecia Volantis o suficiente para saber disso. Griff apareceria por aqui com Pato e Haldon, e ele estaria livre em pouco tempo.
Enquanto isso, devia ser paciente. Sua oportunidade chegaria.
Os quartos nos andares de cima se mostravam um pouco menos grandiosos, particularmente os mais baratos no quarto andar. Encravado em um dos cantos do edifício, sob um telhado inclinado, o quarto de dormir que seu captor alugara tinha o teto baixo, um colchão mole de penas com um cheiro desagradável e um piso de tábuas de madeira inclinado que fez Tyrion se lembrar de sua estadia no Ninho da Águia. Pelo menos este quarto tem paredes. Tinha janelas, também; esta era a principal comodidade do aposento, juntamente com um aro de ferro na parede, muito útil para acorrentar o escravo de alguém. Seu captor parou apenas o tempo suficiente para acender uma vela de sebo, antes de prender as correntes de Tyrion no aro.
- Isso é necessário? - o anão protestou, sacudindo a corrente debilmente. - Para onde acha que eu vou? Pular a janela?
- Você poderia.
- Estamos no quarto andar, e não sei voar.
- Você pode cair. Quero você vivo.
Sim, mas por quê? Cersei não vai se importar. Tyrion sacudiu as correntes.
- Eu sei quem você é, sor. - Não havia sido difícil juntar as peças. O urso em sua armadura, as armas no escudo, os títulos perdidos que ele mencionara. - Sei o que você é. E se você sabe quem sou, também sabe que fui Mão do Rei e sentei no conselho com a Aranha. Interessaria saber que foi o eunuco quem me despachou nesta jornada? - Ele e Jaime, mas deixarei meu irmão fora disso. - Sou criatura dele tanto quanto você. Não devemos estar em desacordo.
Aquilo não agradou ao cavaleiro.
- Recebi dinheiro da Aranha, não negarei isso, mas nunca fui criatura dele. E minha lealdade está em outro lugar agora.
- Com Cersei? Mais tolo você é. Tudo o que minha irmã exige é minha cabeça, e você tem uma boa espada afiada. Por que não acaba com esta farsa e poupa nós dois?
O cavaleiro riu.
- Isso é algum truque de anão? Implorar pela morte, na esperança de que o deixe viver? - Caminhou até a porta. - Trarei algo das cozinhas.
- Que gentileza a sua. Esperarei aqui.
- Sei que esperará. - Mesmo assim, quando saiu, o cavaleiro trancou a porta atrás de si com uma pesada chave de ferro. A Casa do Mercador era famosa por suas fechaduras. Tão segura quanto uma prisão, o anão pensou amargamente, mas pelo menos tem janelas.
Tyrion sabia que as chances de escapar das correntes eram muito pequenas, mas mesmo assim era obrigado a tentar. Seus esforços para escorregar a mão pela algema serviram somente para esfolar mais a pele e deixar seu pulso manchado de sangue, e nem todos os seus puxões e torções puderam arrancar o aro de ferro da parede. Foda-se isso, pensou, jogando-se para trás tão longe quanto suas correntes permitiam. Começou a sentir câimbras nas pernas. Esta será uma noite desconfortável dos infernos. A primeira de muitas, não duvido.
O quarto estava abafado, então o cavaleiro abrira as janelas para deixar entrar alguma brisa. Encravado no canto do prédio, sob os beirais, o quarto tinha a sorte de ter duas janelas. Uma dava para a Grande Ponte e para o coração de muralhas negras da Antiga Volantis do outro lado do rio. A outra se abria para a praça abaixo. A Praça do Peixeiro, Mormont a chamara. Ainda que suas correntes estivessem apertadas, Tyrion descobriu que podia olhar pela janela, inclinando-se para o lado e deixando que o aro de ferro suportasse seu peso. Não é uma queda tão alta quanto a das celas do céu de Lysa Arryn, mas me mataria do mesmo jeito. Talvez, se eu estivesse bêbado...
Mesmo àquela hora, a praça estava lotada, com marinheiros barulhentos, prostitutas à procura de clientes e mercadores fazendo negócios. Uma sacerdotisa vermelha passou correndo, cercada por uma dúzia de acólitos com tochas, suas túnicas se enroscando nos tornozelos. Em outro lugar, uma dupla de jogadores de cyvasse travava uma guerra do lado de fora de uma taverna. Um escravo permanecia ao lado da mesa, segurando uma lanterna sobre o tabuleiro. Tyrion podia ouvir uma mulher cantando. As palavras eram estranhas, a melodia, suave e triste. Se eu soubesse o que ela está cantando, poderia chorar. Mais perto, uma multidão se juntara ao redor de dois malabaristas que jogavam tochas acesas um para o outro.
