A
vela tinha escorrido em uma poça de cera, mas a luz da manhã
brilhava pelas venezianas da janela. Jon adormecera sobre o trabalho
novamente. Livros cobriam a mesa, altas pilhas deles. Ele mesmo os
trouxera, depois de passar metade da noite procurando em celas
empoeiradas sob a luz da lanterna. Sam estava certo, os livros
precisavam desesperadamente ser classificados, listados e colocados
em ordem, mas essa não era tarefa para intendentes que não sabiam
ler ou escrever. Seria necessário esperar o retorno de Sam.
Se
ele retornar. Jon temia por Sam e Meistre Aemon. Cotter Pyke
escrevera de Atalaialeste para reportar que o Corvo da Tempestade
vira destroços de uma galé ao longo da costa de Skagos. Se o navio
destroçado era o Melro, um dos navios mercenários de Stannis
Baratheon ou algum barco mercante de passagem, a tripulação do
Corvo da Tempestade não era capaz de dizer. Eu queria mandar Goiva e
o bebê para algum lugar seguro. Será que, em vez disso, mandei-os
para seus túmulos?
O
jantar da noite anterior, ao lado de seu cotovelo, estava congelado e
pouco tocado. Edd Doloroso enchera sua tigela até quase transbordar,
para que o infame ensopado de três carnes de Hobb Três Dedos
amolecesse o pão velho. A brincadeira entre os irmãos era que as
três carnes eram carneiro, carneiro e carneiro, mas cenoura, cebolas
e nabo estariam mais perto da verdade. Uma camada de gordura gelada
brilhava sobre os restos do ensopado.
Bowen
Marsh insistira para que se mudasse para os antigos aposentos do
Velho Urso, na Torre do Rei, depois que Stannis os desocupara, mas
Jon declinara. Mudar-se para as câmaras do rei poderia facilmente
significar que não esperava que o rei retornasse.
Uma
estranha apatia tomara conta de Castelo Negro desde que Stannis
marchara para o Sul, como se o povo livre e os irmãos negros
estivessem segurando a respiração, esperando para ver o que viria
em seguida. Os pátios e a sala de jantar estavam mais vazios do que
cheios, a Torre do Senhor Comandante era uma casca vazia, o velho
salão comum, uma pilha de madeira enegrecida, e a Torre de Hardin
parecia prestes a cair sob a próxima rajada de vento. O único sinal
de vida que Jon conseguia ouvir era o leve bater de espadas vindo do
pátio do lado de fora do arsenal. Emmett de Ferro gritava com Salto
de Pisco para manter o escudo erguido. Todos nós faríamos bem em
manter os escudos erguidos.
Jon
lavou-se, vestiu-se e deixou o arsenal, parando no pátio externo o
tempo suficiente para dizer algumas palavras de encorajamento para
Salto de Pisco e outros comandados de Emmett. Recusou a oferta de Ty
de escolta, como sempre. Teria homens suficientes consigo hoje; se
resultasse em sangue, dois a mais dificilmente fariam diferença. Mas
levava Garralonga, e Fantasma seguia em seus calcanhares.
No
momento em que chegou ao estábulo, Edd Doloroso já tinha o palafrém
do senhor comandante selado e com freios, aguardando por ele. As
carroças estavam sendo carregadas, sob o olhar vigilante de Bowen
Marsh. O Senhor Intendente trotava pela coluna, apontando e
agitando-se, o rosto vermelho de frio. Quando viu Jon, ficou mais
vermelho ainda.
-
Senhor comandante. Ainda pretende seguir com essa ...
-
... loucura? - completou Jon. - Por favor, me diga que não estava
prestes a dizer loucura, senhor. Sim, pretendo. Já discutimos isso.
Atalaialeste precisa de mais homens. A Torre Sombria precisa de mais
homens. Guardagris e Marcagelo também, não tenho dúvidas, e temos
catorze outros castelos ainda vazios, muitos quilômetros da Muralha
que permanecem sem vigilância e sem defesa.
Marsh
apertou os lábios:
-
O Senhor Comandante Mormont ...
