terça-feira, 24 de setembro de 2013

1 - TYRION


Ele bebeu seu trajeto pelo mar estreito.
O navio era pequeno, a cabine, menor, mas o capitão não permitia sua presença no convés. O balanço do chão sob seus pés embrulhava o estômago, e a comida miserável parecia ainda pior quando ele a vomitava. Mas por que precisava de carne salgada, queijo duro e pão cheio de vermes quando tinha vinho para nutri-lo? Era tinto e amargo, muito forte. Algumas vezes, punha o vinho para fora também, mas sempre havia mais.
- O mundo está cheio de vinho - murmurou na cabine úmida. Seu pai nunca tinha visto utilidade nos bêbados, mas o que isso importava? Agora estava morto. Ele o matara. Um dardo na barriga, meu senhor, todo ele para você. Se eu fosse melhor com uma besta, teria acertado o pau com o qual você me fez, seu filho da puta.
Embaixo do convés não havia dia ou noite. Tyrion marcava o tempo pelo vai e vem do grumete que lhe trazia as refeições que ele não comia. O garoto sempre trazia um escovão e um balde também, para limpar a cabine.
- Isso é vinho dornense? - Tyrion lhe perguntou certa vez, enquanto o rapaz puxava a rolha do odre. - Isso me lembra certa serpente que conheci. Um sujeito engraçado, até que uma montanha caiu sobre ele.
O grumete não respondeu. Era um garoto feio, embora deva-se admitir que mais formoso que certo anão com metade do nariz e uma cicatriz que ia do olho ao queixo.
- Eu o ofendi? - Tyrion perguntou, enquanto o menino esfregava o chão. - Ordenaram que você não falasse comigo? Ou algum anão sacaneou sua mãe? - isso também ficou sem resposta. - Para onde estamos navegando? Responda-me. - Jaime mencionara as Cidades Livres, mas nunca dissera qual delas. - Vamos para Bravos? Tyrosh? Myr? - Tyrion teria preferido ir para Dome. Myrcella é mais velha do que Tommen e, pelas leis dornenses, o Trono de Ferro é dela. Vou ajudá-la a reclamar seus direitos, como o Príncipe Oberyn sugeriu.
Mas Oberyn estava morto, a cabeça esmagada em destroços sangrentos pelo punho blindado de Sor Gregor Clegane. E sem a Víbora Vermelha para incitá-lo, Doran Martell levaria esse plano incerto em consideração? Em vez disso, ele poderia me acorrentar e me mandar de volta para minha doce irmã. A Muralha pode ser mais segura. O Velho Urso dissera que a Patrulha da Noite precisa de homens como Tyrion. Contudo, Mormont estava morto. Agora, Slynt pode ser o Senhor Comandante. Aquele filho de açougueiro não era o tipo que esquecia quem o havia mandado para a Muralha. Preciso mesmo passar o resto da minha vida comendo carne salgada e papa de aveia com assassinos e ladrões? Não que o resto da vida dele fosse durar muito. Janos Slynt se encarregaria disso.
O grumete molhou o escovão e esfregou vigorosamente.
- Você já visitou as casas de prazer de Lys? - o anão inquiriu. - Será para lá que as putas vão? - Tyrion não conseguia se lembrar da palavra valiriana para puta, em todo caso era tarde demais. O garoto jogou o escovão no balde e partiu.
O vinho está turvando meu juízo. Ele aprendeu a ler em Alto Valiriano nos joelhos de seu meistre, embora o que se fale nas nove Cidades Livres ... bem, não é exatamente um dialeto, mas nove dialetos em vias de se separar em nove línguas. Tyrion entendia algum bravosi e um punhado de myrishi. Em Tyrosh, seria capaz de amaldiçoar os deuses, chamar um homem de trapaceiro e pedir uma cerveja, graças a um mercenário que conhecera no Rochedo. Pelo menos em Dorne se falava a Língua Comum. Como a comida e as leis, a fala dornense era temperada com os sabores do Roine, mas um homem podia compreendê-la. Dorne, sim, Dorne para mim. Ele se arrastou para a cama, acalentando esse pensamento como uma criança faz com sua boneca.
O sono nunca veio fácil para Tyrion Lannister. A bordo do navio, nunca veio completamente, embora de tempos em tempos ele tivesse conseguido embriagar-se o suficiente para apagar por um tempo. Ao menos, não sonhou. Já sonhara o suficiente para uma vida pequena. E com coisas tão tolas: amor, justiça, amizade, glória. Assim como sonhara ser alto. Isso tudo estava fora do seu alcance, Tyrion sabia agora. Mas ele não sabia para onde as putas iam.
- Para onde quer que as putas vão - seu pai tinha dito. Suas últimas palavras, e que palavras foram. A besta zuniu, Lorde Tywin caiu sentado, e Tyrion Lannister encontrou-se bamboleando pela escuridão, com Varys ao seu lado. Deve ter descido as escadas com esforço, duzentos e trinta degraus até onde as brasas laranja brilhavam na boca do dragão de ferro. Não se recordava de nada disso. Somente do som da besta e do fedor das vísceras de seu pai se abrindo. Até mesmo na morte ele encontrou um jeito de me cagar.
