segunda-feira, 9 de setembro de 2013

55 - CATELYN


Estava longe demais para distinguir claramente as bandeiras, mas mesmo através do nevoeiro podia ver que eram brancas com uma mancha escura no centro, que só podia ser o lobo gigante dos Stark, cinzento sobre seu fundo de gelo. Quando viu aquilo com os próprios olhos, Catelyn puxou as rédeas do cavalo e inclinou a cabeça num agradecimento. Os deuses eram bons. Não chegara tarde demais.
- Esperam a nossa vinda, senhora - disse Sor Wylis Manderly - como o senhor meu pai jurou que fariam.
- Não os deixemos à espera por mais tempo, sor - Sor Brynden Tully esporeou o cavalo e dirigiu-se a trote vivo para os estandartes. Catelyn o acompanhou.
Sor Wylis e o irmão, Sor Wendel, seguiram-nos, à frente de seus soldados, quase mil e quinhentos homens: pouco mais de vinte cavaleiros e outros tantos escudeiros, duzentos cavaleiros livres e lanceiros e espadachins a cavalo e o resto dos homens a pé, armados com lanças, piques e tridentes.
Lorde Wyman tinha ficado para trás, a fim de organizar as defesas de Porto Branco. Com quase sessenta anos, tornara-se demasiado corpulento para montar um cavalo.
- Se julgasse que voltaria a ver a guerra na minha vida, teria comido um pouco menos de enguias - dissera a Catelyn quando recebeu seu navio, batendo na enorme barriga com as mãos. Tinha os dedos gordos como salsichas. - Mas os meus rapazes os levarão a salvo até o vosso filho, nada tema.
Os "rapazes" dele eram ambos mais velhos que Catelyn, e ela teria preferido que não saíssem tanto ao pai. Sor Wylis estava apenas a algumas enguias de não ser capaz de montar seu cavalo; Catelyn sentia pena do pobre animal. Sor Wendel, o filho mais novo, teria sido o homem mais gordo que vira na vida, não tivesse deparado com o pai e o irmão. Wylis era silencioso e formal, Wendel, ruidoso e rude; ambos ostentavam bigodes de morsa e cabeças tão lisas como o bumbum de um bebê; nenhum parecia possuir uma única peça de roupa que não estivesse salpicada com manchas de comida. Mas gostava bastante deles; tinham-na trazido até Robb, como o pai prometera, e nada mais importava.
Ficou satisfeita por constatar que o filho enviara espiões até mesmo para o leste. Os Lannister, quando viessem, viriam pelo sul, mas era bom que Robb estivesse sendo cauteloso. Meu filho está levando uma tropa para a guerra, pensou, ainda sem bem acreditar. Temia desesperadamente por ele, e por Winterfell, mas não podia negar que sentia também certo orgulho. Um ano antes, ele era apenas um garoto. Que seria agora?, perguntava a si mesma.
Batedores detectaram os estandartes dos Manderly - o tritão branco de tridente na mão, erguendo-se do mar azul-esverdeado - e saudaram-nos calorosamente. Foram levados para um ponto elevado e suficientemente seco para um acampamento. Sor Wylis anunciou uma parada e ficou para trás com os homens, a fim de supervisionar o acender das fogueiras e os cuidados com os cavalos, ao passo que o irmão Wendel prosseguiu com Catelyn e o tio para apresentar os cumprimentos do pai ao seu suserano.
O terreno sob os cascos dos cavalos era mole e úmido. Cedia devagar enquanto iam passando por fumarentos fogos de turfa, filas de cavalos e carroças carregadas de biscoitos e carne de vaca salgada. Em um afloramento rochoso mais alto que o terreno circundante, passaram por um pavilhão senhorial com paredes de lona pesada. Catelyn reconheceu o estandarte, o alce macho dos Hornwood, castanho no seu campo laranja-escuro.
