No
caminho para casa, Pollyanna foi idealizando alegres planos. No dia
seguinte, de uma maneira ou de outra, teria de convencer Mrs. Carew a
acompanhá-la num passeio ao Jardim Público. Não sabia bem como
havia de arranjar as coisas, mas teria de o conseguir.
Estava
fora de questão dizer diretamente a Mrs. Carew que tinha encontrado
Jamie e que desejava que ela fosse vê-lo. Havia a possibilidade de
este não ser o Jamie dela. E se não fosse, teria suscitado falsas
esperanças a Mrs. Carew, podendo o resultado ser desastroso. Através
de Mary, Pollyanna soubera que já por duas vezes Mrs. Carew ficara
muito doente em consequência de grandes desilusões ao seguir pistas
que a conduziram a rapazinhos que não eram o filho da falecida irmã.
Assim, Pollyanna sabia que não podia dizer a Mrs. Carew a razão por
que queria que a acompanhasse num passeio ao Jardim Público, no dia
seguinte. E foi a pensar nisso que Pollyanna regressou a casa.
Porém, o
destino, mais uma vez, interveio sob a forma de uma forte carga de
água, e bastou a Pollyanna olhar para a rua, na manhã seguinte,
para saber como a intenção lhe saíra furada. E o pior foi que nem
nos dois dias seguintes as nuvens desapareceram. Pollyanna passou
três tardes inteiras a caminhar de uma janela para outra, olhando o
céu e perguntando ansiosamente a toda a gente: "Não acham que
vai levantar?"
Tal
comportamento era tão estranho na alegre menina e as perguntas
constantes eram tão irritantes, que Mrs. Carew acabou por perder a
paciência.
- Por
amor de Deus, menina, qual é o seu problema? - exclamou ela. - Como
me surpreende que se preocupe tanto com o tempo! Afinal, onde está
hoje esse seu belo jogo?
Pollyanna
corou e ficou cabisbaixa.
- É
verdade, parece que desta vez me esqueci do jogo - admitiu ela. - E,
claro, se procurar encontrarei algo que me dê contentamento. Posso
ficar contente porque, uma vez, Deus disse que não mandaria outro
dilúvio. E tudo isto porque eu queria tanto que hoje fizesse bom
tempo!
- E por
que hoje especialmente?
- Queria
ir passear para o Jardim Público. - Pollyanna procurou falar
despreocupadamente. Quis assim, exteriormente, manifestar uma
indiferença afetada. Embora, interiormente, tremesse de excitação
e expectativa. - Talvez Mrs. Carew gostasse de ir comigo?
-arriscou-se.
- Eu? Ir
passear ao Jardim Público? - perguntou Mrs Carew de sobrolho
ligeiramente levantado. Não, obrigada, receio que não - respondeu
sorrindo.
- Pensei
que não recusasse! - hesitou Pollyanna, quase em pânico.
- Pois
recuso!
Pollyanna
procurava controlar-se, aflita. Estava muito pálida.
- Mas,
por favor, Mrs. Carew... por favor não diga que não vai! - pediu
ela. - Queria que viesse comigo por uma razão especial. Desta vez,
só desta vez!
Mrs.
Carew franziu a testa. Ia a abrir a boca para dizer um "não"
bem determinado, mas algo nos olhos suplicantes de Pollyanna lhe
alterou tal propósito porque, ao responder, pronunciou um "sim",
ainda que vago.
- Está
bem, menina, farei como pede, mas, ao prometer-lhe ir, terá também
de prometer que não se aproxima da janela durante uma hora e não
volta mais a perguntar com tanta insistência se o tempo vai
levantar, está bem?
- Está!
- exclamou, excitada, Pollyanna. Logo a seguir, quando uma réstia de
luz pálida que era quase um raio de sol atravessou a janela, ela
gritou de alegria:
- Acha
que vai. - levou a mão à boca, lembrando-se da promessa, e fugiu da
sala a correr.
