Pollyanna
não foi a única a achar difícil aquele Inverno. Em Boston, Jimmy
Pendleton, apesar dos muitos esforços para ocupar o tempo e os
pensamentos, descobria que nada conseguia apagar a imagem de um certo
par de olhos azuis e sorridentes e a memória de uma certa voz
adorável.
Jimmy
dizia a si próprio que se não fosse Mrs. Carew e o fato de ele lhe
poder ser útil, a vida não valeria a pena. Mesmo em casa de Mrs.
Carew nem tudo era um mar de rosas, pois estava lá sempre Jamie e
este recordava-lhe Pollyanna e os pensamentos tristes a ela
associados.
Estando
convencido de que Jamie e Pollyanna gostavam um do outro e estando
igualmente convencido de que ele próprio tinha o dever de honra de
se pôr de lado e deixar o caminho livre ao jovem deficiente, nunca
lhe ocorreu investigar mais a questão. Por isso, desgostava-o ouvir
falar dela, mormente quando Jamie ou Mrs. Carew, a propósito de
notícias recebidas, a lembravam. Precisava de fazer algum esforço
para os escutar, apesar da dor que lhe assolava o coração. Para
Jimmy, uma Pollyanna que não fosse sua não era mais do que uma
fonte de sofrimento e tristeza, e daí que se sentisse aliviado
quando deixou Beldingsville. Estar próximo geograficamente de
Pollyanna e ao mesmo tempo tão afastado era para ele uma tortura. Um
paradoxo, mas era o que sentia.
Em
Boston, com todo o ardor de um espírito inquieto que busca
distrair-se de si próprio, lançou-se ao trabalho de executar os
planos de Mrs. Carew em relação às moças trabalhadoras, dedicando
a este trabalho todo o tempo que lhe sobrava dos seus próprios
deveres. Tudo isso constituía motivo de grande deleite e gratidão
para Mrs. Carew.
Assim
passou o Inverno para Jimmy. Aproximava- se a Primavera, florida e
verdejante, repleta de fragrâncias. Para si, porém, talvez não
fosse uma Primavera feliz enquanto o seu coração continuasse
mergulhado num Inverno de tristeza.
"Ao
menos, se eles marcassem as coisas e anunciassem o noivado de uma vez
por todas. Quanto mais não fosse, ficava com uma certeza, e assim
acho que suportaria melhor! ", murmurava Jimmy para si próprio
cada vez mais frequentemente.
Foi assim
que, numa bela manhã dos fins de Abril, viu o seu desejo de ter
alguma certeza parcialmente realizado. Eram dez horas da manhã de
domingo e Mary, na casa de Mrs. Carew, conduziu-o ao salão de música
dizendo-lhe:
- Vou
dizer a Mrs. Carew que já aqui está. Creio que ela o espera.
Nesse
salão, por inesperado, Jimmy teve um forte baque ao ver o Jamie
sentado ao piano. E já se preparava para se retirar discretamente
quando o rapaz levantou a cabeça, revelando um rosto corado e olhos
febris.
- Então,
Carew, aconteceu alguma coisa?
-
Aconteceu, se aconteceu! - exclamou o jovem paralítico, agitando nas
mãos uma carta aberta. Aconteceu tudo! Diga-me como reagiria se, num
instante, lhe surgisse a oportunidade de pedir em casamento a moça
que ama? Não pense que estou maluco! Embora esteja doido de alegria!
Quer ouvir-me Tenho de desabafar com alguém!
Pendleton
levantou a cabeça. Era como se, consciente, se preparasse para
receber um murro. Empalidecera, mas a voz manteve-se firme quando
respondeu.
- Claro
que sim, amigo! Ficarei contente por ouvi-lo.
Carew,
porém, quase nem esperara pela resposta, apressando-se a contar com
alguma incoerência.
- Para
si, certamente, não é importante. Dispõe de boas pernas e de
liberdade. Tem as suas ambições e as suas pontes. Mas, para mim,
isto representa tudo. É uma oportunidade de viver uma vida de homem
e, talvez, de realizar uma obra, sem que sejam pontes ou barragens. É
alguma coisa! Algo que demonstrei poder realizar! Ouça. Esta carta
dá-me a notícia de que uma pequena história que escrevi ganhou o
primeiro prêmio num concurso. Três mil dólares! E nesta outra
carta, uma grande editora aceitou, entusiasmada, o meu primeiro livro
para publicação. Por coincidência, vieram as duas esta manhã. É
ou não é de se ficar louco de alegria?
- Sim,
sim!Claro Felicito-o, Carew, de todo o coração. - Exclamou Jimmy
calorosamente.
-
Obrigado! Pense no que isto significa para mim. No que significa
poder ser independente. No que significa, se puder um dia tornar Mrs.
Carew orgulhosa e contente, por ter arranjado um lugar em sua casa e
no seu coração a um rapazito aleijado. Já imaginou o que é eu
poder declarar-me à moça que amo?
- Sim,
claro, rapaz! - exclamou Jimmy, com firmeza, apesar de ter
empalidecido imenso.
- Porém,
mesmo assim, se calhar não devo fazê-lo - disse Jamie, irresoluto.
- Bem vê, continuo amarrado a estas muletas.
- Mas,
Carew... - começou o outro apressadamente.
Carew
levantou a mão decididamente.
