O monte
projetava-se por cima do denso emaranhado de floresta, erguendo-se
solitário, repentinamente deixando ver suas alturas varridas pelo
vento de quilômetros ao redor. Os patrulheiros diziam que os
selvagens o chamavam de Punho dos Primeiros Homens. Jon pensou que
realmente se parecia com um punho, atravessando a terra e a floresta,
com as vertentes nuas e marrons encimadas por pedras.
Cavalgou
até o topo com Lorde Mormont e os oficiais, deixando Fantasma lá
embaixo, entre as árvores. O lobo gigante tinha fugido três vezes
enquanto subiam, regressando relutantemente em duas delas ao som do
assobio de Jon. Na terceira, o Senhor Comandante perdeu a paciência
e exclamou:
- Deixe-o
ir, rapaz. Quero alcançar o cume antes do anoitecer. Procure o lobo
mais tarde.
O caminho
era íngreme e pedregoso, e o cume era coroado por um muro de pedras
desprendidas dos rochedos, cuja altura chegava à altura do peito. O
grupo foi forçado a dar uma grande volta para oeste até encontrar
uma brecha suficientemente larga para que os cavalos passassem.
- Esta é
uma boa posição, Thoren - proclamou o Velho Urso, quando enfim
atingiram o topo. - Dificilmente encontraremos melhor. Faremos aqui o
acampamento para esperar pelo Meia-Mão - o Senhor Comandante saltou
da sela, desalojando o corvo do ombro. Queixando-se sonoramente, a
ave levantou voo.
A vista
do topo do monte era abrangente, mas o que atraiu os olhos de Jon foi
o muro circular, as pedras cinzentas desgastadas, com suas manchas
brancas de líquens e suas barbas de musgo verde. Dizia-se que o
Punho tinha sido um forte anelar dos Primeiros Homens, na Idade da
Alvorada.
- Um
lugar velho e forte - disse Thoren Smallwood.
"Velho",
gritou o corvo de Mormont, batendo as asas em círculos ruidosos em
volta da cabeça
dos
homens."Velho, velho, velho."
- Cale-se
- rosnou Mormont para a ave. O Velho Urso era orgulhoso demais para
admitir fraqueza, mas Jon não se deixava enganar. O esforço de
acompanhar os homens mais novos estava custando caro.
- Esta
elevação será fácil de defender se for necessário - notou Thoren
enquanto levava o cavalo ao longo do anel de pedras, com o vento
agitando seu manto forrado de zibelina.
- Sim,
este lugar servirá - o Velho Urso ergueu uma mão para o vento, e o
corvo aterrissou em seu antebraço, arranhando com as garras a cota
de malha negra.
- E a
água, senhor? - Jon quis saber.
-
Atravessamos um riacho no sopé do monte.
- Uma
longa subida para beber água - Jon observou - e fora do anel de
pedra.
Thoren
rebateu:
- E
preguiçoso demais para subir um monte, rapaz?
Lorde
Mormont interveio:
- Não é
provável que encontremos outro local tão forte como este. Vamos
transportar água e nos assegurar de estarmos bem abastecidos.
Jon sabia
que não devia discutir. E, assim, a ordem foi dada e os irmãos da
Patrulha da Noite montaram o acampamento por trás do anel de pedra
que os Primeiros Homens tinham construído. Tendas negras nasceram
como cogumelos depois da chuva, e cobertores e camas de campanha
cobriram o terreno nu. Intendentes amarraram os garranos em longas
fileiras, e lhes deram água e alimento. Lenhadores levaram seus
machados até as árvores, à luz da tarde que se escoava, a fim de
colher madeira suficiente para a noite. Vinte construtores puseram-se
a limpar a vegetação rasteira, cavar latrinas e desatar os feixes
de estacas endurecidas pelo fogo que tinham trazido.
- Quero
ver todas as aberturas do muro entrincheiradas e com estacas antes de
a noite cair - ordenou o Velho Urso.
Depois de
armar a tenda do Senhor Comandante e de cuidar dos cavalos, Jon Snow
desceu o monte em busca de Fantasma. O lobo gigante veio de imediato,
num silêncio total. Num momento, Jon caminhava a passos largos por
entre as árvores, assobiando e gritando, sozinho no verde, com
pinhas e folhas caídas sob os pés; no seguinte, o grande lobo
gigante branco andava a seu lado, alvo como a neblina da manhã.
