Quando
chegaram a Volantis, o céu estava púrpura no oeste e negro no
leste, e as estrelas começavam a aparecer. As mesmas estrelas de
Westeros, Tyrion Lannister pensou.
Poderia
ter tirado algum conforto disso, se não estivesse amarrado como um
ganso e preso em uma sela. Desistira de se contorcer. Os nós que o
prendiam estavam muito apertados. Em vez disso, soltara-se como um
saco de farinha. Para poupar minhas forças, disse a si mesmo, embora
não soubesse dizer para quê.
Volantis
fechava os portões quando escurecia, e os guardas do portão norte
resmungavam impacientemente para os retardatários. juntaram-se à
fila, atrás de uma carroça repleta de limões e laranjas. Os
guardas sinalizaram para a carroça com as tochas, mas lançaram um
olhar duro para o grande ândalo em seu cavalo de guerra, com espada
longa e cota de malha. Um capitão foi convocado. Enquanto ele e o
cavaleiro trocavam algumas palavras em volantino, um dos guardas
tirou a manopla com garras e esfregou a cabeça de Tyrion.
-
Estou cheio de boa fortuna - o anão disse para ele. - Solte-me, meu
amigo, e me assegurarei de que seja bem recompensado.
Seu
captor ouviu.
-
Guarde suas mentiras para aqueles que falam sua língua, Duende -
disse, quando os volantinos acenaram para que passassem.
Então
estavam novamente em movimento, passando o portão e sob as maciças
muralhas da cidade.
-
Você fala minha língua. Posso influenciá-lo com promessas, ou está
determinado a comprar sua senhoria com minha cabeçar
-
Eu era um lorde, por direito de nascença. Não quero títulos
vazios.
-
Isso é tudo o que vai conseguir da minha doce irmã.
-
E aqui ouvi que um Lannister sempre paga suas dívidas.
-
Ah, cada moeda ... Mas nunca uma moeda a mais, senhor. Você terá a
refeição pela qual barganhar, mas não será temperada com gratidão
e, no fim, não vai nutri-lo.
-
Pode ser que tudo o que eu queira é que você pague por seus crimes.
Os assassinos de parentes são amaldiçoados perante os olhos dos
deuses e dos homens.
-
Os deuses são cegos. E os homens só veem o que desejam.
-
Vejo você bastante claro, Duende. - Algo sombrio tomou conta do tom
do cavaleiro. - Fiz coisas das quais não me orgulho, coisas que
trouxeram vergonha à minha casa e ao nome do meu pai ... mas matar o
próprio pai? Como um homem pode fazer isso?
-
Dê-me uma besta e abaixe os calções que mostro para você. -
Alegremente.
-
Acha que isso é uma brincadeira?
-
Acho que a vida é uma brincadeira. A sua, a minha, a de todo mundo.
Dentro
das muralhas da cidade, passaram por guildas, mercados e casas de
banho. Fontes jorravam e cantavam no centro de amplas praças onde
homens se sentavam em tabuleiros de pedra, movendo peças de cyvasse
e bebendo vinho em taças de vidro enquanto escravos acendiam
lanternas ornamentadas para manter a escuridão na baía. Palmeiras e
cedros cresciam ao longo das ruas pavimentadas, e monumentos eram
encontrados em cada cruzamento. Muitas das estátuas não tinham
cabeça, o anão notou, mas mesmo assim pareciam majestosas sob o
crepúsculo púrpura.
Conforme
o cavalo de guerra seguia lentamente para sul junto ao rio, as lojas
ficavam menores e mais pobres, as árvores ao longo das ruas
tornavam-se uma fileira de tocos. Os paralelepípedos deram lugar à
erva-do-diabo sob os cascos do cavalo, e depois a uma lama úmida e
mole, da cor de excrementos de bebê. As pequenas pontes que
atravessavam os riachos que alimentavam o Roine rangiam sob o peso
deles de forma alarmante. Onde uma vez existira um forte na margem do
rio, agora havia um portão quebrado, escancarado como a boca sem
dentes de um homem velho. Era possível vislumbrar cabras espiando
sobre os parapeitos.
Antiga
Volantis, primeira filha de Valíria, o anão devaneou. Orgulhosa
Volantis, rainha do Roine e amante do Mar de Verão, lar de nobres
senhores e adoráveis senhoras do mais antigo sangue. Não importavam
os grupos de crianças nuas que percorriam os becos gritando em vozes
estridentes, ou os espadachins parados nas portas das adegas,
manejando o cabo de suas espadas, ou os escravos com as costas
encurvadas e o rosto tatuado que corriam de um lado para outro como
baratas. Poderosa Volantis, a mais grandiosa e mais populosa das Nove
Cidades Livres. Contudo, grande parte da cidade havia sido despovoada
por antigas guerras, e grandes áreas de Volantis começavam a
afundar sob a lama em que estavam. Bela Volantis, cidade de fontes e
flores. Mas metade das fontes estava seca, metade das piscinas,
rachada e inativa. Trepadeiras floridas saíam de cada rachadura nas
paredes ou no chão pavimentado, e jovens árvores lançavam raízes
em paredes de lojas abandonadas e de templos sem telhado.
E
havia o cheiro. Estava no ar úmido e quente, rico, rançoso,
penetrante. Tem cheiro de peixe e flores, assim como de excrementos
de elefante. Algo doce, algo terroso, algo morto e podre.
-
Esta cidade cheira como puta velha - Tyrion anunciou. - Algo como uma
mulher desleixada e flácida que encharcou suas partes íntimas para
disfarçar o fedor entre as pernas. Não que eu esteja reclamando.
Com putas, as mais jovens cheiram melhor, mas as mais velhas conhecem
mais truques.
-
Você deve ter mais experiência nisso do que eu.
-
Ah, é claro. Aquele bordel onde nos encontramos, você pensou que
era um septo? Era sua virginal irmã que se contorcia no seu colo?
Aquilo
fez o cavaleiro fechar a cara.
-
Dê um descanso à sua língua, a menos que prefira que eu dê um nó
nela.
Tyrion
engoliu sua resposta. Seus lábios ainda estavam inchados da última
vez que fora longe demais. Mãos duras e nenhum senso de humor fazem
um péssimo casamento.
Aprendera
isso na estrada de Selhorys. Seus pensamentos foram para sua bota,
para os cogumelos entre seus dedos. O captor não o havia revistado
com tanto cuidado quanto deveria. Sempre há essa fuga. Cersei não
me terá vivo, pelo menos.
Mais
ao sul, os sinais de prosperidade começaram a reaparecer. Os prédios
abandonados eram vistos com menos frequência, as crianças nuas
desapareceram e os espadachins diante das portas pareciam mais
suntuosamente vestidos. Algumas estalagens pelas quais passaram
realmente pareciam lugares nos quais um homem podia dormir sem medo
de ter a garganta cortada. Lanternas penduradas em postes de ferro ao
longo da estrada do rio agitavam-se quando o vento soprava. As ruas
ficaram mais largas, as construções mais imponentes. Algumas eram
encimadas por grandes domas de vidro colorido. Na penumbra que se
adensava, com as fogueiras acesas, os domas brilhavam em tons de
azul, vermelho, verde e púrpura.
Mesmo
assim, havia algo no ar que deixava Tyrion desconfortável. A oeste
do Roine, ele sabia, o cais de Volantis fervilhava com marinheiros,
escravos e comerciantes, além de adegas, estalagens e bordéis todos
feitos para eles. A leste do rio, estranhos do outro lado do mar eram
raramente vistos. Não somos bem-vindos aqui, Tyrion percebeu.
Da
primeira vez que passaram por um elefante, Tyrion não pôde deixar
de encarar. Havia um elefante no zoológico de Lannisporto quando era
menino, mas o animal morrera quando ele tinha sete anos ... Este
grande gigante cinza parecia ter o dobro do tamanho.
