terça-feira, 24 de setembro de 2013

2 - DAENERYS


Ela ouvia o morto subindo as escadas. O som dos passos lentos e compassados ecoava entre os pilares roxos do salão. Daenerys Targaryen o esperava no banco de ébano que usava como trono. Seus olhos estavam pesados de sono, a cabeleira louro-prateada emaranhada.
- Vossa Graça - disse Sor Barristan Selmy, o Senhor Comandante da Guarda da Rainha - não há necessidade de ver isso.
- Ele morreu por mim. - Dany apertou a pele de leão de encontro ao peito. Por baixo, uma túnica de linho puro a cobria até metade da coxa. Estava sonhando com uma casa de porta vermelha, quando Missandei a acordou. Não teve tempo para se vestir.
- Khaleesi - sussurrou Irri - não deve tocar no homem morto. Dá má sorte tocar os mortos.
- A menos que a senhora mesma o ,tenha matado. - Jhiqui tinha ossos maiores do que Irri, quadris largos e seios pesados. - É sabido.
- É sabido - Irri concordou.
Os dothrakis eram sábios no que dizia respeito a cavalos, mas podiam ser completos tolos em relação a outras coisas. Além disso, são apenas garotas. Suas servas estavam havia muito tempo com ela; mulheres crescidas se olhasse para elas, com cabelos negros, pele cor de cobre e olhos amendoados, mesmo assim meninas. Elas lhe haviam sido dadas quando se casara com Khal Drogo. E foi Drogo quem lhe dera a pele que vestia agora, a cabeça e o couro de um hrakkar, o leão branco do mar dothraki. Era muito grande e tinha um cheiro de mofo, mas a fazia sentir como se seu sol-e-estrelas ainda estivesse perto dela.
Verme Cinzento apareceu nos primeiros degraus, com uma tocha na mão. Seu capacete de bronze era ornamentado com três lanças. Atrás dele seguiam quatro de seus Imaculados, carregando o homem morto sobre os ombros. Seus capacetes tinham apenas uma lança, e os rostos mostravam tão pouco que era como se também fossem feitos de bronze. Colocaram o cadáver a seus pés. Sor Barristan puxou a mortalha manchada de sangue. Verme Cinzento abaixou a tocha, e então ela pôde ver.
O rosto do homem morto era liso e sem pelos, embora as bochechas tivessem um talho que ia de orelha a orelha. Tinha sido um homem alto, de olhos azuis e face justa. Algum filho de Lys ou da velha Volantis o arrancara de um navio de corsários e o vendera à escravidão na vermelha Astapor. Ainda que seus olhos estivessem abertos, eram suas feridas que choravam. Havia mais feridas do que ela podia contar.
- Vossa Graça - Sor Barristan disse - havia uma harpia desenhada nos ladrilhos do beco onde ele foi encontrado ...
- ... Desenhada com sangue. - Daenerys, agora, já sabia como aquilo era feito. Os Filhos da Harpia faziam a matança à noite, e sobre cada morto deixavam sua marca. - Verme Cinzento, por que esse homem estava sozinho? Ele não tinha parceiro? - Ela ordenara que os Imaculados andassem pelas ruas da cidade de Meereen à noite sempre aos pares.
- Minha rainha - respondeu o capitão - seu servo Escudo Robusto não estava de serviço na noite passada. Ele tinha ido a um ... a um certo lugar... para beber e conseguir companhia.
- Um certo lugar? O que você quer dizer?
- Uma casa de prazer, Vossa Graça.
Um bordel. Metade de seus libertos eram de Yunkai, onde os Sábios Mestres tinham sido famosos por treinar escravos de cama. O caminho dos setes suspiros. Bordéis tinham brotado como cogumelos por toda Meereen. Era tudo o que sabiam fazer. E precisavam sobreviver. A comida estava mais cara a cada dia, embora o preço da carne humana ficasse mais barato. Nos distritos mais pobres entre os degraus das pirâmides da nobreza escravagista de Meereen, havia bordéis para todos os gostos eróticos imagináveis, ela sabia. Mesmo assim ...
- O que um eunuco esperava encontrar em um bordel?
- Mesmo aqueles que não têm as partes de homem ainda têm um coração de homem, Vossa Graça - disse Verme Cinzento. - Contaram para este um que seu servo Escudo Robusto algumas vezes dava moedas para as mulheres dos bordéis se deitarem com ele e o abraçarem.
O sangue do dragão não chora.
- Escudo Robusto - ela disse, de olhos secos. - Era esse o nome dele?
- Se a agradar, Vossa Graça.
- É um bom nome. - Os Bons Mestres de Astapor não permitiam que os soldados escravos tivessem nomes. Alguns de seus Imaculados adotaram os nomes de nascimento, depois que ela os libertou; outros escolheram nomes novos. - Sabe-se quantos atacaram Escudo Robusto?
- Este um não se sabe. Muitos.
- Seis ou mais - disse Sor Barristan. - Pela aparência dos ferimentos, eles o esfaquearam de todos os lados. Ele foi encontrado com a bainha vazia. Pode ser que tenha ferido alguns de seus atacantes.
Dany fez uma oração silenciosa para que, em algum lugar, um dos Filhos da Harpia estivesse morrendo naquele momento, agarrando a barriga e contorcendo-se de dor.
