terça-feira, 24 de setembro de 2013

5 - TYRION


Deixaram Pentos pelo Portão do Nascer do Sol, embora Tyrion Lannister não tivesse nem vislumbrado o nascer do sol.
- Será como se você nunca tivesse vindo a Pentos, meu pequeno amigo - prometeu o Magíster Illyrio, ao fechar a cortina de veludo roxo da liteira. - Nenhum homem deve vê-lo sair da cidade, assim como nenhum o viu entrar.
- Nenhum homem, com exceção dos marinheiros que me enfiaram naquele barril, do grumete que limpava minha cabine, da garota que você enviou para esquentar minha cama e daquela lavadeira sardenta e traiçoeira. Ah, e de seus guardas. A menos que remova a inteligência deles juntamente com as bolas, eles sabem que você não está sozinho aqui. - A liteira estava suspensa entre oito cavalos de lida, em pesadas tiras de couro. Quatro eunucos seguiam ao lado dos animais, dois de cada lado, e outros mais caminhavam logo atrás, para proteger o comboio de bagagens.
- Imaculados não contam histórias - Illyrio lhe assegurou. - A galé que o deixou aqui estava a caminho de Asshai. Levará uns dois anos até voltar, se os mares forem gentis. E o pessoal da minha casa me ama. Nenhum deles me trairia.
Acalente este pensamento, meu gordo amigo. Um dia entalharemos essas palavras sobre sua cripta.
- Devíamos estar a bordo de uma galé - disse o anão. - O caminho mais rápido para Volantis é por mar.
- O mar é perigoso - respondeu Illyrio. - O outono é uma época repleta de tempestades, e os piratas ainda fazem seus covis no Passo pedra, e de lá se aventuram em rapinar homens honestos. Nunca faria algo para que meu pequeno amigo caísse em tais mãos.
- Há piratas no Roine também.
- Piratas dos rios. - O queijeiro deu um bocejo, cobrindo a boca com as costas da mão. - Baratas correndo atrás de migalhas.
- Ouve-se falar em homens de pedra também.
- São bastante reais, pobres condenados. Mas por que falar de tais coisas? O dia está muito agradável para essas conversas. Veremos o Roine em breve, e lá você se livrará de Illyrio e sua barriga grande. Até lá, vamos beber e sonhar. Temos vinho doce e petiscos para desfrutar. Por que nutrir-se de doença e morte?
Por que, realmente? Tyrion se perguntou e ouviu o zumbido de uma besta uma vez mais. A liteira balançava de um lado para o outro, um movimento suave que o fazia sentir-se como se fosse uma criança embalada para dormir nos braços da mãe. Não que eu saiba como é isso. Almofadas de seda, recheadas de penas de ganso, acomodavam suas bochechas. As paredes de veludo roxo curvavam-se para formar um telhado, tornando o lugar agradavelmente quente por dentro, apesar do frio de outono do lado de fora.
Um comboio de mulas ia atrás deles, carregando caixas, tonéis, barris e cestas de iguarias para aplacar o apetite constante do senhor do queijo. Aquela manhã, eles mordiscaram linguiça picante, regada com um vinho escuro defumado. Enguias gelatinosas e vinhos vermelhos dornenses encheram a tarde. Com a noite vieram presuntos em fatias, ovos cozidos e cotovias assadas recheadas com alho e cebola, com cervejas claras e o apimentado vinho de Myr para ajudar a digestão. A liteira era tão lenta quanto confortável, mas em pouco tempo o anão se viu com coceiras de impaciência.
- Quantos dias até chegarmos ao rio? - ele perguntara a Illyrio naquela noite. - Nesta toada, os dragões da sua rainha serão maiores que os três de Aegon quando eu conseguir colocar os olhos neles.
- Antes fossem. Um dragão grande é mais temível do que um pequeno. - O Magíster encolheu os ombros. - Por mais que fosse do meu agrado dar as boas-vindas à Rainha Daenerys em Volantis, devo confiar em você e em Griff para isso. Posso servir melhor em Pentos, abrindo caminho para o retorno dela. Por enquanto fico com você, embora ... bem, um homem velho e gordo deve ter seu conforto, não é? Coma, beba um copo de vinho.