Mas,
quando chegaram ao forte anelar, Fantasma voltou a se mostrar
renitente. Avançou com cautela para farejar a abertura nas pedras e
depois recuou, como se não tivesse gostado do cheiro que sentiu. Jon
tentou agarrá-lo pelo cangote e arrastá-lo à força para dentro do
anel, o que não era tarefa fácil; o lobo pesava tanto quanto ele, e
era muito mais forte.
-
Fantasma, qual é o seu problema? - o lobo não era de se mostrar tão
perturbado. Por fim, Jon teve de desistir: - Faça como quiser. Vai,
pode caçar - os olhos vermelhos ficaram observando-o enquanto abria
caminho por entre as pedras cobertas de musgo.
Deviam
estar em segurança ali. O monte tinha uma posição dominante, e as
vertentes norte e oeste formavam precipícios e eram apenas um pouco
mais suaves para leste. No entanto, à medida que o ocaso se
aprofundava e a escuridão deslizava pelos espaços vazios entre as
árvores, a sensação de mau agouro cresceu dentro de Jon. Esta é a
floresta assombrada, disse a si mesmo. Talvez haja fantasmas aqui, o
espírito dos Primeiros Homens. Um dia, este lugar lhes pertenceu.
- Pare de
agir como um garoto - murmurou consigo mesmo. Subindo nas pedras
empilhadas, Jon dirigiu o olhar para o sol poente. Conseguia ver a
luz tremeluzindo como ouro martelado na superfície do Guadeleite no
ponto em que o rio curvava para sul. Em direção à nascente, o
terreno era mais irregular, a floresta densa dava lugar a uma série
de montes pedregosos e nus que subiam, altos e bravios, para norte e
oeste. No horizonte, as montanhas erguiam-se como uma grande sombra,
cordilheira após cordilheira estendendo-se na distância
azul-acinzentada, com os picos recortados, perpetuamente revestidos
de neve. Mesmo de longe, pareciam vastas, frias e inóspitas.
Mais
perto dali, eram as árvores que governavam. Para sul e para leste, a
floresta estendia-se até o horizonte, um vasto emaranhado de raízes
e ramos pintado em diversos tons de verde, com uma mancha de vermelho
aqui e ali, onde um represeiro abria caminho por entre os pinheiros e
as árvores-sentinela, ou uma gota de amarelo nos locais em que
algumas árvores latifoliadas tinham começado a mudar de cor. Quando
o vento soprou, Jon conseguiu ouvir o estalar e ranger de galhos mais
velhos do que ele. Mil folhas esvoaçaram, e por um momento a
floresta pareceu um mar de um verde profundo, tempestuoso e
palpitante, eterno e impossível de conhecer.
Jon
refletiu que não era provável que Fantasma estivesse sozinho lá
embaixo. Qualquer coisa podia estar em movimento sob aquele mar,
rastejando através da escuridão dos bosques na direção do forte
anelar, escondida sob aquelas árvores. Qualquer coisa. Como poderiam
chegar a saber?
Ficou ali
por muito tempo, até o sol desaparecer por trás dos picos serrados
das montanhas e a escuridão começar a deslizar pela floresta.
- Jon? -
Samwell Tarly o chamou. - Bem que achei que fosse você. Está bem?
-
Suficientemente bem - Jon saltou para baixo. - Como passou o dia
hoje?
- Bem.
Passei bem. De verdade.
Jon não
dividiria suas inquietações com o amigo, ainda mais no momento em
que Samwell Tarly parecia por fim começar a encontrar sua coragem.
- O Velho
Urso pretende esperar aqui por Qhorin Meia-Mão e pelos homens vindos
da Torre Sombria.
- Parece
um local seguro - Sam respondeu. - Um forte anelar dos Primeiros
Homens. Acha que houve batalhas travadas aqui?
- Sem
dúvida. É melhor que prepare uma ave. Mormont vai querer enviar
notícias.
-
Gostaria de poder enviar todas. Detestam estar engaioladas.
- Também
detestaria, se pudesse voar.
- Se eu
pudesse voar, estaria de volta ao Castelo Negro, comendo um empadão
de porco.
Com a mão
queimada, Jon deu uma palmada no ombro do amigo. Atravessaram juntos
o acampamento. Fogueiras para cozinhar eram acesas por todo lado. Em
cima, as estrelas iam aparecendo. A longa cauda vermelha do Archote
de Mormont ardia, luminosa como a lua. Jon ouviu os corvos antes de
vê-los. Alguns chamavam por seu nome. As aves não se acanhavam
quando se tratava de fazer barulho. Eles também sentem isso.
