segunda-feira, 30 de setembro de 2013

37 - O PRÍNCIPE DE WINTERFELL


A lareira estava congelada com cinza negra fria, o aposento, sem outro aquecimento que não o de velas. Cada vez que uma porta se abria, as chamas balançavam e tremiam. A noiva tremia também. Havia sido vestida com lã de carneiro branca, com acabamento em renda. As mangas e o corpete eram bordados com pérolas de água doce, e seus pés tinham sandálias de pele de corça branca; bonito, mas não quente. O rosto dela estava pálido, sem sangue.
Um rosto esculpido em gelo, Theon Greyjoy pensou, enquanto colocava o manto forrado com peles nos ombros dela. Um cadáver enterrado na neve.
- Minha senhora. É hora. - Além da porta, a música os chamava, alaúdes, flautas e tambores.
A noiva ergueu os olhos. Olhos castanhos, brilhando sob a luz das velas.
- Serei uma boa esposa para ele, e s-sincera. Eu ... eu o agradarei, e lhe darei filhos. Serei uma esposa melhor do que a Arya verdadeira seria, ele verá.
Falar assim fará com que ele a mate, ou pior. Essa lição ele aprendera como Fedor.
- Você é a Arya verdadeira, minha senhora. Arya da Casa Stark, filha de Lorde Eddard, herdeira de Winterfell. - Seu nome, ela tinha que saber seu nome. - Arya Debaixo dos Pés. Sua irmã costumava chamá-la de Arya Cara de Cavalo.
- Fui eu quem deu esse nome para ela. O rosto dela era comprido e de cavalo. O meu não é assim. Eu era bonita. - Lágrimas saltaram de seus olhos, enfim. - Nunca fui linda como Sansa, mas diziam que eu era bonita. Lorde Ramsay acha que sou bonita?
- Sim - ele mentiu. - Ele me disse.
- Mas ele sabe quem eu sou. Quem eu realmente sou. Vejo isso quando ele me olha. Ele parece tão zangado, mesmo quando sorri, mas não é minha culpa. Dizem que ele gosta de machucar as pessoas.
- Minha senhora não deve ouvir tais ... mentiras.
- Dizem que ele machucou você. Suas mãos e...
A boca de Theon estava seca.
- Eu ... eu mereci. Eu o deixei zangado. Você não deve deixá-lo zangado. Lorde Ramsay é... um homem doce e gentil. Agrade-o, e ele será bom para você. Seja uma boa esposa.
- Ajude-me. - Ela o agarrou. - Por favor. Eu costumava ver você no pátio, brincando com as espadas. Você era tão bonito. - Ela apertou seu braço. - Se nós fugíssemos, eu poderia ser sua esposa, ou sua ... ou sua puta ... o que quer que você quisesse. Você poderia ser meu homem.
Theon arrancou o braço da mão dela.
- Eu não sou ... não sou homem de ninguém. - Um homem a ajudaria. - Apenas ... apenas seja Arya, seja esposa dele. Agrade-o, ou ... apenas agrade-o, e pare de falar sobre ser outra pessoa. - Jeyne, o nome dela é Jeyne, e rima com reine. A música ficava cada vez mais insistente. - É hora. Seque essas lágrimas. - Olhos castanhos. Deveriam ser cinza. Alguém verá. Alguém vai se lembrar. - Bom. Agora, sorria.
A garota tentou. Seus lábios, tremendo, contraíram-se e se congelaram, e ele pôde ver os dentes dela. Belos dentes brancos, pensou, mas, se ela o irritar, não serão belos por muito tempo. Quando ele abriu a porta, três das quatro velas tremulavam. Conduziu a noiva através da bruma, até onde os convidados do casamento esperavam.
- Por que eu? - perguntara, quando a Senhora Dustin lhe dissera que ele deveria entregar a noiva.
- O pai dela está morto, e todos os irmãos também. A mãe pereceu nas Gêmeas. Os tios estão perdidos, ou mortos, ou cativos.
- Ela ainda tem um irmão. - Ela ainda tem três irmãos, ele poderia ter dito. - Jon Snow está com a Patrulha da Noite.
- Um meio-irmão, de nascimento bastardo e jurado à Muralha. Você era o protegido do pai dela, a coisa mais próxima que ela tem de um parente vivo. É justo que você dê a mão dela em casamento.
A coisa mais próxima que ela tem de um parente vivo. Theon Greyjoy crescera com Arya Stark. Theon teria notado uma impostora. Se ele fosse visto aceitando a garota falsa de Bolton como Arya, os senhores nortenhos que foram reunidos para testemunhar a cerimônia não teriam motivos para questionar a legitimidade dela. Stout e Slate, o Terror-das-Rameiras Umber, os briguentos Ryswell, os homens Hornwood e os primos Cerwyn, o gordo Lorde Wyman Manderly... nenhum deles conhecera as filhas de Ned Stark tão bem quanto ele conhecera. E, se alguns cogitassem dúvidas individuais, certamente seriam sábios o suficiente para manter essas desconfianças para si mesmos.
Estão me usando para encobrir sua fraude, colocando meu rosto na mentira deles. Era por isso que Roose Bolton o vestira como lorde novamente; para representar seu papel nesta farsa de pantomimeiro. Uma vez que estivesse feito, uma vez que a falsa Arya estivesse casada e deflorada, Bolton não teria mais uso para Theon Vira-Casaca.
- Sirva-nos nisso, e quando Stannis for derrotado, discutiremos qual a melhor maneira de restaurar o assento de seu pai para você - sua senhoria dissera naquela voz suave, uma voz feita para mentiras e sussurros. Theon não acreditara em uma palavra. Dançaria aquela dança para eles, porque não tinha escolha, mas depois ... Ele me devolverá para Ramsay, pensou, e Ramsay vai me tirar alguns dedos mais e me transformar em Fedor novamente. A menos que os deuses fossem bons e Stannis Baratheon descesse sobre Winterfell e passasse todos eles pela espada, ele incluso. Isso era o melhor pelo qual ele esperava.
