Na manhã
em que seu novo vestido devia ficar pronto, as criadas encheram a
banheira de Sansa com água quente fumegante e esfregaram-na dos pés
à cabeça até a deixarem rosada e reluzente. A própria aia da
rainha tratou de suas unhas e escovou e ondulou seus cabelos ruivos
para que caíssem por suas costas em suaves caracóis. Trouxe também
uma dúzia das essências que Cersei preferia. Sansa escolheu uma
fragrância viva e doce, com um toque de limão sob o cheiro de
flores. A aia despejou um pouco no dedo e tocou Sansa atrás de cada
orelha, e sob o queixo, e então, levemente, nos mamilos.
A própria
Cersei chegou com a costureira e ficou vendo enquanto vestiam Sansa
com sua roupa nova. A roupa de baixo era toda de seda, mas o vestido
era de samito cor de marfim e pano de prata, forrado de cetim
prateado. As extremidades de suas longas mangas pontiagudas quase
tocavam o chão quando baixava os braços. E era um vestido de
mulher, não de menina, não havia dúvida quanto a isso. O corpete
era aberto na frente, quase até a barriga, com o profundo "v"
coberto por um painel de ornamentada renda de Myr num cinza-claro. As
saias eram longas e cheias, a cintura era tão apertada que Sansa
teve de prender a respiração quando a amarraram.
Trouxeram-lhe
também sapatos novos, chinelos de suave pele de corça cinza que
abraçavam seus pés como amantes.
- Está
muito bela, senhora - disse a costureira quando acabaram de vesti-la.
- Estou,
não estou? - Sansa soltou um risinho e girou, fazendo rodopiar as
saias ao seu redor. - Oh, estou. - Mal podia esperar que Willas a
visse assim. Ele vai me amar, vai mesmo, tem de amar... esquecerá
Winterfell quando me vir, vou me certificar de que esqueça.
A Rainha
Cersei estudou-a criticamente.
- Algumas
pedras preciosas, acho. As pedras de lua que Joffrey lhe deu.
-
Imediatamente, Vossa Graça - respondeu a aia.
Depois de
as pedras de lua estarem penduradas nas orelhas de Sansa e em seu
pescoço, a rainha fez um aceno com a cabeça.
- Sim. Os
deuses foram bons para você, Sansa. E uma menina adorável. Parece
quase obsceno esbanjar essa doce inocência naquela gárgula.
- Que
gárgula? - Sansa não estava compreendendo. Estaria se referindo a
Willas? Como poderia saber? Ninguém sabia além dela, de Margaery e
da Rainha dos Espinhos... ah, e Dontos, mas esse não contava.
Cersei
Lannister ignorou a pergunta.
- O manto
- ordenou, e as mulheres trouxeram-no: um longo manto de veludo
branco carregado de pérolas. Um feroz lobo gigante estava bordado
nele em fio de prata. Sansa olhou-o com súbito temor. - As cores de
seu pai - disse Cersei, enquanto o prendiam em volta do pescoço da
garota com uma delicada corrente de prata.
Um manto
de donzela. A mão de Sansa subiu à garganta. Teria arrancado aquela
coisa se se atrevesse.
- E mais
bonita com a boca fechada, Sansa - disse-lhe Cersei - Venha já, o
septão está à espera. E os convidados do casamento também.
- Não -
exclamou Sansa - Não.
- Sim. É
protegida da coroa. O rei faz as vezes de seu pai, uma vez que seu
irmão é um traidor proscrito. Isso significa que tem todo o direito
de dispor de sua mão. Vai se casar com meu irmão Tyrion.
A minha
pretensão, pensou, agoniada. Dontos, o bobo, não era assim tão
tolo, afinal; tinha visto a verdade. Sansa afastou-se da rainha.
- Não
vou. - Vou me casar com Willas, vou ser a senhora de Jardim de Cima,
por favor...
-
Compreendo a sua relutância. Chore se precisar. Em seu lugar, eu
provavelmente arrancaria os cabelos. Ele é um desprezível
duendezinho, não há dúvida, mas vai mesmo se casar com ele.
