quinta-feira, 18 de julho de 2013

POLLYANNA 2 - 2 - Amigos de longa data


Naquele dia de Agosto, em Beldingsville, Mrs. Chilton esperou que Pollyanna se fosse deitar antes de conversar com o marido sobre a carta que tinha chegado no correio da manhã. O assunto teve de esperar, porque o médico estava sempre muito ocupado com os seus doentes e não houvera tempo para conferências familiares.
Quando o médico entrou na sala eram já oito e meia. O seu rosto cansado iluminou-se ao vê-la, sem que os seus olhos deixassem de refletir interrogação.
- Que se passa, Polly querida? - perguntou ele com ar preocupado.
A mulher riu divertida.
- É uma carta... não pensei que descobrisses só por olhar para mim.
- Então não deves ficar com esse ar - disse ele a sorrir. - O que é, afinal?
Mrs. Chilton hesitou, cerrou os lábios e depois agarrou numa carta que tinha junto dela.
- Vou lê-la - disse. - É de uma tal Miss Della Wetherby, do Sanatório do Dr. Ames.
- Então lê lá - pediu ele, deitando-se ao comprido no sofá junto da mulher.
Mrs. Chilton começou então a ler a carta em voz alta:
" Cara Mrs. Chilton
Esta é a sexta vez que começo a escrever-lhe, pois das restantes cinco vezes rasguei a carta. Assim decidi não começar de todo em todo mas dizer-lhe diretamente ao que venho. Quero a Pollyanna. Posso tê-la?
Conheci-a, a si e seu marido, em Marosado, quando vieram buscar Pollyanna, mas calculo Que não se lembrem de mim. Vou pedir ao Dr. Ames, que me conhece muito bem, para escrever a seu marido de modo a que não receie confiar-me a sua querida sobrinha.
Sei que não quer ir com o seu marido à Alemanha, para não deixar Pollyanna sozinha; por isso me atrevo a pedir-lhe que nos deixe ficar com Pollyanna. Peço-lhe que a deixe ficar connosco. Vou agora dizer-lhe porquê.
A minha irmã, Mrs. Carew, é uma senhora solitária e muito infeliz. Vive num mundo de tristeza onde nem a luz do Sol penetra. Estou convencida de que se existe alguma coisa na Terra que lhe pode trazer alegria à vida, é a sua sobrinha, Pollyanna.
Quer deixá-la experimentar? Gostava de lhe contar tudo o que ela fez aqui no Sanatório, mas é impossível. Só vendo com os próprios olhos. Há muito que descobri que não conseguimos explicar tudo acerca de Pollyanna. Quando tentamos, parece que se trata de uma menina impossível, presumida e enfadonha. No entanto, sabemos bem que não é nada disso. Basta trazer Pollyanna e deixá-la falar por si. É por isso que a quero levar à minha irmã e deixá-la falar por si própria. Claro que ela frequentaria a escola e, entretanto, disso estou convencidíssima, ela seria capaz de sarar a ferida que minha irmã traz no coração.
Não sei como terminar esta carta. Creio que ainda é mais difícil do que começá-la. Penso que não desejo concluí-la. Só me apetece continuar a falar sem parar, com receio de, parando, lhe dar a oportunidade de me dizer não. Por isso, se estiver tentada a dizer essa palavra horrorosa, por favor, considere como se eu não tivesse parado de falar, dizendo-lhe como quero e preciso de Pollyanna.
Della Wetherby.
- É isto! - exclamou Mrs. Chilton, enquanto punha a carta de lado. - Já alguma vez leste uma carta assim, ou ouviste falar de um pedido tão absurdo?
- Não penso assim - disse o médico sorrindo. Não creio que seja absurdo querer Pollyanna.
- Mas. a maneira como ela expõe o assunto! Sarar a ferida no coração da irmã e tudo isso! Até parece que a criança é uma espécie de remédio!
O médico riu abertamente.
- O fato é que ela o é. Eu sempre disse que gos taria de a poder receitar e vender, como se de embalagem de comprimidos se tratasse. O Charlie Ames diz que sempre fez questão, no Sanatório, de dar rapidamente aos seus doentes uma dose de Pollyanna após a chegada deles, durante o ano inteiro que ela lá esteve internada.