Estava mais quente no bosque sagrado, por mais estranho que pudesse parecer. Fora dali, no entanto, uma dura geada branca tomara conta de Winterfell. Os caminhos estavam traiçoeiros com gelo negro, e o gelo brilhava sob a luz da lua nas vidraças quebradas dos Jardins de Vidro. Montes de neve suja se empilhavam contra as paredes, enchendo cada canto e esquina. Alguns eram tão altos que escondiam as portas atrás deles. Sob a neve havia cinzas e brasas congeladas, e aqui e ali, uma viga enegrecida ou uma pilha de ossos adornada com pedaços de pele e cabelo. Pingentes de gelo tão longos quanto lanças se penduravam das ameias e cobriam as torres como a barba branca endurecida de um velho. Mas, dentro do bosque sagrado, o chão permanecia descongelado, o vapor se levantava das lagoas quentes, tão morno quanto a respiração de um bebê.
A noiva estava vestida de branco e cinza, as cores que a verdadeira Arya teria usado se tivesse vivido o suficiente para se casar. Theon usava negro e dourado, a capa presa ao ombro por uma grosseira lula gigante de ferro que o ferreiro em Vila Acidentada fizera para ele. Mas, sob o capuz, seu cabelo estava branco e fino, e sua pele tinha a tonalidade acinzentada de um homem velho. Um Stark, finalmente, pensou. De braços dados, a noiva e ele atravessaram uma porta arqueada, enquanto uma fina névoa se agitava por entre suas pernas. O tambor tremulava como o coração de uma donzela, as flautas altas, doces e convidativas. Sobre as árvores, uma lua crescente flutuava no céu escuro, meio obscurecida pela neblina, como um olho espiando através de um véu de seda.
Theon Greyjoy não era nenhum estranho nesse bosque sagrado. Brincara aqui quando garoto, saltando nas pedras da fria lagoa negra sob o represeiro, escondendo seus tesouros em um buraco no tronco de um velho carvalho, perseguindo esquilos com um arco que ele mesmo fizera. Já mais velho, várias vezes banhara suas contusões nas águas termais, depois de treinar no pátio com Robb, Jory e Jon Snow. Entre esses castanheiros, olmos e pinheiros marciais, encontrara locais secretos onde podia se esconder quando quisesse ficar sozinho. A primeira vez que beijara uma garota, fora aqui. Mais tarde, outra garota havia feito dele um homem, sobre uma colcha esfarrapada, à sombra desse alto pinheiro marcial verde-acinzentado.
Mas nunca vira o bosque sagrado assim antes: cinza e fantasmagórico, coberto com névoas mornas, luzes esparsas e vozes sussurradas que pareciam vir de todos os lugares e de nenhum. Sob as árvores, as águas termais fumegavam. Vapores quentes erguiam-se da terra, cercando as árvores com seu hálito úmido, subindo pelas paredes para desenhar cortinas cinzentas pelas janelas.
Havia uma espécie de caminho, um sinuoso percurso de pedras quebradas cobertas com musgo, meio enterradas entre terra soprada e folhas caídas, traiçoeiro por conta das grossas raízes que saíam do solo. Ele levou a noiva por ali. Jeyne, seu nome é Jeyne, que rima com reine. Não deveria pensar isso. Se aquele nome saísse de seus lábios, poderia custar-lhe um dedo, ou uma orelha. Andou lentamente, atento a cada passo. Os dedos dos pés que faltavam o faziam mancar quando se apressava, e não queria tropeçar. Se estragasse o casamento de Lorde Ramsay com um passo em falso, Lorde Ramsay poderia reparar a falta de jeito esfolando o pé ofensor.
A névoa era tão pesada que apenas as árvores mais próximas estavam visíveis; além delas, havia apenas altas sombras e luzes fracas. Velas tremeluziam pelo caminho e entre as árvores, pálidos vaga-lumes vacilando em uma morna sopa cinzenta. Parecia algum estranho submundo, algum lugar atemporal entre os mundos, onde os condenados vagavam em luto por um tempo, antes de encontrar seu caminho para qualquer que fosse o inferno para onde seus pecados os enviaram. Estamos todos mortos, então? Será que Stannis veio e nos matou enquanto dormíamos? A batalha ainda está por vir, ou já foi lutada e perdida?
Aqui e ali, uma tocha queimava faminta, jogando seu brilho avermelhado sobre o rosto dos convidados do casamento. O jeito que a névoa dispersava a luz fazia suas feições parecerem bestiais, semi-humanas, torcidas. Lorde Stout tornou-se um mastim, o velho Lorde Locke, um abutre, Terror-das-Rameiras Umber, uma gárgula, Grande Walder Frey; uma raposa, Pequeno Walder, um touro, faltando apenas um anel em seu nariz. O rosto do próprio Roose Bolton era uma pálida máscara cinzenta, com dois pedaços de gelo sujo onde seus olhos deveriam estar. Sobre as cabeças de todos eles, as árvores estavam lotadas de corvos, suas penas afofadas enquanto se debruçavam nos galhos nus para olhar a ostentação abaixo. As aves de Meistre Luwin. Luwin estava morto, e sua torre de meistre fora queimada, e ainda assim os corvos permaneciam. Esta é a casa deles. Theon se perguntava como seria ter uma casa.
Então a névoa se abriu, como a cortina de um espetáculo de pantomimeiros se abre para revelar um novo quadro. A árvore-coração apareceu diante deles, os galhos brancos abrindo-se amplos. Folhas caídas permaneciam em montes vermelhos e marrons ao lado do largo tronco branco. Os corvos estavam mais aglomerados aqui, resmungando uns para os outros na língua secreta dos assassinos. Ramsay Bolton estava parado na frente deles, vestido com botas de cano alto de macio couro cinza e um gibão de veludo negro com acabamento em seda rosa e brilhando com granadas em formato de lágrimas. Um sorriso dançou em seu rosto.
- Quem vem? - Seus lábios estavam úmidos, seu pescoço vermelho sob o colarinho. - Quem vem diante de deus?
