Antes de
meados de Setembro, os Carew e Sadie Dean despediram-se e regressaram
a Boston. Apesar de saber que iria sentir a falta deles, Pollyanna
suspirou de alívio quando o comboio que os transportava se afastou
da estação de Beldingsville. Era um sentimento de alívio que
Pollyanna não confessaria a ninguém, e até a si própria pedia
desculpas por isso.
"Não
é que eu não goste muito deles, de todos eles", pensou ela, ao
ver o comboio a desaparecer na curva, "só que estou cansada de
ter pena do pobre Jamie, e, assim, ficarei contente por voltar aos
dias tranquilos com o Jimmy".
Pollyanna,
porém, não regressou aos velhos dias tranquilos com o Jimmy. É
certo que os dias que se seguiram foram calmos, mas sem a presença
de Jimmy. O jovem só raramente se aproximava da casa e quando a
visitava não era o mesmo de antes. Melancólico, inquieto e
silencioso ou então excessivamente alegre e falador, em geral
manifestava um nervosismo quase incomodativo. Também ele, pouco
tempo depois, partiu para Boston.
Pollyanna
ficou surpreendida ao ver como sentia a falta do amigo. Até o fato
de saber que ele estava na cidade e que existia a possibilidade de a
vir visitar era melhor do que o vazio da sua ausência total. Mesmo
apesar da sua instabilidade de espírito. Até que um dia disse a si
própria: "Então, Pollyanna Whitier até pareces apaixonada por
Jimmy Bean! Será que não consegues pensar senão nele?"
Depois
disto, esforçou-se por cultivar a alegria e por afastar Jimmy
Pendleton dos seus pensamentos. E a tia Polly, embora
involuntariamente, também a ajudou.
Com a
partida dos Carew, cessou também a principal fonte de rendimentos e
a tia Polly começou de novo a preocupar-se e lamentar-se sobre o seu
estado financeiro, repetindo:
-
Realmente, não sei, Pollyanna, o que vai ser de nós. É certo que
ainda temos uma pequena reserva graças aos hóspedes de Verão, e
mais a pequena quantia da propriedade, mas não sei quanto tempo isto
vai durar. Se ao menos pudéssemos fazer alguma coisa capaz de render
algum dinheiro!
Foi
depois de um destes lamentos que Pollyanna leu numa revista sobre um
concurso de novelas, com prêmios avultados e numerosos, e condições
muito atraentes. Dava a ideia de muito fácil e incluía, até, um
apelo, que parecia dirigido especialmente a Pollyanna:
Isto é
para si que nos está a ler. Não importa que nunca tenha escrito uma
novela. Isso não quer dizer que não possa ou não saiba escrevê-la.
Basta experimentar. Não gostaria de ganhar três mil dólares? Dois
mil? Mil? Quinhentos ou mesmo cem? Porque não? Vá, experimente
Logo
Pollyanna pensou: "Ainda bem que vi isto! Diz mesmo que hei de
conseguir! Vou contar à tia, até para que não se preocupe mais...
Mas já
quase ao chegar à porta, refletiu melhor, parou e cismou:
"Bom,
pensando melhor, é preferível não lhe dizer. Será melhor
fazer-lhe a surpresa. Ai, se eu conseguisse o primeiro prêmio! "
e foi deitar-se, a conjeturar no que faria com os três mil dólares.
No dia
seguinte, Pollyanna começou a escrever a sua novela. Com efeito, com
ares muito importantes, pegou numa quantidade de folhas de papel,
afiou meia dúzia de lápis e sentou-se na grande secretária antiga
dos Harrington, existente na sala de estar. Depois de morder
nervosamente em dois lápis, pondo um deles de parte, estragado,
desesperada interrogava-se: "Como é que eles arranjarão os
títulos? O melhor seria talvez pensar primeiro na história! "
Porém, não conseguia arrumar ideias e, ao fim de meia hora, uma
folha inteira estava cheia de rasuras, com apenas algumas palavras
aqui e ali. Até que a tia Polly entrou na sala, mirou a sobrinha e
perguntou:
- Então,
Pollyanna, que estás a fazer? Pollyanna riu e corou embaraçada.
- Nada de
especial, tia - admitiu ela, com um sorriso divertido. - Mas, quero
dizer-lhe, é um segredo, que todavia, ainda não lhe vou contar.
- Como
queiras! Devo é dizer-te que se estás a tentar pôr em ordem os
papéis que Mr. Hart deixou, é escusado! Já o tentei por duas
vezes!
- Não,
não é isso, é muito melhor - garantiu Pollyanna triunfante,
retomando o trabalho.