- Diga-me - Tyrion disse enquanto bebia - por que um Magíster de Pentos daria três figos que fosse para quem usa a coroa em Westeros? Onde está seu ganho nessa aventura, senhor?
O homem gordo limpou a gordura dos lábios.
- Sou um velho, cansado deste mundo e de suas traições. É tão estranho que eu queira fazer algum bem antes do fim dos meus dias para ajudar uma doce garota a recuperar o que é dela por direito de nascimento?
Daqui a pouco você vai me oferecer uma armadura mágica e um palácio em Valíria.
- Se Daenerys não é mais do que uma doce jovem, o Trono de Ferro vai cortá-la em doces jovens pedaços.
- Não tema, meu pequeno amigo. O sangue de Aegon, o Dragão, corre nas veias dela.
Juntamente com o sangue de Aegon, o Indigno; Maegor, o Cruel; e Baelor, o Abençoado.
- Fale-me mais sobre ela.
O homem gordo ficou pensativo.
- Daenerys era meio criança quando veio até mim, ainda mais fresca que minha segunda mulher, tão adorável que fiquei tentado a reivindicá-la para mim mesmo. Mas uma coisa furtiva, assim como um temor, me dizia que eu não teria nenhuma alegria em copular com ela. Em vez disso, chamei alguém para aquecer minha cama e a fodi vigorosamente, até que a loucura passasse. Para dizer a verdade, não achei que Daenerys fosse sobreviver por tanto tempo entre os senhores dos cavalos.
- O que não o impediu de vendê-la a Khal Drogo ...
- Os dothrakis nunca compram ou vendem. É melhor dizer que o irmão dela, Viserys, a deu para o Drogo para ganhar a amizade do khal. Um jovem vaidoso e ganancioso. Viserys desejava o trono de seu pai, mas também desejava Daenerys, e detestou ter que dar a moça. Na noite anterior ao casamento da princesa, ele tentou ir para a cama dela, insistindo que se não podia ter sua mão, reivindicaria sua virgindade. Se eu não tivesse tomado a precaução de colocar guardas na porta dela, Viserys teria desfeito anos de planejamento.
- Ele me parece um completo idiota.
- Viserys era filho de Aerys, o Louco, apenas isso. Daenerys ... Daenerys é bem diferente. - Ele enfiou uma cotovia assada na boca e mastigou ruidosamente, com ossos e tudo. - A criança assustada que abriguei em minha mansão morreu no Mar Dothraki e renasceu no sangue e no fogo. Essa rainha dragão que usa seu nome é uma verdadeira Targaryen. Quando enviei navios para trazê-la para casa, ela se virou para a Baía dos Escravos. Num curto espaço de dias conquistou Astapor, colocou Yunkai de joelhos e saqueou Meereen. Mantarys seria a próxima, se ela marchasse para o oeste, pelas velhas estradas valirianas. Se ela chegar por mar, bem ... sua frota deve se reabastecer de alimentos e água em Volantis.
- Por terra ou por mar, há muitas léguas entre Meereen e Volantis - Tyrion observou.
- Quinhentos e cinquenta, enquanto o dragão voa, por desertos, montanhas, pântanos e ruínas assombradas por demônios. Muitos e mais perecerão, mas os que sobreviverem estarão mais fortes no momento em que chegarem a Volantis ... onde encontrarão você e Griff esperando por eles, com novas forças e navios suficientes para levar todos por mar, até Westeros.
Tyrion ponderou tudo o que sabia sobre Volantis, a mais antiga e mais orgulhosa das Nove Cidades Livres. Algo estava errado. Mesmo com meio nariz, ele podia sentir.
- Dizem que há cinco escravos para cada homem livre em Volantis. Por que a tríade iria ajudar uma rainha que acabou com o comércio de escravosr - Apontou para Illyrio. - Falando nisso, por que você faria? A escravidão pode ser proibida pelas leis de Pentos, mas você tem um dedo nesse comércio também, se não uma mão inteira. E ainda conspira para a rainha dragão, e não contra ela. Por quê? O que espera ganhar com a Rainha Daenerys?
- Voltamos a isso novamente? Você é um homenzinho persistente. - Illyrio deu uma gargalhada e bateu na barriga. - Como quiser. O Rei Pedinte jurou que eu seria seu mestre da moeda, e seria um senhor nobre também. Uma vez que ele tivesse sua coroa de ouro, eu poderia escolher meus castelos ... até mesmo Rochedo Casterly, se eu desejasse.