Theon respondeu.
- Arya da Casa Stark vem aqui para se casar. Uma mulher crescida e florescida, legítima e nobre, vem pedir a bênção dos deuses. Quem vem reivindicá-la?
- Eu - disse Ramsay. - Ramsay da Casa Bolton, Lorde de Hornwood, herdeiro do Forte do Pavor. Eu a reivindico. Quem a entrega?
- Theon da Casa Greyjoy, que era protegido do pai dela. - Virou-se para a noiva. - Senhora Arya, aceita este homem?
Ela ergueu os olhos para ele. Olhos castanhos, não cinza. Serão todos cegos? Por um longo momento, ela não falou, mas aqueles olhos imploravam. Esta é sua chance, pensou. Diga para eles. Diga para eles agora. Grite seu nome diante de todos eles, diga que você não é Arya Stark, deixe todo o Norte saber como você foi obrigada a desempenhar este papel. Isso significaria a morte dela, é claro, assim como a dele, mas Ramsay, em sua ira, poderia matá-los rapidamente. Os velhos deuses do Norte poderiam garantir esse pequeno benefício para eles.
- Eu aceito este homem - disse a noiva, em um sussurro.
Ao redor deles, luzes brilhavam através da névoa; uma centena de velas, pálidas como estrelas encobertas. Theon se afastou, e Ramsay e sua noiva juntaram as mãos e se ajoelharam diante da árvore-coração, abaixando a cabeça em sinal de submissão. Os olhos vermelhos esculpidos do represeiro olharam para eles, sua grande boca vermelha aberta como se estivesse rindo. Nos galhos sobre suas cabeças, um corvo crocitou.
Depois de um momento de oração silenciosa, o homem e a mulher se ergueram novamente. Ramsay tirou o manto que Theon colocara sobre os ombros da noiva alguns momentos antes, o pesado manto de lã branca com bordas de pele cinza, com o brasão do lobo gigante da Casa Stark. No lugar, prendeu um manto rosa, salpicado com granadas vermelhas como as que usava em seu gibão. Nas costas, estava o homem esfolado do Forte do Pavor feito em couro vermelho, cruel e terrível.
Rápido assim, estava feito. Casamentos eram mais rápidos no Norte. Talvez por não ter sacerdotes, Theon supôs, mas, qualquer que fosse a razão, parecia, para ele, uma clemência. Ramsay Bolton levantou a esposa nos braços e caminhou através da névoa com ela. Lorde Bolton e sua Senhora Walda os seguiram e, então, os demais. Os músicos começaram a tocar novamente, e o bardo Abel começou a cantar Dois corações que batem como um. Duas de suas mulheres uniram as vozes às dele, para fazer uma doce harmonia.
Theon se pegou perguntando a si mesmo se deveria dizer uma prece. Os deuses me ouvirão, se eu rezar? Esses não eram seus deuses, nunca foram seus deuses. Ele era um homem de ferro, um filho de Pyke, seu deus era o Deus Afogado das ilhas ... mas WinterfelI estava a muitos quilômetros do mar. Levaria uma vida até que qualquer deus pudesse ouvi-lo. Ele não sabia quem era ou o quê era, por que ainda estava vivo, nem mesmo por que nascera.
- Theon - uma voz pareceu sussurrar.
Sua cabeça se ergueu.
- Quem disse isso? - Tudo o que podia ver eram as árvores e a névoa que as cobria. A voz era fraca como o farfalhar de folhas, tão fria quanto o ódio. A voz de um deus, ou de um fantasma. Quantos morreram no dia em que tomara Winterfell? Quantos mais morreram no dia em que perdera o castelo? Naquele dia, Theon Greyjoy morreu, para renascer como Fedor. Fedor, Fedor, que rima com temor.
De repente, não queria estar ali.
Uma vez fora do bosque sagrado, o frio desceu sobre ele como se um lobo feroz o agarrasse com os dentes. Abaixou a cabeça no vento e seguiu para o Grande Salão, acelerando o passo depois da longa fila de velas e tochas. Gelo era triturado sob suas botas, e uma rajada repentina empurrou seu capuz para trás, como se um fantasma o tivesse arrancado com dedos gelados, desejoso de encarar seu rosto.
Winterfell estava cheio de fantasmas para Theon Greyjoy.
Esse não era o castelo que ele lembrava do verão de sua juventude. Esse lugar estava marcado por cicatrizes e quebrado, mais ruína do que reduto, um refugio para corvos e cadáveres. A grande muralha dupla ainda permanecia em pé, pois granito não se rende facilmente ao fogo, mas a maioria das torres e fortalezas estava destelhada. Algumas tinham desmoronado. A palha e a madeira haviam sido consumidas pelo fogo, completamente ou em partes, e, sob os painéis quebrados dos Jardins de Vidro, frutas e vegetais que teriam alimentado o castelo durante o inverno estavam mortos, negros e congelados. Tendas enfileiravam-se no pátio, meio enterradas pela neve. Roose Bolton trouxera sua tropa para dentro das muralhas, juntamente com seus amigos Frey; milhares amontoados entre as ruínas, lotando cada sala, dormindo nos porões e sobre as torres sem topo, e em construções abandonadas havia séculos.
Fumaça cinza serpenteava das cozinhas reconstruídas e dos quartéis que haviam recebido novo telhado. As ameias estavam coroadas com neve e pingentes de gelo. Toda a cor sangrara de Winterfell, apenas o cinza e o branco permaneceram. As cores Stark. Theon não sabia se achava isso ameaçador ou reconfortante. Até o céu estava cinza. Cinza, cinza e mais cinza. O mundo inteiro é cinza, para onde quer que você olhe, tudo cinza, exceto os olhos da noiva. Os olhos da noiva eram castanhos. Grandes, castanhos e cheios de medo. Não era certo que ela olhasse para ele em busca de resgate. O que ela pensara? Que ele assobiaria para chamar um cavalo alado e voaria com ela para longe dali, como algum herói das histórias que ela e Sansa costumavam adorar? Ele não podia ajudar nem a si mesmo. Fedor, Fedor, rima com temor.