Mais
adiante, ficaram atrás de um pequeno elefante, branco como osso
antigo, que puxava um carrinho enfeitado.
-
É um carro de boi sem o boi? - perguntou Tyrion para seu captor.
Quando o gracejo não teve resposta, voltou a ficar em silêncio,
contemplando a traseira bamboleante do elefante branco diante deles.
Volantis
era inundada de elefantes anões brancos. Quando se aproximaram da
Muralha Negra e dos bairros lotados próximos à Grande Ponte, viram
uma dúzia deles. Grandes elefantes cinzentos tampouco eram incomuns;
animais imensos, com castelos nas costas. E, na meia-luz da noite, as
carroças de esterco haviam surgido, levadas por escravos seminus
cuja tarefa era recolher as pilhas fumegantes deixadas tanto por
elefantes grandes quanto pelos pequenos. Enxames de moscas seguiam as
carroças, por isso os escravos de esterco tinham moscas tatuadas no
rosto, para marcar sua função. Eis um ramo para minha doce irmã,
Tyrion ponderou. Ela ficaria linda com uma pazinha e moscas tatuadas
naquelas doces faces rosadas.
Até
então iam tão devagar que quase se arrastavam. A estrada do rio
tinha tráfego pesado, quase todo indo para o sul. O cavaleiro foi
com a multidão, uma tora presa na correnteza. Tyrion olhava a
multidão que passava. Nove homens em cada dez levavam marcas de
escravo no rosto.
-
Tantos escravos ... para onde estão indo todos?
-
Os sacerdotes vermelhos acendem suas fogueiras noturnas ao pôr do
sol. O Alto Sacerdote vai falar. Eu evitaria isso se pudesse, mas
para alcançar a Grande Ponte temos que passar pelo templo vermelho.
Três
quarteirões depois, a rua se abriu diante deles em uma imensa praça
iluminada com tochas, e lá terminou. Que os Sete me salvem, isso é
três vezes maior que o Grande Septo de Baelor. Com uma enormidade de
pilares, degraus, contrafortes, pontes, domas e torres que fluíam
para dentro umas das outras, como se tivessem sido esculpidas em uma
única rocha colossal, o Templo do Senhor da Luz assomava como a
Colina de Aegon. Uma centena de tons de vermelho, amarelo, dourado e
laranja se encontravam e se fundiam nas paredes do templo,
dissolvendo-se uns nos outros como nuvens ao entardecer. Suas torres
delgadas retorciam-se para cima, como chamas congeladas que
alcançavam o céu. Fogo transformado em pedra. Imensas fogueiras
queimavam ao lado das escadas do templo e, entre elas, o Alto
Sacerdote começara a falar.
Benerro.
O sacerdote estava em um pilar de pedra vermelha, unido por uma
estreita ponte de pedra a um terraço onde permaneciam os sacerdotes
menores e os acólitos. Os acólitos trajavam túnicas amarelo-claras
e laranja brilhante; os sacerdotes e as sacerdotisas usavam vermelho.
A
grande praça diante deles estava tão lotada que a multidão parecia
um único bloco sólido. Muitos adoradores usavam algum pedaço de
tecido vermelho pendurado nas mangas ou amarrado ao redor da testa.
Cada olhar estava direcionado ao Alto Sacerdote, exceto os deles.
-
Abram caminho. - Os volantinos davam licença ressentidos, com
murmúrios e olhares zangados.
A
voz alta de Benerro se fazia ouvir bem. Alto e magro, tinha o rosto
deformado e a pele branca como leite. Chamas haviam sido tatuadas nas
bochechas, no queixo e na cabeça raspada, para formar uma brilhante
máscara vermelha que crepitava sob seus olhos e circundava sua boca
de lábios muito finos.
-
Isso é uma tatuagem de escravo? - Tyrion perguntou.
O
cavaleiro concordou.
-
O Templo Vermelho os compra quando são crianças e faz deles
sacerdotes, prostitutas ou guerreiros do templo. Olhe ali. - Apontou
para os degraus, onde uma fila de homens em armaduras ornamentadas e
mantos laranja permanecia diante das portas do templo, segurando
lanças cujas pontas pareciam chamas se contorcendo. - A Mão
Ardente. Os soldados sagrados do Senhor da Luz, defensores do templo.
Cavaleiros
de fogo.
-
E quantos dedos tem essa mão, posso saber?
-
Mil. Nunca mais, nunca menos. Uma nova chama é acesa para cada uma
que se apaga.
Benerro
apontou um dedo para a lua, fechou a mão e depois a espalmou. Quando
sua voz aumentou em um crescendo, chamas saíram de seus dedos com um
clarão repentino que fez a multidão se sobressaltar. O sacerdote
podia traçar letras ardentes no ar também. Glifos valirianos.
Tyrion reconheceu talvez dois de dez; um era Perdição e o outro,
Escuridão.
Gritos
irromperam da multidão. Mulheres choravam e homens agitavam os
punhos. Tenho um mau pressentimento sobre isso. O anão se lembrou do
dia em que Myrcella partira para Dorne e a revolta que estourou
enquanto voltavam para a Fortaleza Vermelha.
Meiomeistre
Haldon falara em usar o sacerdote vermelho em benefício do Jovem
Griff, Tyrion recordou. Agora que havia visto e ouvido o homem por si
mesmo, aquilo parecia uma péssima ideia. Esperava que Griff tivesse
mais bom-senso. Alguns aliados são mais perigosos do que inimigos.
Mas Lorde Connington terá que juntar essas peças por conta própria.
Serei uma cabeça em uma lança.
O
sacerdote apontava a Muralha Negra atrás do templo, gesticulando na
direção dos parapeitos, onde um punhado de guardas em armaduras
olhava para baixo.
-
O que ele está dizendo? - Tyrion perguntou ao cavaleiro.
-
Que Daenerys está em perigo. O olho sombrio caiu sobre ela, e os
asseclas da noite estão tramando sua destruição, rezando para
falsos deuses em templos do engano ... conspirando uma traição com
forasteiros sem deuses ...
Os
cabelos na nuca de Tyrion se arrepiaram. O Príncipe Aegon não
encontrará amigos aqui. O sacerdote vermelho falou sobre a antiga
profecia, a profecia que predisse a chegada de um herói para livrar
o mundo da escuridão. Um herói. Não dois. Daenerys tem dragões,
Aegon, não. O anão não precisava ser um profeta para prever como
Benerro e seus seguidores podiam reagir a um segundo Targaryen. Griff
verá isso também, certamente, pensou, surpreso em descobrir o
quanto se importava.
O
cavaleiro forçou caminho pela maioria da multidão compacta no fundo
da praça, ignorando os xingamentos que eram lançados enquanto
passavam. Um homem parou diante deles, mas o captor de Tyrion agarrou
o cabo da espada longa e desembainhou o suficiente para mostrar
alguns centímetros de aço nu. O homem se afastou e, de repente, um
beco se abriu diante deles. O cavaleiro instou a montaria ao trote, e
deixaram a aglomeração para trás. Por um tempo, Tyrion ainda pôde
ouvir a voz de Benerro, cada vez mais baixa, e os rugidos que suas
palavras provocavam, repentinos como trovões.
Chegaram
a um estábulo. O cavaleiro desmontou e esmurrou a porta até que um
escravo encovado, com uma cabeça de cavalo na bochecha, chegou
correndo. O anão foi arrancado bruscamente da sela e amarrado em um
poste, enquanto seu captor acordava o dono do estábulo e discutia
com ele sobre o preço do cavalo e da sela. É mais barato vender um
cavalo do que embarcar um para atravessar meio mundo. Tyrion sentia
um navio em seu futuro imediato. Talvez fosse um profeta, no final
das contas.