Varys o guiou pelos túneis, mas não falaram nada até saírem ao lado da Água Negra, onde Tyrion conseguiu uma famosa vitória e perdeu o nariz. Foi aí que o anão se virou para o eunuco e disse:
- Matei meu pai - no mesmo tom que um homem usaria para dizer: “Perdi o dedo do pé”
O mestre dos sussurros estava vestido como um irmão mendicante, com uma túnica de tecido rústico marrom, comida por traças, e um capuz que cobria de sombras suas gordas e macias bochechas e a cabeça careca.
- Você não devia ter subido aquelas escadas - ele disse em tom de reprovação.
Aonde quer que as putas vão” Tyrion queria que seu pai não tivesse dito aquilo. Se eu não tivesse soltado o gatilho, ele teria visto que minhas ameaças eram vazias. Teria tirado a besta das minhas mãos como certa vez tirou Tysha de meus braços. Ele estava se levantando quando o matei.
- Matei Shae também - ele confessou para Varys.
- Você sabia o que ela era.
- Sabia. Mas nunca soube o que ele era.
Varys deu um riso abafado. - E agora você sabe.
Eu devia ter matado o eunuco também. Um pouco mais de sangue em suas mãos, quem se importaria? Não saberia dizer o que segurara sua adaga. Não foi gratidão. Varys o salvara da espada do carrasco, mas somente porque Jaime o obrigara. Jaime... não, melhor não pensar em Jaime.
Em vez disso encontrou um odre de vinho fresco e o sugou como se fosse o seio de uma mulher. O vinho amargo escorria pelo queixo e molhava a túnica suja, a mesma que usara na cela. O chão balançava sob seus pés e, quando tentou se levantar, caiu de lado e bateu com força em um anteparo. Uma tempestade, percebeu, ou então estou mais bêbado do que pensava. Vomitou o vinho e se deitou um pouco, imaginando se o navio afundaria. Essa é a sua vingança, pai? O Pai aí de cima o fez sua Mão?
- É assim que se paga um assassino de familiares - disse, enquanto o vento uivava lá fora. Não parecia justo afogar o grumete, o capitão e todo o resto da tripulação por algo que ele havia feito, mas desde quando os deuses são justos? E nesse momento a escuridão o engoliu.
Quando se mexeu novamente, sua cabeça parecia prestes a estourar e o navio rodava em círculos vertiginosos, embora o capitão insistisse em que tinham chegado ao porto. Tyrion lhe disse para ficar quieto e reagiu debilmente quando um imenso marinheiro careca o pegou sob um braço e o carregou para o porão, onde um barril de vinho vazio o aguardava. Era pequeno e achatado, apertado até mesmo para um anão. Tyrion urinou-se enquanto tentava lutar, e isso foi o melhor que conseguiu. Foi enfiado de cabeça para baixo, os joelhos apertando-se contra as orelhas. A ponta do nariz pinicava horrivelmente, mas os braços estavam tão apertados que não conseguia se coçar. Uma liteira apropriada para alguém da minha estatura, pensou, enquanto fechavam a tampa. Podia ouvir vozes gritando, enquanto era içado. Qualquer balanço fazia sua cabeça bater contra o fundo. O mundo girou e girou quando o barril rolou para fora do navio, e então parou com uma batida que o fez querer gritar. Outro barril se chocou contra o seu, e Tyrion mordeu a língua.
Foi a viagem mais longa de sua vida, embora não tenha levado mais do que meia hora. Foi levantado e abaixado, rolado e empilhado, derrubado e endireitado, e rolado novamente. Através das aduelas de madeira, ouvia os homens gritando, e uma vez um cavalo relinchou ali perto. Suas pernas atrofiadas começaram a ter câimbras e logo doíam tanto que esqueceu o martelar na cabeça.
E terminou como começou, com outro rolar que o deixou tonto e mais sacudido. Do lado de fora, vozes estranhas falavam em uma língua que ele não conhecia. Alguém começou a bater em cima do barril, e a tampa se abriu de repente. A luz inundou tudo, assim como o ar fresco. Tyrion ofegou avidamente e tentou se levantar, mas só conseguiu tombar o barril e esparramar-se em um chão duro de terra.
Um homem gordo e grotesco assomou sobre ele, com uma barba amarela bifurcada, segurando um martelo de madeira e um cinzel de ferro. Seu roupão era grande o bastante para servir como pavilhão de torneio, mas o cinto atado frouxamente tinha se desfeito, expondo uma gigantesca barriga branca e um par de peitos pesados que pendiam como sacos de sebo cobertos de grossos pelos amarelos. Fazia Tyrion lembrar-se de um peixe-boi morto que certa vez dera à praia, nas cavernas sob o Rochedo Casterly.
O homem gordo olhou para baixo e sorriu.
- Um anão bêbado - disse, na Língua Comum de Westeros.
- Um peixe-boi apodrecendo - a boca de Tyrion estava cheia de sangue. Cuspiu nos pés do homem gordo. Estavam em uma adega comprida e escura, com tetos abobadados e paredes de pedra manchadas de salitre. Barris de vinho e cerveja os cercavam, mais que suficientes para manter um anão sedento em segurança durante a noite. Ou durante uma vida.