Por todo o pátio, homens mortos penduravam-se, semi congelados, na ponta de cordas de cânhamo, brancos rostos inchados com a geada. Winterfell estava cheia de invasores quando a vanguarda dos Bolton alcançou o castelo. Mais de duas dúzias foram tiradas na ponta da espada dos abrigos que haviam feito entre as fortalezas semidestruídas do castelo e das torres. Os mais ousados e mais truculentos haviam sido enforcados, os demais, colocados para trabalhar. Se servissem bem, Lorde Bolton lhes dissera, ele seria misericordioso. Pedras e madeiras eram abundantes com a Matadelobos tão perto dali. Robustos portões novos vieram primeiro, para substituir os que haviam sido queimados. Então o telhado desabado do Grande Hall fora retirado, e um novo fora levantado às pressas em seu lugar. Quando o trabalho ficou pronto, Lorde Bolton enforcou os trabalhadores. Fiel à sua palavra, demonstrou misericórdia e não esfolou ninguém.
Por esse tempo, o restante do exército Bolton havia chegado. Ergueram o estandarte do veado-e-leão do Rei Tommen sobre as muralhas de Winterfell, enquanto o vento uivava do norte, e, embaixo, o homem esfolado de Forte do Pavor. Theon ficara com a comitiva de Barbrey Dustin, com sua senhoria em pessoa, seus soldados de Vila Acidentada e com a futura noiva. A Senhora Dustin insistira que ela devia ter a custódia da Senhora Arya até o momento em que estivesse casada, mas agora essa época se fora. Ela pertence a Ramsay, agora. Ela disse as palavras. Por esse casamento, Ramsay seria o Senhor de Winterfell. Enquanto Jeyne tomasse cuidado de não irritá-lo, ele não deveria ter motivos para feri-la. Arya. O nome dela é Arya.
Mesmo dentro das luvas forradas com pele, as mãos de Theon começaram a latejar de dor. Era frequente que suas mãos doessem horrivelmente, especialmente os dedos que perdera. Houve realmente um tempo em que as mulheres ansiavam por seu toque? Eu me fiz Príncipe de Winteifell, pensou, e daí veio tudo isto. Ele pensara que homens cantariam sobre ele por centenas de anos e contariam histórias de sua ousadia. Mas, se alguém falasse sobre ele, agora, seria como Theon Vira-Casaca, e as histórias contadas seriam sobre sua traição. Esta nunca foi minha casa. Eu era um refém aqui. Lorde Stark nunca o tratara com crueldade, mas a longa sombra de aço de sua grande espada sempre estivera entre eles. Ele era gentil comigo, mas nunca caloroso. Sabia que, um dia, poderia ser obrigado a me condenar à morte.
Theon manteve os olhos baixos enquanto cruzava o pátio, serpenteando entre as tendas. Aprendi a lutar neste pátio, pensou, recordando-se dos dias quentes de verão passados em treinos com Robb e Jon Snow, sob o olhar atento do velho Sor Rodrik. Isso foi quando ele era inteiro e podia segurar o cabo de uma espada tão bem quanto qualquer homem. Mas o pátio trazia memórias mais sombrias, também. Fora aqui que reunira o povo dos Stark na noite em que Bran e Rickon deixaram o castelo. Ramsay era Fedor, então, parado ao seu lado, sussurrando que ele deveria esfolar alguns cativos para fazê-los contar para onde os meninos haviam ido. Não haverá esfola aqui, enquanto eu for Príncipe de Winterfell, Theon respondera, sem imaginar quão curto seu reinado seria. Nenhum deles me ajudou. Conheci todos eles metade da minha vida, e nenhum me ajudou. Mesmo assim, fizera o melhor possível para protegê-los, mas uma vez que Ramsay colocou a máscara de Fedor de lado, matou todos os homens, assim como os homens de ferro de Theon. Ele colocou fogo no meu cavalo. Esta era a última visão que tinha do dia em que o castelo caíra: Sorridente queimando, as chamas saltando de sua crina enquanto se erguia sobre duas patas, escoiceando, gritando, seus olhos brancos de terror. Aqui, neste mesmo pátio.
As portas do Grande Salão assomaram diante dele; recém-construídas para substituir as portas que queimaram, pareciam rudes e feias para ele, tábuas não preparadas apressadamente unidas. Um par de lanceiros as guardava, curvados e tremendo sob suas grossas capas de pele, a barba com crostas de gelo. Olharam Theon com ressentimento enquanto ele mancava pelos degraus, empurrava a porta do lado direito e deslizava para dentro.
O salão estava abençoadamente quente e iluminado com as luzes de tochas, tão lotado quanto jamais estivera. Theon deixou o calor banhá-lo, e então seguiu para a frente do salão. Homens se sentavam amontoados, joelho contra joelho ao longo dos bancos, tão apertados que os servos tinham que se contorcer entre eles. Mesmo os cavaleiros e os senhores de alta estirpe usufruíam de menos espaço do que o normal.
Perto do palanque, Abel arranhava seu alaúde e cantava Belas donzelas do verão. Ele se chama de bardo. Na verdade, é mais um cafetão. Lorde Manderly trouxera músicos de Porto Branco, mas nenhum era cantor, então, quando Abel apareceu nos portões com um alaúde e seis mulheres, fora mais do que bem-vindo.
- Duas irmãs, duas filhas, uma esposa e minha velha mãe - o cantor alegara, embora nenhuma se parecesse com ele. - Algumas dançam, algumas cantam, uma toca a flauta e outras, os tambores. Boas lavadeiras também.
Bardo ou cafetão, a voz de Abel era passável, e até que tocava honestamente. Aqui, entre as ruínas, aquilo era muito mais do que qualquer um poderia esperar.
