segunda-feira, 30 de setembro de 2013

36 - DAENERYS


O Mau cheiro do acampamento era tão terrível que tudo o que Dany podia fazer era não vomitar.
Sor Barristan franziu o nariz e disse:
- Vossa Graça não deveria estar aqui, respirando estes humores negros.
- Sou o sangue do dragão - Dany lhe recordou. - Alguma vez já viu um dragão com o fluxo? - Viserys sempre afirmara que os Targaryen eram imunes às pestilências que afligiam as pessoas comuns e, tanto quanto ela podia dizer, era verdade. Conseguia se lembrar de estar com frio, com fome e com medo, mas nunca doente.
- Mesmo assim - disse o velho cavaleiro - eu me sentiria melhor se Vossa Graça voltasse para a cidade. - As muralhas de tijolos multicoloridos de Meereen estavam a pouco mais de meio quilômetro dali. - O fluxo sangrento tem sido a ruína de todos os exércitos desde a Era da Aurora. Deixe-nos distribuir a comida, Vossa Graça.
- Amanhã. Estou aqui agora. Quero ver. - Apertou os calcanhares em sua montaria prateada. Os outros trotaram com ela. Jhogo cavalgava na sua frente, Aggo e Rakharo logo atrás, com longos chicotes dothrakis nas mãos para afastar os doentes e os moribundos. Sor Barristan estava à sua direita, montado em um cinza malhado. À esquerda dela estava Symon Costas-Listradas, dos Irmãos Livres, e Marselen, dos Homens da Mãe. Três grupos de soldados seguiam atrás dos capitães, para proteger os carroções de comida. Todos homens montados, dothrakis, Bestas de Bronze e libertos, estavam unidos apenas pela aversão a esse dever.
Os astaporis tropeçavam atrás deles, em uma procissão horrenda que aumentava a cada metro cruzado. Alguns falavam idiomas que ela não entendia. Outros já não podiam mais falar. Muitos levantavam as mãos para Dany, ou se ajoelhavam quando sua montaria passava.
- Mãe - chamavam-na nos dialetos de Astapor, Lys e da Antiga Volantis, em gutural dothraki, nas líquidas sílabas de Qarth e até mesmo na Língua Comum de Westeros. - Mãe, por favor... mãe, ajude minha irmã, ela está doente... dê comida para meus pequeninos ... por favor, meu velho pai ... ajude ele... ajude ela ... me ajude...
Não tenho mais ajuda para dar, Dany pensou, em desespero. Os astaporis não tinham lugar para ir. Milhares permaneciam fora das grossas muralhas de Meereen; homens, mulheres e crianças, velhos, meninas e recém-nascidos. Muitos estavam doentes, a maioria, faminta, e todos estavam condenados a morrer. Daenerys não ousava abrir os portões para deixá-los entrar. Tentara fazer o possível por eles. Enviara curandeiros, Graças Azuis, cantores-feiticeiros e cirurgiões-barbeiros, mas alguns deles adoeceram também, e nenhuma de suas artes abrandara a progressão do fluxo que viera com a égua descorada. Separar os saudáveis dos doentes também se provara impraticável. Seus Escudos Robustos tentaram, tirando maridos de esposas e crianças de suas mães, enquanto os astaporis choravam, chutavam e os afastavam com pedras. Alguns dias mais tarde, os doentes estavam mortos e os saudáveis estavam doentes. Separar uns dos outros não ajudara em nada.
Até mesmo alimentá-los estava ficando mais difícil. Todos os dias, enviava o que podia, mas todos os dias havia mais deles, e menos comida para dar-lhes. Estava ficando mais difícil encontrar condutores dispostos a entregar comida também. Muitos dos homens que enviara para o acampamento foram atingidos pelo fluxo. Outros foram atacados no caminho de volta à cidade. No dia anterior, um carroção fora virado e dois de seus soldados, mortos, então hoje a rainha determinara que ela mesma levaria a comida. Todos os seus conselheiros argumentaram fervorosamente contra, de Reznak e Cabeça-Raspada a Sor Barristan, mas Daenerys não mudou de ideia.
- Não virarei as costas para eles - disse, teimosamente. - Uma rainha deve conhecer os sofrimentos de seu povo.
Sofrimento era a única coisa que não lhes faltava.