Seu captor voltou logo, trazendo duas canecas de cerveja e um pato assado. Fechou a porta com um chute, rasgou o pato em dois e jogou metade para Tyrion. Ele teria apanhado a comida no ar, mas suas correntes impediram que esticasse os braços. Em vez disso, a ave acertou sua testa e escorregou quente e gordurosa por seu rosto. Ele teve que se agachar e se esticar para pegá-la, com os grilhões tilintando. Conseguiu na terceira tentativa, e rasgou a carne alegremente com os dentes.
- Alguma cerveja para empurrar para baixo?
Mormont passou-lhe uma caneca.
- A maioria de Volantis está se embebedando, por que não você?
A cerveja estava doce também. Tinha gosto de fruta. Tyrion tomou um bom gole e arrotou, feliz. A caneca era de estanho, muito pesada. Posso esvaziar e jogar na cabeça dele, pensou. Se tiver sorte, posso rachar seu crânio. Se tiver mais sorte ainda, posso errar, e ele me socará até a morte. Tomou outro gole.
- É algum dia sagrado?
- É o terceiro dia das eleições deles. Duram dez. Dez dias de loucura. Passeatas sob a luz de tochas, discursos, pantomimeiros, menestréis e dançarinos, espadachins em duelos até a morte, pela honra de seus candidatos, elefantes com os nomes dos candidatos à tríade pintados do lado. Esses malabaristas estão se apresentando por Methyso.
- Lembre-me de votar em outra pessoa. - Tyrion lambeu a gordura dos dedos. Embaixo, a multidão jogava moedas para os malabaristas. - Todos esses pretensos triarcas oferecem espetáculos de pantomimeiros?
- Fazem qualquer coisa que lhes tragam votos - disse Mormont. - Comida, bebida, espetáculos ... Alios enviou uma centena de escravas jovens e bonitas para as ruas, para angariar votos.
- Voto nele - Tyrion decidiu. - Traga-me uma escrava!
- Elas são para os volantinos nascidos livres com propriedades suficientes para votar. Há poucos mas preciosos votos a oeste do rio.
- E isso dura dez dias? - Tyrion riu. - Vou gostar disso, embora três reis tenham dois sobrando. Estou tentando me imaginar governando os Sete Reinos com minha doce irmã e meu bravo irmão ao meu lado. Um de nós mataria os outros dois dentro de um ano. Estou surpreso que esses triarcas não façam o mesmo.
- Poucos tentaram. Talvez eles sejam os espertos, e nós os tolos. Volantis é conhecida por sua cota de tolices, mas nunca sofreu com um triarca menino. Sempre que um louco é eleito, seus colegas o restringem até que seu ano cumpra o curso. Pense nos mortos que ainda viveriam se o Louco Aerys tivesse dois reis companheiros para repartir o governo.
Em vez disso, ele teve meu pai, Tyrion pensou.
- Algumas das Cidades Livres pensam que somos todos selvagens no nosso lado do mar estreito - o cavaleiro prosseguiu. - Ou então acham que somos crianças, chorando pela mão forte de um pai.
- Ou de uma mãe? - Cersei amará isso. Especialmente quando ele a presentear com minha cabeça. - Você parece conhecer bem a cidade.
- Passei grande parte de um ano aqui. - O cavaleiro agitou a borra do fundo de sua caneca de cerveja. - Quando Stark me mandou para o exílio, parti para Lys com minha segunda esposa. Teria me adaptado melhor em Bravos, mas Lynesse queria algum lugar quente. Em vez de servir aos bravosis, lutei contra eles no Roine, mas, para cada moeda de prata que eu ganhava, minha esposa gastava dez. Quando voltei para Lys, ela tinha arranjado um amante, que me disse alegremente que eu seria escravizado por causa das dívidas, a menos que a deixasse e partisse da cidade. Foi assim que vim para Volantis ... um degrau acima da escravidão, sem nenhuma posse que não minha espada e as roupas que cobriam meu corpo.
- E agora você quer ir para casa.
O cavaleiro tomou o último gole de cerveja.
- Pela manhã, encontrarei um navio para nós. A cama é minha. Você pode deitar em qualquer lugar do chão que suas correntes permitirem. Durma, se puder. Se não, conte seus crimes. Isso deve entretê-lo até de manhã.
Você tem crimes pelos quais responder, Jorah Mormont, o anão pensou, mas pareceu mais inteligente manter o pensamento para si.
