Acompanhada
de Mrs. Carew, Pollyanna assistiu a concertos e matinés e visitou a
biblioteca municipal e o museu de arte.
Acompanhada
de Mary, deu belos passeios para ver Boston e visitou o palácio
municipal e a velha igreja do sul.
Embora
gostasse imenso de andar de automóvel, Pollyanna gostava ainda mais
de andar de ônibus, como Mrs. Carew, surpreendida veio a descobrir.
- Vamos
de ônibus? - perguntou Pollyanna ansiosa.
- Não.
Perkins leva-nos - respondeu Mrs. Carew. A seguir, ao ver o
desapontamento indisfarçável estampado no rosto de Pollyanna, ela
acrescentou surpreendida:
- Eu a
pensar que a menina gostava mais de andar de automóvel!
- Sim,
sim! - assentiu Pollyanna, apressadamente. - Eu não devia ter dito
nada! Possivelmente é mais barato do que andar de ônibus e.
- Mais
barato que andar de ônibus! - exclamou Mrs. Carew surpreendida.
- Sim -
explicou Pollyanna, de olhos mais abertos -, de ônibus são cinco
centavos por pessoa e o automóvel não custa nada porque é seu. É
claro, gosto muito do automóvel - apressou-se ela a dizer antes que
Mrs. Carew falasse. - É só porque no ônibus há tanta gente e é
muito divertido observá-los, não acha?
- Não,
Pollyanna, não acho - respondeu Mrs. Carew secamente.
Por
acaso, dois dias depois, Mrs. Carew ouviu algo mais sobre Pollyanna e
os ônibus, e desta vez foi Mary que lhe contou.
- Que
estranho, minha senhora! - explicava Mary, em resposta a uma pergunta
que a patroa lhe fez. - A prontidão com que Miss Pollyanna
transforma toda a gente, sem qualquer esforço! Está nela! Transpira
felicidade! Calcule, entremos num ônibus, em que todos pareciam
maldispostos, e cinco minutos depois tudo era irreconhecível. Homens
e mulheres tinham parado de resmungar e as crianças pararam de
chorar.
- Às
vezes, é por algo que Miss Pollyanna me diz e que as pessoas ouvem.
Outras, é apenas o "obrigado" que ela diz quando alguém
insiste em dar-nos o lugar. Outras ainda, é pela maneira como ela
sorri para um bebé ou para um cão. É verdade, todos os cães
abanam a cauda com ela; e todos os bebés, crescidos ou mais
pequenos, sorriem e acenam para ela. Se o ônibus não para, ela faz
disso uma brincadeira, e se por acaso, nos enganamos no ônibus, é a
coisa mais divertida que nos pode acontecer. Ela é assim com todas
as coisas. De fato, com Miss Pollyanna ninguém consegue estar
mal-humorado!
- Sim,
acredito - murmurou Mrs. Carew, retirando-se.
O mês de
Outubro veio a revelar-se nesse ano especialmente quente e agradável.
E à medida que os dias dourados passavam, tornava-se evidente que
acompanhar o ritmo de Pollyanna, quando saíam de casa, era uma
tarefa que consumia bastante tempo e paciência a qualquer um. Mrs.
Carew dispunha de tempo, mas não de paciência; por outro lado, não
estava disposta a permitir que Mary passasse tanto tempo com
Pollyanna nas suas fantasias.
É claro
que estava fora de questão manter a criança dentro de casa. Foi
assim que, algum tempo depois, Pollyanna se veio a encontrar no
grande e belo jardim, no Jardim Público de Boston, e sozinha.
Aparentemente,
tinha toda a liberdade mas, na realidade, estava sujeita a uma
quantidade de regras. Não devia conversar com estranhos, fossem
homens ou mulheres; não devia brincar com crianças estranhas e, em
circunstância nenhuma, devia sair do jardim, excepto para voltar
para casa. Além disso, Mary, que a levava ao jardim, verificava
primeiro se ela saberia depois regressar a casa e se sabia que a
Commonwealth Avenue vinha de Arlington Street através do jardim. E o
regresso a casa seria necessariamente quando o relógio da torre da
igreja badalasse as quatro e meia.