- Uma dose!... - desdenhou Mrs. Chilton.
- Então não a vais deixar ir?
- Ir? Claro que não! Achas bem que deixasse ficar a criança com pessoas desconhecidas? E estranhos como estes? Ao voltarmos da Alemanha não me surpreenderia que viéssemos encontrar Pollyana já embalada e etiquetada.
O médico riu de novo, deitando a cabeça para trás, e levando as mãos ao bolso à procura de uma carta.
- Recebi notícias do Dr. Ames esta manhã - disse ele num tom algo diferente do habitual e que produziu uma expressão de estranheza no rosto da mulher.
- E se eu te lesse agora a minha carta?
" Caro Tom
Miss Della Wetherby pediu-me que lhe fizesse um favor a ela e à irmã, o que faço com prazer; Conheço as Wetherby desde crianças. São de uma família antiga e educada, e dignas do maior respeito. Por esse lado nada tem a recear.
Eram três irmãs, Doris, Ruth e Della. Doris casou com um tal John Kent, contra a vontade da família. Kent era de boa famílias, mas ele próprio não valia muito. Um excêntrico e de trato difícil.
Ficou muito zangado com a atitude dos Wetherby em relação a ele e o relacionamento entre as famílias era difícil até nascer um filho. Os Wetherby passaram a adorar aquele menino, James, ou Jamie, como lhe chamavam. Doris, a mãe, morreu quando o menino tinha quatro anos e os Wetherby fizeram todo o possível para que o pai lhes entregasse completamente a criança. Kent, porém, desapareceu de repente, levando consigo o menino. Desde então nunca mais souberam deles, embora tivessem mandado procurá-los, pelo mundo inteiro.
A perda levou praticamente à morte Mr. e Mrs. Wetherby, ocorrida a ambos pouco depois. Ruth, por sua vez casou e enviuvou. O marido, chamado Carew, era muito rico e bem mais velho do que ela.
Morreu um ano após o casamento, deixando-a com um bebé que acabou também por morrer um ano depois.
Desde que o pequeno Jamie desapareceu, Ruth e Della passaram a ter um único objectivo na vida: reencontrá-lo. Fartaram-se de gastar dinheiro e revolveram o céu e a terra, todavia sem resultados. Della acabou por se dedicar à enfermagem. Tem feito um trabalho esplêndido e tornou-se uma mulher saudável, eficiente e alegre, embora sem esquecer o sobrinho perdido e sem descuidar qualquer possível pista que a pudesse conduzir à sua descoberta.
Porém, com Mrs. Carew as coisas passaram- se de modo bastante diferente. Depois de ter perdido o seu próprio filho, concentrou todo o amor maternal no filho da irmã. Como pode imaginar, ficou completamente desesperada quando ele desapareceu. Isso sucedeu há oito anos e têm sido para ela oito longos anos de infelicidade, tristeza e amargura. Tudo o que o dinheiro pode comprar e está evidentemente ao alcance dela, mas nada lhe agrada, nada a interessa. Della acha que é a altura de fazer com que ela mude, custe o que custar, e acredita que a brilhante sobrinha da sua mulher, Pollyanna, pode ser a chave mágica que conseguirá abrir a porta de uma nova vida para ela. Sendo assim, espero que não vejam impedimento em satisfazer o pedido dela. E devo acrescentar que também eu, pessoalmente ficaria muito grato pelo favor, porque Ruth Carew e a irmã são grandes e antigas amigas minhas e de minha mulher, e o que as afeta a elas também toca a nós.
Charlie"
Concluída a leitura da carta, fez-se entre ambos um longo silêncio, tão longo que o médico perguntou:
- Então, Polly?
O silêncio manteve-se. O médico, observando atentamente o rosto da mulher, viu que os lábios dela estavam trémulos. Aguardou sem insistir até ela responder.
- Quando achas que contam com ela? - perguntou finalmente.
Surpreendido, o Dr. Chilton indagou:
- Então vais deixá-la ir?
- Mas que pergunta, Thomas Chilton! Com uma carta destas eu podia fazer outra coisa que não fosse á deixá-la ir? Sendo o próprio Dr. Ames quem pede, achas que depois de tudo o que ele fez pela Pollyanna eu podia recusar fosse o que fosse?
