sexta-feira, 27 de setembro de 2013

19 - DAVOS


- Sua senhoria vai recebê-lo, contrabandista.
O cavaleiro vestia armadura prateada, com as grevas e manoplas embutidas em nigelo, sugerindo harmoniosos grupos de algas marinhas. O elmo sob seu braço era a cabeça de um rei bacalhau, com uma coroa de madrepérola e uma barba protuberante de azeviche e jade. Sua própria barba era cinzenta como o mar de inverno.
Davos se ergueu.
- Posso saber seu nome, sor?
- Sor Marlon Manderly. - Ele era uma cabeça mais alto do que Davos e uns vinte quilos mais pesado, com olhos cor de ardósia cinza e um jeito arrogante de falar. - Tenho a honra de ser primo de Lorde Wyman e comandante de sua guarnição. Siga-me.
Davos fora a Porto Branco como enviado, mas haviam feito dele um cativo. Seus aposentos eram grandes, arejados e elegantemente mobiliados, mas havia guardas do lado de fora das portas. De sua janela, podia ver as ruas de Porto Branco além das muralhas do castelo, mas não tinha permissão de andar por elas. Via o porto também, e assistira ao Parteira Feliz sair pelo estuário. Casso Mogat esperara quatro dias, em vez de três, antes de partir. Mais duas semanas se passaram depois disso.
A guarda pessoal de Lorde Manderly vestia manto de lã azul-esverdeado, e levava tridentes de prata, em vez de lanças comuns. Um caminhava na frente dele, um atrás e mais um de cada lado. Passaram por estandartes desbotados, escudos quebrados e espadas enferrujadas de uma centena de vitórias antigas, e por um grupo de figuras de madeira, rachadas e com buracos de cupins. que só podiam ter adornado algumas proas de navio.
Dois tritões de mármore ladeavam a corte de sua senhoria, primos menores do Pedepeixe. Enquanto os guardas abriam as portas, um arauto bateu a vara contra uma velha tábua no chão.
- Sor Davos da Casa Seaworth - anunciou, com voz ressonante.
Nas outras vezes que visitara Porto Branco, Davos não pusera os pés no Castelo Novo, muito menos na Corte do Tritão. As paredes, o chão e o teto eram feitos de tábuas de madeira entalhadas cuidadosamente e decoradas com todas as criaturas do mar. Enquanto se aproximava do palanque, Davos pisava em caranguejos, mariscos e estrelas-do-mar, meio ocultos entre ramos retorcidos de algas marinhas e ossos de marinheiros afogados. Nas paredes de ambos os lados, tubarões brancos rondavam as profundezas pintadas de azul-esverdeado, enquanto enguias e polvos deslizavam entre rochas e navios naufragados. Cardumes de arenques e grandes bacalhaus nadavam entre as altas janelas arqueadas. Mais para cima, perto de onde velhas redes de pesca pendiam do forro, a superfície do mar fora retratada. À direita, uma galé de guerra deslizava serena contra o sol nascente; à esquerda, um velho e surrado barco de pesca enfrentava uma tempestade com velas esfarrapadas. Atrás do palanque, uma lula gigante e um leviatã cinzento travavam uma batalha entre ondas pintadas.
Davos esperava falar com Wyman Manderly a sós, mas encontrou a corte lotada. Junto às paredes, as mulheres superavam os homens na proporção de cinco para um; os poucos homens que viu tinham longas barbas cinzentas, ou pareciam jovens demais para se barbear. Havia septões também, e irmãs santas em túnicas brancas e cinza. Perto da parte mais alta do salão, estava uma dúzia de homens no azul e cinza-prateado da Casa Frey. Seus rostos tinham uma semelhança que até um cego poderia ver; muitos vestiam o emblema das Gêmeas, duas torres conectadas por uma ponte.
Davos aprendera a ler o rosto dos homens muito antes de Meistre Pylos o ensinar a ler palavras em um papel. Estes Frey me veriam morto de bom grado, percebeu com um olhar.
