quinta-feira, 26 de setembro de 2013

15 - DAVOS


O Parteira Feliz atracou em Porto Branco com a maré da noite, a vela remendada ondulando a cada rajada de vento.
Era um barco de pesca velho, e nem mesmo na juventude devia ter sido considerado bonito. Sua escultura de proa mostrava uma mulher sorrindo segurando um bebê pelo pé, mas o rosto da mulher e o traseiro da criança tinham buracos de vermes. Incontáveis camadas de um marrom enfadonho cobriam o cascos; as velas eram cinzentas e esfarrapadas. Não era um barco para o qual alguém olhava uma segunda vez, exceto para se perguntar como flutuava ainda. O Parteira Feliz também era conhecido em Porto Branco. Por anos, exercia um humilde comércio entre esta cidade e Vilirmã.
Não era o tipo de desembarque que Davos Seaworth antecipara quando zarpou com Salla e sua frota. Tudo parecera mais simples então. Como os corvos não haviam levado para o Rei Stannis notícias de aliança com Porto Branco, Sua Graça mandaria um enviado tratar com Lorde Manderly em pessoa. Em uma demonstração de força, Davos chegaria a bordo da galé Valiriana de Salla, com o resto da frota lisena atrás dele. Todos os cascos eram listrados: negro e amarelo, rosa e azul, verde e branco, púrpura e dourado. Os lisenos amavam matizes brilhantes, e Salladhor Saan era o mais colorido de todos. Salladhor, o Esplêndido, pensou Davos, mas as tempestades puseram um fim naquilo tudo.
Em vez disso, teve que entrar disfarçado na cidade, como teria feito vinte anos antes. Até saber como andavam as coisas, era mais prudente fazer-se passar por um marinheiro comum, em vez de um lorde.
As muralhas de pedra caiada de Porto Branco erguiam-se diante deles, na costa ocidental, onde a Faca Branca mergulhava no estuário. Algumas defesas da cidade haviam sido reforçadas desde a última vez que Davos estivera ali, havia seis anos. O cais que dividia os portos interior e exterior fora fortificado com uma longa parede de pedra, com quase dez metros de altura e um quilômetro e meio de comprimento, com torres a cada cem metros. Fumaça saía de Pedra da Foca também, onde tempos atrás havia só ruínas. Isso pode ser bom ou mau, dependendo do lado que Lorde Wyman escolher.
Davos sempre fora apaixonado por aquela cidade, desde a primeira vez que fora como grumete no Gato da Calçada. Embora pequena, se comparada a Vilavelha ou Porto Real, era limpa e bem ordenada, com ruas calçadas retas e amplas que tornavam fácil para qualquer um encontrar seu caminho. As casas eram construídas em pedra caiada, com telhados íngremes de ardósia cinza-escuro. Roro Uhoris, o velho e excêntrico capitão do Gato da Calçada, afirmava ser capaz de distinguir um porto do outro apenas pelo cheiro. Cidades são como mulheres, insistia, cada uma tem um cheiro único. Vilavelha era floral como uma viúva perfumada. Lannisporto era como uma mulher que trabalhava na ordenha, fresca e terrosa, com os cabelos defumados. Porto Real fedia como uma puta sem se lavar. Já o cheiro de Porto Branco era penetrante e salgado, com um leve odor a peixe.
- Cheira como uma sereia deve cheirar. - Raro dizia. - Os odores do mar.
Ainda cheira assim, pensou Davas, embora também pudesse sentir o odor de fumaça de trufas vindo de Pedra das Focas. As pedras marítimas dominavam a aproximação do porro exterior, uma maciça e intimidadora elevação cinza-esverdeada, quinze metros acima da água. O topo era coroado com um círculo de pedras desgastadas, um forte dos Primeiros Homens que permanecera desolado e abandonado por centenas de anos. Não estava abandonado agora. Davas podia ver balestras e lança-chamas atrás das ameias, e arqueiros espreitando entre elas. Deve ser frio lá em cima, e úmido. Em todas as visitas anteriores, focas podiam ser vistas se aquecendo nas pedras quebradas abaixo. O Bastardo Cego sempre o obrigava a contá-las quando o Gato da Calçada zarpava de Porto Branco: quanto mais focas houvesse, dizia Raro, mais sorte teriam na viagem. Não havia focas ali. A fumaça e os soldados as assustaram. Um homem sábio veria um aviso nisso. Se eu tivesse um pingo de juízo, teria ido com Salla. Poderia ter feito seu caminho de volta para o Sul, para Marya e seus filhos. Perdi quatro filhos a serviço do rei, e meu quinto serve como escudeiro real. Eu deveria ter o direito de cuidar dos dois garotos que me restam. Faz muito tempo desde que os vi.