- Oh, minha querida, só espero que o médico não se lembre de te pedir a ti - murmurou o marido com um sorriso excêntrico.
A mulher apenas lhe concedeu um olhar de desdém, dizendo:
- Podes escrever ao Dr. Ames e dizer-lhe que deixamos ir a Pollyanna. E pede-lhe que diga a Miss Wetherby para nos escrever a dar todas as instruções. Terá de ser por volta do dia 10 do mês que vem, porque tu partes a seguir e eu quero ver a criança bem instalada antes de partir.
- Quando vais dizer a Pollyanna?
- Talvez amanhã.
- O que lhe vais dizer?
- Ainda não sei bem, mas só aquilo que tiver de dizer. Seja como for, Thomas, não devemos estragar Pollyanna e qualquer criança poderia estragar-se se metesse na cabeça que era uma espécie de... de...
- De remédio embalado com etiqueta e tudo - interrompeu o médico com um sorriso.
- Sim, é isso - suspirou Mrs. Chilton. A inconsciência dela é que salva tudo. Sabes isso muito bem.
- Sim, eu sei - assentiu o marido.
- É claro que ela sabe que tu e eu e metade da cidade estão a jogar o jogo com ela e que somos mais felizes por o jogarmos.
A voz de Mrs. Chilton vacilou um pouco, continuando depois com mais firmeza:
- Mas se ela, conscientemente, deixasse de ser como é, natural, radiosa e feliz, a jogar o jogo que o pai lhe ensinou, tornava-se exactamente aquilo que a enfermeira disse que parecia: impossível. Por isso, diga o que lhe disser, nunca lhe direi que vai para casa de Mrs. Carew para a alegrar - concluiu Mrs. Shilton, levantando- se decididamente e pondo o trabalho de lado.
- Acho que és muito sensata - aprovou o médico.
No dia seguinte disseram a Pollyanna. Foi assim que as coisas se passaram:
- Minha querida - começou a tia, quando ambas ficaram a sós nessa manhã -, gostavas de ir passar o próximo Inverno a Boston?
- Consigo?
- Não. Eu decidi ir com o teu tio à Alemanha. Mrs. Carew, uma grande amiga do Dr. Ames, convidou-te para permaneceres com ela o Inverno e acho que devo deixar-te ir.
O rosto de Pollyanna fez-se triste.
- Mas em Boston não tenho o Jimmy, ou Mr. Pendleton ou Mrs. Snow, nem ninguém conhecido.
- Não, querida, mas quando para aqui vieste também não os tinhas até os conheceres.
Pollyanna esboçou um sorriso.
- É verdade tia Polly, não os conhecia! Isso quer dizer que em Boston existem Jimmys, Mr. Pendletons e Mrs. Snows à minha espera para eu as conhecer, não é verdade?
- Sim, querida.
- Então devo ficar contente com isso. Acho que agora a tia Polly sabe jogar o jogo melhor do que eu. e nunca tinha pensado em ter pessoas à minha espera só para eu as conhecer. E há muita gente! Vi algumas pessoas, quando lá estive há dois anos com Mrs. Gray. Estivemos lá duas horas inteiras no caminho do Oeste para aqui. Na estação havia um homem simpatiquíssimo, que me disse onde eu podia beber água. A tia acha que ele ainda lá está? Gostava de o rever. E também havia uma senhora muito bonita com uma menina pequenina. Vivem em Boston, como me disseram. A menina
chamava- se Susie Smith. Talvez as venha a ver. Acha que sim? E havia um rapaz e uma outra senhora com um bebé, mas viviam em Honolulu, por isso não devo conseguir encontrá-los agora. Mas conhecerei Mrs. Carew. Quem é Mrs. Carew, tia Polly? É das suas relações?
- Querida Pollyanna! - exclamou Mrs. Chilton meio a rir meio desesperada. - Como podes querer que alguém acompanhe o que dizes e ainda menos o que pensas, quando vais a Honolulu e voltas em dois segundos! Não, Mrs. Carew não é nossa conhecida. É irmã de Miss Della Wetherby. Lembras-te de Miss Wetherby do Sanatório?