- Poucos cavalos ou mulas sobraram, embora muitos andassem por Astapor - Marselen contara para ela. - Comeram cada um deles, Vossa Graça, juntamente com cada rato e cada cachorro vira-lata que puderam pegar. Agora, alguns começaram a comer seus próprios mortos.
- Homem não deve comer carne de homem - disse Aggo.
- É sabido - concordou Rakharo. - Eles serão amaldiçoados.
- Já passaram pela maldição - disse Symon Costas-Listradas.
Criancinhas com estômago inchado se arrastavam atrás deles, muito fracas ou muito assustadas para implorar. Homens cadavéricos, com olhos profundos, agachavam-se entre areia e pedras, defecando sua vida em correntes marrons e vermelhas. Muitos defecavam onde dormiam, fracos demais para se arrastar até as valas que ela mandara cavar. Duas mulheres lutavam sobre um osso carbonizado. Ali perto, um garoto de dez anos comia um rato. Comia com uma mão, enquanto segurava uma vara afiada com a outra, para que ninguém tentasse arrancar seu prêmio. Mortos insepultos estavam por toda parte. Dany viu um homem deitado no chão, com um manto negro sobre ele, mas, quando passou cavalgando, o manto se dissolveu em milhares de moscas. Mulheres esqueléticas sentavam-se no chão segurando bebês moribundos. Seus olhos a seguiam. Aqueles que tinham força a chamavam.
- Mãe... por favor, Mãe... abençoada seja, Mãe...
Abençoe-me, Dany pensou, amargamente. Sua cidade se foi, em cinzas e ossos, seu povo está morrendo ao seu redor, não tenho abrigo para você, nem remédios, nem esperança. Apenas pão amanhecido, carne bichada, queijo duro, um pouco de leite. Abençoe-me, abençoe-me.
Que tipo de mãe não tem leite para alimentar seus filhos?
- Muitos mortos - disse Aggo. - Devem ser queimados.
- Quem os queimará? - perguntou Sor Barristan. - O fluxo sangrento está em toda parte. Uma centena morre a cada noite.
- Não é bom tocar os mortos - disse Jhogo.
- É sabido - Aggo e Rakharo falaram ao mesmo tempo.
- Isso pode ser verdade - disse Dany - mas precisa ser feito mesmo assim. - Pensou por um momento. - Os Imaculados não temem cadáveres. Devo falar com Verme Cinzento.
- Vossa Graça - disse Sor Barristan - os Imaculados são seus melhores guerreiros. Não devemos ousar soltar essa praga entre eles. Deixe os astaporis queimarem seus próprios mortos.
- Estão muito fracos - comentou Symon Costas-Listradas.
Dany disse:
- Mais comida os deixaria mais fortes.
Symon balançou a cabeça.
- A comida seria desperdiçada nos moribundos, Vossa Veneração. Não temos o suficiente nem para alimentar os vivos.
Ele não estava errado, ela sabia, mas isso não tornava as palavras mais fáceis de serem ouvidas.
- Aqui é longe o suficiente - a rainha decidiu. - Vamos alimentá-los aqui. - Ergueu a mão. Atrás dela, os carroções pararam imediatamente, e seus cavaleiros se espalharam ao redor dos veículos, para impedir os astaporis de correr para a comida. Nem bem estacionaram e a pressão começou a aumentar por todos os lados, conforme mais e mais aflitos chegavam mancando e tropeçando em direção aos carroções. Os cavaleiros os afastavam.
- Esperem sua vez - gritavam. - Não empurrem. Para trás. Fiquem atrás. Tem pão para todos. Esperem sua vez.
Dany só pôde sentar e observar.
- Sor - disse para Barristan Selmy - não há mais nada que possamos fazer? Você tem provisões.
- Provisões para os soldados de Vossa Graça. Podemos precisar aguentar um longo cerco. Os Corvos Tormentosos e os Segundos Filhos podem atormentar os yunkaítas, mas não podem esperar mandá-los embora. Se Vossa Graça me permitir reunir um exército...
- Se deve haver uma batalha, prefiro combatê-la de dentro das muralhas de Meereen. Deixe os yunkaítas tentarem atacar minhas ameias. - A rainha observava a cena ao seu redor. - Se dividíssemos nossa comida igualmente...
- ... os astaporis comeriam sua parte em dias, e teríamos muito menos para o cerco.
Dany olhou através do acampamento, para as muralhas de tijolos multicoloridos de Meereen. O ar estava pesado com moscas e choros.