- Você é insolente. Gosto disso em um anão. - Quando o homem gordo riu, sua carne balançou tão vigorosamente que Tyrion ficou com medo que caísse e o esmagasse. - Está com fome, meu pequeno amigo? Cansado?
- Com sede. - Tyrion lutou com seus joelhos. - E imundo.
O homem gordo cheirou.
- Primeiro um banho, então. Depois comida e uma cama macia, que tal? Meus servos providenciarão isso. - Colocou o martelo e o cinzel de lado. - Minha casa é sua. Qualquer amigo dos meus amigos do outro lado da água é amigo de Illyrio Mopatis, sim.
Qualquer amigo de Varys, a Aranha, é alguém em quem confiarei o quanto mais longe estiver de mim.
Apesar disso, o homem gordo cumpriu bem a promessa do banho. Tão logo entrou na água quente, Tyrion fechou os olhos e rapidamente adormeceu. Acordou nu em um colchão de penas de ganso tão macio que parecia que tinha mergulhado em uma nuvem. Sua língua estava espessa e a garganta em carne viva, mas seu pau estava tão duro quanto uma barra de ferro. Rolou cama afora, encontrou um penico e começou a enchê-lo com gemidos de prazer.
O quarto estava escuro, mas havia faixas amarelas de sol entre as ripas da persiana. Tyrion balançou as últimas gotas e bamboleou sobre tapetes de Myr estampados tão macios quanto a grama nova da primavera. Escalou desajeitadamente o assento da janela e aventurou-se a abrir a persiana e ver para onde Varys e os deuses o tinham mandado.
Embaixo da janela seis cerejeiras montavam guarda ao redor de uma piscina de mármore, seus ramos delgados desfolhados e marrons. Um rapaz nu estava na água, pronto para um duelo, com uma lâmina bravosi na mão. Era flexível e bonito, com não mais do que dezesseis anos e um cabelo loiro liso que lhe caía sobre os ombros. Parecia tão real que levou um longo tempo até que o anão percebesse que era de mármore pintado, embora a espada brilhasse como aço de verdade.
Do outro lado da piscina havia uma parede de tijolos, com quase quatro metros de altura e pontas de ferro no topo. Além dela estava a cidade. Um mar de telhados cercava uma baía. Era possível ver torres de tijolo quadradas, um grande templo vermelho e, distante, uma mansão sobre uma colina. Bem longe, a luz do sol brilhava nas águas profundas. Barcos de pesca se moviam pela baía, as velas tremulando ao vento, e, mais distantes, mastros de navios maiores disputavam espaço ao longo da costa. Certamente algum deles vai para Dorne ou para Atalaialeste do Mar. Mas Tyrion não tinha como pagar a passagem, nem servia para puxar um remo. Eu poderia entrar como grumete e ganhar um lugar no navio deixando a tripulação me mandar de um lado para o outro no mar estreito.
Perguntou-se onde estava. Até o ar cheira diferente aqui. Estranhas especiarias perfumavam o vento frio de outono, e ele podia ouvir um fraco som do vozerio vindo das ruas além do muro. Parecia algo como Valiriano, mas ele não conseguia reconhecer mais do que uma palavra em cinco. Não é Bravos, concluiu, nem Tyrosh. Os ramos sem folhas e o ar frio também eram indícios contra Lys, Myr e Volantis.
Quando ouviu a porta se abrir atrás dele, Tyrion virou-se e confrontou seu gordo anfitrião.
- Estamos em Pentos, não?
- Exatamente. Onde mais?
Pentos. Bem, não era Porto Real, era o máximo que podia dizer sobre o lugar.
- Para onde as putas vão? - ele se ouviu perguntando.
- Aqui as putas ficam nos bordéis, como em Westeros. Mas você não precisa disso, meu pequeno amigo. Escolha uma das minhas servas. Nenhuma delas o recusará.
- Escravas? - o anão perguntou severamente.
O homem gordo acariciou uma das pontas da oleosa barba amarela, um gesto que pareceu a Tyrion incrivelmente obsceno.
- A escravidão é proibida em Pentos, nos termos do tratado que os bravosis nos impuseram há centenas de anos. Mesmo assim, elas não o recusarão - Illyrio fez uma pesada meia reverência. - Mas agora, meu pequeno amigo, você precisa me desculpar. Tenho a honra de ser magíster nesta grande cidade, e o príncipe nos convocou para uma sessão. - Sorriu, mostrando uma boca cheia de dentes tortos e amarelos. - Explore a mansão e os jardins, mas não se perca para fora dos muros. É melhor que ninguém saiba que está aqui.
- Aqui, onde? Eu fui para algum lugar?
- Teremos tempo suficiente para conversar esta tarde. Meu pequeno amigo e eu comeremos, beberemos e faremos grandes planos, sim?
- Sim, meu gordo amigo - Tyrion respondeu. Ele acha que me usará para obter algum lucro. Era tudo lucro com os príncipes mercadores das Cidades Livres. “Soldados de especiarias e senhores do queijo”, era como seu pai os chamava, com desprezo. Amanhecesse um dia em que Illyrio Mopatis visse mais benefício em um anão morto do que em um vivo, e ele se encontraria dentro de outro barril de vinho ao anoitecer. Será bom eu partir antes que esse dia chegue. E esse dia viria, não tinha dúvidas; Cersei não o perdoaria, e até Jaime poderia ter ficado aborrecido em encontrar um dardo na barriga do pai.