Quando
a barganha foi concluída, o cavaleiro pendurou suas armas, o escudo
e a sacola por cima do ombro e pediu indicações de como chegar ao
ferreiro mais próximo. A oficina estava fechada também, mas abriu
rapidamente com o grito do cavaleiro. O ferreiro deu um olhar de
soslaio para Tyrion, então acenou com a cabeça e aceitou um punhado
de moedas.
-
Venha aqui. - O cavaleiro disse para seu prisioneiro. Desembainhou
sua adaga e cortou os nós que o prendiam.
-
Meus agradecimentos - disse Tyrion, enquanto esfregava os pulsos, mas
o cavaleiro apenas riu e disse:
-
Guarde sua gratidão para quem a mereça, Duende. Você não gostará
do próximo bocado.
Ele
não estava errado.
As
algemas eram de ferro negro, grossas e pesadas, cada uma com pelo
menos um quilo, de acordo com a avaliação do anão. As correntes
adicionavam ainda mais peso.
-
Devo ser mais temível do que imaginava - Tyrion confessou, enquanto
os últimos elos eram fechados a marteladas. Cada batida enviava uma
onda de choque pelo braço, até quase o ombro. - Ou você tem medo
que eu escape com essas minhas perninhas atrofiadas?
O
ferreiro não fez mais do que olhar para seu trabalho, mas o
cavaleiro riu sombriamente.
-
É sua boca que me preocupa, não suas pernas. Em grilhões, você é
um escravo. Ninguém escutará uma palavra do que diz, nem mesmo
aqueles que falam a língua de Westeros.
-
Não há necessidade disso - Tyrion protestou. - Serei um bom pequeno
prisioneiro, serei, serei.
-
Então prove e cale a boca.
Então
ele baixou a cabeça e mordeu a língua, enquanto as correntes eram
fixadas: pulso com pulso, pulso com tornozelo, tornozelo com
tornozelo. Essas coisas malditas pesam mais do que eu. Pelo menos
ainda respirava. Seu captor poderia facilmente ter cortado sua
cabeça. Isso era tudo o que Cersei pedia, afinal. Não fazer isso
imediatamente fora o primeiro erro de seu captor. Há meio mundo
entre Volantis e Porto Real, e muito mais pode acontecer ao longo do
caminho, sor.
O
resto do caminho, fizeram a pé, com Tyrion tilintando e retinindo
enquanto lutava para acompanhar os passos largos e impacientes de seu
captor. Cada vez que ameaçava ficar para trás, o cavaleiro
aproveitava os grilhões e o puxava rudemente, trazendo o anão
tropeçando e saltando para seu lado. Podia ser pior. Ele podia estar
me apressando com um chicote.
Volantis
esparramava-se pela foz do Roine, onde o rio beijava o mar, suas duas
metades unidas pela Grande Ponte. A parte mais velha e mais rica da
cidade era o lado leste do rio, mas mercenários, bárbaros e outros
forasteiros incultos não eram bem-vindos, então precisavam cruzar
para oeste.
O
portão da Grande Ponte era um arco de pedra negra esculpido com
esfinges, manticoras, dragões e outras criaturas ainda mais
estranhas. Além do arco, estendia-se a grande passagem que os
valirianos construíram no auge de sua glória, o piso de pedra
fundida suportado por pilares maciços. A estrada era larga o
suficiente para duas carretas atravessarem lado a lado, mas toda vez
que um carroção vindo do oeste se encontrava com um do leste, ambos
tinham que reduzir a velocidade drasticamente.
Ainda
bem que estavam a pé. A um terço do caminho, um carroção
carregado com melões enroscou a roda em outro que levava altas
pilhas de tapetes de seda e levou todo o tráfego em rodas a um
impasse. Muito do tráfego a pé também parou para assistir aos
motoristas xingarem e gritarem um para o outro, mas o cavaleiro
agarrou as correntes de Tyrion e abriu caminho pelas pessoas
aglomeradas. No meio da multidão, um garoto tentou alcançar sua
bolsa, mas uma cotovelada forte colocou fim a isso e espalhou o
sangue do nariz do ladrão por metade do seu rosto.
Construções
erguiam-se nos dois lados; lojas e templos, tavernas e estalagens,
salões de cyvasse e bordéis. A maioria tinha três ou quatro
andares, cada andar pendendo sobre o de baixo. Os andares de cima de
cada lado quase se beijavam. Cruzar a ponte era como atravessar um
túnel de tochas acesas. Ao longo da passagem havia lojas e bancas de
todos os tipos; tecelões e rendeiras mostravam seus produtos lado a
lado com sopradores de vidro, fabricantes de velas e peixeiras que
vendiam enguias e ostras. Cada ourives tinha um guarda em sua porta;
cada vendedor de especiarias tinha dois, uma vez que suas mercadorias
eram duas vezes mais preciosas. Aqui e acolá, entre as lojas, um
viajante podia ter um vislumbre do rio que atravessavam. Para o
norte, o Roine era uma ampla fita negra, resplandecendo com as
estrelas, cinco vezes mais largo do que a Torrente do Água Negra, em
Porto Real. Ao sul da ponte, o rio se abria para abraçar o mar
salgado.
Na
arcada central da ponte, várias mãos decepadas de ladrões e
batedores de carteiras estavam penduradas como réstias de cebolas em
ganchos de ferro ao longo do caminho. Três cabeças estavam em
exposição também: dois homens e uma mulher, com seus crimes
rabiscados em tábuas abaixo deles. Um par de lanceiros fazia a
guarda, vestidos com elmos polidos e camisas de cota de malha de
prata. Em suas bochechas estavam tatuadas listras de tigres, tão
verdes quanto jade. De tempos em tempos, agitavam as lanças para
espantar falcões, gaivotas e corvos carniceiros que cortejavam os
falecidos. Momentos mais tarde, as aves estavam de volta.
-
O que fizeram? - Tyrion inquiriu inocentemente.
O
cavaleiro olhou as inscrições.
-
A mulher era uma escrava que levantou a mão para sua patroa. O homem
mais velho foi acusado de fomentar rebelião e de espionar para a
rainha dragão.
-
E o jovem?
-
Matou o próprio pai.
Tyrion
olhou novamente para a cabeça apodrecida. Ora, é quase como se seus
lábios estivessem sorrindo.
Mais
adiante, o cavaleiro fez uma breve pausa para considerar uma tiara
cravejada de pedras exibida em uma almofada de veludo púrpura.
Seguiu em frente, mas poucos passos adiante parou novamente para
regatear um par de luvas na tenda de um coureiro. Tyrion estava grato
por essas pausas. O ritmo impetuoso o deixara sem fôlego, e seus
pulsos estavam em carne viva por causa das algemas.
Da
extremidade da Grande Ponte, era apenas uma caminhada curta pelos
apinhados bairros da margem ocidental do rio, por ruas iluminadas com
tochas, repletas de marinheiros, escravos e foliões embriagados. Um
elefante passou vagarosamente por eles, com uma dúzia de escravas
seminuas que acenavam do castelo nas costas do animal, provocavam os
transeuntes com vislumbres de seus seios e gritavam:
-
Malaquo, Malaquo.
Eram
uma visão tão fascinante que Tyrion quase bamboleou direto para uma
pilha fumegante de estrume que o elefante deixara para marcar
passagem. Foi salvo no último instante, quando o cavaleiro o
arrebatou para o lado, puxando sua corrente com tanta força que o
fez cambalear e pisar em falso.
-
Quanto ainda faltar - o anão perguntou.
-
É bem ali. Na Praça do Peixeiro.