- Não
pode me obrigar.
- Claro
que podemos. Pode vir calmamente e proferir seus votos como é
próprio de uma senhora, ou pode lutar, gritar e dar um espetáculo
que deixe os cavalariços aos risinhos, mas seja como for vai acabar
casada e na cama com o seu esposo. - A rainha abriu a porta. Sor
Meryn Trant e Sor Osmund Kettleblack esperavam lá fora, com a
armadura de escamas brancas da Guarda Real. - Escoltem a Senhora
Sansa até o septo - disse-lhes. - Carreguem-na, se for preciso, mas
tentem não rasgar o vestido. Foi muito caro.
Sansa
tentou fugir, mas a aia de Cersei apanhou-a antes de ter percorrido
um metro. Sor Meryn Trant dirigiu-lhe um olhar que a fez encolher-se
de medo, mas Kettleblack tocou quase gentilmente nela e disse:
- Faça o
que lhe dizem, querida, não será assim tão mau. Espera-se que os
lobos sejam bravos, não é?
Bravos.
Sansa respirou fundo. Eu sou uma Stark, sim, posso ser brava. Estavam
todos a observá-la daquela maneira como a tinham olhado no pátio,
no dia em que Sor Boros Blount rasgara sua roupa. Nesse dia foi o
Duende quem a salvou de um espancamento, o mesmo homem que estava
agora à sua espera. Ele não é tão mau quanto os outros, disse a
si mesma.
- Eu vou.
Cersei
sorriu.
- Eu
sabia que sim.
Mais
tarde não conseguiria se lembrar de ter saído do quarto, de descer
os degraus ou de atravessar o pátio. O simples ato de pôr um pé à
frente do outro pareceu tomar toda a sua atenção. Sor Meryn e Sor
Osmund caminhavam ao seu lado, usando mantos tão claros quanto o
seu, faltando-lhes apenas as pérolas e o lobo gigante que fora de
seu pai. O próprio Joffrey encontrava-se à sua espera, nos degraus
do septo do castelo. O rei resplandecia de carmesim e ouro, com a
coroa na cabeça.
- Hoje
sou seu pai - anunciou.
- Não é
- irritou-se ela. - Nunca será.
O rosto
do rei ensombrou-se.
- Sou.
Sou seu pai, e posso casá-la com quem eu desejar. Com qualquer um.
Casará com um criador de porcos, se eu ordenar, e vai se deitar com
ele na pocilga. - Seus olhos verdes cintilaram de divertimento. - Ou
talvez devesse dá-la a Ilyn Payne, gostaria mais dele?
O coração
de Sansa deu um salto.
- Por
favor, Vossa Graça - suplicou. - Se alguma vez me amou nem que fosse
um pouquinho, não me obrigue a casar com seu...
- ...
tio? - Tyrion Lannister atravessou as portas do septo. - Vossa Graça
- disse a Joffrey. - Tenha a gentileza de me conceder um momento a
sós com a Senhora Sansa, por favor.
O rei
estava prestes a recusar, mas a mãe lançou-lhe um olhar penetrante.
Afastaram-se alguns metros.
Tyrion
vestia um gibão de veludo negro coberto de arabescos dourados, botas
cujos canos chegavam às suas coxas e que acrescentavam sete
centímetros à sua altura, uma corrente de rubis e cabeças de leão.
Mas o rasgão em seu rosto estava vermelho e em carne viva, e o nariz
era uma hedionda escara.
- Está
muito bela, Sansa - disse-lhe.
- E
bondade sua, senhor. - Não sabia o que mais responder. Deveria
dizer-lhe que é bonito? Vai me achar uma tola ou uma mentirosa.
Baixou os olhos e dominou a língua.
-
Senhora, isso não é maneira de trazê-la para o seu casamento,
peço-lhe perdão. E por fazer isso de forma tão súbita e secreta.