Ao longo das paredes, os estandartes estavam erguidos: as cabeças de cavalo dos Ryswell, em dourado, marrom, cinza e negro, o gigante rugindo da Casa Umber, a mão de pedra da Casa Flint de Dedos de Sílex, o alce dos Hornwood e o tritão dos Manderly, o machado de batalha negro dos Cerwyn e os pinheiros dos Tallhart. Nem mesmo suas cores vivas podiam cobrir inteiramente as paredes enegrecidas, nem as tábuas que cobriam buracos onde certa vez estiveram as janelas. Mesmo o telhado estava errado, com suas novas madeiras não tratadas, claras e brilhantes onde as velhas vigas eram manchadas quase de negro por séculos de fumaça.
Os maiores estandartes estavam atrás do palanque, onde o lobo gigante de Winterfell e o homem esfolado do Forte do Pavor se erguiam atrás da noiva e do noivo. A visão do estandarte dos Stark atingiu Theon com mais força do que podia imaginar. Errado, está errado, tão errado quanto seus olhos. As armas da Casa Poole eram uma placa azul sobre fundo branco, emoldurado por uma margem cinza. Eram essas as armas que deviam ter pendurado.
- Theon Vira-Casaca - alguém disse quando ele passou. Outro homem se virou ao vê-lo. Um cuspiu. E por que não? Era o traidor que tomara Winterfell na deslealdade, matara seus irmãos de criação, entregara seu próprio povo para ser esfolado em Fosso Cailin e enviara sua irmã de criação para a cama de Lorde Ramsay. Roose Bolton podia fazer uso dele, mas os verdadeiros nortenhos deviam desprezá-lo.
Os dedos que faltavam em seu pé esquerdo o deixavam com um caminhar estranho, cômico de se olhar. Ouviu uma mulher rindo atrás de si. Mesmo aqui neste sepulcro semi congelado de castelo, cercado de neve, gelo e morte, havia mulheres. Lavadeiras. Essa era a maneira polida de dizer seguidoras de acampamento, que era a maneira polida de dizer putas.
De onde elas vinham, Theon não poderia dizer. Elas simplesmente surgiam, como vermes em um cadáver ou corvos após a batalha. Todo exército as atraía. Algumas eram putas endurecidas, que podiam foder com vinte homens em uma noite e beber com eles todos sem problema. Outras pareciam tão inocentes quanto donzelas, mas era apenas um artifício de sua mercadoria. Algumas eram noivas de acampamento, ligadas a soldados que seguiam, com palavras sussurradas para um deus ou outro, mas condenadas a serem esquecidas assim que a guerra acabasse. Podiam aquecer a cama de um homem uma noite, remendar os buracos em suas botas pela manhã, cozinhar a ceia ao anoitecer e saquear seu cadáver após a batalha. Algumas até lavavam um pouco de roupa. Com elas, em geral, vinham os filhos bastardos, miseráveis criaturas imundas nascidas em um acampamento ou em outro. E mesmo eles zombavam de Theon Vira-Casaca. Deixe-os rirem. Seu orgulho perecera aqui em Winterfell; não havia lugar para essas coisas nos calabouços do Forte do Pavor. Quando se conhece o beijo de uma faca de esfolar, o riso perde todo o poder de ferir.
Nascimento e sangue lhe garantiram um lugar no palanque no final da mesa principal, ao lado da parede. À sua esquerda estava a Senhora Dustin, vestida como sempre em lã negra, em um corte austero e sem adornos. À sua direita não havia ninguém. Todos temem que a desonra possa encostar neles. Se ousasse, teria gargalhado.
A noiva tinha o lugar de mais alta honra, entre Ramsay e seu pai. Sentava-se com os olhos baixos, enquanto Roose Bolton propunha um brinde à Senhora Arya.
- Em seus filhos, nossas duas antigas casas se tornarão uma - disse - e a longa inimizade entre os Stark e os Bolton terminará. - Sua voz era tão suave que o salão ficou silencioso, enquanto os homens se esforçavam para ouvir. - Sinto que nosso bom amigo Stannis não esteja apto para se juntar a nós ainda - prosseguiu, provocando uma onda de risadas - assim como sei que Ramsay esperava dar sua cabeça para a Senhora Arya, como presente de casamento. - As risadas aumentaram. - Devemos dar uma esplêndida recepção a ele quando chegar, uma recepção digna dos verdadeiros nortenhos. Até esse dia, vamos comer, beber e nos divertir... pois o inverno está quase sobre nós, meus amigos, e muitos de nós não viverão para ver a primavera.
O Senhor de Porto Branco fornecera a comida e a bebida, cerveja preta e amarela e vinhos tintos, dourados e púrpura, trazidos do quente Sul em gordos navios e envelhecidos em adegas profundas. Os convidados do casamento se fartaram em bolos de bacalhau e abobrinhas de inverno, montanhas de rabanetes e grandes rodas de queijo, em chapas defumadas de cordeiro e costelas de boi tostadas até ficarem quase negras e, finalmente, em três grandes tortas de casamento, tão largas quanto rodas de carroça, com a massa falhada recheada até quase arrebentar com cenouras, cebolas, nabos, cherivias, cogumelos e pedaços de porco temperados, mergulhados em saboroso molho castanho. Ramsay cortou as fatias com sua cimitarra, e Wyman Manderly serviu pessoalmente, oferecendo as primeiras porções fumegantes para Roose Bolton e sua gorda esposa Frey, as seguintes para Sor Hosteen e Sor Aenys, filhos de Walder Frey.
- A melhor torta que já provaram, meus senhores - o gordo senhor declarou. - Empurrem tudo para baixo com um dourado da Árvore e apreciem cada pedaço. Eu sei que vou.
Fiel à sua palavra, Manderly devorou seis porções, duas de cada uma das três tortas, estalando os lábios, batendo na barriga e se enchendo até a frente de sua túnica ficar meio marrom com manchas de molho e sua barba salpicada de farelos da massa. Nem mesmo Walda Gorda Frey conseguiu igualar sua gula, embora tivesse se servido de três pedaços. Ramsay também comeu bem, embora sua pálida noiva não fizesse mais do que encarar a porção colocada diante dela. Quando levantava a cabeça e olhava para Theon, ele podia ver o medo atrás de seus grandes olhos castanhos.