Pollyanna bateu palmas.
- É irmã de Miss Wetherby? Ah, tenho a certeza de que é muito querida! Miss Wetherby era. Adorei Miss Wetherby. Tinha pequenos vincos em redor dos olhos e da boca, quando ria, e conhecia histórias engraçadíssimas. Só a tive durante dois meses, porque só chegou um pouco antes de eu ter alta. Ao princípio tive pena por não a ter tido durante todo o tempo, mas no fim, fiquei contente, porque se eu a tivesse tido durante todo o tempo teria sido muito mais difícil despedir-me dela. Engraçado, e agora parece que a vou ter outra vez, porque vou ficar com a sua irmã.
Mrs. Chilton respirou fundo e mordeu o lábio.
- Mas Pollyanna, não podes estar à espera que elas sejam parecidas! - atreveu-se a tia a dizer.
Nos dias seguintes, enquanto se trocavam cartas sobre a permanência de Pollyanna em Boston, Pollyanna preparava-se para partir desdobrando-se em visitas aos amigos de Beldingsville.
Toda a gente da pequena cidade de Vermont conhecia agora Pollyanna e quase todos jogavam o jogo com ela. Os poucos que não o faziam era por desconhecerem o que era o Jogo do Contente.
Assim, de uma casa para a outra, Pollyanna contou as novidades sobre a sua partida para Boston, onde passaria o Inverno. Em todo o lado ouviu um clamor de lamentações e protestos, desde Nancy, cozinheira da tia Polly, até ao casarão da colina onde vivia John Pendleton.
Nancy não hesitou em dizer a toda a gente, exceto à patroa, que considerava tal viagem um disparate, e que se pudesse ficaria muito contente em levar Miss Pollyanna consigo para a sua casa na terra, podendo assim Mrs. Polly partir para a Alemanha. Na colina, John Pendleton repetiu praticamente a mesma coisa, e não hesitou em dizê-lo diretamente a Mrs. Chilton.
Quanto a Jimmy, um rapazinho de 12anos de quem John Pendleton tomara conta a pedido de Pollyanna e que entretanto adotara, ficou indignadíssimo e não demorou a manifestá-lo:
- Mas acabaste de chegar! - disse ele, reprovando Pollyanna num tom de voz que os rapazinhos usam quando querem esconder o fato de se sentirem magoados.
- Bem, estou cá desde Março. Além disso, não vou lá ficar para sempre, é só este Inverno.
- Não interessa. Estiveste fora o ano inteiro, e se eu soubesse que ias outra vez embora, não me tinha dado ao trabalho de te receber com bandeiras e "fafarras" no dia
da tua chegada do "sadatório".
- Não me digas, Jimmy Bea! - exclamou Pollyanna, em tom surpreendido e desaprovador. Depois, com um toque de superioridade, resultante do orgulho ferido, observou: - Não te pedi para me ires receber. Além disso cometeste dois erros: é fanfarras e sanatório que se diz.
- E quem se rala com isso?
Os olhos de Pollyanna abriram-se ainda mais numa expressão de reprovação.
- E também já não me chamo Jimmy Bean! redarguiu o rapaz, levantando o queixo.
- Não és? Então porquê? - perguntou a menina.
- Fui adotado legalmente. Ele tencionava há muito adotar-me, mas não conseguia. Agora já conseguiu. Chamo-me Jimmy Pendleton e passei a chamá-lo por tio John. Só que ainda não estou habituado e tenho dificuldade em chamá-lo assim.
O rapaz continuava zangado, mas os vestígios da irritação tinham-se atenuado no rosto da menina, ao ouvir as palavras dele. Bateu as palmas com alegria.
- Mas que bom! Agora tens uma família a sério, uma família que gosta de ti. E nunca mais terás que explicar o teu nome, pois agora é igual ao dele. Estou tão contente, tão CONTENTE!
O rapaz levantou-se de repente do muro onde estavam sentados e afastou-se. Estava corado e tinha os olhos cheios de lágrimas. Era a Pollyanna que ele tudo devia, todo o bem que lhe tinha acontecido, ele bem o sabia.

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