O
destino deles era a Casa do Mercador, uma monstruosidade de quatro
andares, acocorada entre armazéns, bordéis e tavernas de beira de
rio, como um enorme homem gordo cercado por crianças. O salão comum
era maior do que os grandes salões de metade dos castelos de
Westeros, um labirinto fracamente iluminado, com centenas de alcovas
privadas e recantos escondidos, cujas vigas e teto enegrecidos
ecoavam a balbúrdia feita por marinheiros, comerciantes, capitães,
cambistas, carregadores e traficantes de escravos, mentindo,
praguejando e enganando uns aos outros em meia centena de idiomas.
Tyrion
aprovou a escolha da hospedagem. Cedo ou tarde, o Donzela Tímida
chegaria a Volantis. Essa era a maior estalagem da cidade, a primeira
escolha para carregadores, capitães e mercadores. Muitos negócios
eram fechados nas tocas cavernosas do salão comum. Conhecia Volantis
o suficiente para saber disso. Griff apareceria por aqui com Pato e
Haldon, e ele estaria livre em pouco tempo.
Enquanto
isso, devia ser paciente. Sua oportunidade chegaria.
Os
quartos nos andares de cima se mostravam um pouco menos grandiosos,
particularmente os mais baratos no quarto andar. Encravado em um dos
cantos do edifício, sob um telhado inclinado, o quarto de dormir que
seu captor alugara tinha o teto baixo, um colchão mole de penas com
um cheiro desagradável e um piso de tábuas de madeira inclinado que
fez Tyrion se lembrar de sua estadia no Ninho da Águia. Pelo menos
este quarto tem paredes. Tinha janelas, também; esta era a principal
comodidade do aposento, juntamente com um aro de ferro na parede,
muito útil para acorrentar o escravo de alguém. Seu captor parou
apenas o tempo suficiente para acender uma vela de sebo, antes de
prender as correntes de Tyrion no aro.
-
Isso é necessário? - o anão protestou, sacudindo a corrente
debilmente. - Para onde acha que eu vou? Pular a janela?
-
Você poderia.
-
Estamos no quarto andar, e não sei voar.
-
Você pode cair. Quero você vivo.
Sim,
mas por quê? Cersei não vai se importar. Tyrion sacudiu as
correntes.
-
Eu sei quem você é, sor. - Não havia sido difícil juntar as
peças. O urso em sua armadura, as armas no escudo, os títulos
perdidos que ele mencionara. - Sei o que você é. E se você sabe
quem sou, também sabe que fui Mão do Rei e sentei no conselho com a
Aranha. Interessaria saber que foi o eunuco quem me despachou nesta
jornada? - Ele e Jaime, mas deixarei meu irmão fora disso. - Sou
criatura dele tanto quanto você. Não devemos estar em desacordo.
Aquilo
não agradou ao cavaleiro.
-
Recebi dinheiro da Aranha, não negarei isso, mas nunca fui criatura
dele. E minha lealdade está em outro lugar agora.
-
Com Cersei? Mais tolo você é. Tudo o que minha irmã exige é minha
cabeça, e você tem uma boa espada afiada. Por que não acaba com
esta farsa e poupa nós dois?
O
cavaleiro riu.
-
Isso é algum truque de anão? Implorar pela morte, na esperança de
que o deixe viver? - Caminhou até a porta. - Trarei algo das
cozinhas.
-
Que gentileza a sua. Esperarei aqui.
-
Sei que esperará. - Mesmo assim, quando saiu, o cavaleiro trancou a
porta atrás de si com uma pesada chave de ferro. A Casa do Mercador
era famosa por suas fechaduras. Tão segura quanto uma prisão, o
anão pensou amargamente, mas pelo menos tem janelas.
Tyrion
sabia que as chances de escapar das correntes eram muito pequenas,
mas mesmo assim era obrigado a tentar. Seus esforços para escorregar
a mão pela algema serviram somente para esfolar mais a pele e deixar
seu pulso manchado de sangue, e nem todos os seus puxões e torções
puderam arrancar o aro de ferro da parede. Foda-se isso, pensou,
jogando-se para trás tão longe quanto suas correntes permitiam.
Começou a sentir câimbras nas pernas. Esta será uma noite
desconfortável dos infernos. A primeira de muitas, não duvido.
O
quarto estava abafado, então o cavaleiro abrira as janelas para
deixar entrar alguma brisa. Encravado no canto do prédio, sob os
beirais, o quarto tinha a sorte de ter duas janelas. Uma dava para a
Grande Ponte e para o coração de muralhas negras da Antiga Volantis
do outro lado do rio. A outra se abria para a praça abaixo. A Praça
do Peixeiro, Mormont a chamara. Ainda que suas correntes estivessem
apertadas, Tyrion descobriu que podia olhar pela janela,
inclinando-se para o lado e deixando que o aro de ferro suportasse
seu peso. Não é uma queda tão alta quanto a das celas do céu de
Lysa Arryn, mas me mataria do mesmo jeito. Talvez, se eu estivesse
bêbado...
Mesmo
àquela hora, a praça estava lotada, com marinheiros barulhentos,
prostitutas à procura de clientes e mercadores fazendo negócios.
Uma sacerdotisa vermelha passou correndo, cercada por uma dúzia de
acólitos com tochas, suas túnicas se enroscando nos tornozelos. Em
outro lugar, uma dupla de jogadores de cyvasse travava uma guerra do
lado de fora de uma taverna. Um escravo permanecia ao lado da mesa,
segurando uma lanterna sobre o tabuleiro. Tyrion podia ouvir uma
mulher cantando. As palavras eram estranhas, a melodia, suave e
triste. Se eu soubesse o que ela está cantando, poderia chorar. Mais
perto, uma multidão se juntara ao redor de dois malabaristas que
jogavam tochas acesas um para o outro.
Seu
captor voltou logo, trazendo duas canecas de cerveja e um pato
assado. Fechou a porta com um chute, rasgou o pato em dois e jogou
metade para Tyrion. Ele teria apanhado a comida no ar, mas suas
correntes impediram que esticasse os braços. Em vez disso, a ave
acertou sua testa e escorregou quente e gordurosa por seu rosto. Ele
teve que se agachar e se esticar para pegá-la, com os grilhões
tilintando. Conseguiu na terceira tentativa, e rasgou a carne
alegremente com os dentes.
-
Alguma cerveja para empurrar para baixo?
Mormont
passou-lhe uma caneca.
-
A maioria de Volantis está se embebedando, por que não você?
A
cerveja estava doce também. Tinha gosto de fruta. Tyrion tomou um
bom gole e arrotou, feliz. A caneca era de estanho, muito pesada.
Posso esvaziar e jogar na cabeça dele, pensou. Se tiver sorte, posso
rachar seu crânio. Se tiver mais sorte ainda, posso errar, e ele me
socará até a morte. Tomou outro gole.
-
É algum dia sagrado?
-
É o terceiro dia das eleições deles. Duram dez. Dez dias de
loucura. Passeatas sob a luz de tochas, discursos, pantomimeiros,
menestréis e dançarinos, espadachins em duelos até a morte, pela
honra de seus candidatos, elefantes com os nomes dos candidatos à
tríade pintados do lado. Esses malabaristas estão se apresentando
por Methyso.
-
Lembre-me de votar em outra pessoa. - Tyrion lambeu a gordura dos
dedos. Embaixo, a multidão jogava moedas para os malabaristas. -
Todos esses pretensos triarcas oferecem espetáculos de
pantomimeiros?
-
Fazem qualquer coisa que lhes tragam votos - disse Mormont. - Comida,
bebida, espetáculos ... Alios enviou uma centena de escravas jovens
e bonitas para as ruas, para angariar votos.
-
Voto nele - Tyrion decidiu. - Traga-me uma escrava!