Nenhuma espada longa fora permitida no salão, mas cada homem tinha uma adaga, até mesmo Theon Greyjoy. De que outra maneira cortaria sua carne? Cada vez que olhava para a garota que havia sido Jeyne Poole, sentia a presença do aço ao seu lado. Não tenho como salvá-la, pensou, mas poderia matá-la com bastante facilidade. Ninguém esperaria isso. Posso pedir pela honra de uma dança e cortar a garganta dela. Seria uma gentileza, não seria? E se os antigos deuses ouviram minha prece, Ramsay, em sua indignação, poderia me matar também. Theon não tinha medo de morrer. Embaixo do Forte do Pavor, aprendera que havia coisas muito piores do que a morte. Ramsay lhe ensinara essa lição, dedo por dedo, da mão e do pé, e não era algo que ele esqueceria.
- Você não come - observou a Senhora Dustin.
- Não. - Comer era difícil para ele. Ramsay o deixara com tantos dentes quebrados que mastigar era uma agonia. Beber era mais fácil, embora tivesse que agarrar a taça de vinho com as duas mãos para evitar derrubá-la.
- Não aprecia torta de porco, meu senhor? A melhor torta de porco que já provamos, nosso gordo amigo nos fez acreditar. - Fez um gesto em direção a Lorde Manderly com a taça de vinho. - Já viu um gordo tão feliz? Está quase dançando. Serviu com as próprias mãos.
Era verdade. O Senhor de Porto Branco era a imagem perfeita do gordo feliz, gargalhando, sorrindo, brincando com os outros senhores e batendo em suas costas, pedindo aos músicos esta ou aquela canção.
- Nos dê A noite que terminou, cantor - gritou. - A noiva gostará desta, eu sei. Ou cante para nós os feitos do bravo jovem Danny Flint, e nos faça chorar. - Ao olhá-lo, era possível pensar que era ele o recém-casado.
- Está bêbado - disse Theon.
- Afogando seus medos. É covarde até os ossos, esse um.
Era? Theon não tinha certeza. Seus filhos eram gordos também, mas não envergonhavam em batalha.
- Os homens de ferro festejam também antes de uma batalha. Um último gosto de vida, enquanto a morte espera. Se Stannis vier...
- Ele virá. Ele deve. - A Senhora Dustin riu. - E quando vier, o gordo vai se mijar. Seu filho morreu no Casamento Vermelho, e mesmo assim ele divide seu pão e sal com os Frey, recebe-os sob seu teto, promete sua neta para um deles. Até mesmo lhes serve torta. Os Manderly fugiram do Sul uma vez, escorraçados de suas terras e protegidos por inimigos. O sangue escorre verdade. O gordo gostaria de matar a todos nós, não duvido, mas não tem estômago para isso, apesar de toda a sua circunferência. Sob sua pele suada bate um coração tão covarde e servil como ... bem ... o seu.
Sua última palavra foi como um chicote, mas Theon não se atreveu a responder à altura. Qualquer insolência lhe custaria pele.
- Se minha senhora acredita que Lorde Manderly quer nos trair, Lorde Bolton é quem deve ser avisado.
- Você acha que Roose não sabe? Garoto tolo. Observe-o. Veja como ele olha Manderly. Nenhum prato é tocado pelos lábios de Roose até que ele veja que Lorde Wyman comeu primeiro. Nenhuma taça de vinho é bebida até que ele veja que Manderly tomou do mesmo jarro. Acredito que ficaria satisfeito se o gordo tentasse alguma traição. Isso o divertiria. Roose não tem sentimentos, você sabe. Aquelas sanguessugas que ele tanto ama sugaram todas as suas paixões há anos. Ele não ama, ele não odeia, ele não lamenta. Isso é um jogo para ele, levemente divertido. Alguns homens caçam, outros fazem falcoaria, alguns jogam dados. Roose joga com homens. Você e eu, esses Frey, Lorde Manderly, sua nova esposa gorda, até seu bastardo, somos seus brinquedos. - Um servo estava passando. A Senhora Dustin segurou sua taça e deixou que ele a enchesse, então gesticulou para fazer o mesmo com a taça de Theon. - Verdade seja dita - ela falou - Lorde Bolton aspira a mais do que uma mera senhoria. Por que não Rei do Norte? Tywin Lannister está morto, o Regicida está mutilado, o Duende fugiu. Os Lannister são uma força gasta, e você foi gentil o suficiente para livrá-lo dos Stark. O velho Walder Frey não fará objeção a que sua pequena Walda Gorda se torne rainha. Porto Branco pode ser um pouco incômodo se Lorde Wyman sobreviver à batalha que se aproxima ... mas estou quase certa de que não sobreviverá. Não mais que Stannis. Roose removerá ambos do seu caminho, como removeu o Jovem Lobo. Quem mais há?
- Você - disse Theon. - Há você. A Senhora de Vila Acidentada, uma Dustin por casamento, uma Ryswell por nascimento.
Aquilo a agradou. Ela tomou um gole de vinho, seus olhos escuros brilhando, e disse:
- A viúva de Vila Acidentada ... e sim, se eu quisesse, poderia ser um inconveniente. Claro que Roose vê isso também, e toma cuidado de me manter doce.
Ela poderia ter dito mais, mas então viu os meistres. Três deles entraram juntos pela porta do senhor, atrás do palanque; um alto, um gordo e um muito jovem, mas, em suas túnicas e correntes, eram três ervilhas cinza de uma vagem negra. Antes da guerra, Medrick servira Lorde Hornwood, Rhodry, Lorde Cerwyn, e o jovem Henly, Lorde Slate. Roose Bolton trouxera todos eles para Winterfell para se encarregarem dos corvos de Luwin, então mensagens podiam ser enviadas e recebidas dali novamente.
Enquanto Meistre Medrick se ajoelhava para sussurrar no ouvido de Bolton, a boca da Senhora Dustin se contorceu em desagrado.
