Jimmy
regressou nessa noite a Boston num estado em que se misturavam a
exaltação da felicidade, o desespero e a revolta. Atrás de si
deixava uma moça num estado de espírito pouco invejável em relação
ao seu. Pollyanna, apesar da sua grande alegria ao saber do amor de
Jimmy, sentia-se também desesperadamente aterrorizada com a ideia de
John Pendleton a amar. Porém, felizmente para todos, tal situação
confusa não durou muito, pois John Pendleton que tinha a resolução
do problema, a menos de uma semana após a apressada visita de Jimmy,
deu a volta à chave e abriu a porta, dissipando quaisquer dúvidas.
Na
quinta-feira à tarde, John Pendleton visitou Pollyanna. Tal como
aconteceu com Jimmy, só o viu no jardim a dirigir-se imediatamente a
ela. Ao mirar-lhe bem o rosto, sentiu uma pressão no peito.
- Já
chegou! - disse ele nervoso, enquanto ela, num gesto involuntário,
se virou como se se preparasse para fugir.
- Espera,
Pollyanna, é só um momento, por favor - pediu o senhor,
apressando-se em direção a ela. Eu quero falar justamente contigo.
Podemos entrar ali? - sugeriu, apontando para a estufa.
- Sim,
porque não? - disse ela, hesitante. Pollyanna sabia que estava a
corar, embora desejasse especialmente naquele momento que isso não
acontecesse. E não ajudava nada o fato de ele querer conversar na
estufa, decerto por esse lugar encerrar agora memórias de Jimmy que
lhe eram queridas. Só de pensar que ali estava, tremia de nervos.
Para descomprimir, disse:
- Está
uma tarde encantadora, não está? Não se ouviu resposta. John
Pendleton entrara com pressa na estufa e deixara-se cair numa cadeira
rústica, sem mesmo esperar que Pollyanna se sentasse, procedimento
que não lhe era habitual. Pollyanna, olhando disfarçadamente o seu
rosto, achou-o surpreendentemente parecido com o antigo rosto sério
e amargurado que recordava da infância, suscitando-lhe uma
exclamação involuntária.
John
Pendleton, no entanto, não se apercebeu. Estava soturno e pensativo.
Até que levantou a cabeça e encarou sombriamente os olhos
espantados de Pollyanna.
-
Pollyanna.
- Sim,
Mr. Pendleton.
-
Lembras-te de como eu era quando me conheceste há anos?
- Sim,
acho que sim.
- Era um
espécime humano deliciosamente agradável, não era?
Na sua
perturbação, Pollyanna sorriu forçadamente.
- Eu
gostava de si, senhor.
Só
depois de pronunciar as palavras é que pensou no modo como elas
poderiam soar aos ouvidos dele. Ficou então atrapalhadíssima,
ficando de corrigir-se quando ele retomou a palavra.
- Eu sei
que gostavas, minha querida! Foi essa a minha salvação, Pollyanna.
Creio que nunca compreenderás bem quanto a tua confiança infantil e
o teu afeto fizeram por mim.
Pollyanna
tentou protestar, mas ele prosseguiu.
- Sim, é
verdade! Foi a menina e mais ninguém. Pergunto-me ainda se te
lembrarás de outra coisa. Acaso te lembras de eu te dizer uma vez
que nada senão a mão e o coração de uma mulher ou a presença de
uma criança podiam fazer um lar?
Pollyanna
estremeceu e sentiu-se corar, aflita.
- Sim,
sim... Não... quero dizer, sim, lembro-me. Mas, creio agora que já
não é assim. Quero dizer, atualmente, o seu lar é muito feliz tal
como está, e.
- Mas é
justamente do meu lar que estou agora a falar, querida... -
interrompeu o homem, impaciente. - Pollyanna: sabes o gênero de lar
que eu ambicionava e como as minhas esperanças se desfizeram. Não
penses que estou a culpar a tua mãe. Nem pensar! Ela obedeceu apenas
ao coração, e fez bem. Fez uma escolha acertada, como veio a
demonstrar-se pelo desperdício que fiz da minha vida, bem sei que
por causa da desilusão. Mas, Pollyanna, o que é curioso é que
acabou por ser a mãozinha da própria a conduzir-me por fim ao
trilho da felicidade!