-
Elas são para os volantinos nascidos livres com propriedades
suficientes para votar. Há poucos mas preciosos votos a oeste do
rio.
-
E isso dura dez dias? - Tyrion riu. - Vou gostar disso, embora três
reis tenham dois sobrando. Estou tentando me imaginar governando os
Sete Reinos com minha doce irmã e meu bravo irmão ao meu lado. Um
de nós mataria os outros dois dentro de um ano. Estou surpreso que
esses triarcas não façam o mesmo.
-
Poucos tentaram. Talvez eles sejam os espertos, e nós os tolos.
Volantis é conhecida por sua cota de tolices, mas nunca sofreu com
um triarca menino. Sempre que um louco é eleito, seus colegas o
restringem até que seu ano cumpra o curso. Pense nos mortos que
ainda viveriam se o Louco Aerys tivesse dois reis companheiros para
repartir o governo.
Em
vez disso, ele teve meu pai, Tyrion pensou.
-
Algumas das Cidades Livres pensam que somos todos selvagens no nosso
lado do mar estreito - o cavaleiro prosseguiu. - Ou então acham que
somos crianças, chorando pela mão forte de um pai.
-
Ou de uma mãe? - Cersei amará isso. Especialmente quando ele a
presentear com minha cabeça. - Você parece conhecer bem a cidade.
-
Passei grande parte de um ano aqui. - O cavaleiro agitou a borra do
fundo de sua caneca de cerveja. - Quando Stark me mandou para o
exílio, parti para Lys com minha segunda esposa. Teria me adaptado
melhor em Bravos, mas Lynesse queria algum lugar quente. Em vez de
servir aos bravosis, lutei contra eles no Roine, mas, para cada moeda
de prata que eu ganhava, minha esposa gastava dez. Quando voltei para
Lys, ela tinha arranjado um amante, que me disse alegremente que eu
seria escravizado por causa das dívidas, a menos que a deixasse e
partisse da cidade. Foi assim que vim para Volantis ... um degrau
acima da escravidão, sem nenhuma posse que não minha espada e as
roupas que cobriam meu corpo.
-
E agora você quer ir para casa.
O
cavaleiro tomou o último gole de cerveja.
-
Pela manhã, encontrarei um navio para nós. A cama é minha. Você
pode deitar em qualquer lugar do chão que suas correntes permitirem.
Durma, se puder. Se não, conte seus crimes. Isso deve entretê-lo
até de manhã.
Você
tem crimes pelos quais responder, Jorah Mormont, o anão pensou, mas
pareceu mais inteligente manter o pensamento para si.
Sor
Jorah pendurou o cinturão da espada na viga da cama, arrancou as
botas, puxou a cota de malha por sobre a cabeça e tirou a túnica de
lã e couro manchada de suor, revelando um torso musculoso coberto de
pelo escuro e marcado de cicatrizes. Se pudesse esfolá-lo, poderia
vender sua pele como casaco de pelos, Tyrion pensou enquanto Mormont
deitou no conforto ligeiramente malcheiroso da macia cama de penas.
Em
pouco tempo o cavaleiro estava roncando, deixando seu prêmio sozinho
com suas correntes. Com as duas janelas completamente abertas, a luz
da lua minguante se esparramava pelo quarto de dormir. Barulhos
vinham da praça abaixo; trechos de uma canção de bêbado, o miado
de uma gata no cio, o ruído de metal contra metal. Alguém está
prestes a morrer, pensou Tyrion.
Seu
punho latejava onde a pele estava ferida, e os grilhões tornavam
impossível para ele se sentar e muito menos se esticar. O melhor que
podia fazer era se contorcer de lado para se apoiar contra a parede,
e não muito depois começou a perder a sensação nas mãos. Quando
as moveu para aliviar a tensão, a sensação voltou em forma de dor.
Teve que trincar os dentes para não gritar. Perguntava-se quanto seu
pai teria sofrido quando o dardo atravessara sua barriga, o que Shae
sentira quando ele torcera a corrente ao redor de sua garganta
mentirosa, o que Tysha sentira quando a estupraram. O sofrimento dele
não era nada comparado aos deles, mas isso não fazia doer menos.
Apenas faça parar.
Sor
Jorah virou de lado, e tudo o que Tyrion podia ver dele eram as
costas largas, peludas e musculosas. Se eu pudesse escapar dessas
correntes, teria que escalar sobre ele para alcançar o cinturão.
Talvez se eu pudesse soltar a adaga ... Ou então podia pegar a
chave, destrancar a porta, arrastar-se escada abaixo e através do
salão comum... e ir aonde? Não tenho amigos, não tenho dinheiro,
nem sequer falo a língua local.
A
exaustão finalmente suplantou suas dores, e Tyrion mergulhou em um
sono profundo. Mas cada vez que outra câimbra se enraizava em sua
panturrilha e torcia o músculo, o anão gritava no sono, agitando as
correntes. Acordou com cada músculo dolorido, e encontrou a manhã
atravessando as janelas, brilhante e dourada como o leão dos
Lannister. Lá embaixo, podia ouvir o grito dos peixeiros e o barulho
das rodas de ferro nas ruas de paralelepípedo.
Jorah
Mormont estava em pé acima dele.
-
Se eu o soltar do aro, fará o que lhe for pedido?
-
Envolverá dança? Posso ter dificuldade para dançar. Não sinto
minhas pernas. Devem ter caído. De outro modo, sou sua criatura. Por
minha honra como Lannister.
-
Os Lannister não têm honra. - Sor Jorah soltou as correntes assim
mesmo. Tyrion deu dois passos vacilantes e caiu. O sangue voltando
para suas mãos trouxe lágrimas aos seus olhos. Mordeu o lábio e
disse:
-
Onde quer que estejamos indo, você terá que me rolar até lá.
Em
vez disso, o grande cavaleiro o carregou, levantando-o pelas
correntes entre seus pulsos.
O
salão comum da Casa do Mercador era um labirinto sombrio de alcovas
e grutas, construído ao redor de um pátio central onde uma treliça
de trepadeiras floridas criava padrões intrincados por todo o chão
de laje, e musgo verde e púrpura crescia entre as pedras. Escravas
corriam pela luz e sombra, carregando galões de cerveja, vinho e uma
bebida gelada e verde com cheiro de hortelã. Uma mesa a cada vinte
estava ocupada àquela hora da manhã.
Uma
delas estava ocupada por um anão. Barbeado e com as bochechas
rosadas, de cabelo castanho arrepiado, testa carregada e nariz
achatado, estava empoleirado em um banco alto com uma colher de
madeira na mão, contemplando uma tigela de sopa de aveia arroxeada
com os olhos vermelhos. Pequeno bastardo feio, Tyrion pensou.
O
outro anão sentiu que estava sendo encarado. Quando levantou a
cabeça e viu Tyrion, a colher escorregou de sua mão.
-
Ele me viu - Tyrion avisou Mormont.
-
E daí?
-
Ele me conhece. Sabe quem sou.
-
Eu deveria tê-lo colocado em um saco, para que ninguém o visse? - O
cavaleiro tocou o cabo de sua espada longa. - Se ele pretende
levá-lo, é bem-vindo para tentar.
Bem-vindo
para morrer, quer dizer, pensou Tyrion. Que ameaça ele poderia
representar para um homem grande como você? É apenas um anão.
Sor
Jorah exigiu uma mesa em um canto tranquilo e pediu comida e bebida.
Quebraram o jejum com pita macia e morna, ovas de peixe rosa,
linguiças no mel e gafanhotos fritos, empurrados para baixo com uma
cerveja preta agridoce. Tyrion comia como um homem à beira da morte
de fome.
-
Está com um apetite saudável esta manhã - o cavaleiro observou.