Logo depois, por entre a névoa, vislumbrou as muralhas e torres de Fosso Cailin... ou o que restava delas. Imensos blocos de basalto negro, cada um deles tão grande como uma cabana de caseiro, jaziam espalhados e tombados como os blocos de madeira de uma criança, meio enfiados no solo mole pantanoso. Nada mais restava de uma muralha exterior que em tempos passados se erguera tão alta como a de Winterfell.
A fortaleza de madeira tinha desaparecido por completo, apodrecida há mil anos, sem sequer deixar uma viga para marcar o local onde estivera. Tudo o que restava do grande castro dos Primeiros Homens eram três torres... três que antes tinham sido vinte, caso seja possível crer nos contadores de histórias.
A Torre do Portão parecia em bastante bom estado, e até podia se vangloriar de alguns metros de muralha de ambos os lados. A Torre do Bêbado, no pântano, onde outrora se encontravam as muralhas sul e oeste, inclinava-se como um homem empanturrado de vinho prestes a vomitar na sarjeta. E a alta e esguia Torre dos Filhos, onde segundo a lenda os filhos da floresta tinham um dia convocado seus deuses sem nome para enviar o martelo das águas, tinha perdido metade de sua coroa. Era como se algum grande animal tivesse dado uma dentada nas ameias ao longo do topo da torre e cuspido o cascalho para o pântano. As três torres estavam verdes de musgo. Uma árvore crescia entre as pedras do lado norte da Torre do Portão, com ramos retorcidos ornados com mantos viscosos e brancos de pele-de-fantasma.
- Que os deuses tenham piedade - exclamou Sor Brynden quando viu o que se estendia à sua frente. - Isto é Fosso Cailin? Não passa de...
- ...uma armadilha mortal - terminou Catelyn. - Eu sei o que parece, tio. Pensei o mesmo da primeira vez que o vi, mas Ned assegurou-me que esta ruína é mais poderosa do que parece. As três torres sobreviventes dominam o talude de todos os lados, e qualquer inimigo tem de passar entre elas. Os pântanos, aqui, são impenetráveis, cheios de areia movediça e poços, e repletos de serpentes. Para assaltar qualquer uma das torres, um exército teria de avançar através de esterco negro que chega ao peito dos homens, atravessar um fosso cheio de lagartos-leões e escalar muralhas escorregadias com musgo, e tudo isso enquanto fica exposto ao fogo dos arqueiros nas outras torres - deu um sorriso sombrio para o tio - E quando a noite cai, dizem que há fantasmas, espíritos frios e vingativos do Norte que têm fome de sangue sulista.
Sor Brynden soltou um risinho.
- Lembre-me de não ficar muito tempo por aqui. Da última vez que verifiquei, eu próprio era sulista.
Tinham sido desfraldados estandartes nas três torres. O resplendor dos Karstark esvoaçava da Torre do Bêbado sob o lobo gigante; na Torre das Crianças, era o gigante com as correntes quebradas de Grande-Jon. Mas na Torre do Portão a bandeira dos Stark voava sozinha. Fora aí que Robb estabelecera sua base. Catelyn dirigiu-se para lá, com Sor Brynden e Sor Wendel atrás, levando os cavalos a passo lento pela estrada de tábuas e troncos que tinha sido disposta sobre o verde e o negro dos campos de lama.
Encontrou o filho rodeado pelos senhores vassalos do pai, em um salão cheio de correntes de ar, com um fogo de turfa fumegando em uma lareira negra. Estava sentado a uma maciça mesa de pedra, com uma pilha de papéis e mapas à sua frente, conversando seriamente com Roose Bolton e Grande-Jon. A princípio não reparou nela... mas o lobo, sim.
O grande animal cinzento estava deitado perto do fogo, mas, quando Catelyn entrou, ergueu a cabeça, e os olhos dourados encontraram os dela. Os senhores calaram-se, um por um, e Robb ergueu os olhos perante o súbito silêncio e a viu.
- Mãe? - disse, com a voz pesada de emoção.