- Por que cortaram seu rosto desta maneira?
- Graciosa Rainha - disse Verme Cinzento - os assassinos forçaram os órgãos genitais de um bode pela garganta de seu servo Escudo Robusto. Este um os removeu antes de trazê-lo aqui.
Eles não poderiam comer seus próprios genitais. Os Astapori os removiam até a raiz.
- Os Filhos estão ficando mais ousados - Dany observou. Até aquele momento, eles haviam se limitado a atacar libertos sem armas cortando-os nas ruas, ou invadindo suas casas na calada da noite para matá-los em suas camas. - Esse é o primeiro dos meus soldados a ser assassinado.
- o primeiro - Sor Barristan avisou - mas não o último.
Ainda estou em guerra, Dany percebeu, só que agora estou lutando com sombras. Ela desejara uma pausa na matança por algum tempo, para construir e curar.
Descartando a pele do leão, ajoelhou-se ao lado do cadáver e fechou os olhos do morto, ignorando o sobressalto de Jhiqui.
- Escudo Robusto não será esquecido. Lavem-no e vistam-no para batalha, e queimem-no com seu capacete, escudo e lança.
- Será feito como Vossa Graça ordena - disse Verme Cinzento.
- Envie homens para o Templo das Graças e pergunte se alguém apareceu na Graça Azul com um ferimento de espada. E espalhe a notícia de que pagaremos um bom ouro pela espada curta de Escudo Robusto. Interrogue os açougueiros e os pastores para saber quem castrou bodes adultos. - Talvez algum pastor confessasse. - E, daqui em diante, nenhum dos meus homens anda sozinho depois de escurecer.
- Estes uns obedecerão.
Daenerys empurrou o cabelo para trás.
- Encontre esses covardes para mim. Encontre-os, para que eu possa ensinar aos Filhos da Harpia o que significa acordar o dragão.
Verme Cinzento fez uma mesura. Seus Imaculados fecharam a mortalha mais uma vez, levantaram o morto sobre os ombros e o levaram do salão. Sor Barristan Selmy ficou para trás. Seu cabelo era branco e havia pequenas rugas nos cantos de seus olhos azuis. Suas costas, no entanto, ainda eram eretas e os anos não tinham roubado sua habilidade com as armas.
- Vossa Graça - disse - temo que seus eunucos estejam mal preparados para as tarefas que lhes são delegadas.
Dany voltou para o banco e enrolou a pele ao redor dos ombros novamente.
- Os Imaculados são meus melhores guerreiros.
- Soldados, não guerreiros, se me permite, Vossa Graça. São feitos para a batalha, para permanecer ombro com ombro atrás de seus escudos, com suas lanças avante. O treinamento que tiveram os ensinou a serem obedientes, sem medo e perfeitos, sem pensar ou hesitar... não a desvendar segredos ou fazer perguntas.
- Cavaleiros me serviriam melhor? - Selmy vinha treinando cavaleiros para ela, ensinando os filhos dos escravos a lutarem com lança e espada longa, à moda westerosi... mas o que bons lanceiros poderiam fazer contra covardes que matam nas sombras?
- Não nisso - o velho admitiu. - E Vossa Graça não tem cavaleiros, me perdoe. Levarão anos até que os garotos estejam prontos.
- Então quem, se não os Imaculadosr Os dothrakis seriam ainda piores. - Os dothrakis lutavam no dorso de cavalos. Homens montados são mais úteis em campos abertos e colinas do que em ruas estreitas e becos da cidade. Além das muralhas de tijolos multicoloridos de Meereen, as regras de Dany não tinham muito efeito. Milhares de escravos ainda trabalhavam nas vastas propriedades nas colinas, cultivando trigo e oliveiras, pastoreando ovelhas e cabras, minerando sal e cobre. Os armazéns de Meereen podiam abrigar grandes suprimentos de grãos, óleo, azeitonas, frutas secas e carne salgada, mas os estoques estavam diminuindo. Então Dany enviou seu reduzido khalasar para subjugar o interior, sob comando de seus três companheiros de sangue, enquanto Ben Mulato Plumm levou os Segundos Filhos para proteger o Sul das incursões dos yunkaítas.
A tarefa mais crucial fora dada a Daario Naharis, o loquaz Daario, com seu dente de ouro, sua barba em forma de tridente e aquele sorriso perverso por detrás do bigode roxo. Além das colinas do leste, havia uma cadeia de montanhas arredondadas de arenito, o Passo Khyzai e Lhazar. Se Daario pudesse convencer os lhazarenos a reabrir as rotas comerciais terrestres, grãos poderiam ser trazidos pelo rio ou através das montanhas, se necessário ... mas os Homens-Ovelha não tinham nenhuma razão para gostar de Meereen.
- Quando os Corvos Tormentosos retornarem de Lhazar, talvez possa usá-los nas ruas - disse para Sor Barristan. - Precisa me dar licença, Sor. Os peticionários logo estarão em meus portões. Tenho que vestir minhas orelhas de abano e ser a rainha deles novamente. Convoque Reznak e o Cabeça-Raspada, quero vê-los quando estiver vestida.
- Às ordens de Vossa Graça. - Selmy curvou-se.