Sor Jorah pendurou o cinturão da espada na viga da cama, arrancou as botas, puxou a cota de malha por sobre a cabeça e tirou a túnica de lã e couro manchada de suor, revelando um torso musculoso coberto de pelo escuro e marcado de cicatrizes. Se pudesse esfolá-lo, poderia vender sua pele como casaco de pelos, Tyrion pensou enquanto Mormont deitou no conforto ligeiramente malcheiroso da macia cama de penas.
Em pouco tempo o cavaleiro estava roncando, deixando seu prêmio sozinho com suas correntes. Com as duas janelas completamente abertas, a luz da lua minguante se esparramava pelo quarto de dormir. Barulhos vinham da praça abaixo; trechos de uma canção de bêbado, o miado de uma gata no cio, o ruído de metal contra metal. Alguém está prestes a morrer, pensou Tyrion.
Seu punho latejava onde a pele estava ferida, e os grilhões tornavam impossível para ele se sentar e muito menos se esticar. O melhor que podia fazer era se contorcer de lado para se apoiar contra a parede, e não muito depois começou a perder a sensação nas mãos. Quando as moveu para aliviar a tensão, a sensação voltou em forma de dor. Teve que trincar os dentes para não gritar. Perguntava-se quanto seu pai teria sofrido quando o dardo atravessara sua barriga, o que Shae sentira quando ele torcera a corrente ao redor de sua garganta mentirosa, o que Tysha sentira quando a estupraram. O sofrimento dele não era nada comparado aos deles, mas isso não fazia doer menos. Apenas faça parar.
Sor Jorah virou de lado, e tudo o que Tyrion podia ver dele eram as costas largas, peludas e musculosas. Se eu pudesse escapar dessas correntes, teria que escalar sobre ele para alcançar o cinturão. Talvez se eu pudesse soltar a adaga ... Ou então podia pegar a chave, destrancar a porta, arrastar-se escada abaixo e através do salão comum... e ir aonde? Não tenho amigos, não tenho dinheiro, nem sequer falo a língua local.
A exaustão finalmente suplantou suas dores, e Tyrion mergulhou em um sono profundo. Mas cada vez que outra câimbra se enraizava em sua panturrilha e torcia o músculo, o anão gritava no sono, agitando as correntes. Acordou com cada músculo dolorido, e encontrou a manhã atravessando as janelas, brilhante e dourada como o leão dos Lannister. Lá embaixo, podia ouvir o grito dos peixeiros e o barulho das rodas de ferro nas ruas de paralelepípedo.
Jorah Mormont estava em pé acima dele.
- Se eu o soltar do aro, fará o que lhe for pedido?
- Envolverá dança? Posso ter dificuldade para dançar. Não sinto minhas pernas. Devem ter caído. De outro modo, sou sua criatura. Por minha honra como Lannister.
- Os Lannister não têm honra. - Sor Jorah soltou as correntes assim mesmo. Tyrion deu dois passos vacilantes e caiu. O sangue voltando para suas mãos trouxe lágrimas aos seus olhos. Mordeu o lábio e disse:
- Onde quer que estejamos indo, você terá que me rolar até lá.
Em vez disso, o grande cavaleiro o carregou, levantando-o pelas correntes entre seus pulsos.
O salão comum da Casa do Mercador era um labirinto sombrio de alcovas e grutas, construído ao redor de um pátio central onde uma treliça de trepadeiras floridas criava padrões intrincados por todo o chão de laje, e musgo verde e púrpura crescia entre as pedras. Escravas corriam pela luz e sombra, carregando galões de cerveja, vinho e uma bebida gelada e verde com cheiro de hortelã. Uma mesa a cada vinte estava ocupada àquela hora da manhã.
Uma delas estava ocupada por um anão. Barbeado e com as bochechas rosadas, de cabelo castanho arrepiado, testa carregada e nariz achatado, estava empoleirado em um banco alto com uma colher de madeira na mão, contemplando uma tigela de sopa de aveia arroxeada com os olhos vermelhos. Pequeno bastardo feio, Tyrion pensou.
O outro anão sentiu que estava sendo encarado. Quando levantou a cabeça e viu Tyrion, a colher escorregou de sua mão.
- Ele me viu - Tyrion avisou Mormont.
- E daí?
- Ele me conhece. Sabe quem sou.
- Eu deveria tê-lo colocado em um saco, para que ninguém o visse? - O cavaleiro tocou o cabo de sua espada longa. - Se ele pretende levá-lo, é bem-vindo para tentar.
Bem-vindo para morrer, quer dizer, pensou Tyrion. Que ameaça ele poderia representar para um homem grande como você? É apenas um anão.