O tempo
melhorou só na manhã seguinte. Porém, não obstante o sol brilhar,
estava fresco; e à tarde, quando Pollyanna regressou da escola,
sentia-se mesmo um vento frio. E, ao contrário de todos, insistia
que estava um lindo dia e que ficaria infelicíssima se Mrs. Carew
não fosse passear com ela ao jardim. É claro que Mrs. Carew acabou
por ir, mesmo contrariada. Como seria de esperar, foi uma saída
infrutífera. A senhora impaciente e a menina ansiosa, caminharam
apressadamente cheias de frio, pelos arruamentos do jardim.
Pollyanna, não encontrando o rapaz onde era habitual, procurava
nervosamente por todos os cantos do jardim. Não se conformava. Ali
andava acompanhada de Mrs. Carew, e não via Jamie. E como era
irritante não poder dizer nada à senhora! Finalmente, cheia de frio
e fula, Mrs. Carew insistíu em irem para casa. Pollyanna,
desesperada, não teve outro remédio senão fazer-lhe a vontade.
Os dias
que seguiram foram de tristeza para Pollyanna. Para ela, parecia um
segundo dilúvio; só que do ponto de vista de Mrs. Carew não
passava das chuvas habituais de Outono. Depois, veio nevoeiro,
umidade, nuvens e mais frio. Se, por acaso, surgia um dia de sol,
Pollyanna corria imediatamente até ao jardim. Mas em vão, Jamie não
estava lá. Já estavam em meados de Novembro e o próprio jardim
apresentava-se cada vez mais triste. As árvores estavam nuas, os
bancos mais vazios e não se via um barco no lago. É verdade que os
esquilos e os pombos continuavam por lá, mas dar-lhes de comer
constituía mais uma tristeza do que uma alegria, porque cada
sacudidela da cauda de Sir Lancelot lhe trazia memórias amargas do
rapaz que o batizara e estava ausente.
"E
eu que não lhe perguntei onde vivia! ", lamentava-se Pollyanna,
à medida que os dias passavam. "Chama-se Jamie. Só sei que se
chama Jamie. Será que tenho agora de esperar até à Primavera e que
faça calor suficiente para ele voltar? E se nessa altura já não
posso vir cá?"
Mas, numa
tarde sombria, aconteceu o inesperado. Ao passar pelo hall superior
ouviu vozes zangadas no andar de baixo, e reconheceu numa delas a de
Mary e uma outra que dizia:
- Nem
pensar! Não sou um pedinte, está a perceber? Quero falar à menina
Pollyanna, porque tenho um recado para ela, de Sir James. Vá, vá
chamá-la, se não se importa.
Com uma
exclamação de alegria, Pollyanna desceu as escadas a correr.
- Estou
aqui, estou aqui! O que é? Foi o Jamie que o mandou?
Assim
agitada, quase se ia a atirar de braços abertos para o rapaz, quando
Mary, escandalizada, a interceptou com mão firme.
- Miss
Pollyanna, conhece este pedinte? - O rapaz barafustou, zangado; mas
antes de ele poder falar mais, Pollyanna interpôs-se e disse:
- Ele não
é pedinte. É um dos meus melhores amigos. - Depois virou- se para o
rapaz e perguntou ansiosa - O que é? Foi o Jamie que o mandou?
- Foi. Há
um mês que está de cama sem se levantar. Está doente e quer vê-la.
Pode vir?
- Doente?
Que pena! - lamentou Pollyanna. Claro que vou. Vou buscar já o meu
chapéu e o meu casaco.
- Miss
Pollyanna! - protestou Mary, reprovadora. - Como se Mrs. Carew a
deixasse ir a algum lugar com um rapaz assim tão estranho!
- Mas ele
não é um estranho! - objetou Pollyanna. Já o conheço há muito
tempo e tenho de ir. Eu...
- Afinal,
que vem a ser tudo isto? - perguntou Mrs. Carew, severa, vinda da
sala. - Quem é este rapaz, Pollyanna. O que faz ele aqui?