- Se eu fosse rainha, a primeira coisa que faria seria matar todos esses ratos cinzentos. Eles correm por todos os lados, vivendo dos restos de seus senhores, tagarelando uns com os outros, sussurrando no ouvido de seus mestres. Mas quem são os mestres e quem são os servos, realmente? Todo grande senhor tem seu meistre, todo senhor menor deseja ter um. Se você não tem um meistre, dizem que você é de pouca importância. Esses ratos cinzentos leem e escrevem nossas cartas, principalmente para aqueles senhores que não conseguem ler eles mesmos, e quem diz com certeza que eles não estão torcendo as palavras para seus próprios fins? Que bem eles fazem, eu lhe pergunto.
- Eles curam - disse Theon. Isso parecia ser esperado dele.
- Eles curam, sim. Nunca disse que não eram delicados. Eles nos atendem quando estamos doentes e feridos, ou entristecidos com a doença de um pai ou um filho. Sempre que estamos mais fracos e vulneráveis, eles estão ali. Algumas vezes nos curam, e ficamos devidamente agradecidos. Quando falham, nos consolam em nosso lamento, e ficamos gratos por isso também. Além de nossa gratidão, damos a eles um lugar sob nossos tetos e permitimos que compartilhem nossas vergonhas e segredos, uma parte de todo conselho. E, antes de muito tempo, o governante se torna governado. Foi o que aconteceu com Lorde Rickard Stark. Meistre Walys era o nome de seu rato cinzento. E não é esperto como os meistres mantêm só um nome, mesmo quando tinham dois quando chegaram à Cidadela? Dessa maneira, não sabemos quem eles realmente são ou de onde vieram ... mas, se você for teimoso o suficiente, poderá descobrir. Antes de forjar sua corrente, Meistre Walys era conhecido como Walys Flowers. Flowers, Hill, Rivers, Snow... damos esses nomes para as crianças ilegítimas para marcá-las pelo que elas são, mas elas sempre são rápidas em se livrar da marca. Walys Flowers tinha uma garota Hightower como mãe... e um arquimeistre da Cidadela como pai, eram os rumores. Os ratos cinzentos não são tão castos quanto querem que acreditemos. Os meistres de Vilavelha são os piores de todos. Uma vez que Walys forjou sua corrente, seu pai secreto e seus amigos não perderam tempo em despachá-lo para Winterfell, para encher os ouvidos de Lorde Rickard com palavras envenenadas tão doces quanto mel. O casamento Tully foi ideia dele, não duvide, ele ...
Ela parou de falar quando Roose Bolton se levantou, seus olhos claros brilhando sob a luz das tochas.
- Meus amigos - começou, e um silêncio varreu a sala, tão profundo que Theon podia ouvir o vento sacudindo as tábuas sobre as janelas. - Stannis e seus cavaleiros deixaram Bosque Profundo, sob o estandarte de seu novo deus vermelho. Os clãs das montanhas nortenhas vêm com ele em seus hirsutos cavalos raquíticos. Se o tempo permitir, podem estar aqui em uma quinzena. E Papa-Corvos Umber marcha pela estrada do rei, enquanto os Karstark se aproximam pelo leste. Eles pretendem se unir a Lorde Stannis aqui e tomar-nos o castelo.
Sor Hosteen Frey ficou em pé de um salto.
- Devíamos cavalgar para encontrá-los. Por que permitir que combinem suas forças?
Porque Arnolf Karstark espera apenas um sinal de Lorde Bolton antes de virar sua casaca, pensou Theon, enquanto outros senhores gritavam conselhos. Lorde Bolton ergueu a mão, pedindo silêncio.
- O salão não é o lugar para tais discussões, meus senhores. Vamos adiar para o solar, enquanto meu filho consuma seu casamento. O restante de vocês permaneça aqui e aproveite a comida e a bebida.
Enquanto o Senhor de Forte do Pavor saía, seguido pelos três meistres, outros senhores e capitães se levantaram para acompanhá-lo. Hother Umber, o velho magro chamado Terror-das-Rameiras, seguiu-o sombrio e carrancudo. Lorde Manderly estava tão bêbado que pediu quatro homens fortes para ajudá-lo a sair do salão.
- Devíamos ouvir uma canção sobre o Rato Cozinheiro - ele murmurou, enquanto passava cambaleando por Theon, apoiado em seus cavaleiros. - Cantor, dê-nos uma canção sobre o Rato Cozinheiro.
A Senhora Dustin estava entre as últimas a se mover. Quando ela se foi, de repente o salão parecia sufocante. Apenas quando tentou se levantar, Theon percebeu o quanto havia bebido. Quando tropeçou na mesa, bateu em uma jarra nas mãos de uma serva. Vinho se espalhou em suas botas e calções, uma escura maré vermelha.
Uma mão agarrou seu ombro, cinco dedos duros como ferro entrando profundamente em sua carne.
- Você é aguardado, Fedor - disse Alyn Azedo, seu hálito carregado com o cheiro de seus dentes podres. Caralho Amarelo e Damon Dance-para-Mim estavam com ele. - Ramsay diz que você deve levar a noiva dele para a cama.
Um arrepio de medo passou por ele. Fiz minha parte, pensou. Por que eu? Mas ele sabia que era melhor não se opor.
Lorde Ramsay já deixara o salão. Sua noiva, abandonada e, aparentemente, esquecida, sentava-se curvada e silenciosa sob o estandarte da Casa Stark, segurando um cálice de prata com as duas mãos. A julgar pelo modo como o olhou quando ele se aproximou, ela já esvaziara o cálice mais de uma vez. Talvez esperasse que, se bebesse o suficiente, sua provação passaria por ela. Theon sabia que isso não aconteceria.
- Senhora Arya - disse. - Venha. É tempo de cumprir seu dever.