Em Atalaialeste, os irmãos negros lhe disseram que não havia amor entre os Manderly de Porto Branco e os Bolton de Forte do Pavor. O Trono de Ferro dera a Roose Bolton o título de Protetor do Norte, o que era uma razão para que Wyman Manderly se declaras-se por Stannis. Porto Branco não pode ficar só. A cidade precisa de um aliado, de um protetor. Lorde Wyman precisa do Rei Stannis tanto quanto Stannis precisa dele. Ou assim parecera em Atalaialeste.
Vilirmã minara essas esperanças. Se Lorde Borrell dissera a verdade, se os Manderly pretendiam unir suas forças aos Bolton e aos Frey... não, ele não se alongaria nessa possibilidade. Saberia a verdade em breve. E rezava para que não tivesse chegado tarde demais.
O quebra-mar esconde o porto interior, percebeu, enquanto o Parteira Feliz baixava as velas. O porto exterior era maior, mas o porto interior oferecia ancoragem melhor, protegido pela muralha da cidade de um lado e pela imponente massa da Toca do Lobo de outro, e também pelo quebra-mar. Em Atalaialeste do Mar, Cotter Pyke dissera a Davos que Lorde Wyman estava construindo galés de guerra. Podia haver uma frota de navios escondida atrás daquelas muralhas, esperando apenas o comando para se lançar ao mar.
Atrás das grossas muralhas brancas da cidade, o Castelo Novo erguia-se orgulhoso e claro sobre a encosta. Davas também podia ver o teto abobadado do Septo Nevado, encimado por altas estátuas dos Sete. Os Manderly trouxeram a Fé para o Norte quando vieram da Campina. Porto Branco também tinha seu bosque sagrado, um emaranhado de raízes, arbustos e pedras trancado atrás das muralhas em ruínas da Toca do Lobo, uma antiga fortaleza que passou a servir como prisão. Mas, para a maioria, os septões ditavam as regras religiosas.
O tritão da Casa Manderly estava em evidência em todos os lugares, flutuando nas torres do Castelo Novo, acima do Portão das Focas e ao longo das muralhas da cidade. Em Atalaialeste, os nortenhos insistiam que Porto Branco nunca abandonaria a aliança com Winterfell, mas Davos não via sinal do lobo gigante dos Stark. Tampouco há leões. Lorde Wyman não deve ter se declarado por Tommen ainda, ou teria colocado seu estandarte.
As docas fervilhavam. Uma desordem de pequenos barcos estava atracada ao longo do mercado de peixes, descarregando as capturas do dia. Também viu três barcos fluviais, longos e esbeltos, construídos para enfrentar a correnteza rápida e a rebentação pedregosa da Faca Branca. Mas eram os navios marítimos que chamavam mais sua atenção; um par de caravelas tão sem graça e esfarrapadas quanto o Parteira Feliz, a galé mercante Dançarino da Tempestade, os barcos de pesca Bravo Magíster e Cornucópia, uma galé de Bravos com casco púrpura e velas ...
... e, logo depois, o navio de guerra.
Essa visão foi como uma faca em suas esperanças. O casco era negro e dourado, a figura de proa, um leão com uma pata levantada. Leão Estrelado, diziam as letras em sua popa, e embaixo um estandarte com as armas do rei menino no Trono de Ferro. Um ano antes, Davos não teria sido capaz de ler aquilo, mas Meistre Pylos o ensinara algumas letras quando ainda estavam em Pedra do Dragão. Pela primeira vez, a leitura não lhe era agradável. Estivera rezando para que a galé tivesse se perdido nas mesmas tempestades que assolaram a frota de Salla, mas os deuses não foram tão bons. Os Frey estavam ali, e ele teria que encará-los.