Pollyanna
virou-se com vivacidade.
- Mrs.
Carew deixa-me ir, não deixa?
- Ir
aonde?
- Ver o
meu irmão, minha senhora - interrompeu o rapaz apressadamente e
esforçando-se por ser bem educado. - Ele está inquieto e não
descansou enquanto eu não vim pedir a Pollyanna que o fosse visitar.
Ele até tem visões com ela.
- Posso
ir, não posso? - suplicou Pollyanna. Mrs. Carew franziu a
sobrancelha.
- Ir com
este rapaz, menina? Evidentemente que não! Admira-me como pode ser
tão rebelde ao pensar nisso por um instante!
- Mas eu
quero ir - insistiu Pollyanna.
- Que
criança absurda! Nem pense nisso. Pode dar algum dinheiro a este
rapaz se quiser, mas.
-
Obrigado senhora, mas eu não vim aqui à procura de dinheiro -
respondeu o rapaz ofendido. - Vim à procura dela.
- Sim,
Mrs. Carew, este é o Jerry, Jerry Murphy, o rapaz que vende jornais
cá na rua - apoiou Pollyanna.
-
Deixa-me agora ir com ele?
Mrs.
Carew abanou a cabeça, objectando:
- Isso
está fora de questão, Pollyanna.
- Mas
Jamie. o outro rapaz, está doente e quer-me ver!
- Não
posso consentir.
-
Conheço-o muito bem, Mrs. Carew. A sério que conheço. Ele lê
livros muito bonitos, cheios de cavaleiros, lordes e damas e dá de
comer aos pássaros e aos esquilos, dá-lhes nomes e tudo isso. Ele
não pode andar, e, além disso, muitas vezes não tem comida
suficiente. E também joga, desde há um ano, o meu jogo e eu não
sabia. Consegue até jogá-lo muito melhor do que eu. Há vários
dias que ando à procura dele. A sério, Mrs. Carew, com honestidade,
tenho de o ver - dizia Pollyanna, quase soluçando. - Não o posso
perder outra vez!
O rosto
de Pollyanna estava vermelho de aflição.
-
Pollyanna, tudo isso é um completo disparate. Estou surpreendida por
a menina insistir em fazer uma coisa que eu reprovo. Não posso
permitir que vá com este rapaz. Não quero saber de mais nada.
No rosto
de Pollyanna surgiu uma expressão nova. De olhar meio assustado,
meio exaltado, levantou o queixo e enfrentou Mrs. Carew. Trémula e
determinada, disse então:
- Nesse
caso, terei de lhe dizer. Não tencionava fazê-lo antes de ter a
certeza. Queria que o visse primeiro, mas agora tenho de lhe dizer.
Não o posso perder outra vez. Mrs. Carew, penso que é o Jamie, o
seu Jamie.
- Jamie?
Não! O meu Jamie? - O rosto de Mrs. Carew tornou-se subitamente
pálido.
- Sim.
- É
impossível!
- Até
pode ser. Mas por favor, ele chama-se Jamie e não sabe o sobrenome.
O pai morreu quando ele tinha seis anos e não se lembra da mãe.
Agora julga ter doze anos. Estas pessoas tomaram conta dele quando o
pai lhe morreu. O pai era esquisito e jamais disse a alguém o nome,
e.
Mrs.
Carew interrompeu-a com um gesto. Com efeito, a senhora estava cada
vez mais pálida, e os seus olhos irradiavam um brilho indescritível.
- Vamos
imediatamente - disse ela. - Mary, diga ao Perkins para preparar já
o carro. Pollyanna, vá buscar o seu chapéu e o casaco. Rapaz, por
favor espera aqui. Iremos contigo imediatamente. - E
foi-se,
escada acima, a correr. No hall, finalmente, o rapaz pôde respirar
fundo, desabafando:
- Chi!
Agora até vamos de carro! Mas que nível! Que dirá Sir James?
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