Tampouco encontrou algum sinal de boas-vindas nos olhos azul-claros de Wyman Manderly. O trono almofadado de sua senhoria era amplo o bastante para acomodar três homens de circunferência comum e, mesmo assim, Manderly ameaçava transbordar do assento. Sua senhoria sentava-se largado, os ombros caídos, as pernas abertas, as mãos descansando nos braços da cadeira como se o peso delas fosse demais para suportar. Deuses, sejam bons, pensou Davos ao ver o rosto de Lorde Wyman, este homem parece quase um cadáver. Sua pele estava pálida, com certa tonalidade cinza.
Reis e cadáveres sempre precisam de ajuda, dizia o velho ditado. Assim era com Manderly. A esquerda de sua cadeira estava um meistre tão gordo quanto o senhor que ele servia, um homem de rosto rosado, com lábios grossos e a cabeça cheia de cachos dourados. Sor Marlon tinha o lugar de honra do lado direito de sua senhoria. Em um banquinho almofadado aos seus pés empoleirava-se uma gorda senhora rosada. Atrás de Lorde Wyman estavam duas mulheres jovens, aparentemente irmãs. A mais velha tinha cabelos castanhos presos em uma longa trança. A mais jovem, com não mais de quinze anos, tinha uma trança ainda mais comprida, tingida de um verde gritante.
Ninguém resolveu honrar Davos com seu nome. O meistre foi o primeiro a falar.
- Você está diante de Wyman Manderly, Senhor de Porto Branco e Protetor da Faca Branca, Escudo da Fé, Defensor dos Despossuídos, Senhor Marechal do Mander e Cavaleiro da Ordem da Mão Verde - disse. - Na Corte do Tritão é costume que vassalos e peticionários se ajoelhem.
O cavaleiro das cebolas teria dobrado o joelho, mas Mão do Rei, não; fazer isso sugeria que o rei que ele servia era menos do que esse gordo senhor.
- Não vim como peticionário - Davos respondeu. - Tenho uma série de títulos também. Senhor da Matadechuva, Almirante do Mar Estreito, Mão do Rei.
A mulher gorda no banco revirou os olhos.
- Um almirante sem navios, uma mão sem dedos, a serviço de um rei sem trono. É um cavaleiro que vem diante de nós, ou a resposta para uma charada de criança?
- Ele é um mensageiro, boa filha - disse Lorde Wyman - uma cebola de mau agouro. Stannis não gostou da resposta que os corvos levaram para ele, então enviou este... este contrabandista. - Olhou para Davos com os olhos semienterrados pelas bolsas de gordura. - Você visitou nossa cidade antes, imagino, pegando moedas de nossos bolsos e comida de nossas mesas. Quanto roubou de mim, me pergunto?
Não o suficiente para que você perdesse uma refeição.
- Paguei pelo meu contrabando em Ponta Tempestade, senhor. - Davas tirou a luva e levantou a mão esquerda, com seus quatro dedos encurtados.
- Quatro pontas de dedos por uma vida de roubo? - disse a mulher no banco. O cabelo dela era amarelo, o rosto redondo, rosado e carnudo. - Você saiu barato, cavaleiro das cebolas.
Davos não negava isso.
- Se for do agrado do senhor, eu desejaria uma audiência privada.
Não era do agrado do senhor.
- Não escondo segredos da minha família, nem de meus leais senhores e cavaleiros, todos bons amigos.
- Senhor - disse Davos - não quero que minhas palavras sejam ouvidas pelos inimigos de Sua Graça ... ou pelos de vossa senhoria.
- Talvez Stannis tenha inimigos neste salão. Eu não tenho.
- Nem mesmo os homens que assassinaram seu filho? - Davas apontou. - Estes Frey estavam entre os participantes do Casamento Vermelho.
Um dos Frey deu um passo adiante, um cavaleiro comprido e de membros magros, rosto barbeado com exceção de um bigode tão fino quanto um estilete de Myr.
- O Casamento Vermelho foi obra do Jovem Lobo. Ele se transformou em um animal diante de nossos olhos e destroçou a garganta do meu primo Guizo, um simplório inofensivo. E teria assassinado o senhor meu pai também, se Sor Wendel não tivesse se colocado no caminho.