Catelyn quis correr para ele, beijar sua querida testa, envolvê-lo nos braços e apertá-lo com força para que nunca lhe acontecesse nenhum mal... mas ali, na frente de seus senhores, não se atrevia. Ele agora desempenhava um papel de homem, e ela não lhe queria tirar isto. Por isso, deteve-se na ponta mais distante da laje de basalto que estavam usando como mesa. O lobo selvagem pôs-se em pé e caminhou pela sala até ela. Parecia maior do que um lobo deveria ser.
- Deixou crescer a barba - disse ela para Robb, enquanto Vento Cinzento lhe farejava a mão. Ele esfregou o queixo, de repente atrapalhado.
- Sim - os pelos no queixo eram mais vermelhos que os cabelos.
- Gostei - Catelyn afagou suavemente a cabeça do lobo. - Torna-o parecido com meu irmão Edmure - Vento Cinzento mordiscou-lhe os dedos, de um jeito brincalhão, e regressou a trote para seu lugar perto do fogo.
Sor Haleman Tallhart foi o primeiro a seguir o lobo gigante, atravessando a sala para saudá-la, ajoelhando à sua frente e encostando a testa à sua mão.
- Senhora Catelyn - disse - está bela como sempre, uma visão bem-vinda em tempos conturbados - seguiram-se os Glover, Galbart e Robett, e Grande-Jon Umber, e os outros, um por um. Theon Greyjoy foi o último.
- Não esperava vê-la aqui, senhora - disse enquanto se ajoelhava.
- Não pensei em vir - disse Catelyn - até que desembarquei em Porto Branco e Lorde Wyman me disse que Robb convocara os vassalos. Conheça seu filho, Sor Wendel - Wendel Manderly avançou e fez uma reverência tão profunda quanto a barriga lhe permitia. - E meu tio, Sor Brynden Tully, que trocou o serviço da minha irmã pelo meu.
- O Peixe Negro - Robb disse - Obrigado por se juntar a nós, sor. Precisamos de homens com a sua coragem. E o senhor também, Sor Wendel, estou contente por tê-lo aqui. Sor Rodrik também está com a senhora, mãe? Senti a sua falta.
- Sor Rodrik saiu de Porto Branco para o norte. Nomeei-o castelão e ordenei-lhe que defendesse Winterfell até o nosso regresso. Meistre Luwin é um sábio conselheiro, mas não tem experiência nas artes da guerra.
- Nada tema a esse respeito, Senhora Stark - disse-lhe Grande-Jon, no seu rugido de baixo. - Winterfell está seguro. Vamos enfiar nossas espadas em breve em Tywin Lannister, com a sua licença, e depois seguimos a caminho da Fortaleza Vermelha para libertar Ned.
- Senhora, uma pergunta, se me dá licença - Roose Bolton, senhor do Forte do Pavor, tinha voz fraca, mas, quando falava, os homens maiores silenciavam-se para ouvir. Seus olhos eram curiosamente claros, quase desprovidos de cor, e o olhar era perturbador. - Diz-se que a senhora tem o filho anão de Lorde Tywin cativo. Trouxe o Duende até nós? Juro, faríamos bom uso de tal refém.
- É verdade que capturei Tyrion Lannister, mas já não o tenho em meu poder - Catelyn foi forçada a admitir. Um coro de consternação recebeu a notícia. - Não fiquei mais satisfeita do que os senhores. Os deuses acharam por bem libertá-lo, com alguma ajuda da tola da minha irmã - não devia exprimir tão abertamente o seu desprezo, bem o sabia, mas a partida do Ninho da Águia não fora agradável. Oferecera-se para levar consigo Lorde Robert, para criá-lo em Winterfell durante alguns anos. Atrevera-se a sugerir que a companhia de outros rapazes lhe faria bem. A ira de Lysa fora uma visão assustadora."Irmã ou não", replicara “se tentar roubar-me meu filho, sairá pela Porta da Lua." Depois daquilo nada mais tivera a dizer.
Os senhores estavam ansiosos por lhe colocar mais questões, mas Catelyn ergueu a mão.