Tyrion espirrou vinho pelo coto que havia sido seu nariz.
- Meu pai teria adorado ouvir isso.
- O senhor seu pai não teria motivo para preocupação. Por que eu iria querer uma rocha? Minha mansão é grande o suficiente para qualquer homem, e mais confortável do que seus frios castelos westerosis. Já mestre da moeda ... - O homem gordo descascou outro ovo. - Gosto muito de moedas. Existe som mais doce do que o tilintar de ouro com ouro?
O grito de uma irmã.
- E você tem certeza de que Daenerys vai cumprir as promessas do irmão?
- Pode ser que sim, pode ser que não - Illyrio mordeu metade do ovo. - Eu lhe disse, meu pequeno amigo, nem tudo o que um homem faz é por lucro. Acredite se quiser, mas mesmo velhos gordos tolos como eu têm amigos e dívidas de afeto para pagar.
Mentiroso, pensou Tyrion. Algo nesse empreendimento vale mais para você do que moedas ou castelos.
- É difícil encontrar quem valorize a amizade nos dias de hoje.
- Sem dúvida - disse o homem gordo, surdo à ironia.
- Como o Aranha tornou-se tão querido para você?
- Éramos jovens juntos, dois garotos inexperientes em Pentos.
- Varys veio de Myr.
- Foi de lá que ele veio. Conheci-o um pouco depois de ele chegar, um passo à frente dos escravos. Durante o dia, dormia nos esgotos. A noite vagava pelos telhados como um gato. Eu era quase tão pobre quanto ele, um espadachim em sedas sujas, vivendo pela minha lâmina. Talvez você tenha tido a chance de ver a estátua na minha piscina? Pytho Malanon a esculpiu quando eu tinha dezesseis. Uma coisa linda, até hoje choro ao vê-la.
- A idade arruína todos nós. Ainda lamento por meu nariz. Mas Varys ...
- Em Myr, ele era o príncipe dos ladrões, até que um ladrão rival o entregou. Em Pentos, seu sotaque o marcava e, como era conhecido por ser eunuco, era desprezado e espancado. Por que ele me escolheu para protegê-lo eu nunca saberei, mas chegamos a um acordo. Varys espionava ladrões menores e pegava informações. Eu oferecia minha ajuda para as vítimas, prometendo recuperar seus objetos de valor por uma taxa. Logo, todo homem que havia sofrido uma perda vinha até mim, enquanto salteadores e gatunos procuravam por Varys ... metade para cortar sua garganta, a outra metade para vender-lhe o que haviam roubado. Nós dois enriquecemos, e ficamos ainda mais ricos quando Varys treinou seus camundongos.
- Em Porto Real, ele mantinha seus passarinhos.
- Camundongos, nós os chamávamos, então. Os ladrões mais velhos eram tolos que só pensavam em transformar a pilhagem da noite em vinho. Varys preferia garotos órfãos e jovens meninas. Escolhia os menores, os que eram mais rápidos e silenciosos, e os ensinava a escalar paredes e a escorregar pelas chaminés. Também os ensinava a ler. Deixávamos o ouro e as pedras preciosas para os ladrões comuns. Em vez disso, nossos camundongos roubavam cartas, livros-caixa, listas ... mais tarde, eles passaram a ler os papéis e os deixavam onde estavam. Segredos valem mais do que prata ou safiras, Varys afirmava. E foi isso. Eu me tornei tão respeitável que um primo do Príncipe de Pentos me permitiu casar com sua filha donzela, enquanto sussurros sobre o talento de certo eunuco atravessaram o Mar Estreito e chegaram aos ouvidos de certo rei. Um rei muito aflito, que não confiava em seu filho, nem em sua esposa, nem em sua Mão, um amigo de juventude que havia se tornado arrogante e orgulhoso demais. Acredito que você conheça o resto desta história, não é verdade?
- Muito dela. - Tyrion admitiu. - Vejo que você é muito mais do que um queijeiro, afinal.
Illyrio inclinou a cabeça.
- Você é muito gentil em dizer isso, meu pequeno amigo. E, de minha parte, vejo que você é tão rápido quanto Lorde Varys disse. - Ele sorriu, mostrando todos os tortos dentes amarelos, e gritou por outra jarra de vinho apimentado de Myr.