Um vento suave movimentava as águas na piscina abaixo, ao redor do espadachim nu. Isso fez Tyrion se lembrar de como Tysha sacudia os cabelos durante a falsa primavera do casamento deles, antes que ele ajudasse os guardas do pai a estuprá-la. Ele pensara nesses guardas durante a viagem, tentando lembrar quantos haviam sido. Seria de se esperar que ele lembrasse, mas não. Uma dúzia? Vários? Uma centena? Ele não poderia dizer. Eram todos homens crescidos, altos e fortes ... embora todos os homens parecessem altos para um anão de treze anos. Tysha saberia o número. Cada um deles lhe deu um veado de prata, então ela só teria que contar as moedas. Uma moeda de prata de cada um deles e uma de ouro de mim. Seu pai insistiu para que ele também pagasse. Um Lannister sempre paga suas dívidas.
Aonde quer que as putas vão”, ele ouviu Lorde Tywin dizer mais uma vez, e novamente a corda da besta zuniu.
O magíster o convidara a explorar a mansão. Encontrou roupas limpas em uma arca de cedro incrustada de lápis-lazúli e madrepérola. Eram roupas feitas para um garoto pequeno, ele notou enquanto lutava para vesti-las. Os tecidos eram suficientemente ricos, ainda que um pouco mofados, mas o corte era muito longo nas pernas e muito curto nos braços, com um colarinho que teria deixado sua cara azulada se conseguisse mantê-lo fechado. Algumas traças também tinham andado por ali. Mas pelo menos as roupas não cheiravam a vômito.
Tyrion começou sua exploração pela cozinha, onde duas mulheres gordas e um criado o observaram com cuidado, enquanto ele se servia de queijo, pão e figos.
- Um bom dia para vocês, belas damas - disse, com uma mesura. - Vocês sabem para onde as putas vão? - Quando elas não responderam, ele repetiu a pergunta em Alto Valiriano, embora tivesse que dizer cortesãs no lugar de putas. A cozinheira mais jovem e mais gorda deu de ombros desta vez.
Ele se perguntou o que elas fariam se as tomasse pela mão e as arrastasse até seu quarto. Nenhuma delas vai recusá-lo, Illyrio garantira, mas de algum modo Tyrion não achava que ele se referisse àquelas duas. A mulher mais nova era velha o suficiente para ser sua mãe, e a mais velha podia ser mãe dela. Ambas eram quase tão gordas quanto Illyrio, com tetas maiores que a cabeça do anão. Eu poderia me sufocar em carne. Havia piores maneiras de morrer. Como o jeito que seu pai morreu, por exemplo. Eu deveria tê-lo feito cagar um pouco de ouro antes de morrer. Lorde Tywin podia ter sido sovina com sua aprovação e afeto, mas sempre fora mão aberta quando o assunto era dinheiro. A única coisa mais lamentável do que um anão sem nariz é um anão sem nariz que não tem ouro.
Tyrion deixou as mulheres gordas com seus pães e chaleiras e foi em busca da adega onde Illyrio o decantara na noite anterior. Não foi difícil de encontrar. Havia vinho suficiente ali para mantê-lo bêbado por centenas de anos; tintos doces da Campina e tintos amargos de Dome, pálidos âmbares pentoshis, o verde néctar de Myr, três tonéis pontuados de dourado da Árvore, além de vinhos do lendário leste, de Qarth e Yi Ti, e Asshai pela Sombra. No fim, Tyrion escolheu um barril de vinhoforte marcado como estoque pessoal de Lorde Runceford Redwyne, o avô do atual Lorde da Árvore. O gosto era lânguido e pesado na língua, a cor, um roxo tão escuro que parecia quase negro na adega pouco iluminada. Tyrion encheu uma taça e um garrafão com uma boa quantidade e levou-os para o jardim, pensando em beber sob as cerejeiras que vira mais cedo.
No caminho, entrou por uma porta errada e não encontrou a piscina que espiara da janela, mas não se importou. Os jardins atrás da mansão eram tão agradáveis quanto, e muito maiores. Caminhou por eles por algum tempo, bebendo. Os muros fariam qualquer castelo sentir vergonha, e as pontas de ferro sobre o topo pareciam estranhamente nuas sem cabeças que as adornassem. Tyrion imaginou como a cabeça da irmã ficaria espetada ali, com alcatrão em seus cabelos dourados e moscas zunindo dentro e fora de sua boca. Sim, e Jaime deve ficar na ponta de ferro ao lado dela, decidiu. Ninguém deve ficar entre meu irmão e minha irmã.
Com uma corda e um gancho ele devia ser capaz de ultrapassar aquele muro. Tinha braços fortes e não pesava muito. Deveria ser capaz de escalar, se não se empalasse em uma das pontas de ferro. Procurarei uma corda amanhã, decidiu.
Viu três portões durante sua caminhada; a entrada principal com sua guarita, um postigo nos canis e um portão no jardim, escondido atrás de um emaranhado de hera desbotada. O último estava acorrentado, os outros, protegidos. Os guardas eram gordos, com o rosto tão suave quanto bumbum de bebê, e cada um deles usava um capacete pontudo de bronze. Tyrion reconhecia um eunuco quando via um. E conhecia esse tipo pela reputação. Não temiam nada e não sentiam dor, dizia-se, e eram leais aos seus mestres até a morte. Eu faria um bom uso de umas poucas centenas para mim, refletiu. Pena que não pensei nisso antes de virar mendigo.