- Os deuses mandaram esta pestilência para me tornar humilde. Tantos mortos ... Não deixarei que comam cadáveres. - Acenou para que Aggo se aproximasse. - Cavalgue até os portões e me traga Verme Cinzento e cinquenta de seus Imaculados.
- Khaleesi. O sangue do seu sangue obedece. - Aggo tocou seu cavalo com os calcanhares e saiu galopando.
Sor Barristan a observou com mal disfarçada apreensão.
- Não deveria permanecer aqui por muito tempo, Vossa Graça. Os astaporis estão sendo alimentados, como ordenou. Não há mais que possa fazer por esses pobres miseráveis. Devemos retornar à cidade.
- Vá, se desejar, sor. Não o deterei. Não deterei nenhum de vocês. - Dany desceu do cavalo. - Não posso curá-los, mas posso mostrar que a Mãe deles se importa.
Jhogo segurou a respiração.
- Khaleesi, não. - O sino em sua trança soou suavemente quando ele desmontou.
- Não deve chegar mais perto. Não deixe que eles toquem você! Não deixe!
Dany passou direto por ele. Havia um velho no chão, poucos metros adiante, gemendo e olhando as nuvens cinzentas. Ajoelhou-se ao lado dele, torcendo o nariz pelo cheiro, e tirou o cabelo cinzento e sujo do homem do rosto, para sentir sua testa.
- Sua carne está em chamas. Preciso de água para banhá-lo. Água do mar deve servir. Marselen, pode pegar um pouco para mim? Preciso de óleo também, para a pira. Quem vai me ajudar a queimar os mortos?
Quando Aggo retornou com Verme Cinzento e cinquenta de seus Imaculados a galope atrás de seu cavalo, Dany fizera todos se sentirem envergonhados e começarem a ajudá-la. Symon Costas-Listradas e seus homens separavam os vivos dos mortos e empilhavam os cadáveres, enquanto Jhogo, Rakharo e seus dothrakis ajudavam aqueles que ainda podiam caminhar para tomar banho e lavar suas roupas. Aggo encarou-os como se estivessem todos loucos, mas Verme Cinzento se ajoelhou diante da rainha e disse:
- Este um pode ser de ajuda.
Antes do meio-dia, uma dúzia de fogueiras queimava. Colunas de fumaça negra e gordurosa subiam para manchar impiedosamente o céu azul. As roupas de cavalgar de Dany estavam sujas e cheias de fuligem quando se afastou das piras.
- Veneração - disse Verme Cinzento - este um e seus irmãos imploram que nos deixe banhar na água do mar quando o trabalho aqui estiver terminado, para que sejamos purificados de acordo com as leis da nossa grande deusa.
A rainha não sabia que os eunucos tinham uma deusa.
- Quem é essa deusa? Um dos deuses de Ghis?
Verme Cinzento pareceu incomodado.
- A deusa é chamada por muitos nomes. É a Senhora das Lanças, a Noiva das Batalhas, a Mãe das Tropas, mas seu nome verdadeiro pertence apenas àqueles pobres coitados que tiveram a masculinidade queimada sobre o altar. Não devemos falar sobre ela com outros. Este um implora seu perdão.
- Como quiser. Sim, podem se banhar, se este é o desejo de vocês. Obrigada por sua ajuda.
- Este um vive para servi-la.
Quando Daenerys retornou para sua pirâmide, com os membros doloridos e o coração ferido, encontrou Missandei lendo algum antigo rolo enquanto Irri e Jhiqui discutiam sobre Rakharo.
- Você é muito magra para ele - Jhiqui estava dizendo. - Você é quase um menino. Rakharo não se deita com meninos. Isso é sabido.
Irri devolvia a provocação.
- É sabido que você é quase uma vaca. Rakharo não se deita com vacas.
- Rakharo é sangue do meu sangue. A vida dele pertence a mim, não a vocês. - Dany falou para as duas. Rakharo crescera quase quinze centímetros durante seu tempo fora de Meereen, e retornou com braços e pernas musculosos, e quatro sinos nos cabelos. Era mais alto do que Aggo e Jhogo agora, e as duas servas haviam notado. - Agora, fiquem quietas. Preciso de um banho. - Nunca se sentira tão suja. - Jhiqui, ajude-me com estas roupas, depois leve-as embora e queime-as. Irri, peça para Qezza me encontrar algo leve e fresco para vestir. O dia está muito quente.