A Grande Pirâmide erguia-se duzentos e cinquenta metros em direção ao céu, desde sua enorme base quadrada até o cume, onde a rainha mantinha seus aposentos particulares cercados de folhagens e piscinas perfumadas. Um frio e azul amanhecer levantava-se sobre a cidade, e Dany saiu para o terraço. No oeste, a luz do sol brilhava sobre as cúpulas douradas do Templo das Graças e gravava profundas sombras por trás das pirâmides dos poderosos. Em algumas dessas pirâmides, os Filhos da Harpia estão tramando novos assassinatos, e sou impotente para detê-los.
Viserion sentiu sua inquietação. O dragão branco estava enroscado em uma pereira, a cabeça apoiada na cauda. Quando Dany passou, seus olhos se abriram, duas piscinas de ouro derretido. Seus chifres eram dourados também, bem como as escamas que corriam pelas costas da cabeça à cauda.
- Você é preguiçoso - ela lhe disse, coçando-o sob a mandíbula. As escamas eram quentes ao toque, como uma armadura deixada por muito tempo exposta ao sol. Dragões são fogo transformado em carne. Ela lera isso em um dos livros que Sor Jorah lhe dera de presente de casamento. - Você deveria estar caçando com seus irmãos. Você e Drogo andaram brigando novamente? - Seus dragões estavam crescendo muito selvagens. Rhaegal tinha agarrado lrri e Viserion havia incendiado o tokar de Reznak, da última vez que o senescal viera. Eu os tenho deixado muito por conta própria, mas onde encontrarei tempo para eles?
A cauda de Viserion, enroscada em um galho, batia no tronco da árvore com tanta força que uma pera caiu aos pés de Dany. O dragão desdobrou as asas e deu um meio voo, meio pulo até o parapeito. Ele cresce, ela pensou enquanto ele se lançava em direção ao céu. Todos os três estão crescendo. Logo serão grandes o suficiente para suportar meu peso. Então, ela voaria como Aegon, o Conquistador, havia feito, para o alto e para o alto, até que Meereen ficasse tão pequena que poderia fazê-la sumir atrás de seu polegar.
Ela observava Viserion subir em círculos cada vez maiores, até que o perdeu de vista além das águas barrentas do Skahazadhan. Só então Dany voltou para dentro da pirâmide, onde lrri e Jhiqui a aguardavam para escovar seus cabelos emaranhados e vesti-la como convinha à Rainha de Meereen, em um tokar ghiscari.
O vestido era uma coisa desajeitada, um tecido solto disforme que tinha que ser enrolado ao redor de seus quadris, sob um braço e por cima de um ombro, as franjas soltas cuidadosamente organizadas e dispostas em camadas. Atado frouxamente, ficava como se fosse cair; se muito apertado, ficava enroscado, e a pessoa podia tropeçar nele. Mesmo quando atado de maneira adequada, o tokar exigia que a pessoa que o vestia o segurasse no lugar com a mão esquerda. Andar em um tokar requeria passos pequenos e truncados, além de um equilíbrio requintado para não pisar nas pesadas franjas à direita. Não era uma roupa feita para alguém que fosse trabalhar. O tokar era uma vestimenta de mestre, um sinal de riqueza e poder.
Dany desejara banir o tokar quando tomou Meereen, mas seus conselheiros a convenceram do contrário.
- A Mãe de Dragões precisa usar o tokar ou será odiada para sempre - avisara a Graça Verde, Galazza Galare. - Nas lãs de Westeros ou em um vestido de rendas de Myr, Sua Iluminada permanecerá para sempre como uma estranha entre nós, uma estrangeira grotesca, uma conquistadora bárbara. A Rainha de Meereen deve ser uma Senhora da Antiga Ghis.
Ben Mulato Plumm, capitão dos Segundos Filhos, colocou de forma mais sucinta.
- O homem que quer ser o rei dos coelhos deve estar pronto para usar um par de orelhas de abano.
As orelhas de abano que ela escolhera naquele dia eram feitas de linho branco puro, com franja de pendões dourados. Com a ajuda de ]hiqui, ela colocou o tokar corretamente na terceira tentativa. Irri buscou sua coroa, feita na forma do dragão de três cabeças de sua Casa. As caudas eram feitas de ouro, as asas de prata e as três cabeças de marfim, ônix e jade. Os ombros e pescoço de Dany estariam duros e doloridos pelo peso antes que o dia terminasse. Uma coroa não deve assentar fácil na cabeça. Um de seus antepassados reais havia dito isso certa vez. Algum Aegon, mas qual? Cinco Aegons haviam governado os Sete Reinos de Westeros. Teria havido um sexto, mas os cães do Usurpador assassinaram o filho de seu irmão quando ele ainda era um bebê de peito. Se ele tivesse vivido, eu poderia ter me casado com ele. Aegon era mais próximo da minha idade do que Viserys. Dany só fora concebida depois que Aegon e sua irmã foram assassinados. O pai deles, seu irmão Rhaegar, morrera antes ainda, abatido pelo Usurpado r no Tridente. Seu irmão Viserys morrera gritando em Vaes Dothrak, com uma coroa de ouro derretido sobre a cabeça. Eles me matarão também, se eu permitir. As facas que mataram Escudo Robusto foram feitas para mim.