Andou ao longo de uma galeria de colunas e através de um arco pontiagudo, chegando a um pátio ladrilhado, onde uma mulher lavava roupas em um poço. Ela parecia ter a mesma idade dele, com um cabelo ruivo embotado e um rosto largo, coberto de sardas.
- Gostaria de um pouco de vinho? - ele perguntou. Ela olhou para ele incerta. - Não tenho taça para você, teremos que dividir.
A lavadeira voltou a torcer as túnicas e pendurá-las para secar. Tyrion instalou-se em um banco de pedra com seu garrafão.
- Me diga, até onde devo acreditar no Magíster Illyrio? - O nome a fez olhar para cima. - Tanto assim? - Rindo, ele cruzou as pernas atrofiadas e tomou um gole. - Eu detestaria desempenhar qualquer papel que o queijeiro tenha em mente para mim, mas como posso recusar? Os portões estão guardados. Talvez você possa me contrabandear para fora sob suas saias? Eu ficaria tão grato que poderia me casar com você. Já tenho duas esposas, por que não três? Ah, mas onde nós viveríamos?
Ele lhe deu o sorriso mais simpático que um anão com meio nariz poderia conseguir.
- Tenho uma sobrinha em Lançassolar, lhe contei? Poderia fazer um monte de travessuras em Dome, com Myrcella. Poderia fazer meu sobrinho e minha sobrinha entrarem em guerra um contra o outro, não seria engraçado? - A lavadeira pendurou uma das túnicas de Illyrio, grande o suficiente para dobrar como uma vela de navio. - Eu deveria ter vergonha desses pensamentos malvados, você está certa. É melhor eu ir para a Muralha. Todos os crimes são limpos quando um homem se junta à Patrulha da Noite, é o que dizem. Embora eu tema que não vão me deixar manter você lá, docinho. Não há mulheres na Muralha, nenhuma doce esposa sardenta para esquentá-lo na cama durante a noite, apenas ventos gelados, bacalhau salgado e um pouco de cerveja. Você acha que parecerei mais alto de negro, minha senhora? - Ele encheu sua taça novamente. - O que me diz? Norte ou Sul? Devo expiar os pecados antigos ou cometer alguns novos?
A lavadeira lhe deu uma última olhada, pegou sua cesta e foi embora. Parece que não consigo manter uma esposa por muito tempo, Tyrion refletiu. De algum modo, seu garrafão tinha secado. Talvez eu deva cambalear de volta à adega. Mas o vinho forte estava fazendo sua cabeça girar, e os degraus da adega eram muito íngremes.
- Para onde as putas vão? - ele perguntou para a roupa estendida no varal Talvez devesse ter perguntado para a lavadeira. Não quero dizer que você é uma puta, minha querida, mas talvez você saiba para onde elas vão. Ou, melhor ainda, devia ter perguntado ao seu pai.
- Aonde quer que as putas vão - Lorde Tywin dissera. Ela me amava. Ela era a filha de um arrendatário, ela me amava e se casou comigo, e ela confiou em mim.
O garrafão vazio escorregou de suas mãos e rolou pelo jardim. Tyrion jogou-se para fora do banco e foi buscá-lo. Ao fazer isso, viu alguns cogumelos crescendo entre as rachaduras de um ladrilho do piso. Eram de um branco pálido, manchado, e por baixo tinham ranhuras vermelhas, escuras como sangue. O anão apanhou um e o cheirou. Delicioso, pensou, e mortal.
Havia sete cogumelos. Talvez os Sete estivessem tentando lhe dizer algo. Colheu todos, pegou uma luva do varal para embrulhá-los com cuidados e guardou-os no bolso. O esforço o deixou tonto, então arrastou-se de volta para o banco, deitou de barriga para cima e fechou os olhos.
Quando acordou novamente, havia voltado ao seu quarto, afundado mais uma vez no colchão de penas de ganso enquanto uma garota loira o sacudia pelos ombros.
- Meu senhor - ela dizia - seu banho o aguarda. Magíster Illyrio o espera para jantar em uma hora.
Tyrion apoiou-se nos travesseiros, com a cabeça entre as mãos.
- Eu sonhei ou você fala a Língua Comum?
- Sim, meu senhor. Fui trazida para agradar o rei. - Ela tinha belos olhos azuis, era jovem e esbelta.
- Tenho certeza de que agradou. Preciso de vinho.
Ela derramou vinho em uma taça para ele.
- Magíster Illyrio disse que eu devo lavar suas costas e aquecer sua cama. Meu nome...
- ... Não me interessa. Você sabe para onde as putas vão?
Ela corou.
- As putas se vendem por moedas.
- Ou joias, vestidos, castelos. Mas para onde elas vão?
A garota não entendeu a pergunta.
- É um enigma, senhor? Não sou boa em charadas. O senhor vai me falar a resposta?
Não, ele pensou. Também desprezo enigmas.