- Eu sei
o que vai dizer. Peço-lhe que não diga. Não poderá
compreender-me. Não está amarrado a duas muletas. Como criar
coragem para falar a Sadie?
- Sadie?
- interrompeu Jimmy, abruptamente.
- Sim,
Sadie Dean! Está surpreendido! Não sabia? Nunca suspeitou do que eu
sentia em relação a Sadie? - exclamou Jamie. - Terei eu conseguido
guardar tão bem esses sentimentos para mim próprio? Tenho tentado,
mas... - concluiu desanimado.
- Decerto
que conseguiu guardar bem, pelo menos de mim - exclamou Jimmy,
alegremente, vendo-se-lhe um olhar mais brilhante. - Então é de
Sadie Dean que gosta. Ótimo! Felicito-o de novo. - Jimmy quase
gaguejava, entusiasmado, depois de perceber que era de Sadie e não
de Pollyanna que Jamie gostava.
- Não me
felicite ainda. Pouco lhe disse, mas posso dizer mais. E eu a pensar
que todos sabiam! Diga-me, quem pensava então que fosse, não sendo
a própria Sadie?
Jimmy
hesitou. Depois, um tanto precipitado, lá se descoseu:
- Pensava
que era a Pollyanna. Jamie sorriu e apertou os lábios.
-
Pollyanna é uma moça maravilhosa e eu gosto dela, mas não mais que
isso. E, além disso, creio haver outra pessoa que pode falar a esse
propósito.
Jimmy
corou embaraçado.
- Crê
que sim? - disse, tentando tornar a sua voz impessoal.
- Claro!
É mais que evidente que é o John Pendleton.
- John
Pendleton? - Jimmy virou-se de repente.
- O quê?
Que há com John Pendleton? - perguntou uma outra voz, a de Mrs.
Carew, que entrava na sala, sorrindo. Jimmy, que pela segunda vez em
cinco minutos tinha visto o mundo que o rodeava desfazer-se em
bocados, mal pôde recompor-se para cumprimentar a senhora. Ao
contrário, Jamie virou-se triunfante.
- Nada de
especial. Só disse que pensava que John Pendleton teria algo a dizer
sobre Pollyanna gostar de alguém. Mas ele.
-
Pollyanna John Pendleton - Mrs. Carew sentou-se apressadamente numa
cadeira.
Se os
dois jovens que tinha diante de não estivessem absorvidos nos
próprios pensamentos, teriam reparado que o sorriso desaparecera do
rosto de Mrs. Carew e que uma expressão estranha, quase de receio,
aparecera nos seus olhos.
- Claro -
manteve Jamie. - Ou estavam os dois cegos no Verão? Não o viram
sempre a falar com ela com tanto interesse?
- Pensei
que ele falasse naturalmente com todos - murmurou Mrs. Carew,
desapontada.
- Não
tanto como com Pollyanna - insistiu Jamie. - Além disso, não se
lembra daquele dia em que estávamos a falar de John Pendleton não
ter casado e Pollyanna ficar muito corada e hesitar, dizendo
finalmente que ele tinha pensado em casar. uma vez. Foi então que eu
fiquei a pensar que existia alguma coisa entre eles. Não se lembram?
- Sim,
acho que sim... agora que se falou disso - murou Mrs. Carew. - Mas
não liguei.
- Ah! Mas
isso eu posso explicar - interrompeu Jimmy umedecendo os lábios
secos. - John Pendleton teve em tempos um caso de amor, mas foi com a
mãe de Pollyanna.
- Com a
mãe de Pollyanna? - exclamaram ambos, surpreendidos.
- É
verdade! Ele gostou dela, há anos, mas ela não lhe correspondeu.
Ela gostava de um pastor e foi com ele que casou. - Foi o pai de
Pollyanna.
- Oh! -
respirou de alívio Mrs. Carew, inclinando-se na cadeira. - E foi por
isso que ele nunca mais casou?
- Creio
que sim - confessou Jimmy. - Portanto, já vê, essa sua ideia não
corresponde à realidade. Ele gostou foi da mãe de Pollyanna.
- Pelo
contrário, até acho que reforça o que eu disse - insistiu Jamie.
Se ele gostou da mãe e não conseguiu ser correspondido, parece-me
natural que goste da filha e a queira conquistar, não será?
Mrs.
Carew pôs-se em pé de repente e murmurou com um gesto estranho como
se quisesse pôr de parte algo detestável. - Sim, eu sei, mas... - e
não concluiu a frase, deixando a sala.
Quando
regressou, após cinco minutos, reparou surpreendida que Jimmy se
tinha ido embora.
- Pensei
que ele ia connosco ao piquenique das moças! - exclamou ela.
- Também
eu - disse Jamie, franzindo a testa.
- Mas
desculpou-se dizendo que tinha surgido uma coisa inesperada e ia
deixar a cidade. Acho que nem percebi bem o que ele disse. estava a
pensar noutra coisa! - e, radiante, mostrou-lhe as duas cartas que
durante todo aquele tempo tinha continuado a segurar.
- Oh,
Jamie! - exclamou Mrs. Carew contente, depois de ler as cartas - Como
estou orgulhosa de ti! - depois, subitamente, os olhos
encheram-se-lhe de lágrimas ao ver a alegria que iluminava o rosto
de Jamie.
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