- E
melhor que eu vá atender ao Velho Urso - Jon falou. - Ele também
fica barulhento quando não é alimentado.
Foi
encontrar Mormont conversando com Thoren Smallwood e meia dúzia de
outros oficiais,
- Aqui
está você - disse o velho em tom rabugento. - Traga-nos um pouco de
vinho quente, por favor. A noite está gelada.
- Sim,
senhor.
Jon
acendeu uma fogueira, requisitou aos homens do abastecimento um
pequeno barril do tinto encorpado que Mormont preferia e despejou-o
numa chaleira. Pendurou-a sobre as chamas enquanto reunia o resto dos
ingredientes. O Velho Urso era exigente com o vinho quente
condimentado. Tanto de canela, tanto de noz-moscada e tanto de mel,
nem um tiquinho a mais. Passas, nozes e bagas secas sim, mas nada de
limão, isso era o mais asqueroso tipo de heresia sulista... O que,
para Jon, era estranho, uma vez que sempre punha limão na cerveja
matinal.
A bebida
devia estar quente para aquecer devidamente um homem, insistia o
Senhor Comandante, mas nunca se podia permitir que o vinho começasse
a ferver, Jon vigiou a chaleira com olhos cuidadosos.
Enquanto
trabalhava, conseguia ouvir as vozes que vinham de dentro da tenda.
Jarman Buckwell disse:
- O
caminho mais fácil para subir as Presas de Gelo é seguindo o
Guadeleite até a nascente. Mas se formos por aí, Rayder saberá da
nossa aproximação, tão certo como o nascer do sol.
- A
Escada do Gigante pode servir - Sor Mallador Locke observou - ou o
Passo dos Guinchos, se estiver limpo.
O vinho
fumegava. Jon tirou a chaleira do fogo, encheu oito taças e as levou
para a tenda. O Velho Urso espiava o mapa rudimentar que Sam lhe
havia desenhado na Fortaleza de Craster. Tirou uma taça do tabuleiro
de Jon, experimentou o vinho e fez um aceno brusco de aprovação.
O corvo
saltou de seu braço. "Grão. Grão. Grão,"
Sor Ottyn
Wythers recusou o vinho com um gesto.
- Eu
preferia evitar a todo custo a entrada nas montanhas - o homem disse
numa voz fraca e fatigada. - As Presas de Gelo mordem cruelmente,
mesmo no Verão, e agora... Se formos apanhados por uma tempestade...
- Não
pretendo arriscar as Presas, a menos que tenhamos de fazer isso -
Mormont respondeu. - Os selvagens não são mais capazes de viver de
neve e pedra do que nós. Irão emergir das alturas em breve, e para
qualquer tropa de um tamanho razoável, a única rota possível segue
o Guadeleite. Se assim for, temos aqui uma posição forte. Eles não
podem esperar escapar de nós.
- Podem
não querer escapar. São milhares, e nós seremos trezentos quando
Meia-Mão nos alcançar - Sor Mallador aceitou a taça que Jon lhe
oferecia.
- Se
chegar a haver batalha, não poderíamos desejar posição melhor do
que esta - Mormont voltou a insistir. - Reforçaremos as defesas.
Fossos e espigões, estrepes espalhadas pelas vertentes, com todas as
brechas fechadas. Jarman, quero seus olhos mais aguçados como
vigias. Dispostos em anel, à nossa volta e ao longo do rio, para nos
prevenirem de qualquer aproximação. Esconda-os nas árvores. E é
melhor começarmos também a trazer água para cima, mais do que
precisamos. Escavaremos cisternas. Isso manterá os homens ocupados,
e pode se mostrar necessário mais tarde,
- Meus
patrulheiros... - começou Thoren Smallwood.
- Seus
patrulheiros limitarão as patrulhas a este lado do rio até que
Meia-Mão nos alcance. Depois disso, veremos. Não perderei mais de
meus homens.
- Mance
Ryder pode estar reunindo sua tropa a um dia de viagem daqui, e nunca
o saberemos - Smallwood protestou.
- Nós
sabemos onde os selvagens estão se juntando - Mormont rebateu. -
Craster nos disse. Não gosto do homem, mas não me parece que tenha
mentido quanto a isso.