Ela não se esquecera das crianças escravas que os Grandes Mestres tinham pregado ao longo da estrada de Yunkai. Eles tinham calculado cento e sessenta e três, uma criança a cada quilômetro, pregadas nos marcos com um braço estendido apontando o caminho para Meereen. Depois que a cidade caiu, Dany pregara um número igual de Grandes Mestres. Enxames de moscas assistiram à sua morte lenta, e o fedor permaneceu um longo tempo na praça. No entanto, alguns dias depois, ela temera ter ido longe demais. Esses meereeneses eram um povo astuto e obstinado que resistia a ela uma vez após outra. Eles libertaram seus escravos, sim ... apenas para contratá-los novamente como servos, e com salários tão baixos que a maioria mal podia se dar ao luxo de comer. E ainda os Grandes Mestres se reuniram sobre suas altas pirâmides para reclamar de como a rainha dragão havia enchido a nobre cidade deles de mendigos sujos, ladrões e prostitutas.
Para governar Meereen, preciso ganhar os meereeneses, por mais que os despreze.
- Estou pronta - disse para Irri.
Reznak e Skahaz a esperavam no alto dos degraus de mármore.
- Grande rainha - exclamou Reznak mo Reznak - está tão radiante hoje que temo olhá-la. - O senescal vestia um tokar de seda castanho com franjas douradas. Um homem pequeno e pegajoso, ele cheirava como se tivesse se banhado em perfume e falava uma forma bastarda de Alto Valiriano, corrompida e temperada por um espesso rosnado ghiscari.
- É muito gentil em dizer isso - respondeu Dany, na mesma língua.
- Minha rainha - rosnou Skahaz mo Kandaq, da cabeça raspada. O cabelo ghiscari era denso e hirto; por muito tempo fora moda entre os homens das Cidades de Escravos moldá-lo como chifres, espinhos e asas. Raspando a cabeça, Skahaz havia deixado a velha Meereen para trás e aceitado a nova, e seus parentes haviam feito o mesmo, seguindo seu exemplo. Outros os seguiram, talvez por moda, medo ou ambição. Dany não saberia dizer; cabeças-raspadas, eram chamados. Skahaz era o Cabeça-Raspada... o mais vil dos traidores para os Filhos da Harpia e sua laia. - Fomos informados sobre o eunuco.
- O nome dele era Escudo Robusto.
- Mais morrerão, a menos que os assassinos sejam punidos. - Mesmo com a careca, Skahaz tinha um rosto odioso; uma sobrancelha hirsuta, olhos pequenos com pesadas bolsas sob eles, um nariz grande, escuro de cravos, uma pele oleosa que parecia mais amarela do que o âmbar usual dos ghiscaris. Era um rosto brusco, bestial, raivoso. Ela só podia rezar para que fosse honesto também.
- Como posso puni-los se não sei quem são? - Dany exigiu dele. - Diga-me isso, audaz Skahaz.
- Vossa Graça não tem falta de inimigos. Pode ver suas pirâmides de seu terraço. Zhak, Hazkar, Ghazzen, Merreq, Loraq, todas as antigas famílias escravagistas. Pahl. Pahl mais que qualquer outro. Uma casa de mulheres, agora. Mulheres velhas e amargas, com desejo de sangue. Mulheres não esquecem. Mulheres não perdoam.
Não, Dany pensou, e os cães do Usurpador vão descobrir isso quando eu retornar a Westeros. Era verdade que havia sangue entre ela e a casa de Pahl. Oznak zo Pahn havia sido morto por Belwas, o Forte, em combate singular. Seu pai, comandante da patrulha da cidade de Meereen, morrera defendendo os portões quando o aríete de Joso os arrebentou em pedaços. Três tios estavam entre os cento e sessenta e três da praça.
- Quanto ouro temos que oferecer por informações sobre os Filhos da Harpia? - Dany perguntou.
- Uma centena de honras, se agradar Vossa Iluminada.
- Um milhar de honras nos agradará mais. Faça isso.
- Vossa Graça não pediu meu conselho - disse Skahaz Cabeça-Raspada - mas direi que sangue deve ser pago com sangue. Pegue um homem de cada família que citei e mate-o. Da próxima vez que um dos seus for assassinado, pegue dois de cada uma das grandes casas e mate ambos. Não haverá um terceiro homicídio.
Reznak gritou em pânico.
- Nãaaaao ... gentil rainha, uma selvageria dessas traria a ira dos deuses sobre nós. Encontraremos os assassinos, prometo, e quando o fizermos, eles provarão ser ignóbeis miseráveis, a senhora verá.
O senescal era tão careca quanto Skahaz, mas neste caso os deuses eram os culpados. “Se algum cabelo for insolente de aparecer, meu barbeiro está com a navalha pronta”, ele garantiu, quando ela o nomeou. Houve momentos em que Dany se perguntou se aquela navalha não estaria melhor se guardada para a garganta de Reznak. Era um homem útil, mas ela não gostava muito dele, nem confiava nele. Os Imortais de Qarth haviam dito que ela seria três vezes traída. Mirri Maz Duur fora a primeira, Sor Jorah, o segundo. Seria Reznak o terceiro? O Cabeça-Raspada? Daario? Ou seria alguém de quem eu nunca suspeitaria, como Sor Barristan, Verme Cinzento ou Missandei?