Lorde Wyman piscou, com os olhos cheios de lágrimas.
- Wendel sempre foi um rapaz corajoso. Não me surpreende saber que morreu como herói.
A enormidade da mentira fez Davos engasgar.
- Está afirmando que Robb Stark matou Wendel Manderly? - perguntou para o Frey.
- E muitos outros. Meu próprio filho, Tytos, estava entre eles, e o marido de minha filha. Quando Stark se transformou em lobo, os nortenhos fizeram o mesmo. A marca da besta estava em todos eles. Wargs transformam outras pessoas em wargs com uma mordida, como é sabido. Eram todos meus irmãos e eu os abati antes que matassem a todos nós.
O homem estava sorrindo enquanto contava a história. Davos queria arrancar seus lábios com uma faca.
- Sor, posso saber seu nome?
- Sor Jared, da Casa Frey.
- Jared da Casa Frey, eu o chamo de mentiroso.
Sor Jared pareceu divertir-se.
- Alguns homens choram quando descascam cebolas, mas eu nunca tive essa fraqueza. - O aço soou contra o couro enquanto ele desembainhava a espada. - Se você é realmente um cavaleiro, sor, defenda esta calúnia com seu corpo.
Os olhos de Lorde Wyman repentinamente se abriram.
- Não terei derramamento de sangue na Corte do Tritão. Guarde sua espada, Sor Jared, ou terei que pedir que deixe minha presença.
Sor Jared guardou a espada.
- Sob o telhado de vossa senhoria, a palavra de vossa senhoria é lei ... mas vou querer um ajuste de contas com este senhor das cebolas antes que ele deixe a cidade.
- Sangue! - uivou a mulher no banco. - É isto o que esta cebola podre quer de nós, senhor. Veja como provoca brigas? Mande-o embora, eu imploro. Ele quer o sangue de seu povo, o sangue de seus bravos filhos. Mande-o embora. Se a rainha souber que recebemos este traidor em audiência, ela pode questionar nossa lealdade. Ela poderia ... ela iria ... ela ...
- Isso não acontecerá, boa filha - disse Lorde Wyman. - O Trono de Ferro não tem qualquer motivo para duvidar de nós.
Davos não gostou de como aquilo soou, mas não tinha feito todo esse caminho para segurar a língua.
- O garoto no Trono de Ferro é um usurpador - disse - e eu não sou um traidor, mas a Mão de Stannis Baratheon, o Primeiro de Seu Nome, o legítimo Rei de Westeros.
O gordo meistre limpou a garganta.
- Stannis Baratheon era irmão do nosso falecido Rei Robert, que o Pai o julgue com justiça. Tommen é a descendência do sangue de Robert. As leis da sucessão são claras neste caso. Um filho deve vir antes de um irmão.
- Meistre Theomore fala a verdade - disse Lorde Wyman. - Ele é conhecedor de todos esses assuntos e sempre me deu bons conselhos.
- Um filho legítimo vem antes de um irmão - Davos concordou - mas Tommen-dito-Baratheon é um bastardo, como foi seu irmão Joffrey antes dele. Eles foram gerados pelo Regicida, em desafio a todas as leis dos deuses e dos homens.
Outro dos Frey falou.
- Ele comete traição com os próprios lábios, senhor. Stannis tirou seus dedos ladrões. Deveríamos tirar sua língua mentirosa.
- Corte sua cabeça, em vez disso - sugeriu Sor Jared. - Ou deixe-o me encontrar no campo da honra.
- O que um Frey sabe sobre honrar - Davos retrucou.
Quatro dos Frey se adiantaram, até que Lorde Wyman os interrompeu erguendo uma das mãos.
- Para trás, meus amigos. Eu vou ouvi-lo antes de ... antes de lidar com ele.
- Pode oferecer alguma prova desse incesto, sor? - Meistre Theomore perguntou, apoiando as mãos macias sobre a barriga.
Edric Storm, pensou Davos, mas eu o enviei para longe, no mar estreito, para mantê-lo a salvo dos fogos de Melisandre.
- Tem a palavra de Stannis Baratheon de que tudo o que eu disse é verdade.