- Às
suas ordens - Smallwood saiu carrancudo. Os outros terminaram o vinho
e seguiram-no, com mais cortesia.
- Devo
trazer seu jantar, senhor? - Jon perguntou.
"Grão",
gritou o corvo. Mormont não respondeu logo. E, quando o fez, disse
apenas:
- Seu
lobo encontrou caça hoje?
- Ainda
não voltou.
- Seria
bom termos carne fresca - Mormont enfiou a mão num saco e ofereceu
um punhado de milho ao corvo. - Acha que faço mal em manter os
patrulheiros por perto?
- Isso
não me cabe dizer, senhor.
- Cabe,
se eu perguntar.
- Se os
patrulheiros tiverem de permanecer à vista do Punho, não vejo como
podem ter esperança de encontrar meu tio - Jon admitiu.
- Não
podem - o corvo bicou os grãos na mão do Velho Urso. - Sejam
duzentos homens ou dez mil, esta terra é vasta demais - desaparecido
o milho, Mormont virou a mão.
- Não
está pensando em desistir da busca, está?
- Meistre
Aemon pensa que você é esperto.
Mormont
deslocou o corvo para o ombro. A ave inclinou a cabeça para um lado,
com os olhinhos brilhando. A resposta encontrava-se ali.
- E...
Parece-me que pode ser mais fácil a um homem encontrar duzentos do
que duzentos encontrarem um.
O corvo
soltou um guincho zombeteiro, mas o Velho Urso sorriu por entre a
barba cinza.
- Todos
esses homens e cavalos deixam um rastro que até Aemon seria capaz de
seguir. Neste monte, nossas fogueiras devem estar visíveis até o
sopé das Presas de Gelo. Se Ben Stark estiver vivo e livre, virá
até nós, não tenho qualquer dúvida.
- Sim -
Jon respondeu - mas... e se...
- ...
estiver morto? - Mormont concluiu, num tom que não era desprovido de
gentileza.
Jon
confirmou, relutante, com a cabeça.
"Morto",
disse o corvo. "Morto. Morto."
- Pode
vir mesmo assim até nós - o Velho Urso disse. - Como fez Othor, e
Jafer Flowers. Temo isso tanto quanto você, Jon, mas temos de
admitir a possibilidade.
"Morto,"
crocitou o corvo, sacudindo as asas. A voz da ave subiu de
intensidade e tornou-se mais estridente. "Morto."
Mormont
afagou as penas negras da ave e abafou um súbito bocejo com as
costas da mão.
- Creio
que vou dispensar o jantar. O descanso vai me servir melhor.
Acorde-me à primeira luz da aurora.
- Durma
bem, senhor.
Jon
recolheu as taças vazias e saiu. Ouviu risos distantes, e o som
lamentoso de uma gaita. Uma grande fogueira crepitava no centro do
acampamento, e Jon conseguia sentir o cheiro do guisado sendo cozido.
O Velho Urso podia não ter fome, mas ele tinha, e se aproximou
calmamente do fogo.
Dywen
parecia discursar, de colher na mão:
- Conheço
esta floresta tão bem quanto qualquer homem vivo, e digo-lhes que
não gostaria de percorrê-la sozinho esta noite. Não sentem o
cheiro?
Grenn
olhava-o com os olhos muito abertos, mas Edd Doloroso disse:
- O
cheiro que sinto é o da merda de duzentos cavalos. E deste guisado.
Que tem quase o mesmo aroma bem aqui, agora que o cheiro bem.
- Tenho
seu aroma parecido bem aqui - Hake deu um tapinha na adaga, e,
resmungando, encheu a tigela de Jon.
O guisado
era engrossado com cevada, cenoura, cebola e um fiapo de charque aqui
e ali, amaciado pela fervura.
- Como é
que cheira para você, Dywen? - Green quis saber.
O
lenhador colocou a colher na boca um momento. Tinha tirado os dentes.
Seu rosto era enrugado, semelhante a couro, e suas mãos nodosas,
como velhas raízes.
-
Parece-me que tem cheiro... bem... de frio.
- Sua
cabeça é tão feita de madeira como seus dentes - disse-lhe Hake. -
Não existe cheiro de frio.
Existe,
Jon respondeu em pensamento, lembrando-se da noite nos aposentos do
Senhor Comandante. Tem cheiro de morte. De repente, sua fome
desapareceu. Deu o guisado a Grenn, que parecia precisar de um jantar
extra para se aquecer contra a noite.