Sor Jorah exigiu uma mesa em um canto tranquilo e pediu comida e bebida. Quebraram o jejum com pita macia e morna, ovas de peixe rosa, linguiças no mel e gafanhotos fritos, empurrados para baixo com uma cerveja preta agridoce. Tyrion comia como um homem à beira da morte de fome.
- Está com um apetite saudável esta manhã - o cavaleiro observou.
- Ouvi dizer que a comida no inferno é miserável - Tyrion olhou para a porta, onde um homem acabara de entrar. Alto e encurvado, tinha a barba pontuda tingida de um roxo manchado. Algum mercador tyroshi. Uma rajada de som veio com ele do lado de fora; os gritos das gaivotas, o riso de uma mulher, as vozes dos peixeiros. Por meio segundo, pensou ter vislumbrado Illyrio Mopatis, mas era apenas um daqueles elefantes anões brancos passando pela porta da frente.
Mormont espalhou um pouco de ovas de peixe em uma pita e deu uma mordida.
- Esperando alguém?
O anão encolheu os ombros.
- Nunca se sabe quem o vento pode trazer. Meu verdadeiro amor, o fantasma do meu pai, um pato. - Estourou um gafanhoto na boca e mastigou ruidosamente. - Nada mal. Para um inseto.
- Na noite passada a conversa aqui era toda sobre Westeros. Algum lorde exilado contratou a Companhia Dourada para reconquistar suas terras. Metade dos capitães de Volantis estão correndo rio acima até Volon Therys para oferecer seus navios a ele.
Tyrion acabara de engolir outro gafanhoto. Quase engasgou com ele. Ele está zombando de mim? Quanto sabe sobre Griff e Aegon?
- Merda - disse. - Eu pretendia contratar a Companhia Dourada para conquistar Rochedo Casterly. - Seria algum truque de Griff, notícias falsas espalhadas deliberadamente? A menos que... Teria o belo príncipe engolido a isca? Voltar-se para oeste em vez de leste, abandonar suas esperanças de casamento com a Rainha Daenerys? Abandonar os dragões ... Griff permitiria isso? - Eu alegremente o contrataria também, sor. A cadeira de meu pai é minha por direito. Jure-me sua espada e, assim que eu conquistá-la, afogarei você em ouro.
- Vi um homem afogado certa vez. Não é uma visão bonita. Se você algum dia conseguir minha espada, será através de suas entranhas.
- Uma cura certa para a constipação - disse Tyrion. - Basta perguntar ao meu pai. - Alcançou sua caneca de cerveja e tomou um gole lento, para ajudar a esconder qualquer coisa que seu rosto estivesse mostrando. Devia ser um estratagema, planejado para acalmar as suspeitas dos volantinos. Colocar os homens a bordo com esse falso pretexto e tomar os navios quando estiverem em alto-mar. É esse o plano de Griff? Poderia funcionar. A Companhia Dourada tinha uma força de dez mil homens, experientes e disciplinados. Entretanto, nenhum deles é marinheiro. Griff terá que manter uma espada em cada garganta, e devem entrar na Baía dos Escravos, e terão que lutar...
A servente retornou.
- A viúva o verá em seguida, nobre sor. Trouxe um presente para ela?
- Sim. Obrigado. - Sor Jorah escorregou uma moeda na palma da mão da moça e a dispensou.
Tyrion franziu o cenho.
- Que viúva é essa?
- A viúva do cais. A leste de Roine, ainda a chamam de prostituta de Vogarro, mesmo que nunca diante dela.
O anão ainda não estava esclarecido.
- E Vogarro é... ?
- Um elefante, sete vezes triarca, muito rico, um poder nas docas. Enquanto outros homens construíam navios e navegavam neles, ele construiu píeres, armazéns, intermediou cargas, fez câmbio de moedas e seguros para donos de navios contra os perigos do mar. Lidava com escravos também. E, quando ficou obcecado por uma escrava de cama treinada em Yunkai no caminho dos sete suspiros, foi um grande escândalo ... e um escândalo maior ainda quando ele a libertou e a tomou por esposa. Depois que ele morreu, ela continuou os empreendimentos do marido. Nenhum liberto pode viver dentro da Muralha Negra, então ela foi obrigada a vender a mansão de Vogarro. Passou a morar na Casa do Mercador. Isso foi há trinta e dois anos, e ela permanece aqui até hoje. É ela atrás de você, de costas para o pátio, dando audiência em sua mesa habitual. Não, não olhe. Há alguém com ela agora. Quando ele terminar, será nossa vez.