O senhor meu pai achou necessário, por razões de estado. De outra
forma, teria ido encontrá-la mais cedo, conforme eu desejava. -
Bamboleou-se para mais perto. - Não pediu este casamento, eu sei. Eu
também não. Mas se a tivesse recusado, eles teriam casado a senhora
com meu primo Lancei. Talvez tivesse preferido assim. Ele tem uma
idade próxima da sua, e é mais bonito de se ver. Se for esse seu
desejo, diga, e eu porei fim a esta farsa.
Não
quero nenhum Lannister, ela quis dizer. Quero Willas, quero Jardim de
Cima, os cachorros e a barcaça, e filhos chamados Eddard, Bran e
Rickon. Mas então lembrou-se do que Dontos havia lhe dito no bosque
sagrado. Tyrell ou Lannister, não faz diferença, não é a mim que
querem, é só a minha pretensão.
- E
gentil, senhor - disse, derrotada. - Sou protegida da coroa e meu
dever é casar segundo as ordens do rei.
Ele
estudou-a com seus olhos desiguais.
- Eu sei
que não sou o tipo de esposo com que as garotas sonham, Sansa -
disse, com suavidade - mas também não sou Joffrey.
- Não -
disse ela - Foi gentil comigo. Eu me lembro.
Tyrion
ofereceu-lhe uma mão grossa de dedos curtos.
- Então
venha. Vamos cumprir o nosso dever.
E assim
ela pousou a mão na dele e ele levou-a até o altar nupcial, onde o
septão esperava entre a Mãe e o Pai para unir suas vidas, Sansa viu
Dontos, com o seu traje de bobo, olhando-a com grandes olhos
redondos. Sor Balon Swann e Sor Boros Blount encontravam-se lá,
ostentando o branco da Guarda Real, mas Sor Loras não. Nenhum dos
Tyrell está aqui, compreendeu de repente. Mas havia fartura de
outras testemunhas; o eunuco Varys, Sor Addam Marbrand, Lorde Philip
Foote, Sor Bronn, Jalabhar Xho, uma dúzia de outros. Lorde Gyles
tossia, a Senhora Ermesande mamava, e a filha grávida da Senhora
Tanda soluçava por nenhum motivo aparente. Que soluce, pensou Sansa.
Eu talvez faça o mesmo antes que este dia acabe.
A
cerimônia passou como que num sonho. Sansa fez tudo o que lhe foi
pedido. Houve preces, votos e cânticos, e grandes velas queimando,
uma centena de luzes dançantes, que as lágrimas em seus olhos se
transformaram num milhar. Felizmente, ninguém pareceu reparar que
ela estava chorando enquanto se encontrava ali, em pé, envolvida nas
cores do pai; ou se viram, fingiram não ver. Naquilo que pareceu não
ser tempo algum, chegaram à troca dos mantos.
Na
condição de pai do reino, Joffrey ocupou o lugar de Eddard Stark.
Sansa permaneceu dura como uma lança enquanto as mãos dele passaram
sobre seus ombros para lutar contra o broche de seu manto. Uma delas
roçou num seio e demorou-se lá, para lhe dar um pequeno apertão.
Então o
broche abriu-se, e Joff tirou seu manto de donzela com um floreado
régio e um sorriso. A parte do tio não correu tão bem. O manto de
noiva que segurava era enorme e pesado, de veludo carmesim ricamente
trabalhado com leões e debruado de cetim dourado e rubis. Mas
ninguém havia se lembrado de trazer um banco, e Tyrion era meio
metro mais baixo do que sua noiva. Quando ele se colocou atrás dela,
Sansa sentiu um forte puxão na saia. Ele quer que eu ajoelhe,
compreendeu, corando. Ficou mortificada. Não deveria ser assim.
Sonhara mil vezes com seu casamento, e em todas elas imaginara o modo
como seu noivo ficaria atrás dela, alto e forte, envolveria
majestosamente seus ombros com o manto de sua proteção, e a
beijaria ternamente no rosto ao debruçar-se para a frente, a fim de
lhe prender o broche. Sentiu outro puxão na saia, mais insistente.
Não farei isso. Por que devo poupar os sentimentos dele, quando
ninguém se preocupa com os meus? O anão puxou-a pela terceira vez.
