Naquela
noite de domingo foi um jovem muito determinado e de expressão muito
séria que desceu na estação de Beldingsville. E foi um jovem ainda
mais determinado que, antes das dez horas da manhã seguinte,
atravessou as ruas calmas da cidade e subiu a colina em direção ao
solar dos Harrington. Ao ver aparecer uma figura familiar e querida
na estufa, o jovem ignorou a campainha, atravessou o relvado e o
jardim e apareceu inopinadamente a Pollyanna.
- Jimmy!
- exclamou ela, quase caindo para trás, de olhos muito abertos.
- De onde
surgiu?
- De
Boston... a noite passada! Tinha de a ver, Pollyanna.
- Ver-me?
Pollyanna
procurava recompor-se. Jimmy parecia tão grande, forte e querido,
ali inesperadamente à sua frente, que ela temeu que os seus olhos
denunciassem a grande admiração que tinha por ele.
- Sim,
Pollyanna. Eu queria... Bem, isto é, pensei que. Melhor, eu receava.
Pronto, não aguento mais, Pollyanna. Tenho de ir direito ao assunto.
É, tenho-me mantido de parte, mas acabou-se. Deixou de ser um caso
de lealdade. Ele não é aleijado como o Jamie. Tem pés, mãos e
cabeça como eu. Portanto, se ele ganhar, terá de ser de uma forma
justa. Eu também tenho os meus direitos!
Pollyanna
olhou boquiaberta.
- Jimmy
Pendleton, de que está você a falar? - perguntou ela.
O jovem
sorriu, envergonhado.
- Não
admira que não saiba. Fui pouco claro, não fui? Sabe, eu próprio
tenho estado perturbado desde ontem, quando descobri através do
próprio Jamie.
-
Descobriu. do Jamie?
- Sim.
Quando ele me contou do prêmio é que eu soube. Disse-me que tinha
acabado de ganhar um, e...
- Oh, eu
sei! - interrompeu-o Pollyanna, ansiosa. - Não foi esplêndido? Logo
o primeiro prêmio de três mil dólares! Escrevi-lhe uma carta a
noite passada. Quando vi aquele nome compreendi que era o Jamie, o
nosso Jamie. Fiquei tão entusiasmada que até me esqueci de procurar
o meu nome. E mesmo depois de o não encontrar, e, portanto, ficar a
saber que não receberia nada, nem sequer o prêmio mais pequeno,
continuei tão entusiasmada e satisfeita pelo Jamie, que esqueci
tudo.
Jimmy,
porém, estava demasiado obcecado pelo seu problema e insistiu.
- Sim,
foi ótimo. Também fiquei contente. Mas, Pollyanna, o que ele me
disse a seguir é que foi importante. Até aí eu pensara que vocês
gostavam um do outro. Afinal.
- Pensava
que Jamie e eu gostávamos um do outro? - atalhou Pollyanna,
empalidecendo.
- É
verdade. Mas afinal, ele gosta é de Sadie Dean. E penso que ela
também gosta dele.
- Ainda
bem. Sinceramente, não sabia.
Pollyanna
parou de repente e apanhou uma folha do chão. Quando se ergueu,
virara-se ostensivamente para o outro lado.
- Não
conseguia sentir-me bem a competir com um adversário que estava em
desvantagem. - continuou Jimmy. - Assim, pus-me de parte e dei-lhe
uma oportunidade, apesar de quase ter desfeito o meu coração. Foi
então que ontem de manhã descobri. E descobri mais outra coisa,
pois Jamie diz que existe outra pessoa envolvida. Mas eu não posso
concordar com ele, Pollyanna. Mesmo pensando em tudo quanto ele fez
por mim. John Pendleton é homem e tem duas pernas como eu para
entrar na corrida. Ele terá que competir comigo.
Entretanto,
Pollyanna já se virara para ele, meio enfurecida.
- John
Pendleton? Jimmy, que quer dizer, que está a dizer de John
Pendleton?
O rosto
de Jimmy transfigurou-se de alegria. Estendeu ambas as mãos para
Pollyanna.
- Então
não é verdade, pois não? Vejo nos seus olhos que não é dele que
gosta, estou certo?
Pollyanna
retraiu-se. Estava pálida e trémula.
- Jimmy,
que quer dizer? Que quer dizer? - insistia ela, confusa.
