Depois de deixar a capela, Pollyanna não foi para casa, mas sim para a colina de Pendleton. Tinha sido um dia difícil, embora fosse um de seus dias livres, como ela chamava os poucos dias em que não tinha costura nem cozinha. E Pollyanna achava que não havia nada melhor do que um passeio pelo bosque de Pendleton. Assim, subiu a colina apesar do forte calor que fazia.
– Só preciso chegar em casa pelas quatro e meia – pensava ela – e vai ser muito mais agradável se eu for pelo meio do bosque, mesmo que tenha que subir toda essa colina.
Aquele bosque era muito bonito e hoje parecia ainda mais agradável apesar dela se sentir triste com o que teria que dizer ao Jimmy amanhã.
– Que pena não estarem todas aqui, todas aquelas senhoras que falavam tão alto – Pollyanna falava sozinha. – De qualquer modo, se elas estivessem aqui, tenho certeza de que mudariam de ideia e adotariam Jimmy como filho – falou, segura de sua convicção, porém incapaz de saber o porquê.
De repente Pollyanna parou, atenta. Um cachorro havia latido ali perto. Pouco depois, o cachorro surgiu na sua frente, ainda latindo.
– Olá, cachorrinho! – disse Pollyanna, enquanto o acariciava e olhava para o caminho a sua frente, na esperança de aparecer mais alguém. Ela já tinha visto o cachorro antes. Ele costumava acompanhar “o homem”, Mr. John Pendleton. E se o cachorro estava ali, o dono devia estar por perto. Esperou que ele aparecesse. Procurou atentamente durante algum tempo, mas nada dele aparecer. Desviou, então, a atenção de volta para o cachorro.
O cachorro, como Pollyanna podia ver, estava agindo de modo muito estranho. Continuava a latir como se quisesse dar alarme. Corria para trás e para frente. Parecia querer chamar a atenção de Pollyanna para uma trilha lateral, onde se meteu, ainda latindo.
– Oh, mas esse não é o caminho para casa – riu Pollyanna, mantendo-se no caminho principal.
O cachorro parecia fora de si. Continuava a correr para trás e para frente entre Pollyanna e a trilha lateral, latindo e soltando uivos. Todo o seu comportamento era um apelo tão eloquente que, finalmente, Pollyanna compreendeu e o seguiu. Um pouco mais na frente, Pollyanna percebeu a razão daquele comportamento. Um homem jazia deitado junto a um grande rochedo, a alguns metros da trilha secundária.
Um galho seco estalou sob os pés de Pollyanna e o homem virou a cabeça. Pollyanna correu com um grito de surpresa.
– Mr. Pendleton! O senhor está ferido?
– Ferido? Não, só estava tirando uma sesta, deitado aqui! – respondeu o homem, com a voz irritada. – Veja, quanto você sabe? O que pode fazer? O que tem dentro dessa cabeça?
Pollyanna tomou fôlego e, conforme seu costume, respondeu as perguntas literalmente, uma por uma.
– Bem, Mr. Pendleton, eu não sei muita coisa, e também não consigo fazer muitas coisas, mas as senhoras da Caridade, menos a Mrs. Rawson, achavam que eu tinha muito juízo. Uma vez, eu as ouvi falando de mim, mas elas não sabiam que eu estava ouvindo.
O homem sorriu numa careta.
– Bem, bem. Peço desculpas pelos meus modos. É essa maldita perna que está me incomodando. Agora, escute – ele pausou e, com alguma dificuldade, levou a mão até o bolso da calça, de onde tirou um molho de chaves, separou uma delas e disse:
– Em cinco minutos, por esse caminho, você encontra a minha casa. Esta chave é a da porta lateral ao lado do pórtico. Sabe o que é pórtico?
– Sei sim. A tia Polly tem um pórtico com um solário em cima. Foi no teto desse solário que eu dormi, isto é, eu ia dormir, porque eles me descobriram.
– Quê? Bem – exclamou o homem, sem entender nada. Mas prosseguiu: – Pois bem. Abra a porta, atravesse o vestíbulo, e na sala no fim do corredor você vai encontrar um telefone em cima de uma escrivaninha. Sabe usar o telefone?
– Oh, sei sim. Uma vez quando a tia Polly...
– Agora não interessa a tia Polly – interrompeu o homem abruptamente, tentando mudar de posição. – Procure o número do telefone do doutor Thomas Chilton, numa lista que deve estar lá. Sabe o que é lista de telefone?
– Ah, sim, senhor. Eu adoro a lista que a tia Polly tem. Tem muitos nomes estranhos e...
– Diga ao doutor Chilton que John Pendleton está junto do rochedo da águia, no bosque Pendleton, com a perna quebrada. Peça a ele que venha imediatamente e traga dois homens e uma maca. Ele sabe o que deve fazer. Diga para vir pelo caminho que sai na frente da minha casa.
– Uma perna quebrada? Oh, Mr. Pendleton, que horror! – exclamou Pollyanna. – Mas ainda bem que eu vim. Não posso...