- Palavras são vento - disse a jovem mulher atrás da cadeira de Lorde Wyman, a bonita com a longa trança castanha. - E homens mentem para conseguir o que querem, como qualquer mulher poderá lhe dizer.
- Provas requerem mais do que a palavra sem base de algum senhor - declarou Meistre Theomore. - Stannis Baratheon não seria o primeiro homem a mentir para conquistar um trono.
A mulher rosada apontou um dedo gorducho para Davos.
- Não queremos fazer parte desta traição. Somos boas pessoas em Porto Branco, seguimos a lei e somos leais. Não coloque mais veneno em nossos ouvidos, ou meu bom pai o enviará para a Toca do Lobo.
Como eu ofendi esta mulher?
- Posso ter a honra de saber o nome da senhora?
A mulher rosada deu uma fungada raivosa e deixou o meistre responder.
- A Senhora Leona é esposa do filho de Lorde Wyman, Sor Wylis, atualmente um cativo dos Lannister.
Ela fala com medo. Se Porto Branco se declarasse por Stannis, o marido dela responderia com a própria vida. Como posso pedir a Lorde Wyman para condenar o próprio filho à morte? O que eu faria no lugar dele, se Devan fosse um refém?
- Senhor - disse Davos - rezo para que nenhum mal aconteça ao seu filho, ou a qualquer homem em Porto Branco.
- Outra mentira - disse a Senhora Leona, de seu banco.
Davos achou melhor ignorá-la.
- Quando Robb Stark tomou armas contra o bastardo Joffrey-dito-Baratheon, Porto Branco marchou com ele. Lorde Stark caiu, mas sua guerra continua.
- Robb Stark era meu senhor suserano - disse Lorde Wyman. - Quem é esse tal de Stannis? Por que nos atormenta? Ele nunca sentiu necessidade de vir ao Norte antes, se bem me lembro. E agora ele aparece, um vira-latas derrotado com o elmo na mão, implorando esmolas.
- Ele veio para salvar o reino, senhor. - Davos insistiu. - Para defender suas terras contra os homens de ferro e os selvagens.
Próximo ao trono, Sor Marlon Manderly deu um suspiro de desdém.
- Já se passaram séculos desde que Porto Branco viu algum selvagem, e os homens de ferro nunca causaram problemas nesta costa. Lorde Stannis pretende nos defender de snarks e dragões também?
Risadas explodiram na Corte do Tritão, mas aos pés de Lorde Wyman, a Senhora Leona começou a soluçar.
- Homens de ferro das ilhas, selvagens de Para-lá-da-muralha ... e agora este senhor traidor com seus fora da lei, rebeldes e feiticeiros. - Apontou o dedo para Davas. - Sabemos sobre sua bruxa vermelha, ah, sim. Ela quer que viremos as costas aos Sete e nos curvemos a um demônio de fogo!
Davos não tinha nenhum amor pela sacerdotisa vermelha, mas não ousava deixar a Senhora Leona sem resposta.
- A Senhora Melisandre é uma sacerdotisa do deus vermelho. A Rainha Selyse adotou a fé dela, juntamente com muitos outros, mas a maioria dos seguidores de Sua Graça ainda tem fé nos Sete. Eu entre eles. - Rezou para que ninguém pedisse explicações sobre o septo em Pedra do Dragão, ou sobre o bosque sagrado em Ponta Tempestade. Se me perguntarem, terei que contar. Stannis não gostaria que eu mentisse.
- Os Sete defendem Porto Branco - a Senhora Leona declarou. - Não tememos sua rainha vermelha e o deus dela. Que ela envie os feitiços que desejar. As orações dos homens piedosos nos protegerão contra o mal.
