quinta-feira, 18 de julho de 2013

POLLYANNA 2 - 22 - Depois de muitos anos


Pollyanna estava tão contente nessa noite depois de ter enviado a carta a Jimmy, que não conseguiu ficar calada. Como sempre, antes de se ir deitar, subiu ao quarto da tia. Nessa noite, após as perguntas habituais, ia a apagar a luz quando um impulso súbito a levou a sentar-se na cama da tia.
- Tia Polly, estou tão contente, tão contente, que tenho de dizer- lhe uma coisa. Posso?
- Tens de me dizer uma coisa! Claro que sim. São boas notícias, não?
- Sim, tia, acho que sim - corou Pollyanna. Espero que fique contente. Claro que o Jimmy também lho há-de dizer um dia, mas eu quero fazê-lo primeiro.
- Jimmy? - o rosto de Mrs. Chilton alterou-se perceptivelmente.
- Sim, quando ele me pedir em casamento - disse Pollyanna, hesitante e visivelmente corada. - A minha felicidade é tal que tinha de dizer-lhe.
- Pedir-te em casamento? - Mrs. Chilton sentou-se na cama. - Queres dizer que há alguma coisa de sério entre ti e o Jimmy Bean?
Pollyanna sentiu-se desolada.
- Porquê, tia, pensei que gostava do Jimmy!
- Eu gosto, no seu devido lugar. E esse lugar não é o de marido da minha sobrinha.
- Tia Polly!
- Vamos lá menina, não te surpreendas. Isso é um disparate e ainda bem que estou a tempo de impedir que isso vá mais longe!
- Mas, tia Polly, já vamos longe. Eu já... Quero dizer, gosto muito dele.
- Então tens de deixar de gostar, Pollyanna, pois nunca permitirei que cases com Jimmy Bean.
- Mas porquê, tia?
- Primeiro e principalmente porque não sabemos nada dele.
- Mas, tia Polly, nós o conhecemos há imenso tempo, desde que eu era pequenina!
- Sim, e o que era ele? Um fugido do orfanato! Não sabemos nada da sua família.
- Mas eu não vou casar com a família dele! - Com uma exclamação impaciente, a tia deixou-se cair na almofada.
- Pollyanna, estás a fazer- me mal. O meu coração está a palpitar. Já não vou conseguir dormir esta noite. Não podes deixar isto para amanhã?
Pollyanna pôs-se imediatamente de pé perturbada e arrependida.
- Sim, claro, tia! Amanhã vai pensar de maneira diferente, tenho a certeza! - disse a moça, com voz trémula indo apagar a luz.
Mas a tia Polly não se sentiu "diferente" na manhã seguinte. A sua opinião, se possível, era ainda mais determinada. Pollyanna argumentava em vão. Bem procurou explicar, inutilmente, que a sua felicidade estava em jogo! A tia, porém, obstinadamente, não aceitava a ideia, sequer. Chegou até a avisar Pollyanna da gravidade quanto aos possíveis malefícios da hereditariedade, dados os perigos em casar com uma pessoa cuja família não era conhecida. Apelou mesmo para o seu sentido do dever e gratidão quanto a ela própria, recordando-lhe como a acolhera naquela casa e avisando-a de que destroçaria o seu coração com tal casamento, conforme o fizera sua mãe.
Quando o próprio Jimmy, radiante, chegou às dez horas, encontrou uma Pollyanna chorosa e assustada, surpreendentemente a tentar evitar que ele entrasse.
Pálido, segurando-a com ternura, ele quis uma explicação.
- Pollyannna, minha querida, que se passa?
- Oh! Jimmy, Jimmy! Porque vieste? Ia escrever- te a... - lamentou Pollyanna.
- Mas já me escreveste, querida. Recebi a carta ontem à tarde, ainda a tempo de apanhar, felicíssimo, o comboio.
- Não... Nessa altura eu não sabia que não podia...
- Não podias o quê? Não me vais dizer agora que existe outra pessoa que gosta de ti e que vou ter de esperar... - perguntou ele, segurando-a.