Aos seus
olhos surgira a visão deslumbrante do que faria se recebesse os três
mil dólares. Escreveu e rasurou durante mais de meia hora. Depois,
mordeu os lápis de desespero e, um pouco desanimada, reuniu as
folhas e deixou a sala. "Talvez consiga trabalhar melhor lá em
cima. E eu a pensar que seria melhor à secretária! De verdade, esta
manhã, acho que não me está a ajudar muito. Vou experimentar na
cadeira, junto à janela do meu quarto " Porém, o cadeirão e a
janela do aposento não lhe deram mais inspiração, a julgar pela
quantidade de folhas escritas e reescritas que tinha nas mãos. Ao
fim de mais meia hora, Pollyanna viu de repente que eram horas de
jantar. "Ai, ainda bem", disse a suspirar, "prefiro ir
jantar a continuar com isto. Não que não queira continuar, mas,
realmente, não fazia ideia do trabalho que dava "
Em todo o
mês seguinte, Pollyanna trabalhou afincadamente, mas compreendendo
que não era nada fácil escrever uma novela. No entanto, não era
pessoa de desistir, e sempre havia o incentivo do prêmio de três
mil dólares ou até um dos outros, se não conseguisse ganhar o
primeiro! Mesmo cem dólares já era alguma coisa! E os dias
sucederam-se, com ela a escrever, a riscar e a reescrever, até que
finalmente a novela ficou pronta. Depois, foi só levar o manuscrito
a Milly Snow para ser datilografado.
"Lê-se
bem, faz sentido! ", pensava Pollyanna para consigo própria
enquanto se dirigia a casa dos Snow. "E é uma história
bastante bonita, sobre uma menina adorável. Mas receio que haja
qualquer coisa que não esteja muito bem. Se calhar não devo contar
muito com o primeiro prêmio. Também não ficarei desapontada se
ganhar um dos mais pequenos. "
Pollyanna
não deixava de pensar em Jimmy sempre que ia a casa dos Snow, pois
fora na estrada e junto dessa casa que ela o encontrara pela primeira
vez, após ter fugido do orfanato. Também agora voltou a pensar
nele. Até que, orgulhosamente, subiu apressada os degraus da escada
dos Snow e tocou a campainha.
Como
habitualmente, os Snow mais não tinham para oferecer a Pollyanna
senão o calor das boas-vindas. E, como de costume, em breve estavam
a conversar sobre o jogo. Em mais nenhuma casa de Beldingsville o
jogo se fazia com tanta satisfação.
- Então,
como têm passado? - perguntou Pollyanna depois de ter tratado da
questão da datilografia.
-
Otimamente! - respondeu Milly Snow, satisfeita. - Com este é o
terceiro trabalho que recebo esta semana. Oh, Miss Pollyanna, nem
calcula como estou contente por me ter encorajado a fazer o curso de
datilografia! Ao menos, posso trabalhar em casa! De algum modo, é a
si que devo a minha decisão!
- Ora
veja que ajuda! - disse Pollyanna modestamente.
- Mas é
verdade. Nem nunca teria feito o curso se o jogo não tivesse posto a
minha mãe muito melhor, permitindo-me dispor de algum tempo. Mas não
esqueço, a ideia foi sua. E por isso lhe estou grata!
Mais uma
vez Pollyanna objetou. Desta vez foi interrompida por Mrs. Snow, que
falou da sua cadeira de rodas de junto da janela. Mrs. Snow falava
com tal seriedade que Pollyanna não pôde deixar de ouvir o que ela
dizia.
- Ouça
menina, acho que não se dá bem conta daquilo que realizou, mas
gostava que compreendesse! Hoje vejo nos seus olhos uma expressão de
que não gosto. Está atormentada e preocupada com alguma coisa. Eu
sei. Posso vê-lo e não me admira. A morte do seu tio, as condições
da sua tia, tudo isso, não é pouco! Mas há uma coisa que lhe quero
dizer, pois não suporto ver essa sombra nos seus olhos sem a tentar
afastar, lembrando-lhe aquilo que fez por mim e por toda a cidade,
por todas as pessoas e em todo o lado.
- Mrs.
Snow então! - protestou Pollyanna, embaraçada.
- Não é
senão a verdade! Não acha que eu era uma criatura rabugenta, sempre
a lamuriar, que nunca gostava do que tinha e até descobria o que não
tinha? E não me abriu os olhos trazendo-me três coisas, de modo a
que eu finalmente tivesse aquilo que queria?
- Mrs.
Snow, eu era assim tão impertinente? - murmurou Pollyanna.
- Não,
não era - objetou Mrs. Snow. - Era isso que a tornava diferente.
Você não me fazia prédicas. Se o tivesse feito, também não me
teria levado a jogar o jogo. Nem a mim, nem a ninguém! Mas conseguiu
levar-me a jogá-lo, e veja o que me aconteceu e à Milly! Aqui estou
muito melhor, sentada numa cadeira de rodas, podendo deslocar-me. Foi
muito bom, acredite, porque me proporciona muito maior liberdade, e
também aos outros, como é o caso de Milly. Foram os próprios
médicos que disseram que devo tudo ao "Jogo do Contente".
Depois, há as outras pessoas, um bom número nesta cidade, como
estou sempre a ouvir. Agora, pensei que poderia ajudá-la sempre que
quisesse, pois não julgue que não compreendo como, por vezes, lhe
deve ser difícil jogar o seu próprio jogo.
Pollyanna
levantou-se. Sorria mas tinha os olhos marejados de lágrimas
enquanto estendia a mão para se despedir.
-
Obrigada, Mrs. Snow - disse pouco firme. Sim, às vezes é difícil e
talvez eu precise de alguma ajuda, quem sabe! - e os olhos
brilharam-lhe com a antiga alegria. - Prometo, se alguma vez eu
própria não conseguir jogar, jamais esquecerei e ficarei feliz por
haver quem o jogue!
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