O vento
soprava fresco quando saiu. De manhã, a geada cobriria o chão e as
cordas das tendas estariam rígidas e congeladas. Alguns dedos de
vinho condimentado sacolejavam dentro da chaleira. Jon alimentou a
fogueira com madeira fresca e pôs a chaleira sobre as chamas, para
voltar a aquecê-la. Flexionou os dedos enquanto esperava,
fechando-os e esticando-os até a mão começar a formigar. Os vigias
do primeiro turno tinham ocupado seus lugares em volta do perímetro
do acampamento. Archotes tremeluziam ao longo da muralha anelar. A
noite não tinha lua, mas mil estrelas brilhavam por cima de sua
cabeça.
Um som
ergueu-se da escuridão, tênue e distante, mas inconfundível: uivos
de lobos. Suas vozes subiam e desciam, uma canção gelada e
solitária. Fazia que os pelos na parte de trás do seu pescoço se
eriçassem. Do outro lado da fogueira, um par de olhos vermelhos
olhou-o das sombras.
A luz das
chamas fazia-os cintilar.
-
Fantasma - Jon suspirou, surpreso. - Então finalmente entrou, hã? -
era frequente que o lobo branco ficasse caçando a noite toda; não
esperara voltar a vê-lo antes do nascer do dia. - A caça foi assim
tão ruim? Vem cá. Aqui, Fantasma.
O lobo
gigante deu a volta na fogueira, farejando Jon, farejando o vento,
sem nunca ficar quieto. Não parecia desejar carne naquele momento.
Quando os mortos se levantaram, Fantasma soube. Acordou-me,
preveniu-me. Alarmado, pôs-se em pé.
- Tem
alguma coisa lá fora? Fantasma, pegou um cheiro? - Dywen disse que
tinha cheiro de frio. O lobo gigante afastou-se com um salto, parou,
olhou para trás. Ele quer que o siga. Puxando o capuz do manto para
cima, Jon afastou-se das tendas, do calor da sua fogueira, e passou
pelas fileiras de pequenos garranos hirsutos. Um dos cavalos
relinchou nervosamente quando Fantasma passou perto dele. Jon
acalmou-o com uma palavra e fez uma pausa para afagar seu focinho.
Conseguiu ouvir o vento assobiando através das fendas entre as
pedras quando se aproximaram do muro circular. Uma voz proferiu um
desafio. Jon saiu para a luz do archote.
- Tenho
de ir buscar água para o Senhor Comandante.
- Então
vá - disse o guarda. - E rápido - aninhado no interior do manto
branco, com o capuz erguido contra o vento, o homem nem o olhou para
ver se trazia um balde.
Jon
deslizou de lado entre duas estacas afiadas, enquanto Fantasma se
esgueirava por baixo delas. Uma tocha tinha sido atirada para dentro
de uma fenda, e suas chamas flamejavam como bandeiras de um tom
laranja claro quando as rajadas de vento sopravam. Jon pegou-a
enquanto se encolhia pela fenda entre as pedras. Fantasma desceu o
monte correndo. Jon seguiu-o mais devagar, com a tocha erguida à
frente enquanto descia. Os sons do acampamento desvaneceram-se às
suas costas. A noite estava negra, e a encosta era íngreme,
pedregosa e irregular. Uma desatenção momentânea seria o jeito
certo de quebrar um tornozelo... ou o pescoço. O que estou fazendo?
Perguntou-se enquanto procurava o caminho.
As
árvores erguiam-se por baixo, guerreiros com armaduras de casca e
folha, alinhados em suas fileiras silenciosas à espera da ordem de
atacar o monte. Pareciam negras... Era só quando a luz da tocha por
elas passava que Jon vislumbrava um clarão de verde. Tenuemente,
ouvia o som de água fluindo sobre rochas. Fantasma desapareceu na
vegetação rasteira. Jon lutou para segui-lo, escutando o chamado do
riacho, os suspiros das folhas ao vento. Raminhos agarraram-se ao seu
manto, enquanto por cima de sua cabeça galhos mais grossos se
entrelaçavam e escondiam as estrelas.
Encontrou
Fantasma bebendo do riacho
-
Fantasma, aqui. Já - quando o lobo gigante levantou a cabeça, seus
olhos brilharam, vermelhos e sinistros, e água escorreu de suas
mandíbulas como saliva. Naquele instante, havia nele algo de feroz e
terrível. E então partiu, passando por Jon aos saltos, correndo
através das árvores.