Teimosamente, apertou os lábios e fingiu não reparar. Alguém atrás
deles soltou um riso abafado. A rainha, pensou, mas não importava.
Pouco depois estavam todos rindo, ninguém mais alto do que Joffrey.
- Dontos,
de quatro - ordenou o rei. - Meu tio precisa de ajuda para subir até
sua noiva.
E foi
assim que o senhor seu esposo a cobriu com um manto nas cores da Casa
Lannister enquanto se empoleirava nas costas de um bobo.
Quando
Sansa se virou, o homenzinho fitava-a, de boca contraída, com o
rosto tão vermelho quanto seu manto. De repente, sentiu-se
envergonhada por sua teimosia. Alisou as saias e ajoelhou-se diante
de Tyrion, para que as cabeças ficassem no mesmo nível.
- Com
este beijo empenho o meu amor, e o tomo como meu senhor e esposo.
- Com
este beijo empenho o meu amor - respondeu o anão em voz rouca - e a
tomo como minha senhora e esposa. - Debruçou-se para a frente, e os
lábios tocaram-se brevemente.
Ele é
tão feio, pensou Sansa quando o rosto dele se aproximou do seu. E
ainda mais feio do que o Cão de Caça.
O septão
ergueu bem alto seu cristal, para que a luz arco-íris caísse sobre
os dois.
- Aqui, à
vista dos deuses e dos homens - disse proclamo solenemente que Tyrion
da Casa Lannister e Sansa da Casa Stark são marido e mulher, uma
carne, um coração, uma alma, agora e sempre, e maldito seja quem se
interpuser entre eles.
Teve de
morder o lábio para não soluçar.
O
banquete de casamento foi servido no Pequeno Salão. Havia talvez
cinquenta convidados; a maioria servidores e aliados dos Lannister,
juntando-se àqueles que tinham estado no casamento. E ali Sansa
encontrou os Tyrell. Margaery olhou-a de um modo cheio de tristeza, e
quando a Rainha dos Espinhos entrou, vacilante, entre o Esquerdo e o
Direito, sequer a olhou. Elinor, Alia e Megga pareciam determinadas a
não conhecê-la. Minhas amigas, pensou Sansa amargamente.
Seu
esposo bebeu muito e quase não comeu. Escutava sempre que alguém se
levantava para fazer um brinde, e às vezes fazia um brusco aceno de
apreço, mas fora isso daria para dizer que seu rosto era feito de
pedra. O banquete pareceu prolongar-se sem fim, embora Sansa não
tivesse provado nada da comida. Queria que aquilo acabasse, e no
entanto temia o seu fim. Pois, após o banquete, vinha a noite de
núpcias. Os homens iriam levá-la para sua cama nupcial, despindo-a
no caminho e fazendo piadas grosseiras sobre aquilo que a aguardava
entre os lençóis, enquanto as mulheres prestariam a Tyrion o mesmo
serviço. Só depois de serem enfiados nus na cama é que os
deixariam sós, e mesmo então os convidados permaneceriam à porta
do aposento nupcial, gritando para dentro sugestões obscenas. A
noite de núpcias parecera maravilhosamente maliciosa e excitante
quando Sansa era garota, mas, agora que o momento estava quase
chegando, sentia apenas terror. Não achava que seria capaz de
suportar que arrancassem sua roupa, e estava certa de que rebentaria
em lágrimas à primeira brincadeira lúbrica.
Quando os
músicos começaram a tocar, Sansa apoiou timidamente a mão sobre a
de Tyrion e disse:
- Senhor,
lideramos o baile?
A boca
dele torceu-se.
- Acho
que já lhes demos divertimento suficiente para uma noite, não acha?
- Como
quiser, senhor. - Retirou a mão.
Em vez
deles, Joffrey e Margaery lideraram. Como é possível que um monstro
dance de forma tão bela? Perguntou Sansa a si mesma. Tinha sonhado
acordada muitas vezes sobre o modo como dançaria em seu casamento,
com todos os olhos postos em si e em seu belo senhor. Nos sonhos,
estavam todos sorrindo. Nem sequer o meu esposo sorri.