- Skahaz - ela disse para o Cabeça-Raspada - agradeço seu conselho. Reznak, veja o que mil honras podem conseguir. - Segurando o tokar, Daenerys começou a descer a escada de mármore. Um passo de cada vez, para não tropeçar na franja e cair de cabeça na corte.
Missandei a anunciou. A pequena escriba tinha uma voz doce e forte.
- Todos de joelhos para Daenerys Nascida da Tormenta, a Não Queimada, Rainha de Meereen, Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Khaleesi do Grande Mar de Grama, Rompedora de Algemas e Mãe de Dragões.
O salão estava repleto. Os Imaculados permaneciam de costas para os pilares, segurando escudos e lanças, as pontas dos capacetes apontadas para cima como facas. Os meereeneses se reuniam sob as janelas leste. Os libertos estavam bem distantes de seus antigos senhores. Até que estejam juntos, Meereen não conhecerá a paz.
- Em pé. - Dany sentou-se em seu banco. O salão se levantou. Isso, pelo menos, eles fizeram como um só.
Reznak mo Reznak tinha uma lista. O costume exigia que a rainha começasse com o enviado astapori, um ex-escravo que se chamava Lorde Ghael, embora ninguém parecesse saber do que ele era senhor.
Lorde Ghael tinha uma boca de dentes tortos e escuros e um pontudo rosto amarelo de doninha. Também tinha um presente.
- Cleon, o Grande, envia essas sandálias como prova de seu amor por Daenerys Nascida da Tormenta, a Mãe de Dragões.
Irri colocou as sandálias nos pés de Dani. Eram de couro dourado, decoradas com pérolas verdes de água doce. Será que o rei açougueiro pensa que um par de belas sandálias vai ganhar minha mão?
- O Rei Cleon é muito generoso. Pode agradecer-lhe o belo presente. - Adoráveis, mas feitas para uma criança. Dany tinha pés pequenos, mesmo assim a ponta das sandálias esmagava seus dedos.
- O Grande Cleon ficará satisfeito em saber que a agradou - disse Lorde Ghael. - Sua Magnificência me pede para dizer que permanece pronto para defender a Mãe de Dragões de seus inimigos.
Se propuser novamente que me case com o Rei Cleon, jogo uma sandália na cabeça dele, Dany pensou, mas desta vez o enviado astapori não fez nenhuma menção ao casamento real Em vez disso, falou:
- Está chegando o tempo de Astapor e Meereen acabarem com o reino selvagem dos Sábios Mestres de Yunkai, que são inimigos jurados de todos os que vivem em liberdade. O Grande Cleon me pede para dizer que ele e seus novos Imaculados marcharão em breve.
Seus novos Imaculados são uma brincadeira indecente.
- O Rei Cleon deveria ter a sensatez de cuidar do próprio jardim e deixar que os yunkaítas cuidem do deles. - Não que Dany tivesse algum amor por Yunkai. Estava começando a se arrepender de ter deixado a Cidade Amarela livre depois de derrotar seu exército em campo. Os Sábios Mestres haviam restaurado a escravidão assim que ela partiu, e andavam ocupados cobrando impostos, contratando mercenários e fazendo alianças contra ela.
No entanto, Cleon, o auto intitulado Grande, não era melhor. O Rei Açougueiro restabelecera a escravidão em Astapor, com a única diferença que os ex-escravos passaram a ser os senhores e os antigos senhores, escravos.
- Sou apenas uma garota e conheço pouco dos caminhos da guerra - disse para Lorde Ghael - mas temos ouvido que Astapor está faminta. O Rei CIeon deveria alimentar seu povo antes de liderá-los para a batalha. - Fez um gesto, dispensando-o. Ghael se retirou.
- Magnificência - solicitou Reznak mo Reznak - pode atender ao nobre Hizdahr zo Loraq?
De novo? Dany assentiu e Hizdahr se adiantou; um homem alto, muito magro, com uma impecável pele âmbar. Fez uma mesura, no mesmo lugar em que Escudo Robusto jazera morto não muito tempo antes. Preciso deste homem, Dany recordou a si mesma. Hizdahr era um rico comerciante, com muitos amigos em Meereen, e muitos mais além dos mares. Conhecia Volantis, Lys e Qarth, tinha parentes em Tolos e Elyria, e dizia-se que tinha alguma influência em Nova Ghis, onde os yunkaítas estavam tentando criar hostilidade contra Dany e suas leis.
E ele era rico. Famoso e fabulosamente rico ...
E gostaria de ficar ainda mais rico, se eu conceder sua petição. Quando Dany fechara as arenas de luta da cidade, o valor desses espaços havia diminuído. Hizdahr zo Loraq as agarrara com as duas mãos e agora era dono da maioria das arenas de Meereen.
O nobre tinha asas de hirsutos cabelos negro-avermelhados brotando das têmporas. Davam a impressão de que sua cabeça estava prestes a levantar voo. Seu rosto ficava ainda mais comprido com a barba presa com anéis de ouro. Seu tokar roxo tinha franjas com ametistas e pérolas.
- Vossa Iluminada sabe o motivo que me traz aqui.
- Talvez porque você não tenha outro propósito que não seja me atormentar. Quantas vezes já lhe disse não?