O Parteira Feliz atracou no fim de um píer de madeira gasta no porto exterior, bem distante do Leão Estrelado. Enquanto a tripulação amarrava o barco e descia a prancha, o capitão foi conversar com Davos. Casso Mogat era um mestiço do mar estreito, filho de uma prostituta de Vilirmã com um baleeiro ibenês. Com pouco mais de um metro e meio de altura e muito hirsuto, tingia o cabelo e as suíças de verde musgo. Isso lhe dava a aparência de um toco de árvore com botas amarelas. Apesar de sua aparência, parecia ser um bom marinheiro, embora fosse um capitão duro com a tripulação.
- Quanto tempo pretende ficar?
- Um dia, pelo menos. Talvez mais. - Davos descobrira que lordes gostavam de se fazer esperar. Faziam isso para deixar o visitante ansioso, suspeitava, e para demonstrar poder.
- O Parteira ficará aqui três dias. Não mais que isso. Esperam-me de volta em Vilirmã.
- Se as coisas forem bem, poderei voltar amanhã.
- E se as coisas forem mal?
Poderei não voltar nunca.
- Não precisa esperar por mim.
Um par de aduaneiros subia a bordo enquanto ele descia pela prancha, mas nenhum dos dois reparou nele. Estavam ali para ver o capitão e inspecionar o porão; marinheiros comuns não lhes diziam respeito, e poucos homens pareciam tão comuns quanto Davos. De estatura mediana, tinha o rosto astuto de um camponês, endurecido pelo vento e pelo sol, barba grisalha e o cabelo castanho também salpicado de cinza. Sua vestimenta também era comum: botas velhas, calções marrons e túnica azul, um manto de lã não tingida, preso com uma fivela de madeira. Usava um par de luvas de couro gastas para esconder os dedos da mão que Stannis cortara, anos antes. Davos dificilmente pareceria um senhor, muito menos a Mão do Rei. Era uma situação favorável, pelo menos até que descobrisse como estavam as coisas.
Caminhou ao longo do cais e através do mercado de peixes. O Bravo Magíster descarregava hidromel. Os barris eram empilhados de quatro em quatro no píer. Atrás de uma pilha, vislumbrou três marinheiros jogando dados. Mais adiante, vendedoras de peixes gritavam a mercadoria do dia, e um garoto marcava o tempo em um tambor enquanto um velho urso ensebado dançava em círculos em um anel feito de canoas. Dois lanceiros de guarda no Portão da Foca, com o brasão da Casa Manderly no peito, estavam mais preocupados em flertar com uma puta do cais do que em prestar qualquer atenção em Davos. O portão estava aberto, a ponte levadiça baixada. Ele se juntou ao tráfego que passava.
Dentro havia uma praça calçada com uma fonte no centro. Um tritão de pedra se erguia das águas, seis metros de altura da cauda à coroa. Sua barba encaracolada era verde e branca de liquens, e um dos prolongamentos do tridente devia ter quebrado antes que Davas nascesse, mas ainda assim a imagem era impressionante. Velho Pedepeixe, era como os locais chamavam a escultura. A praça fora nomeada em homenagem a algum senhor já falecido, mas todos a conheciam apenas como Pátio Pedepeixe.
O Pátio estava cheio naquela tarde. Uma mulher lavava roupas íntimas na fonte Pedepeixe e as pendurava no tridente para secar. Sob os arcos da colunata do mascate, escribas e cambistas se estabeleciam para fazer negócio, juntamente com alguns feiticeiros, uma vendedora de ervas e um malabarista muito ruim. Um homem vendia maçãs em um carrinho de mão, e uma mulher oferecia arenque com cebola picada. Galinhas e crianças estavam por toda parte. As imensas portas de carvalho e ferro do Velho Manancial sempre estavam fechadas nas outras vezes que Davos estivera no Pátio Pedepeixe, mas desta vez estavam abertas. Dentro, podia vislumbrar centenas de mulheres, crianças e velhos, amontoados no chão em pilhas de peles. Alguns tinham pequenas fogueiras para cozinhar.
Davos parou debaixo da colunata e trocou algumas moedas por uma maçã.
- As pessoas estão vivendo no Velho Manancialr - perguntou ao vendedor de maçãs.