Seis dos Rapazes do Bastardo os acompanharam quando Theon levou a garota para fora, pelo fundo do salão e pelo gélido pátio, até a Grande Fortaleza. Eram três lances de degraus de pedra até o quarto de dormir de Lorde Ramsay, um dos quartos que o fogo tocara de leve. Enquanto subiam, Damon Dance-para-Mim assobiava, e Peleiro se gabava que Lorde Ramsay lhe prometera um pedaço do lençol ensanguentado, como sinal de apreço especial.
O quarto de dormir estava bem preparado para a consumação. Todos os móveis eram novos, trazidos de Vila Acidentada no comboio de bagagem. A cama de dossel tinha um colchão de penas e cortinas de veludo vermelho-sangue. O chão de pedra estava coberto com peles de lobos. Um fogo queimava na lareira, uma vela, na mesa ao lado da cama. No aparador havia um jarro de vinho, duas taças e meia-roda de queijo branco com veios.
Também havia uma cadeira, esculpida em carvalho negro, com assento de couro vermelho. Lorde Ramsay estava sentado nela quando entraram. Saliva brilhava em seus lábios.
- Aí está minha doce donzela. Bons rapazes. Podem nos deixar, agora. Não você, Fedor. Você fica.
Fedor, Fedor, que rima com pavor. Ele podia sentir câimbras em seus dedos perdidos; dois na mão esquerda, um na direita. E, em seu quadril, a adaga descansava, dormindo em sua bainha de couro, mas pesada, oh, tão pesada. Apenas meu mindinho se foi na mão direita, Theon lembrou a si mesmo. Ainda posso segurar uma faca.
- Meu senhor. Como posso servi-lo?
- Você deu a moça para mim. Quem melhor para desempacotar o presente? Vamos dar uma olhada na pequena filha de Ned Stark.
Ela não é parente de Lorde Eddard, Theon quase disse. Ramsay sabe, ele tem que saber, que novo jogo cruel é este? A garota estava em pé ao lado de uma das colunas da cama, tremendo como uma corça.
- Senhora Arya, se você se virar, posso soltar os laços de seu vestido.
- Não. - Lorde Ramsay serviu-se uma taça de vinho. - Laços demoram muito. Corte fora.
Theon desembainhou a adaga. Tudo o que tenho que fazer é me virar e apunhalá-lo. A faca está na minha mão. Ele conhecia o jogo. Outra armadilha, disse para si mesmo, lembrando-se de Kyra com as chaves. Ele quer que eu tente matá-lo. E, quando eu falhar, ele esfolará a pele da mão que usei para segurar a lâmina. Agarrou um punhado da saia da noiva.
- Fique parada, minha senhora. - O vestido era solto abaixo da cintura, então foi a partir dali que ele deslizou a lâmina, escorregando para cima lentamente, para não cortá-la. Aço sussurrou através de lã e seda com um som suave e fraco. A garota tremia. Theon teve que segurar seu braço para que ela ficasse parada. Jeyne, Jeyne, rima com reine. Ele a apertou ainda mais, tanto quanto sua mão esquerda mutilada permitia. - Fique parada.
Finalmente o vestido caiu, um emaranhado pálido ao redor dos pés dela.
- As roupas íntimas também - Ramsay ordenou. Fedor obedeceu.
Quando acabou, a noiva estava nua, e sua elegância nupcial era um monte de trapos brancos e cinza sobre seus pés. Seus seios eram pequenos e pontudos, os quadris estreitos e femininos, as pernas finas como as de um pássaro. Uma criança. Theon se esquecera do quanto ela era jovem. A idade de Sansa. Arya seria ainda mais jovem. Apesar do fogo na lareira, o quarto estava gelado. A pálida pele de Jeyne estava toda arrepiada. Houve um momento em que ergueu as mãos, como se estivesse prestes a cobrir os seios, mas Theon advertiu-a com um silencioso não e ela parou imediatamente.
- O que acha dela, Fedor? - perguntou Lorde Ramsay.
- Ela ... - Que resposta ele quer? O que a garota dissera, antes do bosque sagrado? Todos dizem que sou bonita. Ela não estava bonita agora. Ele podia ver uma teia de finas linhas pelas costas dela, onde alguém a chicoteara. - ... ela é bonita, tão ... tão bonita.
Ramsay sorriu seu sorriso molhado.
- Ela faz seu pau ficar duro, Fedor? Está lutando contra seus cadarços? Gostaria de fodê-la primeiro? - Ele riu. - O Príncipe de Winterfell deveria ter esse direito, como todos os senhores faziam nos tempos antigos. A primeira noite. Mas você não é um senhor, é? É apenas Fedor. Não é nem mesmo um homem, verdade seja dita. - Tomou outro gole de vinho e, em seguida, arremessou a taça pelo quarto para estilhaçá-la contra a parede. Rios vermelhos correram pela pedra. - Senhora Arya. Vá para cama. Sim, contra os travesseiros, esta é uma boa esposa. Agora, abra suas pernas. Deixe-nos ver sua boceta.
A garota obedeceu, sem palavras. Theon deu um passo para trás, em direção à porta. Lorde Ramsay sentou-se ao lado da noiva, deslizou a mão pela parte interna de sua coxa e então enfiou dois dedos dentro dela. A garota soltou um suspiro de dor.
- Você está seca como um osso velho. - Ramsay puxou a mão e deu um tapa em seu rosto. - Me disseram que saberia agradar um homem. Isso era mentira?
- N -não, meu senhor. Fui treinada.
Ramsay se levantou, a luz do fogo brilhando em seu rosto.
- Fedor, venha aqui. Deixe-a pronta para mim.
Por um momento, ele não entendeu.
- Eu ... quer dizer... senhor, eu não tenho... eu ...
- Com sua boca - disse Lorde Ramsay. - E seja rápido. Se ela não estiver molhada quando eu terminar de tirar a roupa, cortarei fora sua língua e a pregarei na parede.
Em algum lugar, no bosque sagrado, um corvo gritou. A adaga ainda estava em sua mão.
Ele a embainhou.
Fedor, meu nome é Fedor, e rima com dor.
Fedor inclinou-se para cumprir sua tarefa. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados