Antes dos
Carew chegarem, Pollyanna dissera a Jimmy que estava a contar com ele
para a ajudar a entretê-los. Jimmy não se tinha manifestado
excessivamente desejoso disso, mas ainda os visitantes não estavam
no solar há quinze dias, já ele se mostrava não só interessado
mas ansioso por poder ser útil, a julgar pela frequência e duração
das suas visitas e pela insistência em pôr à disposição dos
hóspedes os cavalos e os automóveis dos Pendleton.
Entre ele
e Mrs. Carew estabeleceu-se uma amizade encantadora baseada no que
parecia ser uma forte atração mútua. Passeavam e conversavam
juntos e faziam até planos para o lar das moças trabalhadoras, a
inaugurar no Inverno seguinte, quando Jimmy estivesse em Boston.
Jimmy não
estava só nas suas propostas de diversão. Cada vez mais
frequentemente, John Pendleton aparecia com ele. Planejavam passeios
a cavalo e de automóvel bem como piqueniques, passando tardes
encantadoras lendo livros e fazendo tricô na varanda dos Harrington.
Pollyanna
estava encantada. Não só os hóspedes eram entretidos, desviando-os
de possibilidade de sentirem saudades de casa, como por sua vez se
tornaram amigos de outros bons amigos, os Pendleton. Assim,
tal-qualmente uma galinha com os seus pintos, ela encorajava as
reuniões na varanda e fazia tudo o que podia para manter o grupo
unido e contente. E o Verão foi decorrendo alegre e
descontraidamente.
Porém,
Pollyanna adivinhava em Jamie alguma amargura subjacente, que antes
não vira. Bem percebia que, de vez em quando, ele parecia quase
querer evitar os outros e suspirava, como se ficasse aliviado, quando
se encontrava a sós com ela. E a razão desse comportamento mais se
lhe arreigou no espírito quando uma vez ao observarem os outros a
jogar tênis, ele lhe disse:
- Sabe,
não há ninguém que me compreenda tão bem como a Pollyanna.
- Que o
compreenda?
- Sim,
porque a Pollyanna em tempos também não pôde andar.
- Ah,
sim, é verdade! - disse Pollyanna, hesitante, percebendo que a sua
amargura devia ter transparecido uma vez que ele mudou rapidamente de
assunto:
- Então,
Pollyanna, porque não me convida a jogar o jogo? No seu lugar, era
isso que eu diria. Não, por favor, esqueça! Fui um bruto ao
falar-lhe nisso. Esqueça!
Pollyanna
sorriu e rematou: - Não, não! - mas nunca mais se esqueceu, e ficou
até mais ansiosa por estar com Jamie e por o ajudar em tudo que
pudesse.
- Jamais
poderei deixar que ele perceba que eu não fico contente quando está
comigo!
Pollyanna,
porém, não era a única no grupo que sentia tal constrangimento.
Jimmy Pendleton também o sentia embora procurasse escondê-lo.
Jimmy,
naquela altura, não se sentia feliz. Com uma juventude despreocupada
e perspectivas que deixavam antever o melhor, ele tornou-se ansioso e
também receoso que o rival lhe levasse a moça que amava.
Jimmy já
não duvidava que estava apaixonado por Pollyanna. E esse sentimento
era tão evidente, que ficava estupefato ao ver-se tão afetado e
impotente face ao que lhe estava a acontecer. Sabia que as suas
simpáticas pontes nada valiam quando comparadas com um sorriso de
Pollyanna. Tinha consciência, isso sim, de que a ponte mais
maravilhosa do mundo seria aquela que o ajudasse a atravessar o
receio e a dúvida que sentia existir entre si e Pollyanna. Dúvida
por causa de Pollyanna, receio por causa de Jamie.
Interrogava-se
sobre se Pollyanna gostaria de Jamie. E admitia que sim. A questão
que se lhe punha era se deveria ficar de parte, como um fraco, e
deixar que Jamie a fizesse gostar ainda mais dele. Isso sim,
revoltava-o. Jimmy decidiu que não haveria de ser assim. Iria para
uma luta justa entre ambos.
No
entanto, Jimmy sentiu-se corar até à raiz dos cabelos. Como uma
luta "justa"? Seria possível haver uma luta "justa"
entre ele e Jamie? Sobreveio-lhe de súbito o mesmo que sentira há
anos, ainda rapaz, quando desafiou outro para brigar por uma maçã
que ambos desejavam e depois descobriu, ao primeiro soco, que o outro
era aleijado de um braço. Perdeu propositadamente. Mas, agora, dizia
para consigo, era diferente. Pollyanna não era propriamente uma
maçã. Era a felicidade da sua vida; e certamente também a dela.
E mais
uma vez, Jimmy voltou a corar, ao mesmo tempo que franzia a testa,
zangado. Se ao menos conseguisse esquecer a expressão lamentosa do
Jamie, "amarrado a duas muletas"! Mas de que serviria? Nem
por isso seria uma luta justa, bem o sabia. Portanto, decidia: iria
observar e esperar. Daria a Jamie a sua oportunidade. Sim senhor, que
atitude bonita e heroica! Jimmy estava tão exaltado que se sentiu
quase feliz, adormecendo em paz nessa noite. Porém, o martírio na
prática é uma coisa e na teoria outra. Assim o verificaram os
mártires desde tempos imemoriais. Foi fácil decidir, sozinho e no
escuro, que o Jamie teria a sua oportunidade. Mas já não era tão
fácil fazê-lo na prática, quando isso implicava deixar Pollyanna e
Jamie juntos.
Jimmy
também estava preocupado com a atitude de Pollyanna, em relação ao
jovem aleijado. Para Jimmy parecia que ela de fato gostava de Jamie,
pelo zelo que mostrava em relação ao conforto dele e pela ânsia
que parecia ter em estar com ele. Um dia como se fosse para desfazer
qualquer dúvida que ainda existisse, Sadie Dean teve algo a dizer
sobre o assunto.
Estavam
todos na quadra de tênis. Sadie estava sentada sozinha quando Jimmy
apareceu.
- Joga a
seguir com Pollyanna? - perguntou-lhe Jimmy.
Ela
respondeu que não.
-
Pollyanna não joga mais esta manhã.
- Não
joga mais? - perguntou Jimmy surpreendido, pois contava jogar com ela
mais tarde. - Porque não?
Sadie
Dean não respondeu logo, desabafando com alguma dificuldade:
-
Pollyanna disse-me ontem que estavam a jogar tênis de mais e que
isso não era simpático para Mr. Carew pois ele não podia jogar.
- Eu sei,
mas. - Jimmy não chegou a concluir, franzindo ainda mais a testa,
pois Sadie Dean interrompeu-o.
- Mas ele
não quer que ela pare de jogar. Aliás não quer que nenhum de nós
se comporte de modo diferente por sua causa. É isso que o magoa. Mas
ela não compreende!
Ouve algo
nas palavras e nos modos dela que causou viva impressão em Jimmy.
Uma pergunta aflorou-lhe os lábios. Era visível que se refreava,
decerto preocupado, mas perguntou:
- Porquê,
Miss Dean? Acha que existe algum interesse especial entre eles?
Ela
olhou-o de modo trocista.
- Onde
tem os olhos? Ela adora-o! Melhor, eles adoram-se! - corrigiu
apressadamente.
Jimmy,
fora de si, virou-se e afastou-se. Não queria ficar ali mais tempo,
a falar com Sadie Dean. Por isso se afastou tão depressa que nem
reparou que Sadie Dean também se virara e olhava fixamente para a
relva. Era bem evidente que também ela não queria continuar a
conversa.
Jimmy
Pendleton tentou se convencer de que aquilo não era verdade. No
entanto, verdade ou não, não conseguia esquecer.
Procurou
ser mais otimista, mas ressentia-se sempre que via Pollyanna e Jamie
juntos. Até que acabou por achar que, afinal, era verdade e que se
adoravam realmente um ao outro. E o resultado foi sentir o coração
pesado como chumbo. De modo que, fiel à promessa que fizera a si
próprio, afastou-se resolutamente. "Os dados estavam lançados",
disse para si, "Pollyanna não seria dele".
Seguiram-se
dias de desassossego para Jimmy. Não ousava afastar-se completamente
do solar dos Harrington, receoso que suspeitassem do seu segredo.
Agora, estar com Pollyanna, era uma tortura. Até com Sadie Dean,
pois não esquecia que fora ela quem lhe abrira os olhos. Nem,
compreensivelmente, o Jamie podia ser o seu porto de abrigo,
restando-lhe apenas Mrs. Carew. Esta, aliás, acolheu-o muito bem, e
naqueles dias, realmente, era apenas junto dela que Jimmy se sentia
confortado. Correspondeu exatamente ao estado de espírito dele, e
era surpreendente como sabia tanta coisa sobre as pontes que ele ia
construir. Além disso, era sensata e simpática, sabendo sempre
dizer a palavra certa no momento certo. Um dia esteve quase a
falar-lhe sobre o "envelope", mas John Pendleton
interrompeu-os acidentalmente de modo que acabou por não lhe contar
a história.
O
"envelope" era uma coisa que remontava à infância de
Jimmy e que ele nunca tinha contado a ninguém, salvo a John
Pendleton, e isso apenas por altura da sua adoção. Era um
sobrescrito branco, grande, gasto pelo tempo e fechado
misteriosamente com um selo de lacre vermelho. Fora-lhe dado pelo pai
e inseria as seguintes instruções escritas pela sua própria mão:
"Ao
meu filho Jimmy. Não deve ser aberto antes de ele fazer trinta anos,
exceto em caso de morte, devendo então ser aberto de imediato. "
Às vezes
Jimmy especulava sobre o conteúdo desse sobrescrito. Mas quase
sempre esquecia a sua existência. Nos tempos em que esteve no
orfanato, o seu maior temor era que o descobrissem ou lho tirassem.
Tanto que o usava sempre escondido no forro do casaco. Mais tarde,
por sugestão de John Pendleton, foi guardado no cofre da mansão.
"Não
sabemos que valor tem", dizia John Pendleton, "e o teu pai
queria que o conservasses, por isso não podes correr o risco de o
perder. "
Foi este
"envelope" que Jimmy esteve quase a referir a Mrs. Carew. E
talvez tenha sido melhor assim, pensou Jimmy para consigo. "Quem
sabe se ela pensaria que meu pai tivesse tido alguma coisa na sua
vida que não fosse correta? E não quero que assim pense de meu pai.
"
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