- De fato. - Lorde Wyman deu um tapinha no ombro da Senhora Leona. - Lorde Davos, se é que é um lorde, eu sei o que o seu pretenso rei quer de mim. Aço, prata e um joelho dobrado. - Jogou o peso do corpo para se apoiar em um cotovelo. - Antes de ser assassinado, Lorde Tywin ofereceu perdão total a Porto Branco pelo apoio que demos ao Jovem Lobo. Ele prometeu que meu filho voltaria para mim, depois que eu pagasse um resgate de três mil dragões e provasse minha lealdade acima de qualquer suspeita. Roose Bolton, que foi nomeado Protetor do Norte, exige que eu desista da minha pretensão sobre as terras e o castelo de Lorde Hornwood, mas jura que minhas outras posses permanecerão intactas. Walder Frey, o bom pai destes aqui, oferece uma de suas filhas para ser minha esposa, e maridos para as filhas de meu filho, aqui atrás de mim. Esses termos parecem generosos para mim, uma boa base para uma paz justa e duradoura. Você quer que eu despreze tudo isso. Então eu lhe pergunto, cavaleiro das cebolas, o que Lorde Stannis oferece em contrapartida à minha aliança?
Guerra, miséria e os gritos dos homens queimando, Davos poderia ter dito.
- A chance de cumprir seu dever - respondeu, em vez disso. Essa era a resposta que Stannis teria dado a Wyman Manderly. A Mão deve falar com a voz do rei.
Lorde Wyman afundou em sua cadeira.
- Dever. Sei.
- Porto Branco não é forte o suficiente para ficar sozinho. Você precisa de Sua Graça tanto quanto ele precisa de você. Juntos, podem se defender dos inimigos em comum.
- Senhor - disse Sor Marlin, em sua ornamentada armadura de prata - me permite fazer algumas perguntas para Lorde Davos?
- Como quiser, primo. - Lorde Wyman fechou os olhos.
Sor Marlon virou-se para Davos.
- Quantos senhores nortenhos se declararam por Stannis? Nos diga isso.
- Arnolf Karstark prometeu juntar-se a Sua Graça.
- Arnolf não é um senhor de verdade, apenas um castelão. Que castelos Lorde Stannis tem neste momento?
- Sua Graça tomou Fortenoite como sua base. No sul, comanda Ponta Tempestade e Pedra do Dragão.
Meistre Theomore limpou a garganta.
- Somente por pouco tempo. Ponta Tempestade e Pedra do Dragão são fracamente protegidos e devem cair logo. E o Fortenoite é uma ruína assombrada, um lugar lúgubre e terrível.
Sor Marlon continuou.
- Quantos homens Stannis consegue pôr em campo, pode nos dizer isso? Quantos cavaleiros cavalgam por ele? Quantos arqueiros, quantos mercenários, quantos homens em armas?
Poucos, Davos sabia. Stannis chegara ao Norte com não mais do que mil e quinhentos homens ... Mas, se ele dissesse isso, sua missão estaria condenada. Procurou as palavras, mas não encontrou nenhuma.
- Seu silêncio é toda a resposta de que preciso, soro Seu rei só nos traz inimigos. - Sor Marlon virou-se para o senhor seu primo. - Vossa senhoria perguntou ao cavaleiro das cebolas o que Stannis nos oferece. Deixe-me responder. Ele nos oferece derrota e morte. Quer que montemos em um cavalo de ar e entremos em batalha com espadas de vento.
O gordo senhor abriu os olhos lentamente, como se o esforço fosse quase demasiado para ele.
- Meu primo corta no osso, como sempre. Você tem algo mais para me dizer, cavaleiro das cebolas, ou podemos pôr um fim a esta farsa? Estou ficando cansado da sua cara.
Davos sentiu uma pontada de desespero. Sua Graça deveria ter enviado outro homem, um lorde, um cavaleiro ou um meistre, alguém que pudesse falar sem tropeçar nas palavras.
- Morte - ele se ouviu dizendo - haverá mortes, sim. Vossa senhoria perdeu um filho no Casamento Vermelho. Eu perdi quatro na Água Negra. E por quê? Porque os Lannister roubaram o trono. Vá para Porto Real e veja Tommen com seus próprios olhos, se duvida de mim. Um cego poderia ver. O que Stannis oferece? Vingança. Vingança pelos meus filhos e pelo seus, por seus maridos, seus pais e seus irmãos. Vingança pelo seu senhor assassinado, pelo seu rei assassinado, pelos seus príncipes massacrados. Vingança!