- Não têm outro lugar pra viver. Camponeses do alto da Faca Branca, a maioria. Gente de Hornwood também. Com o Bastardo de Bolton correndo à solta, querem estar dentro da muralha. Não sei o que sua senhoria pretende fazer com todos eles. A maioria chegou só com os trapos do corpo.
Davos sentiu uma pontada de culpa. Eles vieram aqui atrás de refúgio, para a cidade intocada pelas batalhas, e aqui estou eu para arrastá-los de volta à guerra. Deu uma mordida na maçã, e se sentiu culpado também por isso.
- Como eles comem?
O vendedor de maçãs encolheu os ombros.
- Alguns mendigam. Outros roubam. Muitas meninas se vendem, do jeito que garotas sempre fazem quando são tudo o que têm para vender. Qualquer menino com mais de um metro e meio de altura pode encontrar um lugar no quartel de sua senhoria, desde que consiga segurar uma lança.
Ele está arregimentando homens, então. Isso podia ser bom ... ou mau, dependendo. A maçã estava seca e farinhenta, mas Davos se obrigou a dar outra mordida.
- Lorde Wyman pretende se juntar ao Bastardo?
- Bem - disse o vendedor de maçãs - da próxima vez que sua senhoria vier aqui embaixo implorando por uma maçã, vou me lembrar de perguntar a ele.
- Ouvi dizer que a filha dele vai se casar com um Frey.
- A neta. Também ouvi isso, mas sua senhoria se esqueceu de me convidar para o casamento. Escuta, você vai comer isso? Eu fico com o resto. As sementes são boas.
Davos jogou de volta para ele o miolo da fruta. Uma maçã ruim, mas valeu cada moeda saber que Manderly está arregimentando homens. Fez seu caminho em torno do Velho Pedepeixe, passando por uma jovem que vendia leite fresco de cabra. Lembrava-se mais da cidade, agora que estava ali. Um pouco abaixo do local para o qual o tridente do Velho Pedepeixe apontava, havia um beco onde vendiam bacalhau frito, crocante e dourado por fora e branco e escamoso por dentro. Logo depois havia um bordel, mais limpo do que a maioria, e onde um marinheiro podia desfrutar de uma mulher sem ter medo de ser assaltado ou morto. Um pouco para lá, em uma daquelas casas presas às paredes da Toca do Lobo como cracas em um casco velho, havia uma cervejaria que fazia uma cerveja preta tão espessa e saborosa que um barril podia custar tanto quanto um vinho dourado da Árvore em Bravos e no Porto de Ibben, isso se os frequentadores deixassem alguma coisa para o cervejeiro vender.
Era vinho, no entanto, o que ele queria; azedo, escuro e carregado. Atravessou o pátio e desceu uma escadaria, até uma adega chamada Enguia Preguiçosa, sob um armazém cheio de peles de ovelhas. Em seus dias de contrabandista, a Enguia era renomada por oferecer as putas mais velhas e o vinho mais vil de Porto Branco, junto com tortas de carne cheias de gordura e cartilagem, intragáveis nos melhores dias e tóxicas nos piores. Com um cardápio desses, a maioria dos habitantes locais evitava o lugar, deixando-o para marinheiros que não conheciam nada melhor. Um guarda da cidade ou um funcionário da alfândega nunca seria visto na Enguia Preguiçosa.
Algumas coisas nunca mudam. Dentro da Enguia, o tempo parara. O teto abobadado estava manchado com fuligem negra, o chão era de terra batida, o ar cheirava a fumaça, carne estragada e vômito antigo. As velas de sebo nas mesas faziam mais fumaça do que iluminavam, e o vinho que Davos pediu parecia mais marrom do que vermelho na penumbra. Quatro prostitutas estavam sentadas próximas à porta, bebendo. Uma lhe deu um sorriso esperançoso quando ele entrou. Quando Davos abanou a cabeça, a mulher disse algo que fez suas companheiras rirem. Depois disso, nenhuma delas prestou atenção nele.
Além das prostitutas e do proprietário, Davos tinha a Enguia para si. A adega era grande, cheia de recantos e alcovas sombrias onde um homem podia ficar sozinho. Ele levou seu vinho para um desses lugares e se sentou de costas para a parede para esperar.