- Não, não, Jimmy! Não me olhes assim. Não suporto...
- Explica-te! Pollyanna! Diz- me o que se passa, por favor!
- Não posso casar contigo.
- Pollyanna, não me amas?
- Sim. Oh, sim.
- Então vais casar comigo! - vociferou Jimmy triunfante, envolvendo-a nos braços outra vez.
- Não, não, Jimmy, não compreendes. É por causa da tia Polly - disse Pollyanna, tentando libertar-se.
- A tia Polly?
- Sim, ela não me deixa!
- Oh! Não! - Jimmy inclinou a cabeça para trás com uma gargalhada. - Temos de tratar da tia Polly. Deve julgar que vai perder a sua menina, e temos de mentalizá-la que vai antes ganhar um novo sobrinho! - concluiu, com ar importante.
Mas Pollyanna não sorriu e abanou a cabeça desesperadamente.
- Não, não, Jimmy! Não compreendes! Ela. como te hei-de dizer? Ela opõe-se a ti, por minha causa.
Os braços de Jimmy afrouxaram um pouco e os seus olhos pestanejaram.
- Acho que não a posso censurar. Claro que não sou um deslumbramento - admitiu ele constrangido - no entanto esforçar-me-ei por te fazer muito feliz.
- Acredito que sim. Eu sei que sim - protestou Pollyanna, cheia de lágrimas.
- Então porque não me dás uma oportunidade, Pollyanna? Mesmo que ela, de princípio, não aprove? Talvez com o tempo, já casados, a possamos conquistar.
- Mas eu nunca poderia fazer isso - lamentou-se Pollyanna -, depois do que ela me disse. O seu consentimento é indispensável... Fez tanto por mim e depende muito de mim! Ela agora não está nada bem, Jimmy. Ultimamente tem sido tão querida e tem-se esforçado tanto por jogar o jogo, apesar de toda a sua infelicidade. E até chorou e me pediu que não lhe destroçasse o coração como a minha mãe lhe fez há muito tempo. Pois é, Jimmy, eu não posso contrariá-la depois de tudo o que ela fez por mim.
Pollyanna fez uma pausa e depois, com um rubor muito nítido na fronte, continuou.
- Jimmy, se pudesses dizer alguma coisa à tia Polly sobre o teu pai e a tua família...
Jimmy deixou cair os braços. Deu um passo atrás.
As cores abandonaram-lhe o rosto.
- É por causa disso? - perguntou.
- É sim - Pollyanna aproximou-se e tocou timidamente no braço dele.
- Não penses que sou eu que me preocupo com isso, Jimmy. Eu não me preocupo. Nada disso. Eu sei que o teu pai e a tua família eram pessoas de bem. Mas ela... Jimmy, oh Jimmy, não me olhes assim!
Jimmy, com um murmúrio em voz baixa, afastou- se dela e abandonou a casa.
Depois de abandonar o solar dos Harrington, Jimmy foi diretamente para casa e procurou John Pendleton. Descobriu-o na grande biblioteca onde, alguns anos antes, Pollyanna procurara, receosa, "o armário onde John Pendleton tinha guardado o seu esqueleto".
- Tio John, lembra-se do pacote que meu pai me deixou? - perguntou Jimmy.
- Sim, que se passa filho? - disse John Pendleton assustadoramente surpreendido ao ver a expressão de Jimmy.
- Tenho de abrir esse pacote.
- Mas. e as condições?
- Tem mesmo de ser. Quer fazer-me esse favor?
- Sim, meu filho, claro, se insistes! Mas...
- Tio John, como já deve ter adivinhado, eu amo Pollyanna. Pedi-a em casamento e ela aceitou.
O senhor deu uma exclamação de satisfação, mas o jovem não alterou a sua expressão grave.
- Ela diz agora que não pode casar comigo. porque Mrs. Chilton se opõe. Opõe-se a mim.
- Opõe-se a ti? - os olhos de John Pendleton brilharam de fúria.