- Sim - levantou-se a voz de uma garota, fina e alta. Pertencia à criança meio crescida, com sobrancelhas loiras e a longa trança verde. - Eles mataram Lorde Eddard, a Senhora Catelyn e o Rei Robb - disse. - Ele era nosso rei! Era bravo e bom, e os Frey o mataram. Se Lorde Stannis vai vingá-lo, devemos nos juntar a Lorde Stannis.
Manderly a puxou para perto.
- Wylla, cada vez que você abre a boca tenho vontade de mandá-la para as irmãs silenciosas.
- Eu só disse ...
- Ouvimos o que você disse - falou a garota mais velha, irmã dela. - Tolices de uma criança. Não fale mal de nossos amigos Frey. Um deles será seu senhor e marido em breve.
- Não - declarou a garota, abanando a cabeça. - Não me casarei com um deles. Jamais. Eles mataram o rei.
Lorde Wyman corou.
- Você vai. Quando o dia marcado chegar, fará seus votos nupciais, ou então se juntará às irmãs silenciosas e nunca mais falará novamente.
A pobre garota parecia arrasada.
- Vovô, por favor ...
- Quieta, menina - disse a Senhora Leona. - Você ouviu seu avô. Quieta! Você não sabe nada.
- Eu sei da promessa - insistiu a garota. - Meistre Theomore, fale para eles! Mil anos antes da Conquista, foi feita uma promessa, e votos foram jurados na Toca do Lobo, diante dos velhos deuses e dos novos. Quando estávamos feridos e sem amigos, expulsos de nossas casas e com nossas vidas em perigo, os lobos nos acolheram, nos alimentaram e nos protegeram contra nossos inimigos. Esta cidade foi construída sobre as terras que eles nos deram. Em troca, juramos que seríamos sempre homens deles. Homens dos Stark!
O meistre tocou a corrente em volta do pescoço.
- Votos solenes foram jurados para os Starks de Winterfell, sim. Mas Winterfell caiu e a Casa Stark está extinta.
- Porque eles mataram todos!
Outro Frey falou:
- Lorde Wyman, posso?
Wyman Manderly acenou com a cabeça.
- Rhaegar. Sempre ficamos satisfeitos em ouvir seus nobres conselhos.
Rhaegar Frey reconheceu o cumprimento com uma reverência. Tinha cerca de trinta anos, ou um pouco mais, redondo de ombros e de barriga, mas ricamente vestido com um gibão de suave lã de cordeiro cinza, com acabamento em samito prateado. Seu manto era de samito prateado também, com uma gola de pele presa no pescoço e um broche no formato das torres gêmeas.
- Senhora Wylla - disse para a garota de trança verde - lealdade é uma virtude. Espero que seja leal ao Pequeno Walder quando se unirem pelos laços do matrimônio. Quanto aos Stark, a Casa se extinguiu apenas pela linhagem masculina. Os filhos de Lorde Eddard estão mortos, mas suas filhas vivem, e a garota mais jovem está vindo ao Norte para se casar com o bravo Ramsay Bolton.
- Ramsay Snow - Wylla Manderly devolveu.
- Que assim seja. Qualquer que seja o nome, ele logo estará casado com Arya Stark. Se você quer ser fiel à promessa, faça aliança com ele, pois ele será o Senhor de Winterfell.
- Ele jamais será meu senhor! Ele obrigou a Senhora Hornwood a se casar com ele, então a trancou em um calabouço e a fez comer seus dedos.
Um murmúrio tomou conta da Corte do Tritão.
- A donzela diz a verdade - declarou um homem atarracado, em branco e púrpura, cujo manto era preso por um par de chaves de bronze cruzadas. - Roose Bolton é frio e astuto, sim, mas um homem pode lidar com Roose. Todos conhecemos piores. Mas esse filho bastardo dele... dizem que é louco e cruel, um monstro.