Um vento fresco soprava no terraço. Dany suspirou de prazer, enquanto deslizava para dentro das águas da piscina. Ao seu comando, Missandei tirou as roupas e entrou com ela.
- Esta uma ouviu os astaporis arranharem as muralhas noite passada - a pequena escriba disse, enquanto lavava as costas de Dany.
Irri e Jhiqui trocaram um olhar.
- Ninguém estava arranhando - disse Jhiqui. - Arranhando ... como poderiam arranhar?
- Com as mãos - disse Missandei. - Os tijolos estão velhos e em ruínas. Estão tentando cavar seu caminho para dentro da cidade.
- Isso levaria muitos anos - disse Irri. - As muralhas são muito grossas. Isso é sabido.
- Isso é sabido - concordou Jhiqui.
- Eu também sonho com eles. - Dany pegou a mão de Missandei. - O acampamento está a quase meio quilômetro da cidade, minha querida. Ninguém estava arranhando as muralhas.
- Vossa Graça sabe mais - disse Missandei. - Devo lavar seu cabelo? Já está quase na hora. Reznak mo Reznak e a Graça Verde estão vindo discutir...
- ... os preparativos do casamento. - Dany sentou-se na água. - Quase me esqueci. - Talvez quisesse esquecer. - E, depois deles, tenho um jantar com Hizdahr. - Suspirou. - Irri, traga o tokar verde, aquele de seda com franjas de renda de Myr.
- Esse está sendo reparado, Khaleesi. A renda está rasgada. O tokar azul está limpo.
- O azul, então. Eles ficarão satisfeitos.
Estava apenas meio errada. A sacerdotisa e o senescal ficaram felizes em vê-la vestindo um tokar, uma senhora meereenesa apropriada, finalmente, mas o que realmente queriam era deixá-la nua. Daenerys os escutou, incrédula. Quando terminaram, disse:
- Não tenho nenhuma vontade de ofendê-los, mas não me apresentarei nua para a mãe e as irmãs de Hizdahr.
- Mas - disse Reznak mo Reznk, pestanejando - deve, Vossa Veneração. Antes de um casamento, é tradicional que as mulheres da casa do homem examinem o ventre da noiva e, ah ... suas partes Íntimas. Para assegurar-se de que está tudo bem formado e, ah ...
- ... fértil - completou Galazza Galare. - Um ritual antigo, Vossa Iluminada. Três Graças estarão presentes para testemunhar o exame e dizer as preces apropriadas.
- Sim - disse Reznak - e depois tem um bolo especial. Um bolo de mulheres, feito apenas para noivados. Homens não podem prová-lo. Ouvi dizer que é delicioso. Mágico.
E se meu útero estiver murcho e minhas partes femininas amaldiçoadas, haverá um bolo especial também?
- Hizdahr zo Loraq pode inspecionar minhas partes de mulher depois que estivermos casados. - Khal Drogo não encontrou nenhuma falha nelas, por que ele encontraria? - Deixe a mãe e as irmãs dele examinarem umas às outras e compartilhar o bolo especial. Não irei comê-lo. Nem lavarei os nobres pés do nobre Hizdahr.
- Magnificência, você não entende - protestou Reznak. - A lavagem dos pés é santificada pela tradição. Significa que será a serva de seu marido. A roupa do casamento é carregada de significados, também. A noiva é vestida em véus vermelho-escuros, sobre um tokar de seda branca, com franjas de pérolas.
A rainha dos coelhos não pode se casar sem suas orelhas de abano.
- Todas essas pérolas me farão chocalhar quando andar.
- As pérolas simbolizam fertilidade. Quanto mais pérolas Vossa Veneração usar, mais crianças saudáveis nutrirá.
- Por que vou querer uma centena de crianças? - Dany se virou para a Graça Verde. - Se nos casássemos pelos ritos westerosis ...
- Os deuses de Ghis não considerariam a união verdadeira. - O rosto de Galazza Galare estava oculto atrás de um véu de seda verde. Apenas seus olhos podiam ser vistos, verdes, sábios e tristes. - Aos olhos da cidade, você seria a concubina do nobre Hizdahr, não sua legítima esposa. Seus filhos seriam bastardos. Vossa Veneração deve se casar com Hizdahr no Templo das Graças, com toda a nobreza e Meereen presente para testemunhar sua união.
Tire as cabeças de todas as casas nobres para fora de suas pirâmides com algum pretexto, Daario dissera. As palavras do dragão são fogo e sangue. Dany deixou esse pensamento de lado. Não era digno dela.