- Cinco vezes, Vossa Magnificência.
- Seis, agora. Não reabriremos as arenas de luta.
- Se Vossa Majestade ouvisse meus argumentos ...
- Eu ouvi. Cinco vezes. Você tem algum novo?
- Velhos argumentos - Hizdahr admitiu - novas palavras. Palavras amáveis e corteses, mais aptas a convencer uma rainha.
- O que está em questão é sua causa, não sua cortesia. Ouvi seus argumentos tantas vezes que eu mesma poderia pleitear seu caso. Devo? - Dany inclinou-se para a frente. - As arenas de combate fazem parte de Meereen desde que a cidade foi fundada. Os combates têm natureza profundamente religiosa, um sacrifício de sangue aos deuses de Ghis. A arte mortal de Ghis não é mera carnificina, mas a demonstração de coragem, habilidade e força que mais agrada aos deuses. Lutadores vitoriosos são paparicados e aclamados, os mortos são homenageados e lembrados. Reabrir as arenas de luta seria uma demonstração de respeito aos usos e costumes do povo de Meereen. As arenas são famosas em todo o mundo. Atraem comércio para Meereen e enchem os cofres da cidade com moedas vindas dos confins da terra. Todos os homens partilham o gosto por sangue, gosto esse que as arenas ajudam a saciar. Dessa maneira, deixam Meereen mais tranquila. Para criminosos condenados a morrer sobre as areias, a arena representa um julgamento por combate, uma última chance para um homem provar sua inocência. - Ela recostou-se novamente, com um meneio de cabeça. - Aí está. Como me saí?
- Vossa Iluminada pleiteou o caso muito melhor do que eu esperava fazer por mim mesmo. Vejo que é tão eloquente quanto bonita. Estou muito convencido.
Ela teve que rir.
- Ah, mas eu não estou.
- Vossa Magnificência - sussurrou Reznak mo Reznak em seu ouvido - é habitual a cidade cobrar um décimo de todos os lucros das arenas, descontados os gastos, com imposto. Esse dinheiro poderia ter nobres fins.
- Poderia ... mas, se reabríssemos as arenas, deveríamos ter nosso décimo do valor bruto. Sou apenas uma garota jovem, que sabe pouco desses assuntos, mas convivi com Xaro Xhoan Daxos tempo suficiente para aprender bastante. Hizdahr, se você pudesse comandar exércitos como comanda os argumentos, poderia conquistar o mundo ... mas minha resposta ainda é não. Pela sexta vez.
- Como disse a rainha. - Curvou-se mais uma vez, tão profundamente quanto antes.
As pérolas e as ametistas retiniram suavemente contra o chão de mármore. Hizdahr zo Loraq era um homem muito flexível.
Ele pode ser bonito, mas tem aquele cabelo bobo. Reznak e a Graça Verde haviam pedido que Dany tomasse um nobre meereenese como marido, para reconciliar a cidade com suas leis. Hizdahr zo Loraq poderia valer um olhar mais cuidadoso. Antes ele que Skahaz. O Cabeça-Raspada havia oferecido anular seu casamento por ela, mas a ideia fez Dany estremecer. Hizdahr, ao menos, sabia sorrir.
- Magnificência - disse Reznak, consultando sua lista - o nobre Grazdan zo Galare gostaria de se dirigir à senhora. Poderia ouvi-lo r
- Será um prazer - disse Dany, admirando o brilho do ouro e das pérolas verdes das sandálias de Cleon, enquanto fazia seu melhor para ignorar o aperto em seus dedos. Grazdan, ela havia sido avisada, era um primo da Graça Verde, cujo apoio ela julgava inestimável. A sacerdotisa era a voz da paz, da aceitação e da obediência à autoridade legítima. Posso dar ao primo dela uma audiência respeitável, o que quer que ele deseje.
Ele desejava ouro. Dany se recusara a indenizar qualquer um dos Grandes Mestres pelo valor de seus escravos, mas o meereenese tinha elaborado outra maneira de tirar dinheiro dela. O nobre Grazdan possuíra certa vez uma escrava que era uma tecelã muito fina, segundo diziam; as peças que saíam de seu tear eram muito valorizadas, não só em Meereen, mas em Nova Ghis, em Astapor e em Qarth. Quando a mulher ficou idosa, Grazdan comprou meia dúzia de moças e ordenou que a velha as introduzisse nos segredos de seu ofício. A velha já morrera. As jovens, agora livres, abriram uma loja perto da muralha do porto para vender suas tecelagens. Grazdan zo Galare pedia uma parcela dos ganhos das mulheres.
- Elas devem sua habilidade a mim - insistiu. - Tirei-as do lote em leilão e dei um tear para cada uma delas.
Dany ouviu em silêncio, o rosto imóvel. Quando ele acabou, disse:
- Qual era o nome da antiga tecelã?
- A escrava? - Grazdan deslocou seu peso de uma perna para a outra, franzindo a testa. - Ela se chamava ... Elza, creio eu. Ou Ella. Faz seis anos que morreu. Já tive tantos escravos, Vossa Graça.
- Digamos que seja Elza. Eis nossa decisão: das moças, você não terá nada. Foi Elza quem as ensinou a tecer, não você. De você, as moças terão um tear novo, o melhor que o dinheiro possa comprar. Isso é por esquecer o nome da velha.