Outros
convidados rapidamente se juntaram ao rei e à sua prometida. Elinor
dançou com seu jovem escudeiro, e Megga, com o Príncipe Tommen. A
Senhora Merryweather, a bela myrana de cabelos negros e grandes olhos
escuros, girava tão provocantemente que em pouco tempo todos os
homens presentes no salão a observavam. O Senhor e a Senhora Tyrell
moviam-se mais calmamente, Sor Kevan Lannister pediu a honra à
Senhora Janna Fossoway, irmã de Lorde Tyrell, Merry Crane juntou-se
aos dançarinos com o príncipe exilado Jalabhar Xho, magnífico em
seus adornos de penas. Cersei Lannister fez par primeiro com Lorde
Redwyne, depois com Lorde Rowan, e por fim com o próprio pai, que
dançava com uma graça fluida e séria, Sansa ficou sentada com as
mãos no colo, observando o modo como a rainha se movia, ria e
sacudia os louros caracóis. Ela encanta a todos, pensou,
entorpecida. Como eu a odeio. Afastou o olhar, dirigindo-o para onde
o Rapaz Lua dançava com Dontos.
- Senhora
Sansa. - Sor Garlan Tyrell estava em pé junto ao estrado. - Dá-me a
honra? Se o seu senhor consentir?
Os olhos
desiguais do Duende estreitaram-se.
- A minha
senhora pode dançar com quem quiser.
Talvez
devesse ter permanecido ao lado do marido, mas queria tanto dançar...
e Sor Garlan era irmão de Margaery, de Willas, de seu Cavaleiro das
Flores.
- Vejo
por que lhe chamam Garlan, o Galante, sor - disse, ao pegar na mão
dele.
- E muito
amável por dizer isso, minha senhora. Foi meu irmão Willas quem me
deu esse nome, por acaso. Para me proteger.
- Para
protegê-lo? - Sansa dirigiu-lhe um olhar confuso.
Sor
Garlan soltou uma gargalhada.
- Eu era
um menininho rechonchudo, temo eu, e nós temos um tio chamado Garth,
o Grosseiro. Por isso Willas atacou primeiro, não sem antes me
ameaçar com Garlan, o Galo, Garlan, o Gatuno e Garlan, a Gárgula.
Aquilo
era tão encantador e inocente que Sansa foi obrigada a rir, apesar
de tudo. Depois, sentiu-se absurdamente grata. Sem saber como, o riso
tinha lhe dado de novo esperança, ainda que por pouco tempo.
Sorrindo, deixou que a música a dominasse, perdendo-se nos passos,
no som de flauta, gaita de foles e harpa, no ritmo do tambor... e de
tempos em tempos nos braços de Sor Garlan, quando a dança os
juntava.
- A
senhora minha esposa está muito preocupada com a senhora - disse ele
em voz baixa numa dessas vezes.
- A
Senhora Leonette é bondosa demais. Diga-lhe que estou bem.
- Uma
noiva no seu casamento devia estar mais do que bem. - A voz dele não
era desprovida de gentileza. - Parecia à beira das lágrimas.
-
Lágrimas de alegria, sor.
- Seus
olhos revelam a mentira de sua língua. - Sor Garlan virou-a, puxou-a
para o seu lado. - Senhora, vi como olha para meu irmão. Loras é
valente e bonito, e todos o amamos muito... mas o seu Duende será
melhor marido. Ele é um homem maior do que parece, penso eu.
A música
afastou-os antes de Sansa conseguir pensar numa resposta. Foi Mace
Tyrell quem surgiu à sua frente, com o rosto vermelho e suado, e
depois Lorde Merryweather, e depois o Príncipe Tommen.
- Também
quero me casar - disse o rechonchudo principezinho, que tinha nove
anos. - Sou mais alto do que o meu tio!