Algum tempo depois, pegou-se encarando a lareira. A mulher vermelha podia ver o futuro nas chamas, mas tudo o que Davos Seaworth já vira eram sombras do passado: navios queimando, a corrente em chamas, as sombras verdes brilhando por toda a baía, até as nuvens, e a Fortaleza Vermelha pairando sobre todos eles. Davos era um homem simples, que chegara até aquele ponto graças ao acaso, à guerra e a Stannis. Ele não entendia por que os deuses levariam quatro rapazes tão jovens e fortes como seus filhos, poupando o pai cansado. Algumas noites, pensava que havia sido poupado para poder resgatar Edric Storm ... mas agora o bastardo do Rei Robert já estava a salvo, em Passopedra, e Davos ainda continuava por ali. Os deuses terão outras tarefas para mim? Ele se perguntava. Se for assim, talvez Porto Branco seja parte disso. Experimentou o vinho e, em seguida, derramou meia taça no chão, ao lado do pé.
Conforme o crepúsculo caía, os bancos da Enguia começaram a se encher de marinheiros. Davos pediu outra taça para o proprietário. Quando o homem veio, trouxe consigo uma vela.
- Quer comida? - perguntou. - Temos torta de carne.
- Que tipo de carne?
- O tipo normal. É boa.
As prostitutas riram.
- É cinza, ele quer dizer - uma delas disse.
- Cale essa maldita boca. Você comeu dela.
- Eu como qualquer merda. Não quer dizer que goste.
Davos apagou a vela assim que o proprietário se afastou e recostou-se na sombra. Marinheiros eram os maiores fofoqueiros do mundo quando o vinho fluía, mesmo um vinho barato como aquele. Tudo o que precisava fazer era ouvir.
A maior parte do que ouviu, no entanto, já havia escutado em Vilirmã, de Lorde Godric ou dos habitantes da Barriga da Baleia. Tywin Lannister estava morto, assassinado por seu filho anão; seu cadáver fedia tanto que ninguém era capaz de entrar no Grande Septo de Baelor dias mais tarde; a Senhora do Ninho da Águia fora assassinada por um cantor; Mindinho governava o Vale agora, mas Bronze Yohn Royce jurara derrubá-lo; Balon Greyjoy estava morto também, e seus irmãos lutavam pela Cadeira da Pedra do Mar; Sandor Clegane tornara-se um fora da lei e estava saqueando e matando nas terras ao longo do Tridente; Myr, Lys e Tyrosh estavam envolvidas em outra guerra; no leste, uma revolta de escravos estava no auge.
Outras novidades eram mais interessantes. Robett Glover estava na cidade e tentara arregimentar homens, com pouco sucesso. Lorde Manderly ignorara seus apelos. Porto Branco estava cansado de guerra, fora a resposta dele, segundo relatos. Isso era ruim. Os Ryswell e os Dustin haviam surpreendido homens de ferro no Rio Febril e colocado fogo em seus navios. Isso era pior. E agora o Bastardo de Bolton cavalgava para o Sul com Hother Umber para juntar-se a eles em um ataque a Fosso Cailin.
- O Terror-das-Rameiras em pessoa - exclamou um homem do rio que descera o Faca Branca com um carregamento de couro e madeiras - com trezentos lanceiros e uma centena de arqueiros. Alguns homens de Hornwood se juntaram a eles também, assim como Cerwyn. - Isso era o pior de tudo.
- Lorde Wyman deveria mandar alguns homens para a luta, se sabe o que é bom para ele - disse um velho no outro lado da mesa. - Lorde Roose é o Protetor agora. A honra de Porto Branco obriga a cidade a responder ao seu chamado.
- O que algum Bolton já soube sobre honrar - disse o proprietário da Enguia, enquanto enchia as canecas com mais vinho.
- Lorde Wyman não vai a lugar nenhum. Está mais gordo que um porco.
- Ouvi dizer que está doente. Tudo o que faz é dormir e chorar, dizem. Na maior parte dos dias não consegue nem levantar da cama, de tão doente.
- De tão gordo, quer dizer.
- Gordo ou magro, não há nada que possa fazer - disse o proprietário da Enguia. - Os leões estão com o filho dele.
Ninguém falava sobre o Rei Stannis. Ninguém nem parecia saber que Sua Graça viera ao Norte defender a Muralha. Selvagens, criaturas e gigantes eram os assuntos de Atalaialeste, mas ali ninguém parecia pensar neles.