Pollyanna,
passou realmente a ir muitas vezes ao jardim. Muitas vezes
acompanhada de algumas das colegas da escola; mas, muitas mais
sozinha. Apesar das restrições serem rígidas, divertia-se muito.
Podia observar as pessoas sem mesmo falar com elas; e podia também
conversar com os esquilos e os pombos que vinham avidamente comer as
nozes e os grãos de milho que ela sempre lhes levava.
Encontrou
muitas vezes um rapaz numa cadeira de rodas, com quem gostaria de
falar. Gostava de se entreter com os animais, especialmente quando
eles vinham buscar-lhe as nozes aos bolsos.
Mas
Pollyanna, observando à distância, notava sempre uma circunstância
estranha. Apesar da satisfação do rapaz em servir o seu banquete, a
reserva de comida que trazia acabava quase sempre imediatamente e
apesar de ele dar mostras de desapontamento, tal como o esquilo,
nunca solucionava o problema trazendo mais comida no dia seguinte.
Pollyanna achava que era uma questão de vistas curtas.
Quando o
rapaz não brincava com os pássaros e com os esquilos, entretinha-se
a ler. Na cadeira tinha normalmente livros usados e, às vezes, uma
revista ou duas. Ele estava quase sempre num lugar especial e
Pollyanna intrigava-se como é que ele lá chegava. Então, num dia
inesquecível, descobriu. Era feriado e fora mais cedo. Logo após
ter chegado ao lugar do costume, viu trazerem-no na cadeira de rodas.
Um rapaz de cabelo claro empurrava-a. Correu ao encontro deles, com
contentamento.
- Não
devo conversar com desconhecidos. Mas consigo posso, porque o conheço
de vender jornais lá na rua e também posso conversar com ele,
depois de sermos apresentados - concluiu ela, com um olhar cintilante
na direção do rapaz paralítico.
O rapaz
riu-se para o lado e deu umas palmadinhas no ombro do rapaz
paralítico.
- Estás
a ouvir? Vou apresentar-te! - e, adotando uma atitude pomposa, disse:
- Minha senhora, este é o meu querido amigo Sir James, Lorde of
Murphy's Alley, e... - mas o rapaz da cadeira de rodas interrompeu-o.
- Jerry,
deixa-te de disparates! - exclamou zangado; depois, virando para
Pollyanna o rosto radiante, disse: - Tenho-a visto aqui muitas vezes,
e observo-a particularmente quando dá de comer aos pássaros e aos
esquilos, pois traz sempre muita comida para eles! Até acho que
prefere, como eu, o Sir Lancelot. Mas, claro, também temos a Lady
Rowena, mas não acho que ela tenha sido malcriada com Guinevere,
ontem, quando lhe tirou o jantar da frente.
Pollyanna,
confusa, piscou os olhos e franziu a testa, olhando ora para um ora
para outro rapaz. Jerry riu outra vez à socapa. Depois, com um
último empurrão, colocou o carro na posição habitual e
preparou-se para ir embora. Por cima do ombro ainda disse a
Pollyanna:
- Olhe,
menina, deixe-me avisá-la de uma coisa. Este tipo não está bêbado
nem é maluco, percebe? Ele só deu os nomes aos seus amiguinhos - e
fez um gesto amplo dos braços na direção das criaturas felpudas e
aladas que se juntaram ali vindas de todos os lados. E nem sequer são
nomes de gente. São nomes de pessoas dos livros, está a perceber?
Então adeus, Sir James - despediu-se ele com uma careta para o rapaz
da cadeira de rodas, e foi-se embora.
Pollyanna
ainda piscava os olhos e franzia a testa quando o rapaz paralítico
se virou para ela com um sorriso.