- Quero
dizer que não é dessa maneira que gosta do tio John. Compreende? O
Jamie pensa que gosta dele e que ele gosta de si. Eu, desesperado,
até cheguei a pensar que talvez. Ele está sempre a falar de si.
Pollyanna
murmurou em voz baixa e cobriu o rosto com as mãos. Jimmy
aproximou-se e, com ternura, colocou o braço sobre os ombros dela.
Mas Pollyanna retraiu-se de novo.
-
Pollyanna! Não me destroce o coração! - pediu ele. - Não gosta
nem um pouco de mim? É isso que não me quer dizer?
Ela
deixou cair as mãos e olhou-o. O seu olhar tinha uma expressão
assustada.
- Jimmy,
acha mesmo que ele gosta de mim dessa maneira? - perguntou baixinho.
Jimmy
sacudiu impacientemente a cabeça.
- Isso já
não interessa, Pollyanna. Claro que não sei. Como poderia eu saber?
Isso, porém, não importa, querida. O que importa somos nós. Se não
gosta dele e se me der ao menos uma oportunidade para que lhe faça
gostar de mim. - agarrou na mão dela, tentando puxá-la para si.
- Não,
Jimmy. Não devo! Não posso! - disse ela, empurrando-o com as duas
mãos.
-
Pollyanna, isso não quer dizer que não gosta de mim, pois não? -
reagiu Jimmy.
- Não,
não é isso - disse Pollyanna hesitante. Mas, bem vê, se ele gosta
de mim, tenho de.
-
Pollyanna!
- Não,
não me olhe assim, Jimmy!
- Quer
dizer que casa com ele, Pollyanna?
- Não.
Quero dizer. Sim. acho que sim admitiu, em voz baixa.
-
Pollyanna, não pode ser! Destroçar-me-ia o coração!
Pollyanna
soluçou. Tinha escondido o rosto nas mãos outra vez. Depois, num
gesto trágico, levantou a cabeça e olhou a direito para os olhos
reprovadores e angustiados de Jimmy.
- Eu sei,
eu sei... - balbuciou Pollyanna. - Eu também despedaçarei o meu
coração. Despedaço o seu e despedaço o meu coração, mas nunca o
coração dele!
Jimmy
levantou a cabeça. Nos seus olhos brilhava um fulgor intenso. Toda a
sua aparência se modificou. Com uma exclamação triunfante e cheia
de ternura, envolveu Pollyanna nos braços estreitando-a contra si.
- Agora
sei que gosta de mim! - suspirou ele ao ouvido, em voz baixa. - Disse
que também despedaçaria o seu coração. Pensa que agora desistirei
de si? Ah, querida, se pensa que agora vou desistir de si é porque
não compreende um amor como o meu. Pollyanna, diga que me ama,
diga-o com os seus queridos lábios!
Durante
um longo minuto, Pollyanna abandonou-se ao abraço terno que a
envolvia. Depois, com um suspiro, que era meio de contentamento meio
de renúncia, começou a afastar-se.
- Sim,
Jimmy, amo-o. - Os braços de Jimmy voltaram a apertar-se e tê-la-iam
cingido muito mais se não houvesse algo no rosto dela que o reteve.
- Eu gosto muito de si, mas não poderia nunca ser feliz consigo
sabendo que. Jimmy, não vê querido? Primeiro tenho de saber se sou
livre.
- Que
disparate, Pollyanna! Claro que é livre! disse Jimmy outra vez
enfurecido.
Pollyanna
abanou a cabeça.
- Com
isto suspenso sobre mim, não, Jimmy. Não vê? Foi a minha mãe, há
muitos anos, que lhe despedaçou o coração, a minha mãe! E durante
todo este tempo ele passou uma vida solitária, sem amor, por causa
dela. Se ele agora vier ter comigo e me pedir para casar com ele,
tenho de lhe dizer que sim, Jimmy. Tem de ser. Não lho posso
recusar! Não vê?
Jimmy não
via, não podia ver nada. Não podia compreender, por mais que
Pollyanna argumentasse e insistisse chorosa. Mas, é verdade, também
Pollyanna se mostrava renitente.
- Querido
Jimmy - disse Pollyanna finalmente.
- Temos
de esperar. É tudo quanto posso dizer agora. Espero que ele não me
ame e. não creio que me ame. Mas tenho de saber. Tenho de ter a
certeza. Temos de esperar um pouco até descobrirmos, Jimmy... Até
descobrirmos
E Jimmy
teve que se sujeitar a este plano, embora de coração revoltado.
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