sexta-feira, 26 de julho de 2013

6 - CATELYN


Entre todos os quartos da Torre Grande de Winterfell, os aposentos de Catelyn eram os mais quentes. Ela raramente tinha de acender uma fogueira. O castelo tinha sido construído sobre nascentes naturais de água quente, e as águas escaldantes corriam pelas suas paredes e quartos como sangue pelo corpo de um homem, afastando o frio dos salões de pedra, enchendo os jardins de vidro com um calor úmido, impedindo o congelamento da terra. Lagoas ao ar livre fumegavam noite e dia numa dúzia de pequenos pátios. Isso, no verão, era coisa pouca; no inverno, era a diferença entre a vida e a morte.
O banho de Catelyn era sempre quente e cheio de vapor, e suas paredes, mornas ao toque. O calor lembrava-lhe Correrrio, dias ao sol com Lysa e Edmure, mas Ned nunca conseguira se habituar. Os Stark eram feitos para o frio, dizia-lhe, e ela ria e respondia que neste caso tinham certamente construído seu castelo no lugar errado.
Por isso, quando terminaram, Ned rolou e saltou para fora da cama, como já fizera mil vezes antes. Atravessou o quarto, afastou as pesadas tapeçarias e abriu as altas e estreitas janelas uma a uma, deixando entrar o ar da noite.
O vento rodopiou à sua volta quando parou para olhar a escuridão, nu e de mãos vazias. Catelyn puxou as peles até o queixo e o observou. Parecia de certo modo menor e mais vulnerável, como o jovem com quem se casara no septo de Correrrio havia quinze longos anos. Seus rins ainda doíam da urgência do amor. Era uma dor boa. Conseguia sentir a semente dele dentro de si. Rezou para que pudesse aí brotar. Tinham-se passado três anos desde Rickon. Ela não era velha demais. Podia lhe dar outro filho.
- Vou dizer-lhe que não - disse Ned quando se voltou de novo para ela. Tinha os olhos assombrados por fantasmas e a voz espessa de dúvidas.
Catelyn sentou-se na cama.
- Não pode. Não deve.
- Meus deveres estão aqui no Norte. Não tenho nenhum desejo de ser a Mão de Robert.
- Ele não o compreenderá. E agora um rei, e os reis não são como os outros homens. Se se recusar a servi-lo, ele quererá saber por que, e mais cedo ou mais tarde começará a suspeitar de que se opõe a ele. Não vê o perigo em que nos colocaria?
Ned abanou a cabeça, recusando-se a acreditar.
- Robert nunca me faria mal, nem a nenhum dos meus. Éramos mais próximos que irmãos. Ele me adora. Se lhe disser que não, ele rugirá, praguejará e estrondeará, e uma semana mais tarde estaremos juntos a rir do assunto. Conheço o homem!
- Conhece o homem - disse ela. - O rei é um estranho para você - Catelyn recordava o lobo gigante morto na neve, com o chifre quebrado profundamente alojado na garganta. Tinha de fazê-lo compreender. - O orgulho é tudo para um rei, meu senhor. Robert percorreu toda esta distância para vê-lo, para lhe trazer estas grandes honrarias, não pode atirá-las à cara.
- Honrarias? - Ned soltou uma gargalhada amarga.
- Aos seus olhos, sim - disse ela.
- E aos seus?
- Aos meus também - exclamou ela, agora zangada. Por que ele não compreendia? - Oferece o próprio filho em casamento à nossa filha, que outro nome daria a isso? Sansa pode vir um dia a ser rainha. Os filhos deles poderão governar da Muralha até as montanhas de Dorne. O que tem isso de errado?
- Deuses, Catelyn, Sansa tem só onze anos - Ned respondeu. - E Joffrey... Joffrey é... Ela acabou a frase por ele.
- ... príncipe da coroa e herdeiro do Trono de Ferro. E eu só tinha doze anos quando meu pai me prometeu ao seu irmão Brandon.
Aquilo trouxe um trejeito amargo aos lábios de Ned.
- Brandon. Sim. Brandon saberia o que fazer. Sabia sempre. Tudo estava destinado a Brandon. Você, Winterfell, tudo. Ele nasceu para ser Mão do Rei e pai de rainhas. Eu nunca pedi para que este cálice me fosse transmitido.
- Talvez não - disse Catelyn -, mas Brandon está morto, o cálice foi transmitido, e agora você deve beber dele, goste ou não.