Quando o Magíster se recostou para dormir, com a jarra nos joelhos, Tyrion arrastou-se pelos travesseiros para se libertar de sua prisão carnal e servir-se de uma taça de vinho. Esvaziou-a de uma vez, bocejou e encheu-a novamente. Se eu beber vinho suficiente, disse para si mesmo, talvez sonhe com dragões.
Quando ainda era uma criança solitária em Rochedo Casterly, ele frequentemente se imaginava montando em dragões noites afora, fingindo que era algum príncipe Targaryen perdido ou um Senhor de Dragões Valiriano, voando alto por campos e montanhas. Uma vez, quando seus tios lhe perguntaram o que gostaria de presente para o dia de seu nome, implorou-lhes por um dragão.
- Não precisa ser um grande. Pode ser um pequeno, como eu.
O tio Gerion achou que era a coisa mais engraçada que já tinha ouvido, mas o tio Tygett disse:
- O último dragão morreu há um século, rapaz. - Aquilo lhe pareceu tão monstruosamente injusto, que naquela noite o menino chorou até dormir.
Se o senhor do queijo falava a verdade, a filha do Rei Louco havia eclodido três dragões vivos. Dois a mais que um Targaryen poderia exigir. Tyrion quase sentia por ter matado seu pai. Teria gostado de ver a cara de Lorde Tywin quando soubesse que havia uma rainha Targaryen a caminho de Westeros com três dragões, apoiada por um eunuco conspirador e por um queijeiro com metade do tamanho de Rochedo Casterly.
O anão estava tão estufado que teve que soltar o cinto e os cadarços superiores do seu calção. As roupas de menino que seu anfitrião o fizera vestir faziam-no sentir como se fosse uma linguiça de quatro quilos na pele de uma de dois. Se comermos dessa maneira todos os dias, ficarei do tamanho de Illyrio antes de encontrar essa rainha dragão. Fora da liteira, a noite caíra. Dentro estava tudo escuro. Tyrion escutava os roncos de Illyrio, o roçar das tiras de couro, o ploc ploc lento das ferraduras dos cavalos pela dura estrada valiriana, mas seu coração ouvia o bater de asas de couro.
Quando acordou, o amanhecer já tinha chegado. Os animais arrastavam-se, com a liteira rangendo e balançando entre eles. Tyrion puxou a cortina alguns centímetros para olhar o lado de fora, mas havia pouco para ver além de campos cor de ocre, olmos marrons sem folhas e a própria estrada, um caminho largo de pedra que seguia em linha reta como uma lança para o horizonte. Ele havia lido sobre as estradas valirianas, mas era a primeira vez que via uma delas. O alcance do Domínio Valiriano havia chegado à Pedra do Dragão, mas nunca avançara pelo continente de Westeros em si. Estranho, isso. A Pedra do Dragão não é mais que uma rocha. A riqueza estava bem distante no oeste, mas eles tinham dragões. Certamente eles sabiam que estava lá.
Ele bebera muito na noite anterior. Sua cabeça latejava e até o leve balanço da liteira era o suficiente para a pesada refeição subir em sua garganta. Ainda que não tenha reclamado, sua angústia deve ter ficado evidente para Illyrio Mopatis.
- Venha, beba comigo - disse o homem gordo. - Uma escama do dragão o queimou, como dizem. - Ele serviu para ambos um vinho de amora tão doce que atraía mais abelhas que o mel.
Tyrion enxotou os insetos com a mão e bebeu profundamente. O gosto da bebida era tão enjoativo que tudo o que ele podia fazer era engoli-la. A segunda taça foi mais fácil. Mesmo assim, ele estava sem fome, e quando Illyrio lhe ofereceu uma tigela de amoras no creme, ele recusou.
- Sonhei com a rainha - disse. - Estava de joelhos diante dela, jurando fidelidade, mas ela me confundiu com meu irmão Jaime e me serviu de comida para seus dragões.
- Esperemos que não seja um sonho profético. Você é um duende esperto, como Varys disse, e Daenerys vai precisar de homens espertos ao seu lado. Sor Barristan é um cavaleiro valente e verdadeiro, mas acredito que ninguém alguma vez o tenha chamado de astuto.