- E como essa velha megera o ajudará?
Sor Jorah se levantou.
- Espere e verá. Ele está partindo.
Tyrion pulou da cadeira com uma chocalhada de ferro. Isso será esclarecedor.
Havia algo astuto na maneira como a mulher se sentava no canto do pátio, algo reptiliano em seus olhos. Seu cabelo branco era tão fino que era possível ver o crânio rosado por baixo. Sob um olho, ela ainda tinha cicatrizes leves onde a faca removera suas lágrimas. Os restos de sua refeição matinal permaneciam na mesa; cabeças de sardinha, caroços de azeitona, pedaços de pita. Tyrion não pôde deixar de notar quão bem escolhida era sua “mesa habitual”; pedra sólida às suas costas, uma alcova de folhas em um lado, para entradas e saídas, uma visão perfeita da porta da frente da estalagem e, ainda assim, tão mergulhada nas sombras que ela mesma era quase invisível.
A visão dele fez a velha mulher sorrir.
- Um anão - ronronou, com uma voz tão sinistra quanto suave. Ela falava a Língua Comum com apenas um traço de sotaque. - Volantis foi invadida por anões ultimamente, parece. Esse aí faz truques?
Sim, Tyrion quis dizer. Dê-me uma besta e lhe mostrarei meu favorito.
- Não - respondeu Sor Jorah.
- Uma pena. Certa vez tive um macaco que fazia todo tipo de truques espertos. Seu anão me lembra ele. É um presente?
- Não. Eu lhe trouxe isto - Sor Jorah apresentou seu par de luvas e o colocou na mesa, ao lado dos outros presentes que a viúva havia recebido naquela manhã; uma taça de prata, um leque incrustado com folhas de jade translúcidas de tão finas e uma antiga adaga de bronze marcada com runas. Ao lado de tais tesouros, as luvas pareciam baratas e de mau gosto.
- Luvas para minhas pobres mãos enrugadas. Que gentil. - A viúva não fez nenhum movimento para tocá-las.
- Eu as comprei na Grande Ponte.
- Um homem pode comprar qualquer coisa na Grande Ponte. Luvas, escravos, macacos. - Os anos haviam dobrado sua coluna e colocado uma corcunda de anciã em suas costas, mas os olhos da viúva eram brilhantes e negros. - Agora diga para esta velha viúva como ela pode ser útil para você.
- Precisamos de passagem rápida para leste, para Meereen.
Uma palavra. O mundo de Tyrion Lannister virou de cabeça para baixo.
Uma palavra. Meereen. Ou ele teria ouvido mal?
Uma palavra. Meereen, ele disse Meereen, está me levando para Meereen. Meereen significava vida. Ou esperança de vida, pelo menos.
- Por que veio até mim? - disse a viúva. - Não tenho navios.
- Você tem muitos capitães em dívida.
Entregar-me para a rainha, ele disse. Sim, mas qual rainha? Ele não está me vendendo para Cersei. Está me dando para Daenerys Targaryen. É por isso que não cortou minha cabeça. Estamos indo para leste, e Griff e seu príncipe estão indo para oeste, malditos tolos.
Ah, aquilo era demais. Trama dentro de trama, mas todas as estradas levam para dentro da goela do dragão. Uma gargalhada explodiu de seus lábios e, de repente, Tyrion não podia parar de rir.
- Seu anão está tendo um ataque - a viúva observou.
- Meu anão ficará quieto, senão terei que amordaçá-lo.
Tyrion cobriu a boca com as mãos. Meereen!
A viúva do cais decidiu ignorá-lo.
- Podemos tomar algo? - ela perguntou. Poeira flutuava no ar enquanto a servente enchia duas taças de vidro verde para Sor Jorah e a viúva. A garganta de Tyrion estava seca, mas nenhuma taça foi servida para ele. A viúva tomou um gole, rodou o vinho pela boca e engoliu. - Todos os outros exilados estão navegando para oeste, ou assim esses velhos ouvidos escutaram. E todos os capitães em dívida comigo estão tombando uns sobre os outros para levá-los e sugar um pouco do ouro da Companhia Dourada. Nossos nobres triarcas prometeram uma dúzia de navios de guerra para a causa, para assegurar-se de que a frota chegará em segurança a Passopedra. Até o velho Doniphos deu seu consentimento. Que gloriosa aventura. E mesmo assim você quer ir para o outro lado, sor.
- Meus negócios estão no leste.