Reznak ia convocar o próximo tokar, mas Dany insistiu para que chamasse um liberto. Depois, passou a alternar entre os antigos mestres e os ex-escravos. Muitos e ainda mais assuntos foram levados para ela, pedindo reparação. Meereen havia sido selvagemente saqueada após sua queda. As pirâmides dos poderosos foram poupadas da devastação, mas as partes mais humildes da cidade haviam sido entregues a uma orgia de roubos e assassinatos conforme os escravos locais se sublevavam e as hordas de famintos vindas de Yunkai e Astapor invadiam os portões quebrados. Seus Imaculados finalmente restauraram a ordem, mas o saque deixou uma epidemia de problemas em sua esteira. E então as pessoas vinham para ver a rainha.
Veio uma rica mulher, cujos marido e filho tinham morrido defendendo as muralhas da cidade. Durante o saque, ela havia fugido para a casa do irmão, com medo. Quando voltou, encontrou a casa transformada em um bordel. As prostitutas haviam se enfeitado com as joias e roupas da antiga proprietária. Ela queria sua casa e suas joias de volta.
- Elas podem ficar com as roupas - permitiu.
Dany concedeu-lhe as joias, mas negou a casa, que fora perdida quando a mulher a abandonou.
Um ex-escravo veio acusar um certo nobre dos Zhak. O homem recentemente havia tomado para esposa uma liberta que esquentava a cama do nobre antes da cidade cair. O nobre havia tomado a virgindade da mulher, usado-a para seu prazer e deixado-a com uma criança. O novo marido queria que o nobre fosse castrado pelo crime de estupro, e também queria uma bolsa de ouro como pagamento por criar o bastardo como seu filho. Dany concedeu-lhe o ouro, mas não a castração.
- Quando ele se deitou com ela, sua esposa era propriedade dele para fazer o que bem entendesse. Por lei, não houve estupro. - Ela percebeu que sua decisão não agradou ao homem, mas se castrasse todos que haviam forçado sexo com as escravas, governaria uma cidade de eunucos.
Veio um rapaz, mais jovem do que Dany, frágil e marcado por cicatrizes, vestindo um tokar cinza desgastado, arrastando uma franja prateada. Sua voz falhou quando contou como dois escravos de sua família haviam entrado na casa na noite em que os portões se quebraram. Um havia matado seu pai, o outro, o irmão mais velho. Ambos tinham estuprado sua mãe, antes de matá-la. O rapaz fugira com apenas a cicatriz no rosto, mas um dos assassinos ainda vivia na casa de seu pai, e o outro se unira aos soldados da rainha, como um dos Homens da Mãe. Ele queria os dois enforcados.
Sou rainha de uma cidade construída sobre pó e morte. Dany não teve escolha a não ser negar o pedido do rapaz. Ela havia declarado anistia a todos os crimes cometidos durante o saque. Nem puniria escravos por se levantar contra seus mestres.
Ao ouvir a decisão da rainha, o rapaz correu na direção dela, mas seus pés se enroscaram no tokar e ele se estatelou de cabeça no mármore púrpura. No instante seguinte, Belwas, o Forte, estava sobre ele. O enorme eunuco marrom puxou-o por uma mão e o sacudiu como um mastim faria com um rato.
- Basta, Belwas - Dany ordenou. - Liberte-o.
Para o rapaz, disse:
- Conserve esse tokar, pois ele salvou sua vida. Você é apenas um rapaz, então vamos esquecer o que aconteceu aqui. Você deve fazer o mesmo. - Ao deixar o salão, o rapaz olhou para trás por cima do ombro, e quando Dany fitou seus olhos, pensou, a Harpia tem outro filho.
Ao meio-dia, Daenerys sentia o peso da coroa em sua cabeça e a dureza do banco sob as nádegas. Com tantos ainda à espera de sua disposição, não parou para comer. Em vez disso, enviou Jhiqui às cozinhas para buscar um pão pita, azeitonas, figos e queijo. Mordiscava enquanto ouvia e tomava goles de vinho aguado. Os figos estavam bons, as azeitonas ainda melhores, mas o vinho deixou um gosto amargo e metálico na boca. As pequenas e pálidas uvas nativas da região produziam uma safra notadamente inferior. Não teremos comércio de vinho. Além disso, os Grandes Mestres haviam queimado as melhores parreiras, juntamente com as oliveiras.
Na parte da tarde, veio um escultor propondo substituir a grande harpia de bronze da Praça da Purificação por um projeto com a imagem de Dany. Ela recusou a proposta com o máximo de cortesia que pôde conseguir. Um lúcio de tamanho sem precedentes havia sido apanhado no Skahazadhan, e o pescador desejava dar o peixe à rainha. Ela admirou o extravagante animal, recompensou o pescador com uma bolsa de prata e enviou o lúcio para a cozinha. Um caldeireiro tinha feito para ela uma cota de malha de cobre polido para usar na guerra. Ela aceitou com exagerados agradecimentos; era uma peça linda de se ver, e todo aquele cobre polido deveria brilhar lindamente ao sol - embora, em uma batalha real, preferisse estar revestida em aço. Mesmo uma jovem moça sem experiência nos caminhos da guerra sabia disso.
