Os dias
que antecederam a chegada "dessa gente incomodativa", como
a tia Polly designava os hóspedes da sobrinha, foram dias muito
trabalhosos para Pollyanna, mas foram também dias alegres, pois ela
não se deixava desanimar por mais difíceis que fossem os problemas
a resolver.
Tendo
convocado Nancy e a irmã mais nova desta, Betty, para a ajudar,
Pollyanna percorreu sistematicamente a casa, quarto por quarto e
preparou tudo com muito esmero para o maior conforto e comodidade dos
seus tão desejados hóspedes. Mrs. Chilton pouco ou nada podia
ajudar, ou porque não se sentia bem, ou porque a sua atitude mental,
em relação àquela ideia não era de todo favorável, já pelo seu
orgulho doentio, já por preconceitos atávicos. Murmurava
constantemente:
- Ai,
Pollyanna, Pollyanna, só de pensar que o solar dos Harrington se vai
tornar nisso!
- Que tem
de mal? - procurou Pollyanna apaziguá-la, rindo. - São os Carew que
vêm para o solar dos Harrington!
Mas Mrs.
Chilton não achou graça nenhuma e apenas respondeu com um olhar de
desprezo e um grande suspiro, que a sobrinha aproveitou para se
retirar e deixá-la sozinha.
No dia
combinado, Pollyanna, acompanhada de Thimoty, que era agora dono dos
antigos cavalos dos Harrington, dirigiram-se à estação para
esperar o comboio da tarde. Até aí, no coração de Pollyanna só
havia confiança e alegre expectativa. Mas, ao ouvir o barulho da
locomotiva, sentiu-se tomada de um verdadeiro pânico, cheia de
dúvidas, desalentada. Compreendeu de súbito a situação na exata
dimensão. Viu-se pouco mais que só. Lembrou-se da riqueza, da
posição e dos gostos requintados de Mrs. Carew. Veio-lhe à
lembrança o Jamie, certamente mais crescido e diferente do rapazito
que conhecera. Foram momentos horríveis, em que só lhe apetecia
fugir dali.
-
Thimoty, sinto-me mal. Diga-lhes que não pude vir - disse ela
gaguejando, preparando-se para se ir embora.
- Minha
senhora! - exclamou Thimoty, espantado.
Porém,
bastou a Pollyanna olhar para o rosto espavorido de Thimoty. Riu-se e
empertigou-se toda.
- Pronto,
não foi nada! Estão quase a chegar - disse ela embaraçada e de voz
ofegante. Não tardou que Pollyanna os reconhecesse imediatamente. Se
tivesse alguma dúvida, as muletas nas mãos de um jovem alto, de
cabelos castanhos, identificariam as pessoas que aguardava.
Durante
alguns minutos cumprimentaram-se. E logo a seguir Pollyanna deu
consigo na charrete com Mrs. Carew a seu lado e Jamie e Sadie Dean
diante de si. A realidade mostrava-lhe agora os seus amigos e não
deixava de notar-lhes as alterações que em seis anos se tinham
produzido.
Quanto a
Mrs. Carew, o primeiro sentimento foi de surpresa. Já se tinha
esquecido que ela era tão simpática. Também não se recordava que
as suas pestanas fossem tão longas e os olhos tão bonitos. Até deu
consigo a pensar, invejosamente, como aquele rosto estava de acordo
com as medidas do artigo da revista que lera. E, acima de tudo,
alegrava-se por não lhe ver os mínimos indícios de tristeza ou
amargura.
Depois,
apreciou Jamie. Também com ele ficou surpreendida. De fato,
tornara-se bonito, e tinha mesmo um ar realmente distinto. Quando se
fixou nas muletas, a seu lado, é que a garganta se lhe contraiu, com
um espasmo de compaixão.
De Jamie,
Pollyanna virou-se para a Sadie Dean. Quanto às linhas do seu rosto,
pareciam-lhe bastante as da moça que conhecera em Boston. Mas não
foi preciso uma segunda observação para perceber que Sadie, quanto
ao cabelo e à maneira de vestir, e sobre o discurso e a disposição
era uma Sadie bem diferente, para melhor, claro.