- Eu sei
que é - disse Sansa, antes de os pares voltarem a trocar. Sor Kevan
disse-lhe que estava bela, Jalabhar Xho disse qualquer coisa na
Língua do Verão que ela não compreendeu, e Lorde Redwyne
desejou-lhe muitas crianças gordas e longos anos de alegria. E então
a dança deixou-a cara a cara com Joffrey.
Sansa
retesou-se quando a mão dele tocou na dela, mas o rei apertou sua
mão e puxou-a para si.
- Não
devia estar com um ar tão triste. Meu tio é uma coisinha feia, mas
você ainda terá a mim.
- O
senhor irá se casar com Margaery!
- Um rei
pode ter outras mulheres. Prostitutas. Meu pai teve. Um dos Aegon
também. O terceiro ou o quarto. Teve um monte de prostitutas e um
monte de bastardos. - Enquanto rodopiavam ao som da música, Joff
deu-lhe um beijo úmido. - Meu tio vai trazê-la à minha cama sempre
que eu ordenar.
Sansa
balançou a cabeça.
- Não
vai.
- Vai,
senão corto a cabeça dele. Esse Rei Aegon, ele tinha todas as
mulheres que desejava, quer fossem ou não casadas.
Felizmente,
era hora de mudar mais uma vez. Mas suas pernas tinham se
transformado em madeira, e Lorde Rowan, Sor Tallad e o escudeiro de
Elinor devem tê-la achado uma dançarina muito desajeitada. E então
viu-se de novo com Sor Garlan, e pouco depois, abençoadamente, a
dança terminou.
O alívio
foi curto. Assim que a música acabou, ouviu Joffrey dizer:
- Está
na hora de levá-los para a cama! Vamos tirar a roupa dela e dar uma
passada de olhos no que a loba tem a dar ao meu tio! - Outros homens
juntaram-se ruidosamente ao grito.
O anão
seu marido ergueu lentamente os olhos da taça de vinho.
- Não
haverá nada de noite de núpcias.
Joffrey
agarrou o braço de Sansa.
- Haverá,
se eu ordenar.
O Duende
espetou violentamente o punhal na mesa, onde ficou vibrando, e disse:
- E
depois vai ter de servir a sua mulher com um cacete de madeira. Eu
castro você, juro.
Caiu um
pesado silêncio. Sansa tentou libertar-se de Joffrey, mas ele
tinha-a bem agarrada e sua manga rasgou. Ninguém pareceu sequer
ouvir. A Rainha Cersei virou-se para o pai.
- Ouviu o
que ele disse?
Lorde
Tywin levantou-se da cadeira.
- Acho
que podemos dispensar a noite de núpcias. Tyrion, tenho certeza de
que não pretendia ameaçar a pessoa do rei.
Sansa viu
um espasmo de raiva percorrer o rosto do marido.
-
Expressei-me mal - disse. - Foi uma brincadeira de mau gosto, senhor.
- Ameaçou
me castrar! - disse Joffrey com uma voz esganiçada.
-
Ameacei, Vossa Graça - disse Tyrion - mas foi só por invejar o seu
régio membro. O meu é tão pequeno e torto... - Seu rosto
contorceu-se num olhar malicioso. - E se cortar minha língua, não
me deixará nenhuma maneira de dar prazer a esta encantadora esposa
que me deu.
Uma
gargalhada explodiu dos lábios de Sor Osmund Kettleblack. Alguém
soltou um risinho abafado. Mas Joff não riu, e Lorde Tywin também
não.
- Vossa
Graça - disse este - meu filho está bêbado, pode constatar o fato,
- Estou -
confessou o Duende - mas não tão bêbado que não possa tratar da
minha noite de núpcias. - Saltou do estrado e agarrou Sansa
rudemente. - Venha, mulher, é hora de derrubar a sua porta levadiça.
Quero brincar de entrar no castelo.
Corada,
Sansa saiu com ele do Pequeno Salão. Que escolha tenho? Tyrion
bamboleava-se ao caminhar, especialmente quando caminhava tão
depressa quanto agora. Os deuses eram misericordiosos, e nem Joffrey
nem nenhum dos outros fez um movimento para segui-los. Para a noite
de núpcias, tinham-lhes concedido o uso de um quarto arejado no alto
da Torre da Mão. Tyrion fechou a porta com um pontapé depois de
entrarem.