- Não vou lhe falar nada. Faça-me o mesmo favor. - A única parte sua que me interessa é aquela entre as suas pernas, ele quase disse. As palavras estavam na ponta da língua, mas de alguma maneira não saíram de seus lábios. Ela não é Shae, o anão disse para si mesmo, apenas uma pequena tola que pensa que brinco com enigmas. Verdade seja dita, nem a boceta dela o interessava muito. Devo estar doente, ou morto.
- Você mencionou um banho? Não podemos deixar o grande queijeiro esperando.
Enquanto ele se banhava, a garota lavava seus pés, esfregava suas costas e escovava seus cabelos. Depois, ela esfregou uma pomada cheirosa em suas panturrilhas, para aliviar a dor, e vestiu-o novamente com roupas de menino, uma calça cor de vinho, um pouco mofada, e um gibão de veludo azul forrado com samito.
- Meu senhor vai me querer depois do jantar? - ela perguntou enquanto amarrava as botas dele.
- Não. Não quero mais saber de mulheres. - Putas.
A garota lidou com a decepção bem demais para o gosto dele.
- Se meu senhor preferir um rapaz, posso providenciar um para esperá-lo na cama.
O senhor prefere sua esposa. O senhor prefere uma moça chamada Tysha.
- Somente se ele souber para onde as putas vão.
A garota apertou os lábios. Ela me despreza, ele percebeu, mas não mais do que desprezo a mim mesmo. Que já havia fodido muita mulher que odiava a visão que ele proporcionava, Tyrion Lannister não tinha dúvida, mas as outras tiveram, pelo menos, a gentileza de fingir afeição. Um pouco de honesta aversão pode ser refrescante, como um vinho amargo depois de um muito doce.
- Acho que mudei de ideia - disse para ela. - Me espere na cama. Nua, se quiser; chegarei bêbado demais para lidar com suas roupas. Mantenha a boca fechada e as coxas abertas e nós dois teremos uma esplêndida noite. - Deu-lhe um olhar malicioso, esperando um sabor de medo, mas tudo o que teve dela foi repulsa. Ninguém teme um anão. Nem mesmo Lorde Tywin tivera medo, ainda que Tyrion estivesse com uma besta nas mãos.
- Você geme quando está sendo fodida? - ele perguntou para a camareira.
- Se o agradar, meu senhor.
- Talvez agrade ao senhor estrangulá-la. Foi isso que fiz com minha última puta. Você acha que seu mestre faria alguma objeção? Certamente não. Ele tem centenas como você, mas nenhum outro como eu. - Dessa vez, ao sorrir, conseguiu o medo que queria.
Illyrio estava reclinado em um sofá estofado, devorando pimentas e cebolinhas de uma tigela de madeira. Sua testa estava cheia de gotas de suor, os olhos de porco brilhando sobre as bochechas gordas. Joias dançavam quando ele movia as mãos, ônix e opala, olhos de tigre e turmalina, rubi, ametista, safira, esmeralda, azeviche e jade, um diamante negro e uma pérola verde. Eu poderia viver por anos desses anéis, Tyrion ponderou, mas precisaria de um cutelo para reclamá-los.
- Venha sentar, meu pequeno amigo - Illyrio acenou-lhe para se aproximar.
O anão subiu em uma cadeira. Era grande demais para ele, um trono almofadado feito para acomodar as maciças nádegas do Magíster, com pernas grossas e robustas para suportar seu peso. Tyrion Lannister sempre vivera em um mundo grande demais para ele, mas na mansão de Illyrio Mopatis a desproporção assumia dimensões grotescas. Sou um rato na toca de um mamute, ponderou, mas pelo menos o mamute tem uma boa adega. O pensamento o fez sentir sede. Pediu vinho.
- Gostou da garota que mandei para você? - Illyrio perguntou.
- Se eu quisesse uma garota, teria pedido.
- Se ela falhou em agradá-lo ...
- Ela fez tudo o que lhe foi pedido.
- Eu esperava isso. Ela foi treinada em Lyz, onde eles fazem do amor uma arte. O rei gostava muito dela.
- Eu mato reis, não sabia? - Tyrion sorriu maldosamente sobre a taça de vinho. - Não quero sobras reais.
- Como desejar. Vamos comer. - Illyrio bateu palmas, e os serviçais entraram correndo.
Começaram com um caldo de caranguejo e tamboril e uma sopa fria de limão e ovo. Então vieram codornizes no mel, lombo de cordeiro, fígado de ganso embebido em vinho, chirivias com manteiga e leitão. A visão de toda aquela comida fez Tyrion se sentir enjoado, mas obrigou-se a provar uma colherada da sopa, por educação. Uma vez feito isso, percebeu que estava perdido. As cozinheiras podiam ser velhas e gordas, mas conheciam seu ofício. Ele nunca havia comido tão bem, nem mesmo na corte.
Enquanto sugava a carne dos ossos de uma codorniz, perguntou a Illyrio sobre o compromisso da manhã. O homem gordo encolheu os ombros.
- Há problemas no leste. Astapor caiu, assim como Meereen. Cidades escravagistas ghiscaris, que já eram velhas quando o mundo era jovem.
O leitão estava fatiado. Illyrio alcançou um pedaço de torresmo, mergulhou-o em molho de ameixa e comeu-o com os dedos.