– Sim, pode, mas agora não! Vá fazer o que eu lhe pedi e pare de falar – resmungou o homem, quase desmaiando. E, com um ligeiro soluço, Pollyanna saiu correndo. Não parou nenhuma vez para apreciar a beleza da copa das árvores. Manteve os olhos no chão o tempo todo, para evitar os buracos e os galhos secos.
Logo enxergou a casa. Já a tinha visto por fora, mas nunca tão de perto. Sentia-se um pouco assustada com a imponência das grandes colunas de pedra cinza, das enormes varandas e da imponente entrada. Depois de uma breve hesitação, correu pelo gramado e fez a volta para achar a porta lateral ao lado do pórtico. Teve um pouco de dificuldade para virar a chave, mas, finalmente, conseguiu abrir a pesada porta de carvalho entalhada.
Pollyanna respirou fundo. Apesar da pressa, hesitou por um momento, olhando receosamente através do vestíbulo. Era a casa de John Pendleton, uma casa de mistério, onde não entrava ninguém a não ser o dono. Uma casa onde, em algum lugar, estava escondido um esqueleto.
Com um gritinho, Pollyanna, sem olhar para os lados, correu apressadamente pela porta de entrada e abriu a porta para o corredor, dirigindo-se à sala. Era muito grande e sombria, o teto era de madeira escura, mas pela janela entrava uma réstia de sol que brincava na proteção de latão da lareira.
Pollyanna correu para a escrivaninha, no meio da sala, onde se encontrava o telefone. A lista com os telefones estava no chão. Pollyanna apanhou-a e percorreu as folhas até encontrar o nome do doutor Chilton. Finalmente conseguiu fazer a ligação e transmitiu a mensagem ao médico, que lhe fez algumas perguntas. Feito isto, desligou e respirou aliviada.
Pollyanna olhou, então, ao redor, percebendo confusamente as tapeçarias, as estantes cheias de livros que revestiam as paredes, as inúmeras portas fechadas que podiam muito bem esconder o esqueleto e o pó que havia por todo lado, muito pó. Pollyanna saiu correndo pelo corredor, em direção à grande porta, ainda semi-aberta como ela a deixara.
O homem da perna quebrada admirou-se da sua rapidez quando a viu retornar.
– Então, Pollyanna, qual foi o problema? Não conseguiu abrir a porta? – perguntou ele.
Pollyanna arregalou os olhos.
– Claro que consegui! Estou aqui – respondeu ela. – Não estaria se não tivesse entrado! Falei com o médico, ele estará aqui o mais depressa possível. Vai trazer os homens e o resto das coisas. Ele disse que sabia exatamente onde o senhor estava e por isso não fiquei lá para mostrar o caminho. Vim correndo para lhe fazer companhia.
– Realmente? – sorriu o homem, ironicamente. – Não posso dizer que admiro o seu gosto. Achei que você podia encontrar companhias mais agradáveis.
– Diz isso por ser tão rabugento?
– Obrigado pela franqueza. É isso mesmo.
Pollyanna riu docemente.
– Mas o senhor só é rabugento por fora. Por dentro não é!
– Ah, sim? E como é que você sabe disso? – perguntou o homem, tentando mudar a posição da cabeça sem mexer o resto do corpo.
– Por várias razões. Por exemplo, o modo como trata o seu cachorro – acrescentou ela, apontando para a mão dele que repousava sobre a cabeça do cachorro, que se encontrava junto dele. – É engraçado como os cães e os gatos conhecem os donos por dentro melhor do que as outras pessoas, não é? Olhe, é melhor eu segurar a sua cabeça – concluiu ela abruptamente.
O homem gemeu várias vezes, até conseguir arranjar uma nova posição, quando, finalmente, chegou à conclusão de que o colo de Pollyanna substituía muito melhor a pedra onde antes assentava a cabeça.
– Ah, assim está melhor! – murmurou ele, suspirando.
Ele não falou durante algum tempo. Pollyanna observava a face dele e se perguntava se ele estava dormindo ou não. Achava que não, pois parecia que ele mantinha os lábios fechados como se quisesse conter os gemidos de dor. A própria Pollyanna quase chorou quando percebeu como era grande e forte o corpo que ali estava tão desamparado. O tempo ia passando, o sol começava a baixar e as sombras entre as árvores eram cada vez mais profundas. Pollyanna estava sentada tão quieta que mal respirava. Um pássaro chegou atrevidamente ao alcance de sua mão e um esquilo abanava a cauda num galho, quase por cima da cabeça dela, mas com os olhinhos brilhantes postos no cachorro imóvel.
Finalmente o cachorro levantou as orelhas e latiu. Logo depois, Pollyanna ouviu vozes e, em seguida, apareceram três homens, trazendo uma maca e outras coisas. O mais alto, que era o doutor Chilton, adiantou-se, sorrindo.
– Então, esta linda menina está brincando de enfermeira?
– Não, senhor – sorriu Pollyanna. – Estava só segurando a cabeça dele. Não dei nenhum remédio. Mas estou muito contente por ter ficado aqui.
– Eu também – concordou o médico, enquanto voltava a sua atenção para o homem ferido.
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