- Há um
jarro de bom dourado da Árvore no aparador, Sansa. Quer fazer a
gentileza de me servir uma taça?
- Será
isso sensato, senhor?
- Não há
nada mais sensato. Não estou realmente bêbado, compreende? Mas
pretendo ficar.
Sansa
encheu uma taça para cada um. Será mais fácil se eu também
estiver bêbada. Sentou-se na beira da grande cama de dossel e
ingeriu metade do conteúdo de sua taça em três longos goles.
Sem
dúvida que o vinho era muito bom, mas estava nervosa demais para
saboreá-lo. A bebida deixou sua cabeça flutuando.
- Quer
que eu tire minhas roupas, senhor?
- Tyrion.
- Ele ergueu a cabeça. - Meu nome é Tyrion, Sansa.
- Tyrion.
Senhor. Devo tirar o vestido, ou quer me despir? - bebeu mais um gole
de vinho.
O Duende
virou as costas para ela.
- Da
primeira vez que me casei, fomos só nós e um septão bêbado, e
alguns porcos como testemunhas. Comemos uma das testemunhas no
banquete de casamento. Tysha deu na minha boca pele torrada de porco
assado e eu lambi a gordura dos dedos dela, e estávamos rindo quando
caímos na cama.
- Foi
casado antes? Eu... eu tinha me esquecido.
- Não
esqueceu. Nunca soube.
- Quem
era ela, senhor? - a contragosto, Sansa sentia curiosidade.
- A
Senhora Tysha - A boca dele torceu-se. - Da Casa Punho de Prata. As
armas deles são uma moeda de ouro e cem de prata, num lençol
ensanguentado. Nosso casamento foi muito curto... como é próprio de
um homem muito baixo, suponho.
Sansa
fitou as mãos e nada disse.
- Quantos
anos você tem, Sansa? - perguntou Tyrion após um momento.
- Treze -
disse ela - quando a lua virar.
- Deuses,
piedade. - O anão bebeu outro gole de vinho. - Bem, conversar não
fará você ficar mais velha. Vamos tratar disso, senhora? Se for do
seu agrado?
- Será
do meu agrado agradar ao senhor meu esposo.
Aquilo
pareceu enfurecê-lo.
-
Esconde-se atrás da cortesia como se fosse uma muralha de castelo.
- A
cortesia é a armadura de uma senhora - disse Sansa. Sua septã
sempre lhe dizia isso.
- Eu sou
o seu marido. Agora pode tirar a armadura.
- E a
roupa?
- Isso
também. - Fez um gesto na direção dela com a taça de vinho. - O
senhor meu pai ordenou-me que consumasse este casamento.
As mãos
de Sansa tremiam quando começou a remexer as roupas. Tinha dez
polegares no lugar dos dedos, e todos estavam quebrados. Mas de algum
modo conseguiu se desembaraçar dos nós e botões, e o seu manto, o
vestido, o espartilho e a seda íntima deslizaram para o chão, até
que por fim saiu de dentro da roupa de baixo. A pele de seus braços
e pernas ficou arrepiada.
Manteve
os olhos no chão, tímida demais para olhá-lo, mas quando terminou,
lançou-lhe um relance de olhos e viu-o a fitá-la. Havia fome no
olho verde, pareceu a ela, e fúria no negro. Sansa não sabia qual
dos dois a assustava mais.
- É uma
criança - disse ele.
Ela
cobriu os seios com as mãos.
- Já
floresci.
- Uma
criança - repetiu ele - mas desejo você. Isso a assusta, Sansa?
- Sim.
- A mim
também. Eu sei que sou feio...
- Não,
sen...
Ele
ergueu-se.