Foi,
porém, o Jamie que iniciou a conversa mais substancial.
- Que bom
que foi oferecerem-nos a vossa casa - dirigiu-se ele a Pollyanna. -
Nem queira saber o que eu pensei e como me senti quando escreveu a
dizer que podíamos vir!
- Que
foi, então? - perguntou Pollyanna hesitante, de olhos fixos nas
muletas, e continuando a sentir a garganta apertada.
- Pensei
na rapariguinha do Jardim Público com o seu saco de amendoins para
Sir Lancelot e Lady Guinevere. Sabia que nos estava a colocar no
lugar deles, pois se então tinha um saco de amendoins e nós não
tínhamos nenhum não ficaria contente enquanto não os dividisse
conosco.
- Um saco
de amendoins? - disse Pollyanna a rir.
- Bom,
neste caso, o saco de amendoins são quartos arejados no campo, leite
de vaca e ovos a sério - continuou Jamie extravagantemente. - Mas
vai dar ao mesmo. E é bom que a avise... Lembra-se de como o Sir
Lancelot estava sempre esfomeado?
- Está
bem, eu assumo o risco - disse Pollyanna, pensando como estava
satisfeita por a tia Polly não estar presente para ouvir a
confirmação das suas piores previsões assim tão cedo. - Pobre Sir
Lancelot! Alguém lhe dará ainda de comer?
- Se for
vivo alguém lhe há-de dar de comer - interpôs-se Mrs. Carew, bem
disposta. - Este trouxa ainda lá vai uma vez por semana. Não tenho
dúvidas, porque quando quero flocos para o café da manhã, e não
há, dizem-me: "O senhor Jamie deu-os de comer aos pombos, minha
senhora! "
- Mas,
deixe-me que lhe diga. - intrometeu-se Jamie, entusiasmado.
E
Pollyanna pôs-se a ouvi-lo, com todo o antigo fascínio, contar a
história de um par de esquilos num jardim iluminado pelo Sol. Para
grande alívio de Pollyanna, o primeiro e receado encontro entre a
tia Polly e os Carew, correu melhor do que pensara. Os recém-chegados
estavam tão encantados com a casa antiga e tudo o que nela existia,
que era impossível a proprietária continuar numa atitude rígida
diante deles. Além disso, logo se tornou evidente que o encanto e
magnetismo pessoais de Jamie quebraram a própria armadura de
desconfiança da tia Polly. Pollyanna respirou fundo assim que se
apercebeu de que a tia Polly começara a desempenhar o papel de
simpática anfitriã destes hóspedes.
Apesar do
seu alívio pela alteração de comportamento da atitude da tia,
Pollyanna sabia que ainda havia obstáculos a superar, mormente o
trabalho a ter. A irmã de Nancy apareceu, mas não era a mesma coisa
que a Nancy, como depressa se viu. Além de inexperiente, era lenta.
Pollyanna estava receosa que as coisas não corressem pelo melhor. A
sua incerteza era tal, que, para si, uma cadeira com pó era um crime
e um bolo caído ao chão uma tragédia.
Gradualmente,
porém, depois de muito instada por Mrs. Carew e por Jamie, Pollyanna
passou a encarar os afazeres mais calmamente, aprendendo que os seus
temores aos olhos dos amigos não eram uma cadeira com pó ou um bolo
caído, mas sim a expressão de preocupação e ansiedade do seu
rosto, o que muito preocupava os visitantes.
- Como se
não fosse suficiente deixar-nos vir! afirmou Jamie. - Acredite, não
queremos que se mate a trabalhar só para nos dar de comer.
- Além
disso, não comemos muito - interveio Mrs. Carew a rir - senão
arranjamos uma "digestão" como diz uma das minhas moças
quando a comida não lhe cai bem.