- E que negócios são esses, me pergunto? Não são escravos. A rainha de prata colocou um fim nisso. Ela também fechou as arenas de luta, então não pode ser pelo gosto do sangue. O que mais Meereen poderia oferecer a um cavaleiro westerosi? Tijolos? Oliveiras? Dragões? Ah, aí está. - O sorriso da velha mulher ficou selvagem. - Ouvi dizer que a rainha de prata os alimenta com a carne de crianças, enquanto ela mesma se banha no sangue de moças virgens e toma um amante diferente a cada noite.
A boca de Sor Jorah endureceu.
- Os yunkaítas estão despejando veneno em seus ouvidos. Minha senhora não deveria acreditar em tais sujeiras.
- Não sou senhora, mas até a prostituta de Vogarro conhece o gosto da falsidade. Uma coisa é verdade, porém ... a rainha dragão tem inimigos ... Yunkai, Nova Ghis, Tolos, Qarth ... sim, e Volantis, muito em breve. Quer viajar para Meereen? Apenas espere um pouco, sor. Espadas logo serão necessárias, quando os navios de guerra virarem seus remos para leste, para derrubar a rainha dragão. Tigres amam mostrar suas garras, e até elefantes matarão se forem ameaçados. Malaquo tem fome pelo gosto de glória e Nyessos deve muito de sua riqueza ao comércio de escravos. Deixe Alios, Parquello ou Belicho ser eleito triarca, e as frotas navegarão.
Sor Jorah fez uma careta.
- Se Doniphos voltar...
- Vogarro voltará primeiro, e meu doce senhor tem estado morto nesses trinta anos.
Atrás deles, algum marinheiro reclamava em voz alta.
- Chamam isso de cerveja? Que se fodam. Um macaco mijaria cerveja melhor.
- E você beberia - outra voz respondeu.
Tyrion se virou para olhar, na esperança de estar ouvindo Pato e Haldon. Em vez disso, viu dois estranhos ... e o anão, parado alguns metros para trás, encarando-o intensamente. De algum modo, parecia familiar.
A viúva tomou delicadamente um gole de seu vinho.
- Alguns dos primeiros elefantes eram mulheres - disse - as que derrubaram os tigres e acabaram com as antigas guerras. Trianna foi reeleita quatro vezes. Isso foi há trezentos anos, infelizmente. Volantis não teve uma triarca mulher desde aquela época, embora algumas mulheres fossem votadas. Mulheres de bom nascimento, que vivem nos antigos palácios atrás da Muralha Negra, não criaturas como eu. O Sangue Antigo permitirá que os cães e as crianças votem antes dos libertos. Não, será Belicho, ou talvez Alios, mas de qualquer maneira haverá guerra. Ou assim eles pensam.
- E o que você acha? - Sor Jorah perguntou.
Bom, pensou Tyrion. A pergunta certa.
- Ah, também acho que teremos guerra, mas não a guerra que eles querem. - A velha mulher se inclinou para a frente, seus olhos negros brilhando. - Acho que aquele R'hllor vermelho tem mais seguidores nesta cidade do que todos os outros deuses juntos. Já ouviu o discurso de Benerro?
- Noite passada.
- Benerro pode ver o amanhã em suas chamas - a viúva disse. - Triarca Malaquo tentou contratar a Companhia Dourada, sabia? Pretendia despejar o templo vermelho e passar Benerro pela espada. Não ousou usar os capas de tigre. Metade deles é adoradora do Senhor da Luz também. Ah, estes são dias terríveis na Antiga Volantis, até mesmo para velhas viúvas enrugadas. Mas nem metade tão terrível quanto em Meereen, acho. Então me diga, sor... por que procura a rainha prateada?
- Isso é problema meu. Posso pagar por nossa passagem, e pagar bem. Tenho prata.
Tolo, pensou Tyrion. Não é dinheiro que ela quer, é respeito. Você não ouviu uma palavra do que ela disse? Olhou por cima do ombro novamente. O anão havia se aproximado da mesa deles. E parecia ter uma faca na mão. Os pelos de sua nuca começaram a se arrepiar.
- Fique com sua prata. Tenho ouro. E me poupe dos seus olhares sombrios, sor. Sou velha demais para ter medo de carrancas. Você é um homem duro, vejo, e não tenho dúvidas de que seja habilidoso com essa espada longa ao seu lado, mas este é meu reino. Basta eu dobrar um dedo e você se encontrará viajando para Meereen acorrentado ao remo no porão de uma galé. - Ela levantou o leque de jade e o abriu. Houve um farfalhar de folhas, e um homem deslizou do arco coberto à esquerda dela. O rosto dele era uma massa de cicatrizes, e uma mão segurava uma espada tão pequena e pesada quanto um cutelo.