As sandálias que o Rei Açougueiro lhe enviara estavam ficando desconfortáveis demais. Dany as tirou e sentou-se sobre um dos pés, enquanto o outro balançava para a frente e para trás. Não era uma pose muito régia, mas ela estava cansando de ser régia. A coroa lhe dava dores de cabeça e suas nádegas começavam a ficar dormentes.
- Sor Barristan - chamou - eu sei qual é a qualidade que um rei mais precisa.
- Coragem, Vossa Graça?
- Nádegas de ferro - brincou. - Tudo o que faço é sentar.
- Vossa Graça exige demais de si mesma. Devia permitir que seus conselheiros cuidassem mais de seus encargos.
- Tenho conselheiros demais e almofadas de menos. - Dany virou-se para Reznak. - Quantos mais?
- Vinte e três, se agradar Vossa Magnificência. Com muitos pedidos. - O senescal consultou alguns papéis. - Um bezerro e três cabras. Os demais serão ovelhas e cordeiros, não há dúvida.
- Vinte e três. - Dany suspirou. - Meus dragões desenvolveram um gosto prodigioso por carne de cordeiro desde que começamos a pagar os pastores pelos animais que eles matam. Essas alegações são comprovadas?
- Alguns homens trouxeram ossos queimados.
- Homens fazem fogo. Homens cozinham carne de cordeiro. Ossos queimados não provam nada. Ben Castanho diz que há lobos vermelhos nas colinas fora da cidade, além de chacais e cães selvagens. Devemos pagar uma boa prata para cada cordeiro que se perde entre Yunkai e o Skahazadhan?
- Não, Magnificência. - Reznak fez uma mesura. - Devo mandar esses patifes embora, ou devo mandar açoitá-los?
Daenerys se mexeu no banco.
- Nenhum homem deve temer vir até mim. - Algumas alegações eram falsas, ela não duvidava, mas a maioria era genuína. Os dragões estavam demasiado grandes para se contentar com ratos, cães e gatos. Quanto mais comem, maiores ficam, Sor Barristan a havia advertido, e quanto maiores ficam, mais comem. Drogon, especialmente, ia até muito longe e podia facilmente devorar uma ovelha por dia. - Pague-os pelo valor dos animais - ela disse a Reznak - mas, de hoje em diante, os requerentes devem apresentar-se no Templo das Graças e fazer um juramento sagrado diante dos deuses de Ghis.
- Assim será. - Reznak virou-se para os peticionários. - Sua Magnificência, a Rainha, consentiu em compensar cada um de vocês pelos animais que perderam - disse, na língua ghiscari. - Apresentem-se aos meus administradores, amanhã, e serão pagos em moeda ou espécie, como preferirem.
O pronunciamento foi recebido com um silêncio taciturno. E você imaginava que isso os deixaria felizes, Dany pensou. Eles tiveram o que vieram buscar. Não tem jeito de agradar essas pessoas?
Um homem ficou para trás enquanto o resto partia; um homem atarracado, com o rosto queimado pelo vento, malvestido. Seu cabelo era um capacete grosseiro de fios negro-avermelhados cortado na altura das orelhas, e em uma das mãos segurava um triste saco de pano. Ficou de cabeça baixa, olhando para o chão de mármore, como se tivesse se esquecido de onde estava. E o que esse aí quer? Dany se perguntou.
- Todos de joelhos para Daenerys Nascida da Tormenta, a Não Queimada, Rainha de Meereen, Rainha dos Ândalos, dos Roinares e dos Primeiros Homens, Khaleesi do Grande Mar de Grama, Rompedora de Algemas e Mãe de Dragões - gritou Missandei em sua voz alta e doce.
Conforme Dany se levantou, seu tokar começou a escorregar. Ela o pegou e o enrolou de volta no lugar.
- Você com o saco - chamou - deseja falar conosco? Pode se aproximar.
Quando ele levantou a cabeça, seus olhos estavam vermelhos e magoados como uma ferida aberta. Dany vislumbrou Sor Barristan chegando, uma sombra branca ao seu lado. O homem se aproximou tropegamente, um passo e depois o outro, segurando o saco. Está bêbado ou doente? Ela se perguntou. Havia sujeira sob suas unhas amarelas rachadas.
- O que é isso? - Dany perguntou. - Você nos trouxe alguma reclamação, alguma petição? O que tem para nós?
Ele passou nervosamente a língua sobre os lábios rachados.
- Eu ... eu trouxe...
- Ossos? - ela disse, impaciente. - Ossos queimados?
Ele levantou o saco e derramou seu conteúdo no mármore.
Os ossos estavam ali, ossos quebrados e enegrecidos. Os ossos maiores haviam sido quebrados, pelo tutano.
- Foi o negro - o homem disse, em um rosnado ghiscari - a sombra alada. Ele veio do céu e... e...
Não. Dany estremeceu. Não, não, oh, não.
- Você é surdo, seu tolo? - Reznak mo Reznak exigiu do homem. - Não ouviu meu pronunciamento? Fale com meus administradores amanhã, e eles pagarão por sua ovelha.
- Reznak - Sor Barristan disse sobriamente - segure a língua e abra os olhos. Esses não são ossos de uma ovelha.
Não, Dany pensou, esses são ossos de uma criança. 

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