-
Ouvi dizer que a comida no inferno é miserável - Tyrion olhou para
a porta, onde um homem acabara de entrar. Alto e encurvado, tinha a
barba pontuda tingida de um roxo manchado. Algum mercador tyroshi.
Uma rajada de som veio com ele do lado de fora; os gritos das
gaivotas, o riso de uma mulher, as vozes dos peixeiros. Por meio
segundo, pensou ter vislumbrado Illyrio Mopatis, mas era apenas um
daqueles elefantes anões brancos passando pela porta da frente.
Mormont
espalhou um pouco de ovas de peixe em uma pita e deu uma mordida.
-
Esperando alguém?
O
anão encolheu os ombros.
-
Nunca se sabe quem o vento pode trazer. Meu verdadeiro amor, o
fantasma do meu pai, um pato. - Estourou um gafanhoto na boca e
mastigou ruidosamente. - Nada mal. Para um inseto.
-
Na noite passada a conversa aqui era toda sobre Westeros. Algum lorde
exilado contratou a Companhia Dourada para reconquistar suas terras.
Metade dos capitães de Volantis estão correndo rio acima até Volon
Therys para oferecer seus navios a ele.
Tyrion
acabara de engolir outro gafanhoto. Quase engasgou com ele. Ele está
zombando de mim? Quanto sabe sobre Griff e Aegon?
-
Merda - disse. - Eu pretendia contratar a Companhia Dourada para
conquistar Rochedo Casterly. - Seria algum truque de Griff, notícias
falsas espalhadas deliberadamente? A menos que... Teria o belo
príncipe engolido a isca? Voltar-se para oeste em vez de leste,
abandonar suas esperanças de casamento com a Rainha Daenerys?
Abandonar os dragões ... Griff permitiria isso? - Eu alegremente o
contrataria também, sor. A cadeira de meu pai é minha por direito.
Jure-me sua espada e, assim que eu conquistá-la, afogarei você em
ouro.
-
Vi um homem afogado certa vez. Não é uma visão bonita. Se você
algum dia conseguir minha espada, será através de suas entranhas.
-
Uma cura certa para a constipação - disse Tyrion. - Basta perguntar
ao meu pai. - Alcançou sua caneca de cerveja e tomou um gole lento,
para ajudar a esconder qualquer coisa que seu rosto estivesse
mostrando. Devia ser um estratagema, planejado para acalmar as
suspeitas dos volantinos. Colocar os homens a bordo com esse falso
pretexto e tomar os navios quando estiverem em alto-mar. É esse o
plano de Griff? Poderia funcionar. A Companhia Dourada tinha uma
força de dez mil homens, experientes e disciplinados. Entretanto,
nenhum deles é marinheiro. Griff terá que manter uma espada em cada
garganta, e devem entrar na Baía dos Escravos, e terão que lutar...
A
servente retornou.
-
A viúva o verá em seguida, nobre sor. Trouxe um presente para ela?
-
Sim. Obrigado. - Sor Jorah escorregou uma moeda na palma da mão da
moça e a dispensou.
Tyrion
franziu o cenho.
-
Que viúva é essa?
-
A viúva do cais. A leste de Roine, ainda a chamam de prostituta de
Vogarro, mesmo que nunca diante dela.
O
anão ainda não estava esclarecido.
-
E Vogarro é... ?
-
Um elefante, sete vezes triarca, muito rico, um poder nas docas.
Enquanto outros homens construíam navios e navegavam neles, ele
construiu píeres, armazéns, intermediou cargas, fez câmbio de
moedas e seguros para donos de navios contra os perigos do mar.
Lidava com escravos também. E, quando ficou obcecado por uma escrava
de cama treinada em Yunkai no caminho dos sete suspiros, foi um
grande escândalo ... e um escândalo maior ainda quando ele a
libertou e a tomou por esposa. Depois que ele morreu, ela continuou
os empreendimentos do marido. Nenhum liberto pode viver dentro da
Muralha Negra, então ela foi obrigada a vender a mansão de Vogarro.
Passou a morar na Casa do Mercador. Isso foi há trinta e dois anos,
e ela permanece aqui até hoje. É ela atrás de você, de costas
para o pátio, dando audiência em sua mesa habitual. Não, não
olhe. Há alguém com ela agora. Quando ele terminar, será nossa
vez.
-
E como essa velha megera o ajudará?
Sor
Jorah se levantou.
-
Espere e verá. Ele está partindo.
Tyrion
pulou da cadeira com uma chocalhada de ferro. Isso será
esclarecedor.
Havia
algo astuto na maneira como a mulher se sentava no canto do pátio,
algo reptiliano em seus olhos. Seu cabelo branco era tão fino que
era possível ver o crânio rosado por baixo. Sob um olho, ela ainda
tinha cicatrizes leves onde a faca removera suas lágrimas. Os restos
de sua refeição matinal permaneciam na mesa; cabeças de sardinha,
caroços de azeitona, pedaços de pita. Tyrion não pôde deixar de
notar quão bem escolhida era sua “mesa habitual”; pedra sólida
às suas costas, uma alcova de folhas em um lado, para entradas e
saídas, uma visão perfeita da porta da frente da estalagem e, ainda
assim, tão mergulhada nas sombras que ela mesma era quase invisível.
A
visão dele fez a velha mulher sorrir.
-
Um anão - ronronou, com uma voz tão sinistra quanto suave. Ela
falava a Língua Comum com apenas um traço de sotaque. - Volantis
foi invadida por anões ultimamente, parece. Esse aí faz truques?
Sim,
Tyrion quis dizer. Dê-me uma besta e lhe mostrarei meu favorito.
-
Não - respondeu Sor Jorah.
-
Uma pena. Certa vez tive um macaco que fazia todo tipo de truques
espertos. Seu anão me lembra ele. É um presente?
-
Não. Eu lhe trouxe isto - Sor Jorah apresentou seu par de luvas e o
colocou na mesa, ao lado dos outros presentes que a viúva havia
recebido naquela manhã; uma taça de prata, um leque incrustado com
folhas de jade translúcidas de tão finas e uma antiga adaga de
bronze marcada com runas. Ao lado de tais tesouros, as luvas pareciam
baratas e de mau gosto.
-
Luvas para minhas pobres mãos enrugadas. Que gentil. - A viúva não
fez nenhum movimento para tocá-las.
-
Eu as comprei na Grande Ponte.
-
Um homem pode comprar qualquer coisa na Grande Ponte. Luvas,
escravos, macacos. - Os anos haviam dobrado sua coluna e colocado uma
corcunda de anciã em suas costas, mas os olhos da viúva eram
brilhantes e negros. - Agora diga para esta velha viúva como ela
pode ser útil para você.
-
Precisamos de passagem rápida para leste, para Meereen.
Uma
palavra. O mundo de Tyrion Lannister virou de cabeça para baixo.
Uma
palavra. Meereen. Ou ele teria ouvido mal?
Uma
palavra. Meereen, ele disse Meereen, está me levando para Meereen.
Meereen significava vida. Ou esperança de vida, pelo menos.
-
Por que veio até mim? - disse a viúva. - Não tenho navios.
-
Você tem muitos capitães em dívida.
Entregar-me
para a rainha, ele disse. Sim, mas qual rainha? Ele não está me
vendendo para Cersei. Está me dando para Daenerys Targaryen. É por
isso que não cortou minha cabeça. Estamos indo para leste, e Griff
e seu príncipe estão indo para oeste, malditos tolos.
Ah,
aquilo era demais. Trama dentro de trama, mas todas as estradas levam
para dentro da goela do dragão. Uma gargalhada explodiu de seus
lábios e, de repente, Tyrion não podia parar de rir.
-
Seu anão está tendo um ataque - a viúva observou.