Ned virou-lhe as costas, devolvendo o olhar à noite. E ficou observando talvez a lua e as estrelas, talvez as sentinelas na muralha. Então Catelyn enterneceu-se ao ver sua dor. Eddard Stark casara com ela ocupando o lugar de Brandon, como mandava o costume, mas a sombra do irmão morto ainda pairava entre eles tal como a outra, a sombra da mulher que dera à luz seu filho bastardo.
Preparava-se para se aproximar dele quando alguém bateu à porta, sonora e inesperadamente. Ned virou-se, franzindo o olho.
- Que é?
A voz de Desmond soou através da porta.
- Senhor, Meistre Luwin está lá fora e suplica uma audiência urgente.
- Disse-lhe que deixei ordens para não ser incomodado?
- Sim, senhor. Ele insiste.
- Muito bem. Mande-o entrar,
Ned atravessou o quarto na direção de um roupeiro e enfiou-se num roupão pesado. Catelyn subitamente percebeu como tinha ficado frio. Sentou-se na cama e puxou as peles até o queixo.
- Talvez devêssemos fechar as janelas - sugeriu. Ned anuiu de forma ausente. Meistre Luwin foi introduzido no aposento.
O meistre era um pequeno homem cinzento, como seus olhos, rápidos, que viam muito. Os cabelos, o pouco que os anos lhe tinham deixado, eram cinzentos. Sua toga era de lã cinza ornamentada com pelo branco, as cores dos Stark. As grandes mangas pendentes tinham bolsos escondidos no interior.
Luwin passava a vida a enfiar coisas nessas mangas e a delas extrair outras mais: livros, mensagens, estranhos artefatos, brinquedos para as crianças. Com tudo o que mantinha escondido nas mangas, Catelyn surpreendia-se de o Meistre Luwin ser capaz de erguer os braços.
O meistre esperou até que a porta fosse fechada atrás de si antes de falar.
- Meu senhor - disse a Ned -, perdoe-me por perturbar seu descanso. Foi-me deixada uma mensagem.
Ned parecia irritado.
- Foi-lhe deixada? Por quem? Chegou um cavaleiro? Não fui informado.
- Não houve nenhum cavaleiro, senhor. Apenas uma caixa de madeira esculpida, deixada sobre a mesa do meu observatório enquanto eu cochilava. Meus servos não viram ninguém, mas deve ter sido trazida por alguém da comitiva do rei. Não recebemos nenhum outro visitante vindo do Sul.
- Uma caixa de madeira, você diz? - falou Catelyn.
- Lá dentro vinha uma nova lente de qualidade para o observatório, aparentemente proveniente de Myr. Os fabricantes de lentes de Myr não têm igual.
Ned franziu a testa. Catelyn sabia que ele tinha pouca paciência para aquele tipo de coisa.
- Uma lente - disse. - Que tem isso a ver comigo?
- Fiz-me a mesma questão - disse o Meistre Luwin. - Era claro que havia ali mais do que parecia.
Sob o peso de suas peles, Catelyn estremeceu.
- Uma lente é um instrumento para auxiliar a visão.
- De fato, é - o meistre levou os dedos ao colar da sua ordem; uma corrente pesada, apertada em torno do pescoço sob a toga, com cada elo forjado de um metal diferente.
Catelyn podia sentir o terror a agitar-se de novo dentro dela.
- O que é que eles querem que vejamos mais claramente?
- Foi isto mesmo o que me perguntei. - Meistre Luwin retirou um papel muito bem enrolado de dentro da manga. - Encontrei a verdadeira mensagem escondida num fundo falso quando desmantelei a caixa em que a lente tinha vindo, mas não é para os meus olhos.
Ned estendeu a mão.
- Então dê-me.
Luwin não se mexeu.
- Meus perdões, senhor. A mensagem também não é para o senhor. Está marcada para os olhos da Senhora Catelyn, e apenas para ela. Posso me aproximar?
Catelyn anuiu, faltando-lhe a confiança necessária para falar.
O meistre colocou o papel na mesa ao lado da cama. Estava selado com uma pequena gota de cera azul. Luwin fez uma reverência e começou a retirar-se.
- Fique - ordenou-lhe Ned. Sua voz era grave. Olhou para Catelyn.
- Que se passa? Senhora, está tremendo.
- Tenho medo - ela admitiu. Esticou o braço e pegou na carta com mãos trementes. As peles caíram, revelando sua nudez olvidada. Na cera azul encontrava-se o selo do falcão e da lua da Casa Arryn, - É de Lysa - Catelyn olhou para o marido. - Não o deixará contente - ela disse ao marido. - Há dor nesta mensagem, Ned. Posso senti-la.
