Na
segunda metade de Junho desse ano chegou uma carta de Della Wetherby
para Pollyanna.
"Estou
a escrever-lhe para lhe pedir um favor. Tenho a esperança de que me
possa indicar alguma família tranquila em Beldingsville, que esteja
disposta a hospedar a minha irmã durante o Verão. Seriam três
pessoas Mrs. Carew, a sua secretária e o seu filho adotivo, Jamie.
Eles não
querem ir para um hotel nem para uma pensão. A minha irmã está
muito cansada e o médico aconselhou-a a ir para o campo repousar:
Ele sugeriu Vermont ou New Hampshire. Por isso, pensamos
imediatamente em Beldingsville e em si. E aqui estou a perguntar-lhe
se nos pode recomendar um lugar adequado. Eu disse a Ruth que lhe ia
escrever: Eles gostariam de partir já no principio de Julho, se
possível. Seria abusar de si, pedir-lhe que nos informasse logo que
soubesse de um local? Por favor responda para mim, aqui para o
Sanatório. A minha irmã está conosco para algumas semanas de
tratamento.
Aguardo
resposta. Saudades,
Della
Wetherby. "
Após os
primeiros minutos, concluída a leitura da carta, Pollyanna sentou-se
de sobrolho franzido, pensando em casas de Beldingsville que pudessem
hospedar os seus amigos. De repente ocorreu-lhe outra coisa, muito
diferente, que a fez correr de alegria à sala de estar, onde a tia
curtia os seus prantos.
- Tia,
tive uma ideia ótima. Eu bem lhe disse que alguma coisa acabaria por
acontecer. Ouça só! Recebi uma carta de Mrs. Wetherby, a irmã de
Mrs. Carew, com quem fiquei há anos, no Inverno, em Boston.
Lembra-se? Elas querem vir passar o Verão ao campo e Mrs. Wetherby
escreveu-me a pedir se eu lhes podia arranjar um lugar. Não querem
ir para um hotel nem para uma pensão. De princípio não me lembrei
onde podia ser, mas agora já sei. Eureca! Adivinhe onde, tia?
- Oh,
querida, que excitação? - exclamou Mrs. Chilton - Nem parece teres
vinte anos. De que estás tu agora a falar?
- Sobre a
casa onde hospedar Mrs. Carew e o Jamie.
- Ah,
sim? E então? Em que é que isso me pode interessar? - murmurou Mrs.
Chilton, alheada.
- Ora,
porque é aqui mesmo. Vamos tê-los aqui, tia.
-
Pollyanna! - Mrs. Chilton levantou-se muito hirta e horrorizada.
- Ouça
tia, por favor não diga que não. Por favor! - pediu Pollyanna,
ansiosa. - Não está a ver? É a minha oportunidade, a oportunidade
que eu já esperava. Podemos muito bem fazer isso. Temos imenso
espaço e sabe que eu posso cozinhar e arrumar a casa. Receberemos
dinheiro pois eles pagam bem. Adorariam vir para cá, tenho a
certeza. São três pessoas, vem uma secretária com eles.
- Mas,
Pollyanna, eu não posso! Não posso transformar esta casa numa
pensão! O solar dos Harrington não se pode tornar numa mera pensão.
Não Pollyanna, não pode ser!
- Não,
tia não seria uma pensão vulgar, mas antes uma pensão invulgar.
Diacho, e são nossos amigos! Amigos que nos visitam... embora como
clientes, a pagar! Ganharíamos assim algum dinheiro, que tanto
necessitamos, tia!
O rosto
de Polly Chilton foi atravessado por um espasmo de orgulho ferido.
Com um lamento em voz baixa encostou-se na cadeira.
- Mas,
como, querida? - perguntou finalmente, com voz sumida. - Como podes
tu fazer o trabalho todo sozinha?
- Não,
claro que não! - disse Pollyanna, já mais segura de ter convencido
a tia. - Eu cozinhava e governava a casa, e tenho a certeza que uma
das irmãs mais novas de Nancy nos podia ajudar no resto. Mrs. Durgin
podia lavar a roupa, como faz agora.