- Não
minta, Sansa. Sou deformado, mutilado e pequeno, mas... - Sansa viu
que ele procurava as palavras - ... na cama, depois das velas
sopradas, não sou pior constituído do que os outros homens. No
escuro, sou o Cavaleiro das Flores. - Bebeu um trago de vinho. - Sou
generoso. Leal para com aqueles que me são leais. Provei que não
sou covarde. E sou mais inteligente do que a maioria, decerto a
esperteza deve contar para alguma coisa. Até posso ser bondoso. Temo
que a bondade não seja um hábito entre nós, os Lannister, mas sei
que tenho alguma, em algum lugar. Poderia ser... poderia ser bom para
você.
Ele está
tão assustado quanto eu, percebeu Sansa. Isso talvez devesse tê-la
deixado mais compreensiva para com ele, mas não a deixou. Tudo que
sentiu foi pena, e a pena é a morte do desejo. O anão olhava-a, à
espera de que dissesse alguma coisa, mas todas as suas palavras
tinham murchado. Só conseguiu ficar ali, em pé, tremendo.
Quando
finalmente compreendeu que ela não tinha uma resposta para lhe dar,
Tyrion Lannister entornou o resto do vinho.
-
Compreendo - disse amargamente. - Vá para a cama, Sansa. Temos de
cumprir o nosso dever.
Ela subiu
para o colchão de plumas, consciente de que ele a encarava. Uma vela
perfumada de cera de abelha ardia na mesa de cabeceira e pétalas de
rosas tinham sido espalhadas entre os lençóis. Tinha começado a
puxar uma manta para se cobrir quando o ouviu dizer:
- Não.
O frio
fazia-a tremer, mas obedeceu. Seus olhos fecharam-se, e esperou. Um
momento depois, ouviu o som do marido descalçando as botas, e o
roçagar de roupa enquanto se despia. Quando saltou para a cama e pôs
uma mão no seu seio, Sansa não conseguiu evitar um estremecimento.
Ficou de olhos fechados, com cada músculo tenso, aterrorizada com o
que poderia vir em seguida. Ele voltaria a tocá-la? Iria beijá-la?
Deveria abrir já as pernas para ele? Não sabia o que era esperado
de si.
- Sansa.
- A mão tinha desaparecido. - Abra os olhos.
Prometera
obedecer; abriu os olhos. Ele estava sentado junto aos seus pés, nu.
Onde as pernas se juntavam, seu bastão de homem erguia-se, teso e
rijo, de uma mata de ásperos pelos amarelos, mas essa era a única
coisa nele que era direita.
- Minha
senhora - disse Tyrion - E adorável, não duvide, mas... não posso
fazer isso. Que se dane o meu pai. Esperaremos. A volta da lua, um
ano, uma estação, o tempo que for preciso. Até que me conheça
melhor, e talvez confie um pouco em mim. - O sorriso podia pretender
ser tranquilizador, mas sem nariz só o fazia parecer mais grotesco e
sinistro.
Olhe para
ele, disse Sansa a si mesma, olhe para o seu marido, para todo ele, a
Septã Mordane dizia que todos os homens são belos, encontre a
beleza dele, tente. Fitou as pernas tortas, a testa inchada e
animalesca, o olho verde e o negro, os restos em carne viva de seu
nariz e a cicatriz irregular e rosada, o rude emaranhado de pelos
amarelos e pretos que nele passava por barba. Até o seu membro viril
era feio, grosso e cheio de veias, com uma cabeça bulbosa e roxa.
Isso não está certo, isso não é justo, como terei pecado tanto
para levar os deuses afazerem isso comigo, como?
- Por
minha honra como Lannister - disse o Duende - juro não tocá-la até
que queira que eu o faça.
Precisou
de toda a coragem que possuía para olhar aqueles olhos desiguais e
dizer:
- E se eu
nunca quiser que faça isso, senhor?
A boca
dele contraiu-se como se o tivesse esbofeteado.
- Nunca?
- Sansa tinha o pescoço tão tenso que quase não conseguiu
assentir. - Ora - disse ele é por isso que os deuses fazem as
prostitutas, para duendes como eu. - Fechou seus dedos curtos e
grossos num punho e saltou da cama.
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