- Sem dúvida que teremos tempo para tudo isso mais tarde, mas a viagem fatigou-me. Gostaria de falar a sós com meu filho. Sei que me perdoarão, senhores - não lhes deixou escolha. Liderados pelo sempre prestativo Lorde Hornwood, os vassalos fizeram suas mesuras e se retiraram.
- Você também, Theon - acrescentou, quando Greyjoy se deixou ficar. Ele sorriu e os deixou.
Havia cerveja e queijo sobre a mesa. Catelyn encheu um corno, sentou-se, bebeu um gole e estudou o filho. Parecia mais alto do que quando ela partira, e os fiapos de barba faziam-no parecer mais velho.
- Edmure tinha dezesseis anos quando deixou crescer as primeiras suíças,
- Farei dezesseis em breve - Robb respondeu.
- Mas agora tem quinze. Quinze, e levando uma tropa para a batalha. Compreende por que tenho motivo para temer, Robb?
O olhar dele ficou obstinado.
- Não havia mais ninguém.
- Ninguém? - ela disse. - Diga-me quem eram aqueles homens que vi aqui há um momento? Roose Bolton, Rickard Karstark, Galbart e Robett Glover, Grande-Jon, Heiman Tallhart... podia ter dado o comando a qualquer um deles. Que os deuses sejam bondosos, podia até ter enviado Theon, embora ele não tivesse sido a minha escolha.
- Eles não são Starks.
- São homens, Robb, experientes em batalha. Você lutava com espadas de madeira há menos de um ano.
Viu a ira nos olhos dele ao ouvir aquilo, mas desapareceu tão depressa como surgiu, e subitamente o filho tornou-se de novo um garoto.
- Eu sei - disse ele, desconcertado - Está... está me mandando de volta para Winterfell?
Catelyn suspirou.
- Era o que devia fazer. Você nunca devia ter partido. Mas não me atrevo, agora não, Você chegou longe demais. Um dia, aqueles senhores o verão como seu suserano. Se mandá-lo embora agora, como uma criança que é mandada para a cama sem jantar, eles se recordarão e rirão desse fato. Chegará o dia em que necessitará que o respeitem, e até que o temam um pouco. O riso é veneno para o medo. Não lhe farei tal coisa, por mais que possa desejar mantê-lo a salvo.
- Meus agradecimentos, mãe - disse ele, com o alívio transparecendo, evidente, sob a formalidade.
Ela estendeu o braço por cima da mesa e tocou seus cabelos,
- É meu primogênito, Robb. Basta olhar para você para me lembrar do dia em que chegou ao mundo, de cara vermelha e berrando.
Ele se levantou, claramente desconfortável com o toque dela, e caminhou até a lareira. Vento Cinzento esfregou a cabeça em sua perna.
- Sabe... do pai?
- Sim - os relatos sobre a morte súbita de Robert e a queda de Ned tinham assustado Catelyn mais do que era capaz de exprimir, mas não deixaria que o filho visse seu medo. - Lorde Manderly contou-me quando desembarquei em Porto Branco. Teve alguma notícia de suas irmãs?
- Houve uma carta - Robb respondeu, coçando o lobo gigante sob o focinho. - E uma também para a senhora, mas foi entregue em Winterfell com a minha - dirigiu-se à mesa, vasculhou entre alguns mapas e papéis e voltou com um pergaminho amarrotado. - Esta é a que escreveu para mim, não pensei em trazer a sua.
Houve algo no tom de Robb que a perturbou. Alisou o papel e leu. A preocupação deu lugar à descrença, depois à ira, e por fim ao medo,
- Isto é uma carta de Cersei, não de sua irmã - disse ao terminar. - A verdadeira mensagem está naquilo que Sansa não diz. Tudo isto sobre como os Lannister a estão tratando delicada e gentilmente... conheço o som de uma ameaça, mesmo sussurrada. Têm Sansa refém e pretendem mantê-la.
- Não há menção a Arya - Robb fez notar, em tom infeliz.
- Não - Catelyn não queria pensar no que isso poderia querer dizer, não naquele momento, não ali.