- Como quiser - suspirou. - Eu me casarei com Hizdahr no Templo das Graças, embrulhada em um tokar branco com franjas de pérolas. Há algo mais?
- Mais uma coisinha, Vossa Veneração - disse Reznak. - Para celebrar suas núpcias, seria apropriado se permitisse que as arenas de luta fossem reabertas. Seria seu presente de casamento para Hizdahr e para seu amado povo, um sinal de que abraçou os antigos modos e costumes de Meereen.
- É mais agradável para os deuses, também - a Graça Verde completou, em sua voz suave e gentil.
Um dote de noiva pago em sangue. Daenerys estava cansada de lutar essa batalha. Nem mesmo Sor Barristan achava que venceria.
- Nenhum governante pode fazer um povo bom. - Selmy lhe dissera. - Baelor, o Abençoado, rezava, jejuava e construía para os Sete templos tão esplêndidos que qualquer deus poderia desejar, e mesmo assim não conseguiu colocar um fim à guerra e à miséria.
Uma rainha deve ouvir seu povo, Dany lembrou a si mesma.
- Depois do casamento, Hizdahr será rei. Deixe-o reabrir as arenas de luta ele mesmo. Não tomarei parte nisso. - Deixe o sangue ficar nas mãos dele, não nas minhas. Ela se levantou. - Se meu marido deseja que eu lave seus pés, ele precisa lavar os meus primeiro. Direi isso a ele esta noite. - Perguntava-se como seu noivo encararia isso.
Não precisava ter se preocupado. Hizdahr zo Loraq chegou uma hora depois que o sol se pôs. Seu tokar era borgonha, com uma faixa dourada e franjas de contas da mesma cor. Dany contou para ele seu encontro com Reznak e a Graça Verde enquanto servia o vinho.
- Esses rituais são vazios - Hizdahr declarou - exatamente o tipo de coisa que devemos varrer daqui. Meereen esteve adormecida nessas tolas tradições antigas por tempo demais. - Beijou sua mão e disse: - Daenerys, minha rainha, ficarei feliz em lavá-la da cabeça aos pés, se for isso que tiver que fazer para ser seu rei e consorte.
- Para ser meu rei e consorte, você só precisa me trazer paz. Skahaz me disse que você tem mensagens de última hora.
- Tenho. - Hizdahr cruzou suas longas pernas. Parecia satisfeito consigo mesmo. - Yunkai nos dará a paz, mas por um preço. A interrupção do tráfico de escravos causou grandes danos ao mundo civilizado. Yunkai e seus aliados requerem uma indenização nossa, paga em ouro e pedras preciosas.
Ouro e pedras preciosas são fáceis .
- O que mais?
- Os yunkaítas retomarão a escravidão, como antes. Astapor será reconstruída, como uma cidade escravagista. Você não interferirá.
- Os yunkaítas retomaram a escravidão antes que eu estivesse a dez quilômetros da cidade. Eu voltei para lá? O Rei Cleon implorou que me unisse a ele contra Yunkai, e me fiz de surda aos seus apelos. Não quero guerra com Yunkai. Quantas vezes preciso dizer isso? Que promessas eles exigem?
- Ah, há espinhos nesse caramanchão, minha rainha - disse Hizdahr zo Loraq. - É triste dizer, mas os yunkaítas não acreditam em suas promessas. Ficam tocando a mesma corda da harpa, sobre algum enviado que seus dragões queimaram.
- Apenas o tokar dele foi queimado - Dany replicou, com desdém.
- Seja como for, não acreditam em você. Os homens de Nova Ghis sentem o mesmo. Palavras são vento, como você mesma diz frequentemente. Nenhuma palavra sua vai assegurar a paz para Meereen. Seus inimigos exigem ações. Querem nos ver casados e querem me ver coroado rei, para governar ao seu lado.
Dany encheu sua taça de vinho novamente, desejando nada mais do que despejar a jarra sobre a cabeça dele e afogar seu sorriso complacente.
- Casamento ou carnificina. Um casamento ou uma guerra. Quais são minhas opções?
- Vejo uma única opção, Vossa Iluminada. Vamos dizer nossos votos diante dos deuses de Ghis e construir uma nova Meereen juntos.