- Não
ligue ao Jerry. Ele é assim. Era capaz de cortar a mão direita por
minha causa, mas gosta muito de brincar. Ele não me disse o seu
nome.
-
Chamo-me Pollyanna Whitier.
Uma
expressão de simpatia espelhou-se nos olhos de Pollyanna.
- Não
consegue andar mesmo nada, Sir James? O rapaz riu divertido, para
depois esclarecer:
- Com que
então Sir James! Isso foi mais um dos disparates do Jerry. Não sou
"sir".
Pollyanna
pareceu desapontada.
- Não é?
Nem é "lord", como ele disse?
- Claro
que não.
- Pensava
que era. Como o pequeno Lord Fauntleroy. E.
Mas o
rapaz interrompeu impaciente:
- Conhece
o pequeno Lord Fauntleroy? E também conhece Sir Lancelot e o Graal
Sagrado, o Rei Artur e a Távola Redonda, e Lady Rowena e Ivanhoe?
Conhece-os todos?
Pollyanna
fez um sinal de dúvida.
- Receio
não os conhecer todos - admitiu. Estão todos nos livros?
O rapaz
fez que sim com a cabeça.
-
Tenho-os aqui. Alguns deles já os li várias vezes. Encontro sempre
algo de novo neles. Sabe, também não tenho mais. Estes eram de meu
pai. Deixa isso, meu diabinho! - interrompeu ele, rindo e
dirigindo-se a um esquilinho pendurado nas suas calças, que metia o
nariz num dos bolsos. - Acho que é melhor dar-lhes a paparoca, senão
ainda nos comem - disse o rapaz a rir. - Este é o Sir Lancelot. É
sempre o primeiro.
O rapaz
puxou de uma caixinha, que abriu com cuidado, protegendo-a dos
inúmeros olhinhos brilhantes que observavam cada movimento. Em redor
dele só se ouviam zumbidos e batidelas de asas. Sir Lancelot, atento
e ávido, ocupava um dos braços da cadeira de rodas. Um outro
amiguinho, de cauda farfalhuda, menos atrevido, sentava-se nos
quartos traseiros a um metro de distância. E um terceiro esquilo
chiava barulhento num ramo de uma árvore vizinha.
Da caixa,
o rapaz tirou algumas nozes, um pãozinho e uma rosca. Olhou para
esta, hesitante, e perguntou a Pollyanna:
- Traz
alguma coisa?
- Sim,
trago muita coisa - respondeu Pollyanna, batendo no saco que trazia.
- Então,
hoje talvez a coma - disse o rapaz, guardando a rosca com ar de
alívio.
Pollyanna,
para quem esse gesto passou quase desapercebido, meteu os dedos no
seu próprio saco e deu início ao banquete.
Foi uma
hora maravilhosa. Para Pollyanna, foram os momentos mais maravilhosos
que passou desde que chegara a Boston, pois tinha encontrado alguém
com quem podia falar depressa e durante todo o tempo que queria. Este
estranho jovem parecia dispor de uma coletânea de histórias
maravilhosas sobre bravos guerreiros e lindas damas, de torneios e
batalhas. Além disso, descrevia as suas imagens com tanta nitidez e
vivacidade, que Pollyanna via com os seus próprios olhos os feitos
valorosos dos guerreiros em armas, e as belas damas com tranças,
trajando vestidos carregados de joias.
As
"Senhoras da Caridade" foram esquecidas. Nem sequer pensava
no "Jogo do Contente". Pollyanna, com a face corada e os
olhos brilhantes, percorria aquela época encantada conduzida por um
rapaz que se alimentava de romances, e que, apesar de o desconhecer,
tentava meter nessa curta hora em que estava acompanhado inúmeros
dias de solidão.
Quando
soou o meio-dia, Pollyanna apressou-se a regressar a casa e, no
caminho, lembrou-se de que nem sabia o nome do rapaz. "Só sei
que não se chama Sir James", e suspirou, franzindo a testa
contrariada. "Mas não faz mal, amanhã vou perguntar-lhe. "
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