Ned franziu a sobrancelha, e uma sombra cobriu seu rosto.
- Abra-a.
Catelyn quebrou o selo.
Seus olhos moveram-se sobre as palavras. A princípio pareceu não encontrar nenhum sentido. Mas depois se recordou.
- Lysa não deixou nada ao acaso. Quando éramos meninas, tínhamos uma língua privada.
- Consegue lê-la?
- Sim - admitiu Catelyn.
- Então nos conte o que diz.
- Talvez deva me retirar - disse o Meistre Luwin.
- Não - Catelyn pediu. - Precisaremos do seu aconselhamento - atirou as peles para o lado e saiu da cama. Ao caminhar pelo aposento, sentiu na pele nua o ar da noite, tão frio como uma sepultura.
Meistre Luwin afastou o olhar. Até Ned pareceu chocado.
- Que está fazendo? - perguntou.
- Estou acendendo o fogo - ela informou. Encontrou um roupão e encolheu-se para dentro dele, ajoelhando-se depois junto à lareira fria.
- O Meistre Luwin... - começou Ned.
- O Meistre Luwin pôs no mundo todos os meus filhos - disse Catelyn. - Isto não é hora para falsos pudores - enfiou o papel entre os gravetos e colocou os troncos mais pesados por cima.
Ned atravessou o quarto, agarrou-lhe o braço e a pôs de pé.
Segurou-a assim, com o rosto a polegadas do dela.
- Minha senhora, diga! O que era esta mensagem?
Catelyn ficou tensa sob o aperto.
- Um aviso - disse com suavidade. - Se tivermos perspicácia para escutá-lo. Os olhos dele perscrutaram seu rosto.
- Prossiga.
- Lysa diz que Jon Arryn foi assassinado. Os dedos dele endureceram no seu braço.
- Por quem?
- Os Lannister - ela disse. - A rainha.
Ned largou o braço. Havia profundas marcas vermelhas na pele dela.
- Deuses - murmurou. Sua voz estava rouca. - Vossa irmã está doente de dor. Não pode saber o que diz.
- Mas sabe - disse Catelyn. - Lysa é impulsiva, sim, mas esta mensagem foi cuidadosamente planejada, e inteligentemente escondida. Ela sabia que, se a carta caísse nas mãos erradas, isto significaria a morte. Para arriscar tanto, deve ter mais que meras suspeitas - Catelyn olhou para o marido. - Agora realmente não temos escolha. Você tem de ser a Mão de Robert. Tem de ir com ele para o Sul e saber a verdade.
Viu de imediato que Ned tinha chegado a uma conclusão muito diferente.
- As únicas verdades que conheço estão aqui. O Sul é um ninho de víboras que eu faria bem em evitar.
Luwin puxou a corrente de seu colar no local onde lhe irritara a pele suave da garganta.
- A Mão do Rei possui grande poder, senhor. Poder para descobrir a verdade sobre a morte de Lorde Arryn, para trazer seus assassinos à justiça do rei. Poder para proteger a Senhora Arryn e seu filho, se o pior se confirmar.
Ned olhou desamparado em torno do aposento. O coração de Catelyn apiedou-se dele, mas sabia que ainda não podia tomá-lo nos braços. Primeiro a vitória tinha de ser conseguida, para o bem de seus filhos.
- Você diz que ama Robert como a um irmão. Gostaria de ver seu irmão rodeado pelos Lannister?
- Que os Outros levem os dois - murmurou Ned em tom sombrio. Virou-lhes as costas e foi até a janela. Ela nada disse, assim como o meistre. Esperaram, calados, enquanto Eddard Stark dizia um silencioso adeus à casa que amava. Quando por fim se afastou da janela, tinha a voz cansada, repleta de melancolia, e um leve brilho úmido nos cantos dos olhos. - Meu pai foi uma vez para o Sul, a fim de responder à convocatória de um rei. Nunca mais regressou para sua casa.
- Um tempo diferente - disse Meistre Luwin. - Um rei diferente.
- Sim - disse Ned com uma voz entorpecida. Sentou-se numa cadeira perto da lareira. -Catelyn, você ficará aqui em Winterfell.
As palavras foram como um sopro gelado que atravessava seu coração.
- Não - respondeu, de súbito temerosa. Seria aquela a sua punição? Nunca voltar a ver o rosto dele, nem sentir seus braços em volta do seu corpo?