Pollyanna
umedeceu convulsivamente os lábios.
- Oh, Mr.
Pendleton, eu...
Ele,
porém, delicadamente e num sorriso, não a deixou prosseguir.
- Sim,
foste tu, Pollyanna. Foi a tua mão e o teu "Jogo do Contente"!
Pollyanna
descontraiu-se visivelmente. O pânico do seu olhar começou
lentamente a desaparecer.
- Durante
todos estes anos eu evolui para um homem totalmente diferente, salvo
numa coisa - fez uma pausa, desviou o olhar para longe, retornando
depois ao rosto dela com um ar grave. - Continuo a pensar que é
preciso a mão e o coração de uma mulher e a presença de uma
criança para fazer um lar!
- Sim,
mas já tem a presença da criança! - respondeu Pollyanna, de novo
aterrorizada. - Há o Jimmy!
O homem
deu uma gargalhada divertida.
- Eu sei,
mas já não se pode considerar o Jimmy uma criança - observou.
- Não.
Pois claro!
- Além
disso, Pollyanna, eu já decidi. Tenho que conquistar a mão e o
coração da mulher que me falta! - a voz baixou de tom, e tremeu um
pouco.
- Ah,
sim?.
As mãos
de Pollyanna remexiam-se nervosamente. John Pendleton parecia não
ver nem ouvir nada. Tinha-se posto de pé e caminhava de um lado para
o outro.
-
Pollyanna, se estivesses no meu lugar e fosses pedir a mão à mulher
que amas, como farias?
Pollyanna
quase caiu da cadeira, olhando ao mesmo tempo para a porta, como se
se preparasse, aterrorizada para fugir.
- Mas,
Mr. Pendleton, eu não o faria. Acho que é muito mais feliz tal como
está!
O senhor
ficou surpreendido e depois riu amargamente.
- Não me
digas que é assim tão mau?
- Mau? -
Pollyanna ficou atrapalhadíssima.
- Será
que é essa a maneira que encontraste para me suavizar o desgosto que
terei quando me disseres que ela não me quer?
- Não.
Acredito que ela venha a dizer que sim. Porque não? - foram as
palavras que a jovem conseguiu dizer, aterrorizada. - Mas estava a
pensar que se a mulher não gosta de si, seria bem mais feliz sem
ela, e. - o olhar que viu surgir no rosto de Pendleton levou-a a
parar.
- Eu não
a quero se ela não gostar de mim.
- Claro
que não. Bem me parecia - disse Pollyanna sentindo-se um pouco mais
aliviada.
- Além
disso, como é uma mulher madura, ela deve saber o que quer - a voz
do homem era grave, ligeiramente reprovadora.
- Oh! -
exclamou Pollyanna, aliviada e com alegria. - Então gosta de uma
pessoa... - Pollyanna conseguiu no último momento evitar dizer
"outra pessoa".
- Então
não é isso que tenho estado a dizer? - riu John Pendleton, meio
aborrecido. - O que eu quero saber é se conseguirei fazer com que
ela goste de mim. Era aí que eu estava a contar com a tua ajuda,
Pollyanna. É que ela é muito tua amiga.
- Ah é?
- perguntou Pollyanna. - Então ela tem que gostar de si. Temos de
fazer com que goste! Talvez até já goste, quem sabe? - Fez-se uma
longa pausa antes da resposta. - Pensando melhor, acho que não lhe
vou dizer. É. não consegues adivinhar?. Mrs. Carew.
- Oh! -
explodiu Pollyanna com incontida alegria. - Que bom! Estou tão
contente, muito contente!
Uma hora
depois, Pollyanna escreveu uma carta a Jimmy. Era confusa, incoerente
e ilógica, mas cheia de alegria. Jimmy deduziu a maior parte do que
ela queria dizer a partir do que não estava escrito. Afinal,
precisaria ele mais do que isso?
"Oh,
Jimmy, ele não me ama a mim. Ama outra pessoa. Não posso dizer-lhe
quem é, mas não se chama Pollyanna. "
Jimmy só
teve tempo de apanhar o comboio das sete para Beldingsville.
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