- Sim. Descobri a razão quando Pollyanna me perguntou se eu não sabia nada sobre meu pai e minha família.
- Que disparate! Pensei que Polly Chilton fosse mais sensata. Isso é mesmo do carácter dela! Os Harrington sempre foram preconceituosos e orgulhosos, doentiamente tradicionalistas e conservadores.
- Eu ia contar a Pollyanna como meu pai era bom, mas depois lembrei-me de repente do pacote e do que estava escrito nele. Porém, não me atrevi a dizer uma palavra sem saber o que continha aquele "envelope". Havia qualquer coisa que o meu pai não queria que eu soubesse antes de fazer trinta anos, idade em que eu seria totalmente adulto e poderia aguentar fosse o que fosse. Percebe? Existe um segredo, algures, nas nossas vidas. Tenho de conhecer esse segredo e tem de ser já.
- Mas, Jimmy, não sejas tão trágico! Pode ser um bom segredo! Talvez seja algo que gostes de saber!
- Talvez. Mas algo de importante conterá para que quisesse que o abrisse só depois de fazer trinta anos! Não, tio John, inclino-me para que seja... sei lá! Só sei que me quis poupar até eu ter idade suficiente para suportar... Não quero culpar meu pai! Seja o que for, é alguma coisa que ele não podia deixar de fazer, tenho a certeza. Mas, a sua memória que me perdoe, tenho mesmo de saber o que é. Importa-se de o ir buscar?
John Pendleton levantou-se imediatamente.
- Vou buscá-lo - disse. Três minutos depois Jimmy tinha-o nas suas mãos.
- Preferia que fosse o senhor a ler, por favor. Depois conte-me.
- Mas Jimmy, eu... Está bem. - Com um gesto decidido, John Pendleton agarrou numa faca, abriu o "envelope" e retirou o conteúdo. Era um conjunto de vários documentos atados e uma folha dobrada, aparentemente uma carta. John Pendleton abriu primeiro essa carta. Enquanto a lia, Jimmy, tenso e contendo a respiração observava o rosto dele. E assim viu-lhe um olhar de espanto, de alegria e mais qualquer outra coisa que não soube definir na expressão de John Pendleton.
- Tio John, o que é? Diga-me o que é. Já!
- É melhor que leias tu próprio - respondeu o senhor, estendendo a carta a Jimmy. E Jimmy leu o seguinte:
" Os documentos aqui incluídos são a prova legal de que o meu filho Jimmy é realmente James Kent, filho de John Kent, que casou com Doris Wetherby, filha de William Wetherby, de Boston. Existe também uma carta, na qual explico a meu filho porque o mantive afastado da família de sua mãe, durante todos estes anos. Se este envelope for aberto por ele, aos trinta anos, ele lerá esta carta e espero que perdoará a um pai que receou perdê-lo completamente, e por isso adotou esta medida drástica para o conservar. Se o envelope for aberto por estranhos, devido à sua morte, peço que a família da mãe em Boston seja notificada imediatamente e o mesmo lhe seja entregue.
John Kent "
Jimmy estava pálido e abalado quando voltou a olhar para John Pendleton.
- Sou eu, então eu sou o desaparecido Jamie? - disse gaguejando.
- Essa carta diz que tens documentos que o provam.
- Então sou sobrinho de Mrs. Carew.
- Claro.
- Mas custa-me a crer! - fez- se uma pausa antes de o rosto de Jimmy ser inundado por uma nova expressão de alegria. - Ah, agora sei quem sou! Já posso falar a Mrs. Chilton da minha família.
- Acho que sim - retorquiu John Pendleton secamente. - Os antepassados dos Wetherbys de Boston remontam ao tempo das cruzadas. Isso deve satisfazê-la. Quanto a teu pai, ele também era de boas famílias, disse-me Mrs. Carew. Apesar de ser bastante estranho e de a família não gostar dele.