- Cavaleiros só conhecem uma maneira de resolver um problema. Eles empunham a lança e atacam. Já um anão tem uma maneira diferente de olhar o mundo. Mas, e você? Também é um homem esperto.
- Você me lisonjeia. - Illyrio acenou com a mão. - Ah, não sou feito para viajar, por isso envio você para Daenerys no meu lugar. Você já prestou um grande serviço para Sua Graça quando matou seu pai, e minha esperança é que ainda fará muito mais por ela. Daenerys não é a tola que o irmão era. Ela fará um bom uso de você.
Como graveto? Tyrion pensou, sorrindo agradavelmente.
Eles trocavam as equipes apenas três vezes por dia, mas precisavam parar duas outras vezes, pelo menos por uma hora, para que Illyrio descesse da liteira e pudesse mijar. Nosso senhor do queijo é do tamanho de um elefante, mas tem a bexiga como um amendoim, o anão ponderou. Em uma das paradas, ele aproveitou o tempo para dar uma olhada mais de perto na estrada. Tyrion sabia o que encontraria: nada de torrões de terra, ou tijolos ou pedras soltas, mas uma faixa de pedra fundida, quinze centímetros acima do solo, que permitia que a água da chuva e a neve derretida escorressem pelos lados. Ao contrário dos caminhos lamacentos chamados de estradas nos Sete Reinos, as estradas valirianas eram largas o suficiente para que três carroças passassem lado a lado, sem que o tempo ou o tráfego as atrapalhasse. E ainda eram resistentes, imutáveis quatro séculos depois que a própria Valíria encontrara sua condenação. Olhou pelos sulcos e fissuras, mas encontrou apenas uma pilha de esterco quente depositada por um dos cavalos.
O esterco o fez pensar no senhor seu pai. Você foi parar em algum inferno, pai? Um inferno frio e agradável de onde possa olhar para cima e me ver ajudar a levar afilha de Aerys, o Louco, para o Trono de Ferro?
Quando retomaram a viagem, Illyrio pegou um saco de castanhas assadas e começou a falar novamente sobre a rainha dragão.
- Temo que a última notícia que tivemos da Rainha Daenerys seja velha e ultrapassada. Temos que imaginar que agora ela já deve ter deixado Meereen. Tem sua tropa, afinal, uma tropa bem irregular, formada por mercenários, cavaleiros dothrakis e a infantaria de Imaculados, e certamente ela os levará para oeste, para tomar o trono que era de seu pai. - Magíster Illyrio abriu um pote de escargots ao alho, cheirou-o e sorriu. - Em Volantis, você terá notícias frescas de Daenerys, espero - disse, enquanto chupava um caracol de sua concha. - Dragões e meninas jovens são ambos caprichosos, e pode ser que você tenha que ajustar seus planos. Griff saberá o que fazer. Quer um? O alho é do meu jardim.
Eu poderia montar um caracol e fazer uma viagem mais rápida do que esta sua liteira.
Tyrion afastou o prato de si.
- Você deposita bastante confiança nesse homem, Griff. Outro de seus amigos de infância?
- Não. Um mercenário, você poderia chamá-lo, mas de nascimento westerosi. Daenerys precisa de homens dignos de sua causa. - Illyrio levantou a mão. - Eu sei! Mercenários colocam o ouro antes da honra, você está pensando. Esse tal de Griff vai me vender para minha irmã. Não vai. Confio em Griff como confiaria em um irmão.
Outro erro mortal.
- Então devo fazer o mesmo.
- A Companhia Dourada marcha para Volantis enquanto conversamos, para aguardar que nossa rainha chegue do oriente.
Sob o ouro, o aço amargo.
- Soube que a Companhia Dourada estava sob contrato de uma das Cidades Livres.
- Myr. - Illyrio sorriu. - Contratos podem ser rompidos.
- Queijo dá mais dinheiro do que eu imaginava - Tyrion disse. - Como conseguiu isso?
O Magíster balançou os dedos gordos.
- Alguns contratos são selados com tinta, outros com sangue. Não direi mais nada.