-Tive esperança... se ainda tivesse o Duende, uma troca de reféns... - pegou a carta de Sansa e a amassou no punho, e Catelyn percebeu pelo modo como fez que não era a primeira vez. - Há notícias do Ninho da Águia? Escrevi à tia Lysa, pedindo ajuda. Sabe se ela convocou os vassalos de Lorde Arryn? Os cavaleiros do Vale virão juntar-se a nós?
- Só um - disse ela - o melhor deles, meu tio... mas Brynden Peixe Negro é em primeiro lugar um Tully. Minha irmã não pretende mexer um dedo fora do Portão Sangrento.
Robb recebeu aquilo duramente.
- Mãe, o que vamos fazer? Reuni todo este exército, dezoito mil homens, mas não vou... não estou certo... - olhou-a, com os olhos brilhando, o orgulhoso jovem senhor evaporado num instante, e igualmente depressa se transformou de novo numa criança, um rapaz de quinze anos procurando respostas com a mãe.
Não podia ser.
- De que tem tanto medo, Robb? - perguntou Catelyn, gentilmente.
- Eu... - ele virou a cabeça para esconder a primeira lágrima. - Se marcharmos... mesmo se ganharmos... os Lannister têm Sansa e meu pai. Vão matá-los, não vão?
- Querem que pensemos que sim.
- Quer dizer que estão mentindo?
- Não sei, Robb. O que sei é que você não tem escolha, Se for até Porto Real e jurar fidelidade, nunca será autorizado a partir. Se meter o rabo entre as pernas e se retirar para Winterfell, seus senhores perderão todo o respeito por você. Alguns até poderão passar para o lado dos Lannister. Então, a rainha, com muito menos a perder, pode fazer dos prisioneiros o que quiser. Nossa melhor esperança, nossa única verdadeira esperança, é que consiga derrotar o inimigo no campo de batalha. Se acontecer de capturar Lorde Tywin ou o Regicida, então uma troca poderá ser perfeitamente possível, mas este não é o âmago da questão. Enquanto tiver suficiente poder para que o temam, Ned e sua irmã deverão estar seguros. Cersei é bastante sensata para saber que pode precisar deles para fazer a paz, caso a luta lhe seja desfavorável.
- E se a luta não lhe for desfavorável? - Robb perguntou. - E se for desfavorável a nós?
Catelyn tomou-lhe a mão nas suas.
- Robb, não vou suavizar a verdade para você. Se perder, não há esperança para nenhum de nós. Dizem que não há nada a não ser pedra no coração do Rochedo Casterly. Lembre-se do destino dos filhos de Rhaegar.
Então ela viu o medo naqueles jovens olhos, mas neles havia também uma força.
- Neste caso, não perderei - prometeu.
- Conte-me o que sabe da luta nas terras do rio - ela pediu.
Tinha de saber se ele estava realmente pronto.
- Há menos de uma quinzena, travou-se uma batalha nos montes sob o Dente Dourado. Tio Edmure enviou Lorde Vance e Lorde Piper para defender o desfiladeiro, mas o Regicida caiu sobre eles e os pôs em fuga. Lorde Vance foi morto. A última notícia que recebemos dizia que Lorde Piper recuava para se juntar ao seu irmão e a seus outros vassalos em Correrrio, com Jaime Lannister em seu encalço. Mas isto não é o pior. Enquanto lutavam no desfiladeiro, Lorde Tywin trazia um segundo exército Lannister pelo sul. Dizem que é ainda maior que a tropa de Jaime. Meu pai deve ter sabido disso, porque enviou alguns homens para se opor a eles, sob a bandeira do próprio rei. Deu o comando a um fidalgo qualquer do sul, um Lorde Erik, ou Derik, ou algo assim, mas Sor Raymun Darry ia com ele, e a carta dizia que havia também outros cavaleiros e uma força de guardas do pai. Mas era uma armadilha. Assim que Lorde Derik atravessou o Ramo Vermelho, os Lannister caíram sobre ele, com bandeira do rei e tudo, e Gregor Clegane os apanhou pela retaguarda quando tentaram se retirar pelo Vau do Saltimbanco. Esse Lorde Derik e alguns outros podem ter escapado, ninguém sabe ao certo, mas Sor Raymun foi morto, tal como a maior parte dos nossos homens de Winterfell. Dizem que Lorde Tywin bloqueou a Estrada do Rei e agora marcha para o norte na direção de Harrenhal, queimando tudo à sua passagem.