Afinal,
os novos membros da família adaptaram-se maravilhosamente ao
quotidiano da casa. Ainda não tinham passado 24 horas e Mrs. Carew
ouvia Mrs. Chilton manifestar interesse sobre o seu novo lar para
moças trabalhadoras; e Sadie Dean e Jamie discutiam sobre a
possibilidade de ajudarem a descascar ervilhas ou a apanhar flores.
Os Carew
já estavam no solar dos Harrington há quase uma semana, quando uma
noite John Pendleton e Jimmy vieram de visita. Pollyanna já os
esperava, porque, com efeito, antes dos Carew chegarem, ela
tinha-lhes pedido muito que viessem. Foi, pois, orgulhosa que fez as
apresentações.
- São
tão meus amigos que quero que se conheçam bem e que sejam também
amigos entre si - auspiciou ela.
Pollyanna
não ficou nada surpreendida por Jimmy e Mr. Pendleton ficarem
impressionados com o encanto e a beleza de Mrs. Carew. Mas a
expressão que surgiu no rosto de Mrs. Carew, ao ver Jimmy,
surpreendeu-a. Dir-se-ia ter sido uma expressão de reconhecimento.
- Não
nos encontrámos já antes, Mr. Pendleton? - exclamou Mrs. Carew.
Jimmy
olhou-a espantado e respondeu:
- Penso
que não. Ou melhor, tenho a certeza que não. De contrário,
tê-la-ia reconhecido - disse, com uma saudação respeitosa.
A sua
expressão foi tão enfática que todos riram. E John Pendleton
galhofou:
- Muito
bem, muito bem, meu filho! Eu não o conseguiria fazer tão bem!
Mrs.
Carew corou ligeiramente, sem deixar de rir com os outros.
- Olhe, a
sério! - insistiu ela. - Fora de brincadeiras. Existe algo de
extremamente familiar no seu rosto! Juraria que já o vi algures, se
não o encontrei mesmo!
- Quem
sabe! - interpôs-se Pollyanna. - Talvez em Boston. Jimmy estuda lá
engenharia. Vai construir pontes e barragens quando crescer! -
concluiu ela, com alegria, olhando o rapaz com um metro e oitenta,
ainda de pé diante de Mrs. Carew.
Todos
voltaram a rir, com excepção de Jamie. E só Sadie Dean reparou que
Jamie em vez de rir, fechou os olhos, como se alguma coisa o
magoasse. E só ela sabia porquê, daí que procurasse logo mudar de
assunto. Não surpreendeu, pois, que começasse a falar de livros,
flores, animais e pássaros, coisas que Jamie conhecia e compreendia.
De fato, ninguém se dera conta dessa manobra de Sadie, nem mesmo
Jamie.
Quando os
Pendleton se despediram, Mrs. Carew voltou novamente à sensação
curiosa de que já tinha visto o jovem Pendleton.
- Tenho a
certeza que já o vi - declarou, ela pensativa. - Pode ter sido em
Boston, mas. - não concluiu a frase e acrescentou: - É um bonito
rapaz! Gosto dele!
-
Coincide com o meu gosto, também gosto muito dele! - disse
Pollyanna. - Aliás sempre gostei do Jimmy.
- Já o
conhece há muito, não? - perguntou Jamie um pouco triste.
- Sim,
conheci-o há anos, quando era menina. Chamava-se então Jimmy Bean.
- Jimmy
Bean! Porquê? Ele não é filho de Mr. Pendleton? - perguntou Mrs.
Carew surpreendida.
- Não.
Só por adoção.
- Adoção?
- inquiriu Jamie. - Então ele não é filho autêntico, tal como eu?
- na voz do rapaz notava-se uma curiosa alegria.
- Não.
Mr. Pendleton não tem filhos. Nunca foi casado.
Pollyanna
calou-se de súbito, notando-se que algo mais teria para dizer, o que
não passou despercebido a Mrs. Carew e Jamie, que, desconhecendo as
causas, se perguntaram a eles próprios: "Será possível que
aquele homem, John Pendleton, se tenha apaixonado por Pollyanna?"
Naturalmente
que foi dúvida que lhes ficou no íntimo e portanto não pôde ser
confirmada, embora não ficasse esquecida.
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