O anão ponderou sobre aquilo. A Companhia Dourada tinha a reputação de ser a melhor das companhias livres, fundada havia um século por Açoamargo, um filho bastardo de Aegon, o Indigno. Quando outro dos Grandes Bastardos de Aegon tentou tomar o Trono de Ferro de seu meio-irmão legítimo, Açoamargo aderiu à revolta. Daemon Blackfyre, no entanto, pereceu no Campo do Capim Vermelho, e sua rebelião com ele. Os seguidores do Dragão Negro que sobreviveram à batalha se recusaram a dobrar os joelhos e fugiram pelo Mar Estreito, entre eles os irmãos mais jovens de Daemon, Açoamargo e centenas de senhores sem terras e cavaleiros que se viram obrigados a vender suas espadas para comer. Alguns se juntaram ao Padrão Irregular, outros aos Segundos Filhos ou aos Homens da Donzela. Açoamargo viu que a força da Casa Blackfyre se espalhava aos quatro ventos, e então criou a Companhia Dourada para unir os exilados.
Daquele dia em diante, os homens da Companhia Dourada viveram e morreram nas Terras Disputadas, lutando por Myr, Lys ou Tyrosh, em suas pequenas guerras sem sentido, e sonhando com as terras que seus pais haviam perdido. Eram exilados e filhos de exilados, sem posses e sem perdão ... mas ainda assim guerreiros formidáveis.
- Admiro seu poder de persuasão - Tyrion falou para Illyrio. - Como você convenceu a Companhia Dourada a aceitar a causa de sua doce rainha, quando eles passaram muito de sua história lutando contra os Targaryen?
Illyrio afastou a objeção como se fosse uma mosca.
- Negro ou vermelho, um dragão ainda é um dragão. Quando Maelys, o Monstruoso, morreu no Passo pedra, foi o fim da linhagem masculina da Casa Blackfyre. - O queijeiro sorriu através da barba bifurcada. - E Daenerys dará para eles o que Açoamargo e os Blackfyre nunca puderam dar. Ela vai levá-los para casa.
Com fogo e espada. Era o tipo de volta ao lar que Tyrion também desejava.
- Dez mil espadas são um presente principesco, eu garanto. Sua Graça deve estar bastante satisfeita.
O Magíster fez um modesto aceno com a cabeça, o queixo balançando.
- Não me atreveria a dizer o que satisfaz Sua Graça.
Prudência sua. Tyrion conhecia muito e ainda mais sobre a gratidão dos reis. Por que rainhas seriam diferentes?
Logo o Magíster dormia profundamente, deixando Tyrion cismando sozinho. Ele se perguntava o que Barristan Selmy pensaria de cavalgar para a batalha com a Companhia Dourada. Durante a Guerra dos Reis de Nove Moedas, Selmy tinha aberto um sangrento caminho entre as fileiras inimigas para matar o último dos Pretendentes Blackfyre. Rebelião feita por estranhos aliados. E nenhum mais estranho do que este homem gordo e eu.
O queijeiro acordou quando pararam para trocar os cavalos e pediu um cesto fresco.
- Onde estamos? - o anão perguntou enquanto se enchiam de capão frio e de uma pasta feita de cenoura, passas e pedaços de limão e laranja.
- Estamos em Ândalos, meu amigo. A terra de onde seus ândalos vieram. Eles a tomaram dos homens peludos que viviam aqui antes deles, primos dos homens peludos de Ib. o coração do antigo reino de Hugor está ao norte daqui, mas estamos passando pelas suas marcas meridionais. Em Pentos, este lugar é conhecido como Terras Planas. Mais a leste estão as Colinas de Veludo, cuja fronteira é aqui.
Ândalos. A Fé ensinava que uma vez os Sete haviam caminhado pelas colinas de Ândalos na forma humana.
- O Pai estendeu a mão para os céus e pegou sete estrelas - Tyrion recitou de memória - e uma por uma ele as colocou na testa de Hugor da Colina para fazer uma coroa brilhante.
Magíster Illyrio olhou para ele com curiosidade.
- Não imaginava que meu pequeno amigo fosse tão devoto.
O anão encolheu os ombros.
- Uma relíquia da minha infância. Sabia que não seria feito cavaleiro, então decidi ser um Alto Septão. Aquela coroa de cristal adiciona uns trinta centímetros à altura de um homem. Estudei os livros sagrados e rezei até conseguir escaras em ambos os joelhos, mas minha busca teve um trágico fim. Alcancei aquela certa idade e me apaixonei.