- A Baía dos Escravos é bem longe de Pentos. - Tyrion espetou um fígado de ganso na ponta da faca. Nenhum homem é tão amaldiçoado quanto o assassino de familiares, pensou, mas eu poderia aprender a gostar deste inferno.
- Isso é verdade - Illyrio concordou - mas o mundo é uma grande teia, e um homem não se atreve a tocar em um único fio, com medo de que todos os outros tremam. Mais vinho? - Illyrio estalou uma pimenta em sua boca. - Não, algo melhor. - Bateu palmas.
Ao som, um criado entrou com um prato coberto. Colocou-o na frente de Tyrion, e Illyrio se inclinou sobre a mesa para remover a tampa.
- Cogumelos - o Magíster anunciou, enquanto o cheiro subia. - Com uma pitada de alho e banhados em manteiga. Disseram-me que o gosto é requintado. Pegue um, meu amigo. Pegue dois.
Tyrion tinha um gordo cogumelo negro a meio caminho da boca, mas algo na voz de Illyrio o fez parar abruptamente.
- Depois de você, meu senhor. - E empurrou o prato na direção de seu anfitrião.
- Não, não. - Magíster Illyrio empurrou os cogumelos de volta. Por um breve momento era como se um garoto travesso espiasse de dentro do corpo inchado do queijeiro. - Depois de você. Eu insisto. A cozinheira fez especialmente para você.
- Verdade? - Lembrou-se da cozinheira, a farinha em suas mãos, os seios pesados atravessados por veias azul-escuras. - Muito gentil da parte dela, mas ... não. - Tyrion devolveu o cogumelo para o lago de manteiga do qual emergira.
- Você é muito desconfiado. - Illyrio sorriu através da barba bifurcada amarela. Ele deve lubrificá-la toda manhã, para fazê-la brilhar como ouro, Tyrion suspeitava. - Você é covarde? Não tinha ouvido isso de você.
- Nos Sete Reinos é considerada uma grave violação de hospitalidade envenenar o convidado no jantar.
- Aqui também. - Illyrio Mopatis pegou sua taça de vinho. - No entanto, quando um convidado deseja claramente acabar com a própria vida, seu anfitrião deve ajudá-lo, não? - Ele tomou um gole. - Magíster Ordello foi envenenado por um cogumelo há menos de meio ano. A dor não é tanta, me disseram. Algumas cólicas no intestino, uma dor súbita atrás dos olhos, e está feito. Melhor um cogumelo do que uma espada atravessada no pescoço, não é mesmo? Por que morrer com gosto de sangue na boca, quando pode ser de manteiga e alho?
O anão estudou o prato diante de si. O cheiro de alho e manteiga enchia sua boca d'água. Parte dele queria aqueles cogumelos, mesmo sabendo o que eram. Não era corajoso o suficiente para enfiar aço gelado em sua própria barriga, mas uma mordida em um cogumelo não seria tão difícil. Isso o assustava mais do que ele poderia dizer.
- Você se engana comigo - ouviu-se dizendo.
- É mesmo? Espero que sim. Se prefere afogar-se em vinho, basta dizer e será providenciado rapidamente. Afogar-se taça por taça é uma perda de tempo e de vinho.
- Você se engana comigo - Tyrion disse novamente, mais alto. Os cogumelos na manteiga brilhavam à luz do lampião, escuros e convidativos. - Não tenho desejo de morrer, juro. Tenho ... - Sua voz sumiu, incerta. O que tenho? Uma vida para viver? Trabalho a fazer? Filhos para criar, terras para governar, uma mulher para amar?
- Você não tem nada - completou Magíster Illyrio - mas podemos mudar isso. - Pegou um cogumelo da manteiga e mastigou-o vigorosamente. - Delicioso.
- Os cogumelos não estão envenenados. - Tyrion estava irritado.
- Não. Por que eu ia desejar-lhe mal? - Magíster Illyrio comeu outro. - Temos que mostrar um pouco de confiança, você e eu. Vamos, coma. - Bateu palmas novamente. - Temos trabalho a fazer. Meu pequeno amigo deve manter as forças em dia.
Os criados trouxeram garça recheada com figos, costeletas de vitela com leite de amêndoa, creme de arenque, cebolas caramelizadas, queijos fortes, pratos de escargots e miúdos e um cisne negro em sua plumagem. Tyrion recusou o cisne, que o fez lembrar-se de um jantar com a irmã. Serviu-se da garça e do arenque, além de algumas cebolas adocicadas. E os criados enchiam sua taça cada vez que ela ficava vazia.
- Você bebe um bocado de vinho para um homem tão pequeno.
- Assassinar familiares é um trabalho duro. Dá sede.
Os olhos do homem gordo brilhavam como as gemas em seus dedos.
- Há aqueles em Westeros que acham que matar Lorde Lannister foi apenas um bom começo.
- Melhor que não deixem minha irmã ouvi-los dizer isso, ou terão línguas mais curtas. - O anão partiu um pedaço de pão ao meio. - E você deve ter cuidado ao falar da minha família, Magíster. Assassino de familiares ou não, eu ainda sou um leão.