Sinistro e ameaçador, pensou Catelyn. Era pior do que imaginara.
- Pretende esperar por ele aqui? - ela perguntou.
- Se ele vier até tão longe, sim, mas ninguém pensa que virá. Enviei uma mensagem para Howland Reed, o velho amigo do pai de Atalaia da Água Cinzenta. Se os Lannister subirem o Gargalo, os cranogmanos os sangrarão ao longo de todo o caminho, mas Galbart Glover diz que Lorde Tywin é inteligente demais para isso, e Roose Bolton concorda. Acreditam que vai permanecer perto do Tridente, tomando os castelos dos senhores do rio um por um, até Correrrio ficar sozinho. Precisamos marchar para o sul ao seu encontro.
A simples ideia gelou Catelyn até os ossos. Que chances teria um rapaz de quinze anos contra comandantes de batalha experientes como Jaime e Tywin Lannister?
- Será isso sensato? Aqui você tem uma posição forte. Dizem que os velhos Reis do Norte poderiam instalar-se em Fosso Cailin e repelir tropas dez vezes maiores que a sua.
- Sim, mas nossa provisão está diminuindo, e esta não é terra de que possamos viver facilmente. Estivemos à espera de Lorde Manderly, mas agora que seus filhos se juntaram a nós, temos de marchar.
Catelyn compreendeu que estava ouvindo os senhores vassalos falarem pela voz do filho. Ao longo dos anos, recebera muitos deles em Winterfell, e ela e Ned tinham sido acolhidos às suas mesas e junto de seus fogos. Sabia que tipo de homens eram, cada um deles. Gostaria de saber se Robb também o sabia.
E, no entanto, havia sentido no que diziam. Esta tropa que o filho reunira não era um exército regular como os que as Cidades Livres estavam habituadas a manter, nem uma força de guardas pagos em dinheiro. A maioria era gente simples: pequenos caseiros, trabalhadores rurais, pescadores, pastores de ovelhas, filhos de estalajadeiros, comerciantes e curtidores, complementados por um punhado de mercenários e cavaleiros livres ansiosos pelo saque. Quando seus senhores chamavam, eles vinham... mas não para sempre.
- Marchar está muito bem - disse ao filho - mas para onde, e com que propósito? Que pensa em fazer?
Robb hesitou.
- Grande-Jon acha que devíamos levar a batalha até Lorde Tywin e surpreendê-lo, mas os Glover e os Karstark pensam que seríamos mais sensatos em rodear o seu exército e juntar forças com Sor Edmure contra o Regicida - passou os dedos pela farta cabeleira ruiva com um ar infeliz. - Embora, quando finalmente atingirmos Correrrio... não tenho certeza.
- Pois tenha - disse Catelyn ao filho - ou então volte para casa e pegue de novo a espada de madeira. Não pode se dar ao luxo de parecer indeciso perante homens como Roose Bolton e Rickard Karstark. Não se iluda, Robb... esses homens são seus vassalos, não seus amigos. Chamou-se a si próprio comandante de batalha. Comande.
O filho olhou para ela, sobressaltado, como se não conseguisse dar crédito ao que estava ouvindo.
- Será como diz, mãe.
- Pergunto de novo. O que é que você pensa em fazer?
Robb abriu um mapa sobre a mesa, um esfarrapado pedaço de couro antigo, coberto com linhas de tinta desbotada. Uma das pontas teimava em enrolar-se; segurou-a pondo-lhe o punhal em cima.