-
Meu anão ficará quieto, senão terei que amordaçá-lo.
Tyrion
cobriu a boca com as mãos. Meereen!
A
viúva do cais decidiu ignorá-lo.
-
Podemos tomar algo? - ela perguntou. Poeira flutuava no ar enquanto a
servente enchia duas taças de vidro verde para Sor Jorah e a viúva.
A garganta de Tyrion estava seca, mas nenhuma taça foi servida para
ele. A viúva tomou um gole, rodou o vinho pela boca e engoliu. -
Todos os outros exilados estão navegando para oeste, ou assim esses
velhos ouvidos escutaram. E todos os capitães em dívida comigo
estão tombando uns sobre os outros para levá-los e sugar um pouco
do ouro da Companhia Dourada. Nossos nobres triarcas prometeram uma
dúzia de navios de guerra para a causa, para assegurar-se de que a
frota chegará em segurança a Passopedra. Até o velho Doniphos deu
seu consentimento. Que gloriosa aventura. E mesmo assim você quer ir
para o outro lado, sor.
-
Meus negócios estão no leste.
-
E que negócios são esses, me pergunto? Não são escravos. A rainha
de prata colocou um fim nisso. Ela também fechou as arenas de luta,
então não pode ser pelo gosto do sangue. O que mais Meereen poderia
oferecer a um cavaleiro westerosi? Tijolos? Oliveiras? Dragões? Ah,
aí está. - O sorriso da velha mulher ficou selvagem. - Ouvi dizer
que a rainha de prata os alimenta com a carne de crianças, enquanto
ela mesma se banha no sangue de moças virgens e toma um amante
diferente a cada noite.
A
boca de Sor Jorah endureceu.
-
Os yunkaítas estão despejando veneno em seus ouvidos. Minha senhora
não deveria acreditar em tais sujeiras.
-
Não sou senhora, mas até a prostituta de Vogarro conhece o gosto da
falsidade. Uma coisa é verdade, porém ... a rainha dragão tem
inimigos ... Yunkai, Nova Ghis, Tolos, Qarth ... sim, e Volantis,
muito em breve. Quer viajar para Meereen? Apenas espere um pouco,
sor. Espadas logo serão necessárias, quando os navios de guerra
virarem seus remos para leste, para derrubar a rainha dragão. Tigres
amam mostrar suas garras, e até elefantes matarão se forem
ameaçados. Malaquo tem fome pelo gosto de glória e Nyessos deve
muito de sua riqueza ao comércio de escravos. Deixe Alios, Parquello
ou Belicho ser eleito triarca, e as frotas navegarão.
Sor
Jorah fez uma careta.
-
Se Doniphos voltar...
-
Vogarro voltará primeiro, e meu doce senhor tem estado morto nesses
trinta anos.
Atrás
deles, algum marinheiro reclamava em voz alta.
-
Chamam isso de cerveja? Que se fodam. Um macaco mijaria cerveja
melhor.
-
E você beberia - outra voz respondeu.
Tyrion
se virou para olhar, na esperança de estar ouvindo Pato e Haldon. Em
vez disso, viu dois estranhos ... e o anão, parado alguns metros
para trás, encarando-o intensamente. De algum modo, parecia
familiar.
A
viúva tomou delicadamente um gole de seu vinho.
-
Alguns dos primeiros elefantes eram mulheres - disse - as que
derrubaram os tigres e acabaram com as antigas guerras. Trianna foi
reeleita quatro vezes. Isso foi há trezentos anos, infelizmente.
Volantis não teve uma triarca mulher desde aquela época, embora
algumas mulheres fossem votadas. Mulheres de bom nascimento, que
vivem nos antigos palácios atrás da Muralha Negra, não criaturas
como eu. O Sangue Antigo permitirá que os cães e as crianças votem
antes dos libertos. Não, será Belicho, ou talvez Alios, mas de
qualquer maneira haverá guerra. Ou assim eles pensam.
-
E o que você acha? - Sor Jorah perguntou.
Bom,
pensou Tyrion. A pergunta certa.
-
Ah, também acho que teremos guerra, mas não a guerra que eles
querem. - A velha mulher se inclinou para a frente, seus olhos negros
brilhando. - Acho que aquele R'hllor vermelho tem mais seguidores
nesta cidade do que todos os outros deuses juntos. Já ouviu o
discurso de Benerro?
-
Noite passada.
-
Benerro pode ver o amanhã em suas chamas - a viúva disse. - Triarca
Malaquo tentou contratar a Companhia Dourada, sabia? Pretendia
despejar o templo vermelho e passar Benerro pela espada. Não ousou
usar os capas de tigre. Metade deles é adoradora do Senhor da Luz
também. Ah, estes são dias terríveis na Antiga Volantis, até
mesmo para velhas viúvas enrugadas. Mas nem metade tão terrível
quanto em Meereen, acho. Então me diga, sor... por que procura a
rainha prateada?
-
Isso é problema meu. Posso pagar por nossa passagem, e pagar bem.
Tenho prata.
Tolo,
pensou Tyrion. Não é dinheiro que ela quer, é respeito. Você não
ouviu uma palavra do que ela disse? Olhou por cima do ombro
novamente. O anão havia se aproximado da mesa deles. E parecia ter
uma faca na mão. Os pelos de sua nuca começaram a se arrepiar.
-
Fique com sua prata. Tenho ouro. E me poupe dos seus olhares
sombrios, sor. Sou velha demais para ter medo de carrancas. Você é
um homem duro, vejo, e não tenho dúvidas de que seja habilidoso com
essa espada longa ao seu lado, mas este é meu reino. Basta eu dobrar
um dedo e você se encontrará viajando para Meereen acorrentado ao
remo no porão de uma galé. - Ela levantou o leque de jade e o
abriu. Houve um farfalhar de folhas, e um homem deslizou do arco
coberto à esquerda dela. O rosto dele era uma massa de cicatrizes, e
uma mão segurava uma espada tão pequena e pesada quanto um cutelo.
-
Procure pela viúva do cais, alguém lhe disse, mas também deveriam
ter lhe avisado, cuidado com os filhos da viúva. Mas esta é uma
manhã agradável, e eu perguntarei novamente. Por que procura
Daenerys Targaryen, aquela que metade do mundo quer morta?
O
rosto de Jorah Mormont estava sombrio de raiva, mas respondeu.
-
Para servi-la. Defendê-la. Morrer por ela, se preciso.
Aquilo
fez a viúva rir.
-
Você quer resgatá-la, esse é o propósito de tudo isso? De mais
inimigos do que posso nomear, com espadas além da conta ... É nisso
que você quer que essa pobre viúva acredite? Que você é um
verdadeiro e nobre cavaleiro westerosi cruzando metade do mundo para
ajudar essa ... bem, ela não é uma donzela, embora ainda possa ser
bonita. - Ela riu novamente. - Você acha que seu anão a agradará?
Acha que ela se banhará no sangue dele ou se comentará em arrancar
sua cabeça?
Sor
Jorah hesitou.
-
O anão é...
-
Eu sei quem o anão é, e o que ele é. - Seus olhos negros se
viraram para Tyrion, duros como pedra. - Assassino de parentes,
regicida, assassino, vira-casacas. Lannister. - Falou a última
palavra como se fosse uma maldição. - O que planeja oferecer para a
rainha dragão, homenzinho?
Meu
ódio, Tyrion quis dizer. Em vez disso, abriu as mãos tanto quanto
os grilhões permitiram.
-
O que quer que ela queira de mim. Conselhos sábios, sagacidade
selvagem, um pouco de cambalhotas. Meu pau, se ela quiser. Minha
língua, se não. Liderarei seus exércitos ou esfregarei seus pés,
se ela desejar. E a única recompensa que peço é ter a permissão
de estuprar e matar minha irmã.