Aquilo parecia divertir muito o senhor do queijo. Deu um tapa na coxa carnuda e disse:
- Vocês, westerosis, são todos iguais. Costuram algum animal em um pedaço de seda e, de repente, são leões, dragões ou águias. Posso trazer um leão de verdade para você, meu pequeno amigo. O príncipe mantém um em sua coleção particular. Gostaria de dividir a jaula com ele?
Os senhores dos Sete Reinos realmente levavam seus estandartes muito a sério, Tyrion tinha que admitir. - Muito bem - admitiu. - Um Lannister não é um leão. Mas eu ainda sou filho do meu pai, e Jaime e Cersei são meus, para matá-los.
- Estranho que você mencione sua bela irmã - Illyrio disse, mordiscando escargots. - A rainha ofereceu títulos e propriedades para o homem que levar sua cabeça, não importa quão humilde seja o nascimento dele.
Não era mais do que Tyrion esperava.
- Se quiser apanhá-la nessa promessa, faça-a também abrir as pernas para você. Minha melhor parte pela melhor parte dela, um acordo justo.
- Prefiro ter meu peso em ouro. - O queijeiro riu tanto que Tyrion temeu que estivesse prestes a explodir. - Todo o ouro em Rochedo Casterly, por que não?
- O ouro eu garanto - disse o anão, aliviado por não estar prestes a se afogar em uma avalanche de enguias e miúdos semi digeridos - mas Rochedo é meu.
- Que seja. - O Magíster cobriu a boca e deu um poderoso arroto. - Você acha que o Rei Stannis vai dá-lo a você? Disseram-me que é um grande seguidor da lei. Seu irmão vestiu o manto branco, então você é o herdeiro por todas as leis de Westeros.
- Stannis poderia muito bem me conceder Rochedo Casterly - disse Tyrion - mas temos o pequeno problema do regicídio e do assassinato de familiares. Por esses crimes ele me encurtaria uma cabeça, e já sou curto o suficiente do jeito que sou. Mas por que você acha que eu me uniria a Lorde Stannis?
- Por que mais você iria para a Muralha?
- Stannis está na Muralha? - Tyrion esfregou o nariz. - O que, pelos sete infernos, Stannis está fazendo na Muralha?
- Tremendo, acho. É mais quente em Dome. Talvez ele devesse ter navegado para lá.
Tyrion estava começando a suspeitar que uma certa lavadeira sardenta entendia mais da Língua Comum do que parecia.
- Acontece que minha sobrinha Myrcella está em Dome. Passou pela minha cabeça fazê-la rainha.
Illyrio sorriu enquanto os criados serviam cerejas escuras em creme doce para ambos.
- O que essa pobre criança fez, para que você a queira morta?
- Mesmo um assassino de parentes não precisa matar todos os parentes - Tyrion disse, magoado. - Fazê-la rainha, eu disse. Não matá-la.
O queijeiro pegou uma colherada de cerejas.
- Em Volantis, eles usam uma moeda que tem uma coroa de um lado e uma caveira do outro. Ainda assim é a mesma moeda. Fazê-la rainha é matá-la. Dome pode se levantar por Myrcella, mas Dome só não basta. Se você é esperto como seus amigos dizem, deve saber disso.
Tyrion olhou para o homem gordo com novo interesse. Ele está certo em ambos os casos. Fazê-la rainha é matá-la. E eu sabia disso.
- Gestos vãos são tudo o que me resta. Esse, ao menos, faria minha irmã chorar lágrimas amargas.
Magíster Illyrio limpou creme doce da boca com as costas da mão gorda.
- A estrada para Rochedo Casterly não passa por Dome, meu pequeno amigo. Tampouco por baixo da Muralha. Ainda assim há uma estrada, eu lhe digo.
- Sou um traidor desonrado, um regicida e um assassino de familiares. - Aquela conversa de estradas o irritava. Será que ele acha que isso é um jogo?
- O que um rei faz, outro pode desfazer. Em Pentos, temos um príncipe, meu amigo. Ele preside os bailes e as festas e passeia pela cidade em uma liteira de marfim e ouro. Três arautos vão adiante dele, com as balanças douradas do comércio, a espada de ferro da guerra e o chicote de prata da justiça. No primeiro dia de cada novo ano ele deve deflorar a donzela dos campos e a donzela dos mares. - Illyrio se inclinou para a frente, com os cotovelos sobre a mesa. - No entanto, se uma colheita falhar ou uma guerra for perdida, cortaremos a garganta do Príncipe para apaziguar os deuses e escolheremos um novo príncipe entre as quarenta famílias.
- Lembre-me de nunca ser príncipe de Pentos.
- Os seus Sete Reinos são tão diferentes? Não há paz em Westeros, nem justiça, nem fé ... e logo não haverá comida. Quando os homens estão doentes e mortos de medo, procuram um salvador.
- Podem procurar, mas tudo o que encontrarão será Stannis ...
- Não Stannis. Nem Myrcella. - O sorriso amarelo se alargou. - Outro. Mais forte que Tommen, mais gentil que Stannis, com uma pretensão melhor do que a da menina Myrcella. Um salvador vindo do outro lado do mar para curar as feridas da sangrada Westeros.
- Belas palavras - Tyrion estava indiferente. - Palavras são vento. Quem é esse maldito salvadorr
- Um dragão. - O queijeiro viu o olhar no rosto do anão e riu. - Um dragão com três cabeças. 

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