- Ambos os planos têm virtudes, mas... olhe, se tentarmos rodear a tropa de Lorde Tywin, corremos o risco de ficar presos entre ele e o Regicida, e se o atacarmos... segundo todos os relatos, ele tem mais homens que eu, e muito mais cavalaria armada. Grande-Jon diz que isso não importa se o apanharmos de calças curtas, mas parece-me que um homem que travou tantas batalhas como Tywin Lannister não será apanhado de surpresa com toda essa facilidade.
- Muito bem - disse ela. Enquanto ele estava ali, debruçado sobre o mapa, conseguia ouvir em sua voz ecos de Ned. - Diga-me mais.
- Eu deixaria aqui uma pequena força defendendo Fosso Cailin, principalmente arqueiros, e marcharia com o resto pelo talude. Mas assim que estivéssemos abaixo do Gargalo, dividiria a nossa tropa em duas. A infantaria pode prosseguir pela Estrada do Rei, ao passo que nossos cavaleiros atravessam o Ramo Verde nas Gêmeas - apontou. - Quando Lorde Tywin receber a notícia de que seguimos para o sul, marchará para o norte a fim de dar batalha à nossa divisão principal, deixando nossos cavaleiros livres para avançar rapidamente pela margem ocidental até Correrrio - Robb recostou-se, sem se atrever propriamente a sorrir, mas satisfeito consigo mesmo e ansioso pelo elogio da mãe.
Catelyn franziu as sobrancelhas para o mapa.
- Colocaria um rio entre as duas partes do seu exército.
- E entre Jaime e Lorde Tywin - disse ele ardentemente. O sorriso enfim chegou. - Não há travessias do Ramo Verde a norte do Vau Rubi, onde Robert conquistou sua coroa. Só nas Gêmeas, bem aqui em cima, e Lorde Frey controla essa ponte. Ele é vassalo de seu pai, não é verdade?
O Atrasado Lorde Frey, pensou Catelyn.
- É - admitiu - mas meu pai nunca confiou nele. E você também não devia fazê-lo.
- Não confiarei - prometeu Robb. - Que acha?
Contra sua vontade, estava impressionada. Ele parece um Tully, pensou, mas não deixa de ser filho de seu pai, e Ned o ensinou hem.
- Que força comandaria?
- A cavalaria - respondeu de imediato. De novo como o pai; Ned guardaria sempre a tarefa mais perigosa para si.
- E a outra?
- Grande-Jon está constantemente dizendo que deveríamos esmagar Lorde Tywin. Pensei em atribuir-lhe a honra.
Era seu primeiro tropeção, mas como fazê-lo ver isso sem ferir a confiança do primeiro voo?
- Seu pai uma vez me disse que Grande-Jon era o homem mais destemido que já conhecera.
Robb deu um sorriso.
- Vento Cinzento comeu dois de seus dedos, e ele riu. Então concorda?
- Seu pai não é destemido - Catelyn fez notar. - É bravo, mas isso é bem diferente.
O filho pesou aquilo por um momento.
- A tropa oriental será tudo o que estará entre Lorde Tywin e Winterfell - disse ele, pensativo - Bem, eles e o punhado de arqueiros que deixarmos aqui no Fosso. Portanto, não quero alguém destemido, certo?
- Não. Quer astúcia fria, julgo eu, e não coragem.
- Roose Bolton - disse Robb de imediato. - Aquele homem me assusta.
- Então oremos para que também assuste Tywin Lannister.
Robb assentiu e enrolou o mapa.
- Vou dar as ordens e reunir uma escolta para levá-la para Winterfell.
Catelyn lutara por manter-se forte, para o bem de Ned e deste teimoso e corajoso filho de ambos. Pusera de lado o desespero e o medo, como se fossem roupas que escolhera não vestir... mas agora descobria que afinal de contas as usava.
- Não vou para Winterfell - ouviu-se dizer, surpresa com a súbita torrente de lágrimas que lhe cobriu a visão. - Meu pai pode estar morrendo atrás das muralhas de Correrrio. Meu irmão está rodeado de inimigos. Tenho de ir encontrá-los.  

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