Davos inclinou-se em direção à luz.
- Pensei que os Frey tivessem matado o filho dele. Foi o que ouvi em Vilirmã.
- Eles mataram Sor Wendel - disse o proprietário. - Seus ossos repousam no Septo Nevado com velas ao redor, se quiser dar uma olhada. Já Sor Wylis ainda é cativo.
Isso está cada vez pior. Ele sabia que Lorde Wyman tinha dois filhos, mas pensava que ambos estavam mortos. Se o Trono de Ferro tem um refém ... Davos tinha sete filhos também, e perdera quatro na Água Negra. Ele sabia que faria o que os deuses e os homens exigissem dele para proteger os outros três. Steffon e Stannis estavam a milhares de quilômetros da batalha, seguros e aquecidos, mas Devan estava em Castelo Negro, um escudeiro do rei. O rei cuja causa pode ter sucesso ou fracasso com Porto Branco.
Seus companheiros de bebida falavam sobre dragões agora.
- Você é um louco maldito - disse um remador do Dançarino da Tempestade. - O Rei Pedinte está morto há anos. Algum senhor de cavalo dothraki cortou a cabeça dele.
- Foi o que nos disseram - disse o velho. - Talvez estivessem mentindo. Ele morreu há meio mundo daqui, se é que morreu. Quem é que disse? Se um rei quer me ver morto, talvez eu seja obrigado a fingir ser um cadáver. Nenhum de nós viu o corpo dele.
- Nunca vi o cadáver de Joffrey, nem o de Robert - resmungou o proprietário do Enguia. - Talvez estejam vivos também. Talvez Baelor, o Abençoado, esteja só tirando uma soneca todos esses anos.
O velho fez uma careta.
- O Príncipe Viserys não era o único dragão, era? Tem certeza de que mataram o filho do Príncipe Rhaegar? Era um bebê.
- Não tinha uma princesa também? - perguntou uma prostituta. Era a mesma que dissera que a carne era cinza.
- Duas - disse o velho. - Uma era filha de Rhaegar, outra era irmã dele.
- Daena - disse o homem do rio. - Essa era a irmã. Daena de Pedra do Dragão. Ou era Daera?
- Daena era a velha esposa do Rei Baelor - disse o remador. - Trabalhei em um navio que tinha o nome dela. O Princesa Daena.
- Se ela era a esposa de um rei, ela era rainha.
- Baelor nunca teve uma rainha. Ele era piedoso.
- Não quer dizer que nunca tenha se casado com sua irmã - disse a prostituta. - Ele só não dormiu com ela, foi isso. Quando eles o fizeram rei, ele a trancou em uma torre. As outras irmãs dele também. Eram três.
- Daenela - disse o proprietário espalhafatosamente. - Esse era o nome dela. Da filha do Rei Louco, quero dizer, não da maldita esposa do Baelor.
- Daenerys - disse Davos. - Ela recebeu o nome em homenagem a Daenerys que se casou com o Príncipe de Dome, durante o reinado de Daeron II. Não sei o que aconteceu com ela.
- Eu sei - disse o homem que começara a falar de dragões, um remador bravosi em um casaco de lã escuro. - Quando paramos em Pentos, atracamos ao lado de um navio mercante chamado Donzela de Olhos Negros, e saí para beber com o intendente do capitão. Ele me contou uma bela história sobre uma garota que veio a bordo em Qarth, para tentar passagem para Westeros para ela e seus três dragões. Tinha o cabelo prateado e olhos púrpura. “Levei ela para o capitão” o intendente me jurou, “mas ele não quis nem saber. Há mais lucros em cravo e açafrão, ele me disse, e especiarias não vão incendiar suas velas”
Risos tomaram conta da adega. Davos não se juntou a eles. Ele sabia o que acontecera ao Donzela de Olhos Negros. Os deuses eram cruéis em deixar um homem navegar metade do mundo e então fazê-lo seguir uma falsa luz quando estava quase em casa. Este capitão foi mais ousado do que eu, pensou, enquanto seguia para a porta. Uma viagem para o leste, e um homem podia viver tão rico quanto um lorde o resto de seus dias. Quando era mais jovem, Davos sonhara em fazer essa viagem, mas os anos dançaram como mariposas ao redor de uma chama, e a época certa nunca chegou. Um dia, disse para si mesmo. Um dia, quando a guerra acabar e o Rei Stannis sentar no Trono de Ferro e não precisar mais de cavaleiros das cebolas. Levarei Devan comigo. Steff e Stanny também, se tiverem idade suficiente. Veremos dragões e todas as maravilhas do mundo.