- Sim - disse Ned, num tom de quem não toleraria discussões. - Deve governar o Norte em meu nome enquanto trato dos recados de Robert. Tem de haver sempre um Stark em Winterfell. Robb tem catorze anos. Em breve será homem feito. Tem de aprender a governar, e eu não estarei aqui para ajudá-lo. Faça-o tomar parte dos conselhos. Ele tem de estar pronto quando sua hora chegar.
- Que os deuses permitam que ela não chegue por muitos anos - murmurou Meistre Luwin.
- Meistre Luwin, confio em vós como no meu próprio sangue. Dê à minha esposa a sua voz em todas as coisas grandes e pequenas. Ensine a meu filho aquilo que ele precisa saber. O inverno está para chegar.
Meistre Luwin anuiu com gravidade. Então caiu o silêncio, até Catelyn reunir coragem e colocar a questão cuja resposta mais temia.
- E as outras crianças?
Ned levantou-se e tomou-a nos braços, trazendo-lhe o rosto para junto do seu.
- Rickon é muito novo - disse, com suavidade. - Deve ficar aqui contigo e com Robb. Os outros levarei comigo.
- Eu não suportaria - disse Catelyn, tremendo.
- Tem de suportar - disse ele. - Sansa deverá desposar Joffrey, isto é agora claro; não devemos lhes dar bases para suspeitar da nossa devoção. E já é mais que tempo de Arya aprender os costumes de uma corte do Sul. Dentro de poucos anos também ela estará em idade de casar.
Sansa brilharia no Sul, pensou Catelyn para si própria, e os deuses bem sabiam como Arya precisava de requinte. Relutantemente, abriu mão delas no coração. Mas Bran não. Bran nunca.
- Sim - disse -, mas, por favor, Ned, pelo amor que me tem, deixe que Bran fique aqui em Winterfell. Ele só tem sete anos.
- Eu tinha oito quando meu pai me enviou para ser criado no Ninho da Águia - ele respondeu. - Sor Rodrik me disse que existem maus sentimentos entre Robb e o Príncipe Joffrey. Isto não é saudável. Bran pode construir uma ponte sobre essa distância. É um rapaz amável, rápido para rir, fácil de amar. Deixe que cresça com os jovens príncipes, deixe que se torne seu amigo como Robert se tornou meu. Nossa Casa ficará mais segura assim.
Ele tinha razão, e Catelyn sabia. Mas isto não tornava a dor mais fácil de suportar. Então perderia todos os quatro: Ned e ambas as meninas, e o seu doce, amoroso Bran. Só lhe restariam Robb e o pequeno Rickon. Já se sentia só. Winterfell era um lugar tão vasto.
- Então mantenha-o longe das muralhas - ela disse com bravura. - Você sabe como Bran gosta de escalar.
Ned secou-lhe as lágrimas nos olhos com beijos, não lhes dando tempo de cair.
- Obrigado, senhora minha - murmurou. - Isto é duro, bem sei.
- E quanto a Jon Snow, senhor? - perguntou Meistre Luwin.
Catelyn retesou-se ao ouvir a menção ao nome. Ned sentiu a ira nela e afastou-se. Muitos homens eram pais de bastardos. Catelyn crescera com esse conhecimento. Não tinha sido surpresa para ela, no primeiro ano do casamento, saber que Ned fora pai de uma criança nascida de uma mulher qualquer, encontrada por acaso em campanha. Afinal de contas, tinha as necessidades de um homem, e os dois tinham passado aquele ano afastados, com Ned no Sul, na guerra, enquanto ela permanecia em segurança no castelo do pai, em Correrrio.
Seus pensamentos iam mais para Robb, o bebê que amamentava, do que para o marido, que pouco conhecia. Qualquer consolo que ele encontrasse entre batalhas era-lhe indiferente, e se algum bebê vingasse, ela esperava que Ned assegurasse as necessidades da criança.
Ele fez mais do que isso. Os Stark não eram como os outros homens. Ned trouxe o bastardo para casa consigo e chamou-o de "filho" para que todo o Norte ouvisse. Quando as guerras enfim terminaram e Catelyn viajou para Winterfell, Jon e sua ama de leite já tinham estabelecido residência.
O golpe foi profundo. Ned não falava da mãe, nem uma palavra, mas um castelo não tem segredos, e Catelyn escutou suas aias repetirem histórias que tinham ouvido dos maridos soldados. Segredavam sobre Sor Arthur Dayne, a Espada da Manhã, o mais mortífero dos sete cavaleiros da Guarda Real de Aerys, e sobre o modo como seu jovem senhor o tinha matado em combate singular. E contavam como Ned levara depois a espada de Sor Arthur à bela jovem irmã que o esperava num castelo chamado Tombastela, na costa do Mar do Verão. A Senhora Ashara Dayne, alta e de pele clara, com assombrosos olhos cor de violeta. Levara uma quinzena para reunir coragem, mas, por fim, uma noite na cama, Catelyn perguntara ao marido se aquilo era verdade, confrontando-o com a história.