A rainha estava elaborando sua resposta quando ouviu passos atrás de si. A comida, pensou. Suas cozinheiras haviam prometido servir o prato favorito do nobre Hizdahr, cachorro no mel, recheado com ameixas secas e pimentas. Mas quando se virou para olhar, era Sor Barristan quem estava ali, recém-banhado e vestido de branco, de espada longa ao lado.
- Vossa Graça - disse, fazendo uma reverência. - Sinto incomodá-la, mas achei que gostaria de saber imediatamente. Os Corvos Tormentosos retornaram à cidade, com notícias do inimigo. Os yunkaítas estão em marcha, bem como temíamos.
Um lampejo de contrariedade atravessou o nobre rosto de Hizdahr zo Loraq.
- A rainha está ceando. Esses mercenários podem esperar.
Sor Barristan o ignorou.
- Pedi a Lorde Daario para me fazer seu relatório, como Vossa Graça ordenou. Ele riu e disse que poderia escrever com o próprio sangue, se Vossa Graça pudesse enviar sua pequena escriba para mostrar-lhe como fazer as letras.
- Sangue? - Dany respondeu, horrorizada. - Isso é uma piada? Não. Não, não me diga, preciso vê-lo com meus próprios olhos. - Ela era uma jovem garota, e sozinha, e jovens garotas podiam mudar de ideia. - Convoque meus capitães e comandantes. Hizdahr, sei que me perdoará.
- Meereen vem primeiro. - Hizdahr sorriu jovialmente. - Teremos outras noites. Mil noites.
- Sor Barristan lhe mostrará a saída. - Dany correu, chamando suas servas. Não daria as boas-vindas ao seu capitão em um tokar. No fim, experimentou uma dúzia de vestidos antes de encontrar um que gostasse, mas recusou a coroa que Jhiqui lhe oferecia.
Quando Daario Naharis ajoelhou-se diante dela, o coração de Dany deu um salto. O cabelo dele estava empapado com sangue seco, e, em sua têmpora, havia um profundo corte brilhante, vermelho e em carne viva. Sua manga direita estava ensanguentada quase até o cotovelo.
- Está ferido - ela engasgou.
- Isto? - Daario tocou a têmpora. - Um besteiro tentou colocar uma desavença pelos meus olhos, mas desviei. Estava correndo para casa, para minha rainha, para aproveitar o calor de seu sorriso. - Balançou a manga, espalhando respingos vermelhos. - Este sangue não é meu. Um dos meus oficiais disse que deveríamos nos aliar a Yunkai, então pulei sobre sua garganta e arranquei seu coração. Pretendia trazê-lo como presente para minha rainha prateada, mas quatro dos Gatos me atacaram e vieram rosnando e cuspindo em mim. Um quase me alcançou, então joguei o coração no rosto dele.
- Muito galante - disse Sor Barristan, em um tom que sugeria exatamente o contrário - mas você tem notícias para Vossa Graça?
- Notícias difíceis, Sor Vovô. Astapor se foi, e os mercadores de escravos estão vindo para o norte com força total.
- Essas são notícias velhas e mofadas - resmungou o Cabeça-Raspada.
- Sua mãe dizia o mesmo dos beijos de seu pai - Daario replicou. - Doce rainha, eu teria vindo mais cedo, mas as montanhas estão abarrotadas de mercenários a serviço dos yunkaítas. Quatro companhias livres. Seus Corvos Tormentosos tiveram que abrir caminho por todos eles. E ainda há mais, e pior. Os yunkaítas marcham com suas tropas pela estrada da costa, unidos a quatro legiões de Nova Ghis. Têm elefantes, uma centena, armados e com torres. Fundeiros tolosinos, também, e um grupo de cavalaria de camelos qarteno. Duas outras legiões ghiscaris tomaram um navio em Astapor. Se nossos cativos falaram a verdade, vão desembarcar do outro lado do Skahazadhan e nos cortar a partir do mar dothraki.
Enquanto contava sua história, de tempos em tempos uma gota de sangue vermelho pingava no chão de mármore, e Dany estremecia.
- Quantos foram mortos? - perguntou, quando ele terminou.
- Nossos? Não parei para contar. Mas ganhamos mais do que perdemos.
- Mais vira-casacas?
- Mais bravos homens que se unem à sua nobre causa. Minha rainha gostará deles. Um deles é um lenhador das Ilhas Basilisco, um brutamontes, maior do que Belwas. Você deveria vê-lo. Alguns westerosis também, um grupo ou mais. Desertores dos Soprados pelo Vento, descontentes com os yunkaítas. Serão bons Corvos Tormentosos.