-
Fantasma, não, fica - ele gritou, mas o lobo não prestou atenção.
A esguia silhueta branca foi engolida pela escuridão, e Jon ficou
apenas com duas possibilidades... Voltar a subir o monte, sozinho, ou
segui-lo.
Seguiu-o,
zangado, segurando baixo a tocha, para conseguir ver as pedras que
ameaçavam fazê-lo tropeçar a cada passo, as espessas raízes que
pareciam se agarrar aos seus pés, os buracos onde um homem podia
torcer o tornozelo. A cada par de metros voltava a chamar por
Fantasma, mas o vento noturno rodopiava por entre as árvores e
engolia as palavras. Isso é uma loucura, Jon pensou enquanto
mergulhava mais profundamente entre as árvores. Estava quase
voltando quando vislumbrou um clarão branco mais à frente e à
direita, na direção do monte. Correu atrás dele, praguejando em
voz baixa.
Perseguiu
o lobo por um quarto de hora ao redor do Punho antes de voltar a
perdê-lo de vista. Por fim, parou para recuperar o fôlego em meio
aos arbustos, espinheiros e pedras tombadas no sopé do monte. Para
lá da luz da tocha, a escuridão apertava-se.
Um som
suave, como o de algo sendo arranhado, fez com que ele se virasse.
Andou na direção do som, pondo os pés com cuidado entre
pedregulhos e espinheiros. Atrás de uma árvore caída, voltou a
encontrar Fantasma. O lobo gigante cavava furiosamente, arremessando
terra para todos os lados.
- O que
encontrou? - Jon abaixou a tocha, e a luz lhe revelou um montículo
arredondado de terra mole. Uma sepultura, pensou. Mas de quem?
Jon se
ajoelhou e espetou a tocha na terra a seu lado. A terra era solta,
arenosa. Ele começou a cavar com as mãos. Não havia pedras nem
raízes. O que quer que ali estivesse, tinha sido lá colocado
recentemente. Meio metro mais abaixo, seus dedos tocaram em tecido.
Esperara encontrar um cadáver, temera encontrá-lo, mas aquilo era
outra coisa. Fez força contra o tecido e sentiu por baixo formas
pequenas e duras, que não cediam, Não havia nenhum cheiro, nenhum
sinal de vermes. Fantasma recuou e se sentou, observando.
Jon
sacudiu a terra solta, revelando uma trouxa arredondada com cerca de
meio metro de diâmetro. Enfiou os dedos pelas beiradas e conseguiu
soltá-la. Quando a puxou, o que quer que estivesse lá dentro
deslocou-se e tiniu. Um tesouro, pensou, mas a forma não
correspondia à de moeda, e o som não era o de metal.
Um pedaço
de corda gasta atava a trouxa. Jon desembainhou o punhal e a cortou,
procurou cuidadosamente as extremidades do tecido e puxou. A trouxa
se abriu, e seu conteúdo espalhou-se no chão, cintilando, escuro e
brilhante. Viu uma dúzia de facas, pontas de lança em forma de
folha, numerosas pontas de flecha. Jon pegou uma lâmina de punhal,
leve como uma pena e de um negro brilhante, sem cabo. A luz da tocha
correu ao longo de seu gume, uma fina linha laranja que indicava algo
afiado como uma navalha. Vidro de dragão. Aquilo que os meistres
chamam de obsidiana. Teria Fantasma descoberto algum antigo
esconderijo dos filhos da floresta, ali enterrado há milhares de
anos? O Punho dos Primeiros Homens era um lugar antigo, mas...
Por baixo
do vidro de dragão estava um velho corno de guerra, feito de chifre
de auroque com faixas de bronze. Jon sacudiu-o, e uma torrente de
pontas de flecha jorrou lá de dentro. Deixou-as cair, e puxou um
canto do pano em que as armas tinham sido envolvidas, esfregando-o
entre os dedos. Boa lã, espessa, de malha dupla, úmida, mas não
apodrecida. Não podia ter ficado muito tempo no chão. E era escura.
Agarrou um pedaço e aproximou-o do archote. Escura não. Negra.
Mesmo
antes de Jon se levantar e sacudir o que tinha na mão, sabia o que
era: o manto negro de um Irmão Juramentado da Patrulha da Noite.
Muito Bom, Parabens!!
ResponderExcluir