Fora a única vez em todos os anos passados juntos em que Ned a assustara.
- Nunca me pergunte sobre Jon - ele dissera, frio como gelo. - É do meu sangue, e é tudo o que precisa saber. E agora vou saber onde ouviu esse nome, minha senhora - ela tinha jurado obedecer. Cumprira a promessa. E a partir daquele dia os segredos pararam, e o nome de Ashara Dayne nunca mais voltou a ser ouvido em Winterfell.
Quem quer que tivesse sido a mãe de Jon, Ned devia tê-la amado ferozmente, pois nada do que Catelyn dizia era capaz de convencê-lo a mandar o rapaz embora. Era a única coisa que nunca lhe perdoaria. Tinha acabado por amar o marido de todo o coração, mas nunca encontrara em si lugar para amar Jon. Por Ned, poderia ter ignorado uma dúzia de bastardos, desde que fossem mantidos longe de sua vista. Jon nunca estava longe da vista, e à medida que crescia ficava mais parecido com o pai do que qualquer um dos filhos legítimos que lhe dera. De algum modo isso tornava as coisas piores.
- Jon tem de ir - ela dizia agora.
- Ele e Robb são próximos - disse Ned. - Tive esperança...
- Ele não pode ficar aqui - disse Catelyn, interrompendo-o. - É seu filho, não meu. Não o quero aqui - ela sabia que era duro, mas não menos verdade por isso. Ned não faria bem algum ao rapaz deixando-o em Winterfell.
O olhar que Ned lhe deitou foi de angústia.
- Sabe que não posso levá-lo para o Sul. Não haverá lugar para ele na corte. Um rapaz com nome de bastardo... Sabe o que dirão dele. Será posto de lado.
Catelyn fortificou o coração contra o apelo mudo nos olhos do marido.
- Diz-se que seu amigo Robert foi pai de uma dúzia de bastardos.
- E nenhum deles foi algum dia visto na corte! - exclamou Ned. - A Lannister assegurou-se disso. Como pode ser tão cruel, Catelyn? Ele não passa de um rapaz. Ele...
Ele tinha a fúria no corpo. Poderia ter dito mais, e pior, mas Meistre Luwin intrometeu-se:
- Outra solução se apresenta - disse, com voz calma. - O vosso irmão Benjen veio há alguns dias falar-me de Jon. Parece que o rapaz aspira a vestir negro.
Ned pareceu chocado.
- Ele pediu para se juntar à Patrulha da Noite?
Catelyn nada disse. Que Ned trabalhe sozinho a ideia em sua mente; sua voz não seria agora bem-vinda. Mas de bom grado teria beijado o meistre naquele momento. Aquela era a solução perfeita. Benjen Stark era um Irmão Juramentado.
Jon seria para ele um filho, o filho que nunca teria. E a seu tempo, o rapaz faria também o juramento. Não seria pai de filhos que poderiam um dia competir com os netos de Catelyn pela posse de Winterfell.
Meistre Luwin disse:
- Existe grande honra no serviço na Muralha, senhor.
- E mesmo um bastardo pode erguer-se a grande altura na Patrulha da Noite - refletiu Ned. Apesar disso, sua voz estava perturbada. - Jon é tão novo. Se o tivesse pedido depois de ter se tornado homem feito, seria uma coisa, mas um rapaz de catorze anos...
- É um sacrifício duro - concordou Meistre Luwin. - Mas estes são tempos duros, senhor. O caminho dele não é mais cruel que o vosso ou o da vossa senhora.
Catelyn pensou nos três filhos que teria de perder. Não foi fácil se manter em silêncio. Ned virou-lhes as costas para olhar pela janela, com o longo rosto silencioso e pensativo. Por fim, suspirou e voltou a virar-se.
- Muito bem - disse a Meistre Luwin. - Suponho que é o melhor. Falarei com Ben.
- Quando devemos dizê-lo a Jon? - perguntou o meistre.
- Quando tiver de ser. Há que se fazer preparativos. Passará uma quinzena antes de estarmos prontos para partir. Prefiro deixar Jon usufruir destes últimos dias, O fim do verão já está próximo, e o da infância também. Quando o momento certo chegar, comunicarei a ele eu próprio.  

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