- Se é o que diz. - Dany não questionou. Meereen logo precisaria de cada espada.
Sor Barristan franziu o cenho para Daario.
- Capitão, você mencionou quatro companhias livres. Conhecemos apenas três. Os Soprados pelo Vento, as Longas Lanças e a Companhia do Gato.
- Sor Vovô sabe contar. Os Segundos Filhos foram para o lado dos yunkaítas. - Daario virou a cabeça e cuspiu. - Isto é para Ben Mulato Plumm. Da próxima vez que ver aquela cara feia, vou abri-lo da garganta à virilha e arrancar aquele coração negro.
Dany tentou falar, mas não encontrou palavras. Lembrava-se do rosto de Ben na última vez em que o vira. Era um rosto caloroso, um rosto no qual eu confiava. Pele escura e cabelo branco, um nariz quebrado, as rugas no canto dos olhos. Até mesmo os dragões adoravam o velho Ben Mulato, que gostava de se gabar de ter, ele mesmo, uma gota de sangue de dragão. Três traições você conhecerá. Uma por ouro, uma por sangue e uma por amor. Seria Plumm a terceira traição ou a segunda? E a que cometeu Sor Jorah, seu velho urso rude? Ela nunca teria um amigo em quem pudesse confiar? Qual a vantagem das profecias, se você não pode entender o sentido delas? Se eu me casar antes do nascer do sol, todos esses inimigos se derreterão como o orvalho da manhã e me deixarão governar em paz?
O anúncio de Daario provocou um alvoroço. Reznak chorava, o Cabeça-Raspada resmungava, sombrio, seus companheiros de sangue juravam vingança. Belwas, o Forte, bateu na barriga marcada por cicatrizes com o punho e jurou comer o coração de Ben Mulato com ameixas e cebolas.
- Por favor - disse Dany, mas apenas Missandei pareceu escutar. A rainha se levantou. - Quietos! Já ouvi o bastante.
- Vossa Graça. - Sor Barristan se ajoelhou. - Estamos sob suas ordens. O que quer que façamos?
- Continuem como planejamos. Reúnam comida, tanto quanto puderem. - Se olhar para trás, estou perdida. - Devemos fechar os portões e colocar cada guerreiro sobre as muralhas. Ninguém entra, ninguém sai.
O salão ficou silencioso por um momento. Os homens olharam uns para os outros. Então Reznak falou:
- E os astaporis?
Ela queria gritar, ranger os dentes, rasgar as roupas e bater com ímpeto no chão. Em vez disso, falou:
- Fechem os portões. Vai me fazer dizer isso pela terceira vez? - Eles eram seus filhos, mas não podia ajudá-los agora. - Deixem-me. Daario, fique. Esse corte precisa ser lavado, e tenho mais perguntas para você.
Os outros fizeram reverências e se retiraram. Dany levou Daario Naharis pelas escadas até seu quarto de dormir, onde lrri lavou seu corte com vinagre e Jhiqui fez um curativo com linho branco. Quando terminaram, ela mandou as servas embora também.
- Suas roupas estão manchadas de sangue - disse para Daario. -Tire-as.
- Apenas se você fizer o mesmo. - Ele a beijou.
O cabelo dele cheirava a sangue, fumaça e cavalo, e sua boca era dura e quente sobre a dela. Dany tremeu em seus braços. Quando se separaram, ela disse:
- Pensei que seria você a me trair. Uma vez por sangue, uma vez por ouro e uma vez por amor, os feiticeiros disseram. Pensei ... nunca pensei em Ben Mulato. Mesmo meus dragões pareciam acreditar nele. - Agarrou seu capitão pelos ombros. - Prometa-me que nunca vai se virar contra mim. Não poderia suportar isso. Prometa-me.
- Nunca, meu amor.
Acreditou nele.
- Jurei que me casaria com Hizdahr zo Loraq, se ele me desse noventa dias de paz, mas agora ... quero você desde a primeira vez em que o vi, mas você é um mercenário, inconstante, traiçoeiro. Você se gabou de já ter tido uma centena de mulheres.
- Uma centena? - Daario riu, através de sua barba púrpura. - Eu menti, doce rainha. Foram mil. Mas nem uma vez um dragão.
Ela ergueu os lábios para ele.
- O que está esperando? 

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