-
... está morto. E não pelas mãos dos selvagens, mas pelas mãos de
seus Irmãos Juramentados, aqueles em quem confiava. Nem você nem eu
sabemos o que ele teria ou não teria feito no meu lugar. - Jon deu
uma volta com seu cavalo. - Chega de conversa. Vamos.
Edd
Doloroso ouvira toda a conversa. Conforme Bowen Marsh trotava para
fora, fez um aceno com a cabeça em direção às costas do Senhor
Intendente e disse:
-
Romãs. Todas aquelas sementes. Um homem pode sufocar até a morte.
Eu preferia ter um nabo. Nunca se soube de um nabo que tivesse feito
mal a um homem.
Era
em momentos como esse que Jon mais sentia falta de Meistre Aemon.
Clydas cuidava bem dos corvos, mas não tinha um décimo do
conhecimento ou da experiência de Aemon Targaryen, muito menos sua
sabedoria. Bowen era um bom homem, do jeito dele, mas o ferimento que
sofrera na Ponte das Caveiras endurecera sua postura, e a única
canção que cantava agora era o familiar refrão sobre fechar os
portões. Othell Yarwyck era tão impassível e sem imaginação
quanto taciturno, e os Primeiros Patrulheiros pareciam morrer tão
logo eram nomeados. A Patrulha da Noite perdeu muitos de seus
melhores homens, Jon refletiu, quando as carroças começaram a se
mover. O Velho Urso, Qhorin Meia-Mão, Donal Noye, Jarmen Buckwell,
meu tio ...
Uma
neve fina começou a cair enquanto as colunas seguiam para o sul pela
estrada do rei, uma comprida fileira de carroças passando por
campos, córregos e encostas arborizadas, escoltadas por uma dúzia
de lanceiros e uma dúzia de arqueiros. Nas últimas poucas viagens
para Vila Toupeira tinham surgido alguns problemas, um pouco de
empurra-empurra, algumas maldições murmuradas, muitos olhares
mal-encarados. Bowen Marsh achava melhor não arriscar e, pela
primeira vez, ele e Jon concordavam. Estavam a oitocentos metros do
Castelo Negro, quando Edd levou seu garrano para perto de Jon e
disse:
-
Senhor? Olhe aquilo. O grande bêbado da colina.
O
bêbado era um freixo, torcido para o lado por séculos de vento. E
agora tinha um rosto. Uma boca solene, um galho quebrado no lugar do
nariz, dois olhos esculpidos no tronco, olhando ao norte da estrada
do rei, em direção ao castelo e à Muralha.
Os
selvagens trouxeram seus deuses com ele, no final das contas. Jon não
estava surpreso. Os homens não abrem mão de seus deuses com tanta
facilidade. Todo o espetáculo que a Senhora Melisandre orquestrara
além da Muralha repentinamente parecia tão vazio quanto uma
apresentação de pantomimeiros.
-
Parece um pouco com você - disse, tentando amenizar o fato.
-
Sim, senhor. Não tenho folhas crescendo do nariz, mas o resto ... a
Senhora Melisandre não ficará feliz.
-
Ela não gostaria de ver isso. Assegure-se de que ninguém contará
para ela.
-
Mas ela vê coisas naquelas chamas.
-
Fumaça e cinzas.
-
E pessoas queimando. Eu, por exemplo. Com folhas no nariz. Sempre
tive medo de ser queimado, mas esperava morrer primeiro.
Jon
olhou novamente para o rosto, perguntando-se quem o teria esculpido
ali. Colocara guardas ao redor de Vila Toupeira, tanto para manter
seus corvos longe das mulheres selvagens, quanto para evitar que o
povo livre escapulisse para o Sul para pilhar. Quem quer que tivesse
esculpido o freixo claramente havia enganado as sentinelas. E se um
homem era capaz de escapar ao cerco, outros também poderiam. Posso
dobrar a guarda, pensou, amargurado. Desperdiçar duas vezes mais
homens. Homens que estariam andando pela Muralha.
As
carroças continuaram seu lento trajeto para o Sul na lama congelada
e na neve que soprava. Um quilômetro e meio adiante, encontraram um
segundo rosto, esculpido em um castanheiro que crescia ao lado de um
córrego gelado, e seus olhos olhavam para a velha ponte que passava
por cima do fluxo de água.