- Sim. Pobre pai! E que vida deve ter passado comigo durante todos aqueles anos, receando sempre a perseguição da família. Agora compreendo muitas coisas, que me confundiam antes. Uma vez, uma mulher chamou-me Jamie e ele ficou furioso! Agora percebo porque é que ele se foi logo embora nessa noite sem sequer esperar pelo jantar. Pobre pai! Foi logo a seguir a isso que ele ficou doente.
Não conseguia mexer as mãos nem os pés, e em breve deixou de conseguir falar. Lembro-me que quando morreu tentou dizer-me qualquer coisa. Agora, posso presumir que quisesse falar-me disto, aconselhando-me talvez a ir ter com a família de minha mãe, mas, na altura, pensei que me estava a dizer apenas para guardar bem o "envelope". Foi o que eu lhe prometi. E por isso é que ele não ficou satisfeito, parecia antes ter ficado mais preocupado. Eu não compreendi. Pobre pai!
- Vamos ver esses documentos - sugeriu John Pendleton. - Olha, há também uma carta dirigida a ti. Não a queres ler?
- Sim, claro. - O jovem riu um pouco envergonhado e olhou para o relógio. - Estava a pensar quando é que poderia voltar ao solar para contar a Pollyanna.
John Pendleton fez uma expressão de reflexão. Depois, olhando para Jimmy, hesitou e disse:
- Sei que queres ver Pollyanna e não te critico, mas parece-me que, dadas as circunstâncias, deves primeiro ir ter com Mrs. Carew e mostrar-lhe estes documentos - estendeu-lhos.
Jimmy concordou resignado.
- Está bem, é isso que farei.
- E se não te importas, eu vou contigo. Além disso, tenho uma pequena questão a tratar com tua tia. Vamos no comboio das três?
- Vamos sim senhor! Então sou o Jamie! Ainda não estou convencido! - exclamou o jovem, caminhando incansavelmente de um lado para o outro da sala. - Acha que... - interrompeu ele corado. - Acha que a tia Ruth se vai importar muito?
John Pendleton abanou a cabeça. Nos seus olhos surgiu um pouco da antiga melancolia.
- Claro que não, meu rapaz! Estou a pensar em mim...
- Em si! Acha que alguma coisa faria com que eu me desligasse de si? Não tem que se preocupar com isso. E ela também não se vai importar. Tem o Jamie e... - uma expressão de desânimo abateu-se sobre ele. - Tio John, esquecia- me do Jamie. Isto vai ser difícil para ele!
- Já pensei nisso. Será inevitável. No entanto, ele foi adotado legalmente, não é verdade?
- Sim, sim, isso não está em causa. É só por não ser o verdadeiro Jamie e ser aleijado! Ficará destroçado. Ouvi-o falar. Além disso, Pollyanna e Mrs. Carew, as duas, quase me asseveraram estar certas de ser ele o Jamie. Que hei-de eu fazer?
- Não sei, meu rapaz. Mas creio que não poderás fazer outra coisa.
Calaram-se ambos. Jimmy parou de andar de um lado para o outro. Até que, de repente, virou-se animado e adiantou:
- Há uma maneira e vou segui-la. Tenho a certeza de que Mrs. Carew há-de concordar. Não lhe contaremos a ele! Diremos a Mrs. Carew, a Pollyanna e à tia. A ela é que não pode deixar de ser.
- Boa ideia, meu rapaz. Quanto ao resto. - John Pendleton fez uma pausa de dúvida.
- Ninguém tem nada com isso!
- O sacrifício vai ser grande. Pondera bem!
- Ponderar? Já o fiz e não vai ter importância. Com Jamie no outro prato da balança é que não o poderia ser. É tudo!
- Não te critico e penso que estás certo. Além disso, creio que Mrs. Carew concordará assim que souber que encontrou finalmente o verdadeiro Jamie.
- Não é verdade o que sempre disse que me vira algures? - rematou Jimmy, a brincar. - Quanto tempo falta para o comboio partir? Estou pronto!
- Eu ainda não - riu John Pendleton. - Só daqui a algumas horas partiremos - concluiu ele, enquanto se levantava e saía da sala.  

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