- Dizem? - Rhaegar Frey ostentava uma barba sedosa e um sorriso sarcástico. - Seus inimigos dizem, sim... mas era o Jovem Lobo que era o monstro. Mais animal do que rapaz, aquele rapaz, estufado de orgulho e desejo de sangue. E era infiel, como o senhor meu avô aprendeu em sua tristeza. - Abriu as mãos. - Não culpo Porto Branco por apoiá-lo. Meu avô cometeu o mesmo grave erro. Em todas as batalhas do Jovem Lobo, Porto Branco e as Gêmeas lutaram lado a lado, sob seus estandartes. Robb Stark traiu a todos nós. Abandonou o Norte à cruel misericórdia dos homens de ferro para esculpir um reino mais justo para si mesmo ao longo do Tridente. Então abandonou os senhores do rio, que tanto arriscaram por ele, quebrando seu pacto de casamento com meu avô e se casando com a primeira meretriz do oeste sobre a qual colocou os olhos. O Jovem Lobo? Era um cão vil, e morreu como um.
O burburinho na Corte do Tritão aumentou. Davos podia sentir o frio no ar. Lorde Wyman olhava para Rhaegar como se fosse uma barata que precisasse de uma sapatada, mas então, abruptamente, fez um aceno tão forte com a cabeça, que balançou a gordura sob seu queixo.
- Um cão, sim. Ele nos trouxe somente dor e morte. Um cão vil, de fato. Bem colocado.
Rhaegar Frey continuou.
- Dor e morte, sim... e esse senhor das cebolas lhe trará mais com essa conversa de vingança. Abra seus olhos, como O senhor meu avô fez. A Guerra dos Cinco Reis está acabada. Tommen é nosso rei, nosso único rei. Devemos ajudá-lo a curar as feridas desta guerra triste. Como filho legítimo de Robert, herdeiro do veado e do leão, o Trono de Ferro é seu por direito.
- Palavras sábias e verdadeiras - disse Lorde Wyman Manderly.
- Não são - Wylla Manderly bateu o pé.
- Fique quieta, menina miserável - repreendeu a Senhora Leona. - Jovens garotas devem ser um enfeite para os olhos, não um machado para o ouvido. - Agarrou a menina pela trança e saiu arrastando-a pelo salão. Lá se vai minha única aliada neste salão, pensou Davos.
- Wylla sempre foi uma criança voluntariosa - disse sua irmã, como desculpa. - Temo que será uma esposa obstinada.
Rhaegar encolheu os ombros.
- O casamento vai amolecê-la, não tenho dúvidas. Uma mão firme e uma palavra tranquilizadora.
- Caso contrário, há as irmãs silenciosas. - Lorde Wyman se mexeu na cadeira. - E quanto a você, cavaleiro das cebolas, ouvi traições suficientes por um dia. Quer que eu arrisque minha cidade por um falso rei e um falso deus. Quer que eu sacrifique meu único filho vivo para que Stannis Baratheon possa colocar sua bunda enrugada em um trono sobre o qual não tem nenhum direito. Não farei isso. Não por você. Não pelo seu senhor. Não por homem algum. - O Senhor de Porto Branco se levantou. O esforço fez seu pescoço ficasse vermelho. - Você ainda é um contrabandista, sor, que veio para roubar meu ouro e meu sangue. Você tomaria a cabeça de meu filho. Acho que devo tomar a sua, em vez disso. Guardas! Levem este homem!
Antes que Davos pudesse pensar em se mexer, foi cercado por tridentes de prata.
- Senhor - disse - sou um enviado.
- É? Você veio sorrateiramente para a minha cidade, como um contrabandista. Digo que não é um senhor, não é um cavaleiro, não é um enviado, apenas um ladrão e um espião, um mascate de mentiras e traições. Eu deveria arrancar sua língua com pinças quentes e enviá-lo para o Forte do Pavor, para que fosse esfolado. Mas a Mãe é misericordiosa, e eu também. - Acenou para Sor Marlon. - Primo, leve esta criatura para a Toca do Lobo e corte sua cabeça e suas mãos. Quero-as aqui antes do jantar. Não serei capaz de dar nem uma mordida na comida enquanto não vir a cabeça desse contrabandista em uma lança, com uma cebola enfiada entre seus dentes mentirosos. 

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