- Uma donzela? Conheço esse caminho. - Illyrio enfiou a mão direita na manga esquerda e tirou um medalhão de prata. Dentro havia uma pintura de uma mulher com grandes olhos azuis e cabelos de pálido ouro mesclado com prata. - Serra. Encontrei-a em uma casa de travesseiros lisena e a trouxe para casa, para aquecer minha cama, mas no final me casei com ela. Eu, cuja primeira esposa havia sido prima do Príncipe de Pentos. Os portões do palácio se fecharam para mim depois disso, mas não me importei. Era um preço pequeno por Serra.
- Como ela morreu? - Tyrion sabia que ela estava morta; nenhum homem fala com tanto carinho de uma mulher que o abandonou.
- Uma galé mercantil bravosi parou em Pentos no caminho de volta do Mar de Jade. O Tesouro carregava cravo, açafrão, azeviche, jade, samito escarlate, seda verde... e a morte cinza. Matamos os remadores assim que pisaram em terra firme e queimamos o navio até afundá-lo, mas os ratos desceram pelos remos e seguiram para o cais. A praga levou dois mil antes de seguir seu curso. - Magíster Illyrio fechou o medalhão. - Mantenho as mãos dela no meu quarto de dormir. Eram mãos tão suaves ...
Tyrion pensou em Tysha. Olhou para fora, para os campos onde outrora os deuses tinham andado.
- Que tipo de deuses fazem pragas, ratos e anões? - Outra passagem da Estrela de Sete Pontas veio até ele. - A Donzela lhe trouxe uma garota tão flexível quanto um salgueiro, com olhos como profundas piscinas azuis, e Hugor declarou que a teria como sua noiva. Então a Mãe a fez fértil, e a Velha predisse que ela daria à luz quarenta e quatro filhos valentes do rei. O Guerreiro deu força para os braços deles, enquanto o Ferreiro fez uma armadura de ferro para cada um.
- Seu Ferreiro deve ter sido roinar - Illyrio brincou. - Os ândalos aprenderam a arte de trabalhar o ferro com os roinares que viviam ao longo do rio. Isso é sabido.
- Não pelos nossos septões. - Tyrion apontou para os campos. - Quem vive nessas tais Terras Planas?
- Lavradores e trabalhadores ligados à terra. Existem pomares, fazendas, minas ... Eu mesmo possuo alguns, embora raramente os visite. Por que deveria passar meus dias aqui, com as miríades de prazeres de Pentos à mão?
- Miríades de prazeres. - E enormes muros grossos. Tyrion rodou o vinho em sua taça. - Não vimos nenhuma cidade desde Pentos.
- Há ruínas. - Illyrio acenou pelas cortinas com uma coxa de frango na mão. - Os senhores dos cavalos vêm por estes caminhos, sempre que algum khal coloca na cabeça que quer contemplar o mar. Os dothrakis não gostam de cidades, você saberá disso mesmo em Westeros.
- Caia sobre um desses khalasars e o destrua, e você pode descobrir que os dothrakis não são tão rápidos para atravessar o Roine.
- É mais barato subornar o inimigo com alimentos e presentes.
Se eu tivesse tido a ideia de levar um belo pedaço de queijo para a Batalha na Água Negra, poderia ainda ter meu nariz. Lorde Tywin sempre vira as Cidades Livres com desprezo. Eles lutam com moedas em vez de espadas, costumava dizer. O ouro tem seus usos, mas as guerras são vencidas com o ferro.
- Dê ouro para o inimigo e ele só voltará para mais, meu pai costumava dizer.
- Este é o mesmo pai que você matou? - Illyrio jogou o osso de galinha para fora da liteira. - Mercenários não ficarão contra Dothraki. Isso ficou provado em Qohor.
- Nem mesmo seu bravo Griff? - zombou Tyrion.
- Griff é diferente. Tem um filho que adora. O garoto é conhecido como Jovem Griff. Nunca houve rapaz mais nobre.
O vinho, a comida, o sol, o balançar da liteira, o zumbido das moscas, tudo conspirou para tornar o anão sonolento. Então ele dormiu, acordou, bebeu. Illyrio o acompanhou taça após taça. E quando o céu ficou roxo-escuro, o homem gordo começou a roncar.