- Mas,
Pollyanna, eu não me sinto nada bem e não posso fazer grande coisa.
- Não,
claro que não e não há razão nenhuma para que faça - disse
Pollyanna meio a brincar. - Oh, tia! Não vai ser tão bom? Até acho
demasiado bom para ser verdade. O dinheiro vir ter-me às mãos,
assim!
- Vir-te
ter às mãos? Ainda tens de aprender muita coisa neste mundo,
Pollyanna. Uma delas é que os hóspedes de Verão não pagam nada a
ninguém sem obter bastante em troca. Atualmente, já cozinhas,
arrumas e limpas a casa, e ficas esgotada. Depois, nem sei como será.
Vais derrear-te a servir as pessoas e a pôr a casa em ordem. Depois
me contas!
- Está
bem! - disse Pollyanna, já alegre. Então vou escrever imediatamente
a Miss Wetherby, de modo a que o Jimmy Bean possa meter a carta no
correio, quando vier à tarde.
Mrs.
Chilton olhou inquieta.
-
Pollyanna, não gosto que chames a esse jovem tal nome. "Bean"
faz-me estremecer. Porque não Pendleton, tanto quanto eu sei?
- Pois é
- concordou Pollyanna -, esqueço-me quase sempre. Ele também não
gosta... - concluiu, já a sair da sala, a dançar.
Quando
Jimmy veio visitá-la, às quatro da tarde, a carta estava pronta.
Ainda tremia de entusiasmo e anseio e contou imediatamente a história
ao seu visitante.
- Estou
morta por os ver - exclamou ela após lhe ter contado os seus planos.
- Desde aquele Inverno que não os vejo. Acho que lhe contei tudo
sobre o Jamie, não foi?
- Sim,
sim, contou. - Havia certo constrangimento na voz do jovem.
- Não é
esplêndido que eles possam vir?
- Não
vejo porque há-de ser esplêndido.
- Então
não tenho uma oportunidade tão boa para ajudar a tia Polly, mesmo
que seja por pouco tempo? Claro que é esplêndido, Jimmy!
- E muito
duro para si - disse ele empertigado e incomodado.
-
Acredito que sim. Mas ficarei contente por causa do dinheiro. Estou
sempre a pensar nisso. Sou mesmo mercenária, Jimmy!
Durante
um minuto não se ouviu resposta. Depois, um pouco de repente, o
jovem perguntou:
- Que
idade tem esse Jamie?
Pollyanna
olhou-o com um sorriso feliz.
- Ah, já
me lembro, nunca gostou do nome dele, mas não interessa. Agora é
adotado e deve ter tomado o nome de Carew.
- Pois,
mas não me disse que idade ele tem.
- Creio
que ninguém o sabe, exatamente. Admito, porém, que seja mais ou
menos da sua idade. Gostaria de saber como está ele agora. De
qualquer modo, nesta carta pergunto isso tudo.
- Ah,
pergunta?
Pendleton
olhou a carta que tinha na sua mão e sacudiu-a com algum desprezo.
Apetecia-lhe deixá-la cair, rasgá-la ou sumi-la mesmo. Deitá-la no
correio é que não.
Jimmy
sabia perfeitamente bem que estava com ciúmes e que sempre tinha
tido ciúmes desse jovem de nome tão parecido e ao mesmo tempo tão
diferente do seu. Não que ele estivesse apaixonado por Pollyanna.
Assim, o afirmava veementemente a si próprio. Só que também não
estava nada interessado em que esse estranho, de nome efeminado,
viesse para Beldingsville transtornar os bons momentos que eles
passavam juntos. Por pouco não o disse a Pollyanna. Até que se
despediu, levando a carta consigo.