- Procure pela viúva do cais, alguém lhe disse, mas também deveriam ter lhe avisado, cuidado com os filhos da viúva. Mas esta é uma manhã agradável, e eu perguntarei novamente. Por que procura Daenerys Targaryen, aquela que metade do mundo quer morta?
O rosto de Jorah Mormont estava sombrio de raiva, mas respondeu.
- Para servi-la. Defendê-la. Morrer por ela, se preciso.
Aquilo fez a viúva rir.
- Você quer resgatá-la, esse é o propósito de tudo isso? De mais inimigos do que posso nomear, com espadas além da conta ... É nisso que você quer que essa pobre viúva acredite? Que você é um verdadeiro e nobre cavaleiro westerosi cruzando metade do mundo para ajudar essa ... bem, ela não é uma donzela, embora ainda possa ser bonita. - Ela riu novamente. - Você acha que seu anão a agradará? Acha que ela se banhará no sangue dele ou se comentará em arrancar sua cabeça?
Sor Jorah hesitou.
- O anão é...
- Eu sei quem o anão é, e o que ele é. - Seus olhos negros se viraram para Tyrion, duros como pedra. - Assassino de parentes, regicida, assassino, vira-casacas. Lannister. - Falou a última palavra como se fosse uma maldição. - O que planeja oferecer para a rainha dragão, homenzinho?
Meu ódio, Tyrion quis dizer. Em vez disso, abriu as mãos tanto quanto os grilhões permitiram.
- O que quer que ela queira de mim. Conselhos sábios, sagacidade selvagem, um pouco de cambalhotas. Meu pau, se ela quiser. Minha língua, se não. Liderarei seus exércitos ou esfregarei seus pés, se ela desejar. E a única recompensa que peço é ter a permissão de estuprar e matar minha irmã.
Aquilo trouxe o sorriso de volta ao rosto da velha mulher.
- Este um ao menos é honesto - anunciou - mas você, sor... Conheci uma dúzia de cavaleiros westerosis e mil aventureiros da mesma laia, mas nenhum tão puro quanto você pinta a si mesmo. Homens são animais, egoístas e brutais. Mesmo gentis com as palavras, eles têm sempre motivos obscuros por baixo. Não acredito em você, sor. - Ela abanou o leque na direção deles, como se não fossem mais do que moscas zumbindo ao redor de sua cabeça. - Se quer ir para Meereen, nade. Não tenho ajuda para lhe dar.
E então os sete infernos eclodiram de uma vez.
Sor Jorah começou a se levantar, a viúva fechou o leque, o homem marcado de cicatrizes deslizou para fora das sombras ... e atrás deles uma garota gritou. Tyrion se virou justamente a tempo de ver o anão correndo na direção dele. É uma garota, percebeu de súbito, uma garota vestida em roupas de homem. E pretende me estripar com aquela faca.
Por meio segundo, Sor Jorah, a viúva e o homem marcado ficaram parados como pedra. Desocupados observavam das mesas próximas, tomando cerveja e vinho, mas ninguém se mexeu para interferir. Tyrion tentou mover as duas mãos de uma vez, mas suas correntes permitiram apenas que alcançasse o jarro sobre a mesa. Fechou o punho em torno dele, virou-se e jogou o conteúdo no rosto da anã que o atacava, enquanto se atirava de lado para evitar a faca dela. O jarro quebrou-se debaixo dele, enquanto o chão subia para esmagar sua cabeça. E então a garota estava sobre ele novamente. Tyrion rolou para o lado enquanto ela enfiou a faca nas tábuas do chão, puxou a arma de volta, levantou-se novamente...
... e repentinamente ela foi levantada acima do chão, pernas chutando descontroladamente, enquanto se debatia para escapar de Sor Jorah.
- Não - gemeu, na Língua Comum de Westeros. - Deixe-me! - Tyrion ouviu a túnica da anã se rasgar enquanto ela lutava para se libertar.
Mormont a segurava pelo pescoço com uma mão. Com a outra, arrancou a adaga de sua mão.
- Basta.
E então o proprietário apareceu, com um porrete na mão. Quando viu o jarro quebrado, proferiu uma maldição mal-humorada e exigiu saber o que acontecera.
- Briga de anões - respondeu o tyroshi com a barba roxa, rindo.
Tyrion olhou para cima, para a garota que se contorcia no ar.
- Por quê? - perguntou. - O que eu fiz para você?
- Eles o mataram. - Toda aquela luta fora demais para ela. Soltou-se mole, pendurada na mão de Mormont, enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. - Meu irmão. Eles o pegaram e mataram.
- Quem o matou? - perguntou Mormont.