Naquela noite, Tyrion Lannister sonhou com uma batalha que deixou as colinas de Westeros vermelhas como sangue. Estava no meio dela, lidando com a morte com um machado tão grande como ele, lutando lado a lado com Barristan, o Ousado, e Açoamargo, enquanto dragões voavam em círculos no céu sobre eles. No sonho, ele tinha duas cabeças, ambas sem nariz. Seu pai liderava o inimigo, então ele o matou mais uma vez. Depois matou seu irmão Jaime, esmagando seu rosto até transformá-lo em uma ruína vermelha, rindo a cada golpe desferido. Somente quando a luta acabou, percebeu que sua segunda cabeça estava chorando.
Quando acordou, suas pernas atrofiadas estavam duras como ferro. Illyrio comia azeitonas.
- Onde estamos? - Tyrion perguntou.
- Ainda não deixamos as Terras Planas, meu precipitado amigo. Logo nossa estrada deve passar pelas Colinas de Veludo. Lá começaremos nossa subida em direção a Ghoyan Drohe, sobre o Pequeno Roine.
Ghoyan Drohe havia sido uma cidade roinar, até que os dragões de Valíria reduziram-na a uma desolação fumegante. Estou viajando não só por léguas, mas através dos anos, Tyrion refletiu, de volta na história até os dias em que os dragões dominavam a terra.
Tyrion dormiu e acordou e dormiu novamente, e dia e noite pareciam não importar. As Colinas de Veludo provaram ser uma decepção.
- Metade das putas de Lannisporto tem peitos maiores do que estas colinas - ele comentou com Illyrio. - Você deveria chamá-las de Tetas de Veludo.
Viram um círculo de pedras que Illyrio alegou ter sido erguido por gigantes e, mais tarde, um lago profundo.
- Aqui era um covil de ladrões que atacavam todos que passavam por esse caminho - disse Illyrio. - Dizem que ainda vivem sob a água. Aqueles que pescam no lago são puxados para baixo e devorados.
Na noite seguinte, passaram por uma enorme esfinge valiriana agachada ao lado da estrada. Tinha corpo de dragão e rosto de mulher.
- Uma rainha dragão - disse Tyrion. - Um agradável presságio.
- O rei dela está faltando - Illyrio apontou para o pedestal de pedra lisa no qual a segunda esfinge estivera, já coberta de musgos e trepadeiras floridas. - Os senhores dos cavalos construíram rodas de madeira embaixo dele e o arrastaram para Vaes Dothrak.
O que também é um presságio, pensou Tyrion, só que não tão esperançoso. Naquela noite, mais bêbado do que de costume, começou subitamente a cantar:
Ele andava pelas ruas da cidade,
do alto da colina, para baixo.
Pelos becos, passos e paralelepípedos,
andava a suspirar por uma mulher.
Pois ela era seu tesouro secreto,
sua vergonha e sua felicidade.
E uma corrente e uma fortaleza não são nada,
comparadas ao beijo de uma mulher.
Essa era toda a letra que ele sabia, além do refrão. Mãos de ouro são sempre frias, mas as mãos de uma mulher são quentes. As mãos de Shae haviam batido nele, enquanto as mãos de ouro se enterravam na garganta dela. Ele não se lembrava se estavam quentes ou não. Conforme a força a abandonava, seus golpes pareciam mariposas sobre seu rosto. A cada volta que ele dava na corrente, as mãos de ouro entravam mais fundo. Uma corrente e uma fortaleza não são nada, comparadas aos beijos de uma mulher. Ele a beijara uma última vez, depois que ela morreu? Não se lembrava ... embora ainda se recordasse da primeira vez que a beijara, na tenda ao lado do Ramo Verde. Como sua boca era doce!
Ele também se lembrava da primeira vez com Tysha. Ela não sabia como fazer, não mais do que eu. Ficamos batendo nossos narizes, mas quando toquei a língua dela com a minha, ela tremeu. Tyrion fechou os olhos para trazer o rosto dela à mente, mas imediatamente viu seu pai, de cócoras na latrina, com o roupão levantado até a cintura. - Aonde quer que as putas vão - Lorde Tyrion disse, e a besta zuniu.
O anão virou-se, pressionando o meio nariz nas almofadas de seda. O sono se abriu sob ele como um poço, e ele mergulhou com vontade, desejando que a escuridão o cercasse totalmente. 

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