-
Duas vezes mais problemas - anunciou Edd Doloroso.
O
castanheiro estava sem folhas e esquelético, mas os galhos nus não
estavam vazios. Em um ramo baixo suspenso sobre o córrego, um corvo
sentava-se encurvado, as penas eriçadas pelo frio. Quando viu Jon,
abriu as asas e deu um grito. Quando Jon levantou o punho e assobiou,
a grande ave negra veio voando e gritando, Grão, grão, grão.
-
Grão para o povo livre - Jon disse a ele. - Não para você. -
Perguntava-se se acabariam comendo os corvos antes que o inverno
terminasse seu curso.
Os
irmãos nas carroças também haviam visto esse rosto, Jon não tinha
dúvidas. Ninguém falou nada, mas a mensagem era claramente lida
pelos olhos de qualquer homem. Jon certa vez ouvira Mance Rayder
dizer que a maioria dos ajoelhadores são ovelhas.
-
Agora, um cão pode pastorear um rebanho de ovelhas - dissera o
Rei-para-lá-da-Muralha - mas o povo livre, bem, alguns são linces
negros e alguns são rochas. O primeiro tipo vai vagar por onde
quiser e vai fazer seus cães em pedaços. O outro não se moverá a
menos que você o chute. - Nem linces nem pedras estavam dispostos a
abandonar os deuses que veneraram por toda a vida para se curvar
diante de outro que mal conheciam.
Um
pouco ao norte de Vila Toupeira, chegaram a um terceiro observador,
esculpido em um imenso carvalho que marcava o perímetro da vila,
seus olhos profundos fixos na estrada do rei. Esse não é um rosto
amigável, Jon Snow refletiu. Os rostos que os Primeiros Homens e os
filhos da floresta haviam esculpido nos represeiros em geral tinham
aspectos sisudos ou selvagens, mas o grande carvalho parecia
especialmente zangado, como se estivesse prestes a arrancar as raízes
do chão e sair rugindo atrás deles. Suas feridas são tão recentes
quanto as feridas do homem que o esculpiu.
Vila
Toupeira sempre fora maior do que parecia; a maior parte era
subterrânea, protegida do frio e da neve. Isso agora era mais
verdade do que nunca. O Magnar de Thenn queimara a vila vazia em seu
caminho para atacar o Castelo Negro, e apenas montes de vigas
enegrecidas e velhas pedras queimadas permaneciam sobre o solo ...
mas, embaixo do chão congelado, as caves, os túneis e as celas
profundas ainda permaneciam, e fora aí que o povo livre se
refugiara, amontoados no escuro como as toupeiras que davam nome
à vila.
As
carroças fizeram um semicírculo em frente ao que uma vez fora a
oficina do ferreiro da vila. Ali perto, um bando de crianças com os
rostos vermelhos construía um forte de neve, mas se espalhou ao ver
os irmãos de capa negra, desaparecendo em um buraco ou em outro.
Alguns momentos depois, os adultos começaram a emergir da terra. Um
odor desagradável veio com eles, o cheiro de corpos sem lavar e de
roupas sujas, de excrementos e urina. Jon viu um de seus homens
franzir o nariz e dizer algo para o que estava ao seu lado. Alguma
piada sobre o cheiro da liberdade, adivinhou. Muitos de seus irmãos
faziam piadas sobre o fedor dos selvagens em Vila Toupeira.
Santa
ignorância, pensou Jon. O povo livre não era diferente dos homens
da Patrulha da Noite; alguns eram limpos, outros sujos, mas a maioria
era limpa em alguns momentos e suja em outros. Esse fedor era somente
o cheiro de milhares de pessoas que lotavam adegas e túneis que
haviam sido feitos para comportar não mais do que uma centena.
Os
selvagens já haviam feito esta dança. Sem palavras, colocaram-se em
filas atrás das carroças. Havia três mulheres para cada homem,
muitas delas com crianças, pálidas coisas magras se agarrando às
suas saias. Jon viu poucos bebês de colo. Os bebês de colo morreram
durante a marcha, percebeu, e aqueles que sobreviveram à batalha
morreram nas paliçadas do rei.