- Marinheiros. Marinheiros dos Sete Reinos. Eram cinco deles, bêbados. Eles nos viram disputando justas na praça e nos seguiram. Quando perceberam que eu era uma garota me deixaram ir, mas levaram meu irmão e o mataram. Cortaram a cabeça dele.
Tyrion sentiu um choque súbito de reconhecimento. Eles nos viram disputando justas na praça. Ele sabia quem era a garota.
- Você cavalgava o porco? - perguntou para ela. - Ou o cachorro?
- O cachorro - ela soluçou. - Oppo sempre cavalgava o porco.
Os anões do casamento de Joffrey. Fora o espetáculo deles que começara toda a confusão daquela noite. Que estranho, encontrá-la novamente a meio mundo de distância. Embora talvez não fosse tão estranho assim. Se tivessem metade da esperteza do porco, teriam fugido de Porto Real na noite em que Joff morreu, antes que Cersei pudesse lhes atribuir alguma culpa na morte do filho.
- Deixe-a descer, sor - pediu para Sor Jorah Mormont. - Ela não nos causará nenhum dano.
Sor Jorah colocou a anã no chão.
- Sinto muito por seu irmão ... mas não tivemos participação na morte dele.
- Ele teve. - A garota se ajoelhou, segurando a túnica rasgada e manchada de sangue sobre os seios claros. - Era ele quem eles queriam. Pensaram que Oppo era ele. - A garota estava chorando agora, implorando ajuda de qualquer um que pudesse ouvir. - Ele deve morrer, do jeito que meu pobre irmão morreu. Por favor. Alguém me ajude. Alguém o mate. - O proprietário a agarrou rudemente por um braço e a colocou novamente em pé, gritando em volantino, exigindo saber quem pagaria por seus prejuízos.
A viúva do cais deu um olhar gelado para Mormont.
- Cavaleiros defendem os fracos e protegem os inocentes, dizem. E eu sou a donzela mais bonita em toda Volantis. - Sua risada estava cheia de desprezo. - Como a chamam, filha?
- Merreca.
A velha mulher chamou o proprietário na língua da Antiga Volantis. Tyrion sabia o suficiente para entender que estava dizendo para ele levar a anã até seus aposentos, servir-lhe vinho e encontrar algumas roupas para ela vestir.
Quando foram embora, a viúva estudou Tyrion; seus olhos negros brilhavam.
- Monstros deveriam ser maiores, me parece. Você vale títulos e propriedades em Westeros, homenzinho. Aqui, temo, seu valor é um pouco menor. Mas acho que faço melhor em ajudar você, apesar de tudo. Parece que Volantis não é um lugar seguro para anões.
- Você é muito gentil. - Tyrion lhe deu seu sorriso mais doce. - Talvez possa ser mais gentil ainda e remover esses charmosos braceletes também? Este monstro tem apenas metade do nariz, e ele coça de modo abominável. As correntes são curtas demais para que eu possa coçá-lo. Posso presenteá-la com elas, alegremente.
- Que gentil. Mas já usei ferro no meu tempo e agora prefiro ouro e prata. É triste dizer, mas esta é Volantis, onde grilhões e correntes são mais baratos do que pão amanhecido e é proibido ajudar um escravo a escapar.
- Não sou escravo.
- Todo homem capturado por traficantes de escravos canta a mesma triste canção. Não ouso ajudá-lo ... aqui. - Inclinou-se para a frente novamente. - Dois dias a partir de agora, o navio de pesca Selaesori Qhoran vai navegar para Qarth, passando por Nova Ghis, carregado de estanho e ferro, fardos de lã e rendas, cinquenta tapetes de Myr, um cadáver conservado em salmoura, vinte jarros de pimenta-dragão e um sacerdote vermelho. Estejam a bordo quando zarpar.
- Estaremos - disse Tyrion. E obrigado.
Sor Jorah franziu a testa.
- Qarth não é nosso destino.
- O navio nunca chegará a Qarth. Benerro viu nas chamas. - A anciã sorriu de maneira astuta.
- Como queira. - Tyrion sorriu. - Se eu fosse volantino, livre e tivesse o sangue, você teria meu voto para triarca, minha senhora.
- Não sou senhora - a viúva replicou - apenas a prostituta de Vogarro. Vão querer ter partido antes que os tigres venham. Se alcançarem sua rainha, transmitam a ela uma mensagem dos escravos da Antiga Volantis. - Ela tocou a cicatriz desbotada no rosto enrugado, onde as lágrimas haviam sido removidas. - Diga que estamos esperando. Diga para ela vir logo. 

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