Aquilo
trouxe o sorriso de volta ao rosto da velha mulher.
-
Este um ao menos é honesto - anunciou - mas você, sor... Conheci
uma dúzia de cavaleiros westerosis e mil aventureiros da mesma laia,
mas nenhum tão puro quanto você pinta a si mesmo. Homens são
animais, egoístas e brutais. Mesmo gentis com as palavras, eles têm
sempre motivos obscuros por baixo. Não acredito em você, sor. - Ela
abanou o leque na direção deles, como se não fossem mais do que
moscas zumbindo ao redor de sua cabeça. - Se quer ir para Meereen,
nade. Não tenho ajuda para lhe dar.
E
então os sete infernos eclodiram de uma vez.
Sor
Jorah começou a se levantar, a viúva fechou o leque, o homem
marcado de cicatrizes deslizou para fora das sombras ... e atrás
deles uma garota gritou. Tyrion se virou justamente a tempo de ver o
anão correndo na direção dele. É uma garota, percebeu de súbito,
uma garota vestida em roupas de homem. E pretende me estripar com
aquela faca.
Por
meio segundo, Sor Jorah, a viúva e o homem marcado ficaram parados
como pedra. Desocupados observavam das mesas próximas, tomando
cerveja e vinho, mas ninguém se mexeu para interferir. Tyrion tentou
mover as duas mãos de uma vez, mas suas correntes permitiram apenas
que alcançasse o jarro sobre a mesa. Fechou o punho em torno dele,
virou-se e jogou o conteúdo no rosto da anã que o atacava, enquanto
se atirava de lado para evitar a faca dela. O jarro quebrou-se
debaixo dele, enquanto o chão subia para esmagar sua cabeça. E
então a garota estava sobre ele novamente. Tyrion rolou para o lado
enquanto ela enfiou a faca nas tábuas do chão, puxou a arma de
volta, levantou-se novamente...
...
e repentinamente ela foi levantada acima do chão, pernas chutando
descontroladamente, enquanto se debatia para escapar de Sor Jorah.
-
Não - gemeu, na Língua Comum de Westeros. - Deixe-me! - Tyrion
ouviu a túnica da anã se rasgar enquanto ela lutava para se
libertar.
Mormont
a segurava pelo pescoço com uma mão. Com a outra, arrancou a adaga
de sua mão.
-
Basta.
E
então o proprietário apareceu, com um porrete na mão. Quando viu o
jarro quebrado, proferiu uma maldição mal-humorada e exigiu saber o
que acontecera.
-
Briga de anões - respondeu o tyroshi com a barba roxa, rindo.
Tyrion
olhou para cima, para a garota que se contorcia no ar.
-
Por quê? - perguntou. - O que eu fiz para você?
-
Eles o mataram. - Toda aquela luta fora demais para ela. Soltou-se
mole, pendurada na mão de Mormont, enquanto seus olhos se enchiam de
lágrimas. - Meu irmão. Eles o pegaram e mataram.
-
Quem o matou? - perguntou Mormont.
-
Marinheiros. Marinheiros dos Sete Reinos. Eram cinco deles, bêbados.
Eles nos viram disputando justas na praça e nos seguiram. Quando
perceberam que eu era uma garota me deixaram ir, mas levaram meu
irmão e o mataram. Cortaram a cabeça dele.
Tyrion
sentiu um choque súbito de reconhecimento. Eles nos viram disputando
justas na praça. Ele sabia quem era a garota.
-
Você cavalgava o porco? - perguntou para ela. - Ou o cachorro?
-
O cachorro - ela soluçou. - Oppo sempre cavalgava o porco.
Os
anões do casamento de Joffrey. Fora o espetáculo deles que começara
toda a confusão daquela noite. Que estranho, encontrá-la novamente
a meio mundo de distância. Embora talvez não fosse tão estranho
assim. Se tivessem metade da esperteza do porco, teriam fugido de
Porto Real na noite em que Joff morreu, antes que Cersei pudesse lhes
atribuir alguma culpa na morte do filho.
-
Deixe-a descer, sor - pediu para Sor Jorah Mormont. - Ela não nos
causará nenhum dano.
Sor
Jorah colocou a anã no chão.
-
Sinto muito por seu irmão ... mas não tivemos participação na
morte dele.
-
Ele teve. - A garota se ajoelhou, segurando a túnica rasgada e
manchada de sangue sobre os seios claros. - Era ele quem eles
queriam. Pensaram que Oppo era ele. - A garota estava chorando agora,
implorando ajuda de qualquer um que pudesse ouvir. - Ele deve morrer,
do jeito que meu pobre irmão morreu. Por favor. Alguém me ajude.
Alguém o mate. - O proprietário a agarrou rudemente por um braço e
a colocou novamente em pé, gritando em volantino, exigindo saber
quem pagaria por seus prejuízos.
A
viúva do cais deu um olhar gelado para Mormont.
-
Cavaleiros defendem os fracos e protegem os inocentes, dizem. E eu
sou a donzela mais bonita em toda Volantis. - Sua risada estava cheia
de desprezo. - Como a chamam, filha?
-
Merreca.
A
velha mulher chamou o proprietário na língua da Antiga Volantis.
Tyrion sabia o suficiente para entender que estava dizendo para ele
levar a anã até seus aposentos, servir-lhe vinho e encontrar
algumas roupas para ela vestir.
Quando
foram embora, a viúva estudou Tyrion; seus olhos negros brilhavam.
-
Monstros deveriam ser maiores, me parece. Você vale títulos e
propriedades em Westeros, homenzinho. Aqui, temo, seu valor é um
pouco menor. Mas acho que faço melhor em ajudar você, apesar de
tudo. Parece que Volantis não é um lugar seguro para anões.
-
Você é muito gentil. - Tyrion lhe deu seu sorriso mais doce. -
Talvez possa ser mais gentil ainda e remover esses charmosos
braceletes também? Este monstro tem apenas metade do nariz, e ele
coça de modo abominável. As correntes são curtas demais para que
eu possa coçá-lo. Posso presenteá-la com elas, alegremente.
-
Que gentil. Mas já usei ferro no meu tempo e agora prefiro ouro e
prata. É triste dizer, mas esta é Volantis, onde grilhões e
correntes são mais baratos do que pão amanhecido e é proibido
ajudar um escravo a escapar.
-
Não sou escravo.
-
Todo homem capturado por traficantes de escravos canta a mesma triste
canção. Não ouso ajudá-lo ... aqui. - Inclinou-se para a frente
novamente. - Dois dias a partir de agora, o navio de pesca Selaesori
Qhoran vai navegar para Qarth, passando por Nova Ghis, carregado de
estanho e ferro, fardos de lã e rendas, cinquenta tapetes de Myr, um
cadáver conservado em salmoura, vinte jarros de pimenta-dragão e um
sacerdote vermelho. Estejam a bordo quando zarpar.
-
Estaremos - disse Tyrion. E obrigado.
Sor
Jorah franziu a testa.
-
Qarth não é nosso destino.
-
O navio nunca chegará a Qarth. Benerro viu nas chamas. - A anciã
sorriu de maneira astuta.
-
Como queira. - Tyrion sorriu. - Se eu fosse volantino, livre e
tivesse o sangue, você teria meu voto para triarca, minha senhora.
-
Não sou senhora - a viúva replicou - apenas a prostituta de
Vogarro. Vão querer ter partido antes que os tigres venham. Se
alcançarem sua rainha, transmitam a ela uma mensagem dos escravos da
Antiga Volantis. - Ela tocou a cicatriz desbotada no rosto enrugado,
onde as lágrimas haviam sido removidas. - Diga que estamos
esperando. Diga para ela vir logo.
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