Do lado de fora, o vento soprava em rajadas, fazendo tremular as chamas das lâmpadas de óleo que iluminavam o pátio. Ficara mais frio desde que o sol se pusera, mas Davos se lembrava de Atalaialeste e de como o vento vinha uivando pela Muralha, à noite, penetrando até mesmo no manto mais quente para congelar o sangue de um homem nas veias. Em comparação, Porto Branco era um banho tépido.
Havia outros lugares onde ele podia afiar os ouvidos; uma pousada famosa pela torta de lampreia, um cervejaria onde os fabricantes de lã e os aduaneiros tomavam suas bebidas, um teatro de pantomimeiros onde se podia conseguir entretenimento obsceno por algumas moedas. Mas Davos sentia que já ouvira o bastante. Cheguei tarde demais. Velhos hábitos o fizeram levar a mão ao peito, onde antigamente mantinha os ossos dos dedos em um pequeno saco, amarrados com uma tira de couro. Não havia nada ali. Ele perdera sua boa sorte no incêndio na Água Negra, quando perdera o navio e os filhos.
O que devo fazer agora? Ele apertou o manto de encontro ao corpo. Subir a encosta e me apresentar nos portões do Castelo Novo, para fazer um apelo inútil? Retornar para Vilirmã? Voltar para Marya e os meninos? Comprar um cavalo e seguir pela estrada do rei para dizer a Stannis que ele não tem amigos em Porto Branco, nem esperanças?
A Rainha Selyse dera um banquete para Salla e seus capitães na noite anterior à partida da frota. Cotter Pyke se juntara a eles, assim como outros quatro alto oficiais da Patrulha da Noite. A Princesa Shireen tinha sido autorizada a participar também. Enquanto o salmão era servido, Sor Axell Florent entretivera a mesa com uma história de um principezinho Targaryen que tinha um macaco de estimação. O príncipe gostava de vestir o animal com as roupas do irmão falecido e fingia que ele era uma criança - contou Sor Axell - e, de tempos em tempos, propunha casamentos para o macaco. Os senhores, honrados, sempre declinavam polidamente, mas é claro que declinavam.
- Mesmo vestido com sedas e veludos, um macaco continua sendo um macaco - disse Sor Axell. - Um príncipe mais esperto saberia que não se manda um macaco para fazer o trabalho de um homem.
A rainha rira, e vários presentes olharam para Davos. Não sou um macaco, ele pensara. Sou tão senhor quanto você e um homem melhor. Mas a lembrança ainda o incomodava.
O Portão da Foca estava fechado naquela noite. Davos não poderia voltar para o Parteira Feliz até o amanhecer. Teria que passar a noite ali. Olhou para o Velho Pedepeixe com seu tridente quebrado. Atravessei chuva, ruína e tempestade para chegar aqui. Não vou embora sem fazer o que vim fazer, não importa quão desesperançado pareça. Podia ter perdido os dedos e a sorte, mas não era um macaco vestido de veludo. Era a Mão do Rei.
Passo do Castelo era uma rua com degraus, um largo caminho de pedra branca que levava da Toca do Lobo, pela água, até Castelo Novo, em sua colina. Sereias de mármore, com vasilhames de óleo de baleia queimando aninhados nos braços, iluminavam o percurso enquanto Davos subia. Quando alcançou o topo, virou-se para olhar para trás. De onde estava, podia ver os portos. Ambos. Atrás do quebra-mar, o porto interno estava repleto de galés de guerra. Davos contou vinte e três. Lorde Wyman era gordo, mas não era negligente, ao que parecia.
Os portões do Castelo Novo estavam fechados, mas um portão lateral se abriu quando ele chamou, e um guarda apareceu para perguntar o que queria. Davos mostrou para ele a fita negra e dourada que trazia os selos reais.
- Preciso ver Lorde Manderly imediatamente - disse. - Meu assunto é com ele, e só com ele. 

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