Realmente,
Jimmy não deu azo aos seus maus pensamentos sobre o encaminhamento
da carta, pois, alguns dias mais tarde, Pollyanna recebeu uma rápida
resposta, encantada, de Miss Wetherby, e quando Jimmy foi visitá-la
já teve de ouvir falar dela, dado que Pollyanna a resumiu nestes
termos:
- Na
primeira parte diz que está contentíssima por poderem vir. No
resto, fala de pormenores sem interesse para si. Além disso, em
breve, vai conhecê-los. Acredite, confio bastante em si, Jimmy, para
me ajudar a acompanhá-los e a tornar as coisas mais agradáveis para
eles.
- Ah
está?
-
Peço-lhe que não seja sarcástico, só porque não gosta do nome do
Jamie! - recomendou Pollyanna, fingindo-se severa. - Você, de
certeza, vai gostar dele quando o conhecer. E há-de adorar Mrs.
Carew.
- Acha
que sim? - retorquiu Jimmy amuado. - É uma boa previsão! Espero ao
menos que, se eu o fizer, você me corresponda com simpatia.
- Mas é
claro. Agora ouça, não resisto, vou ler-lhe sobre Mrs. Carew. A
carta é da irmã, Miss Wetherby, que trabalha no Sanatório.
- Está
bem! - disse Jimmy, numa tentativa de mostrar educadamente interesse.
Pollyanna,
sorridente e também ansiosa, começou a ler:
"Pediu-me
que lhe contasse tudo acerca de toda a gente. Isso é uma grande
tarefa, todavia farei o melhor que puder. Para começar, penso que
encontrará a minha irmã muito modificada. Os novos interesses que
entraram na sua vida nos últimos seis anos fizeram milagres.
Atualmente está um pouco magra e cansada, por excesso de trabalho,
mas um bom repouso remediará isso e há-de ver como ela parece jovem
e alegre. Por favor, repare que eu disse alegre. Isso, para si, não
significa tanto como significa para mim, evidentemente, pois era
demasiado nova para compreender como ela era triste e infeliz quando
a conheceu naquele Inverno, em Boston. Então, a sua vida, não
passava de indiferença e desespero, enquanto agora se apresenta
cheia de interesse e alegria.
Primeiro,
adotou o Jamie. Quando os vir juntos compreenderá logo o que ele
representa para ela. Continuamos sem saber se ele é o verdadeiro
Jamie, ou não, mas minha irmã gosta dele como se fosse o seu
próprio filho e adotou-o legalmente, como calculo que saiba.
Depois
tem as suas moças. Lembra-se da Sadie Dean, a empregada de balcão?
Interessou-se por ela e procurou ajudá-la, proporcionando-lhe uma
vida melhor. Depois, aumentou os seus esforços, pouco a pouco, e
presentemente tem imensas moças que a consideram como o
anjo-da-guarda. Abriu um lar, para moças trabalhadoras, em moldes
novos. A sua principal auxiliar é a secretária, a Sadie Dean.
Também a irá achar bastante mudada embora continue a ser a mesma
Sadie.
Quanto ao
Jamie, pobre Jamie! A maior tristeza da sua vida é que, agora, sabe
que não mais poderá andar. Mas para quem conviva com Jamie,
raramente o vê como um aleijado. Que alma a dele! Livre! É
inexplicável, mas há-de perceber o que quero dizer quando o vir.
Além disso, ele conservou maravilhosamente o seu entusiasmo de rapaz
e a alegria de viver. Só há uma coisa que poderia extinguir o seu
humor e lançá-lo no desespero. Seria descobrir que não é Jamie
Kent, o nosso sobrinho. Ele tem-no desejado tão ardentemente que,
presentemente, acredita de fato ser o verdadeiro Jamie. Mas, se não
for, espero que nunca o venha a descobrir.
- Aqui
está, é tudo o que ela diz sobre eles - anunciou Pollyanna,
dobrando a carta. - Não é interessante?
- Sim,
claro! - Agora, havia algo de genuíno na voz de Jimmy. Pensava no
que representavam para si as suas pernas. Já não fazia caso de que
esse pobre jovem aleijado beneficiasse de alguma atenção de
Pollyanna, desde que ela não exagerasse!
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