Os
guerreiros se saíram melhor. Trezentos homens em idade de luta,
Justin Massey afirmara no conselho. Lorde Harwood Fell os contara.
Deve haver esposas de lança também. Cinquenta, sessenta, talvez
cem. A contagem de Fell incluíra homens que sofreram ferimentos, Jon
sabia. Ele vira alguns desses: homens em muletas rústicas, homens
com mangas vazias ou sem mãos, homens com um olho ou com metade do
rosto, um homem sem pernas carregado por dois amigos. Todos magros e
pálidos. Homens quebrados, pensou. As criaturas não são o único
tipo de mortos-vivos.
Nem
todos os guerreiros estavam quebrados, no entanto. Meia dúzia de
thenns em armaduras de escamas de bronze formava um grupo perto de
uma das escadas das caves, observando sombriamente e sem fazer
qualquer tentativa de se juntar aos demais. Nas ruínas da velha
oficina do ferreiro da cidade, Jon vira a grande careca de um homem
que reconheceu como Halleck, irmão de Harma Cabeça de Cão. Os
porcos de Harma haviam sumido. Comidos, sem dúvida. Aqueles dois
vestidos de peles eram homens cornopés, tão selvagens quanto
magros, descalços mesmo na neve. Ainda há lobos entre as ovelhas.
Val
o lembrara disso, na última visita que ele lhe fizera.
-
Povo livre e ajoelhadores têm mais semelhanças do que diferenças,
Jon Snow. Homens são homens e mulheres são mulheres, não importa
de que lado da Muralha tenham nascido. Homens bons e maus, heróis e
vilões, homens honrados, mentirosos, covardes, brutos ... temos
vários, assim como vocês.
Ela
não estava errada. O truque era saber qual era qual, separando
ovelhas de cabras.
Os
irmãos negros começaram a distribuir a comida. Haviam trazido
pedaços de carne salgada dura, bacalhau seco, feijão seco, nabo,
cenoura, sacos de farinha de cevada e de trigo, ovos em conserva,
barris de cebola e maçãs.
-
Você pode levar uma cebola ou uma maçã - Jon ouviu Hal Peludo
dizer a uma mulher - mas não ambos. Tem que escolher.
A
mulher parecia não ter entendido.
-
Preciso de dois de cada. Um de cada para mim, e os outros para meu
menino. Ele está doente, mas uma maçã vai deixar ele bom.
Hal
abanou a cabeça.
-
Ele tem que vir pegar a própria maçã. Ou a cebola. Não ambos. O
mesmo para você. Agora, vai ser uma maçã ou uma cebola? Decida
logo, tem mais gente esperando.
-
Uma maçã - ela disse, e ele lhe deu uma, uma coisa velha e seca,
pequena e enrugada.
-
Vamos em frente, mulher - gritou um homem três lugares atrás. -
Está frio aqui fora.
A
mulher não prestou atenção ao grito.
-
Outra maçã - disse para Hal Peludo. - Para meu filho. Por favor.
Ele é tão pequeno.
Hal
olhou para Jon. Jon sacudiu a cabeça. Logo as maçãs acabariam. Se
começassem a dar duas para todos os que quisessem duas, os
retardatários ficariam sem nada.
-
Sai da frente - disse a garota que estava atrás da mulher. E então
a empurrou pelas costas. A mulher tropeçou, derrubou a maçã e
caiu. Os outros alimentos em seus braços voaram. Os feijões se
espalharam, um nabo rolou para dentro de uma poça de lama, um saco
de farinha se abriu e derramou o precioso conteúdo na neve.
Vozes
zangadas se elevaram, na Língua Antiga e na Comum. Mais empurrões
começaram em outra carroça.
-
Não é o suficiente - um velho rosnou. - Vocês, corvos malditos,
estão nos matando de fome.
A
mulher que fora derrubada se arrastava de joelhos atrás de sua
comida. Jon viu o clarão de aço nu a poucos metros de distância.
Seus próprios arqueiros colocavam flechas nos arcos.
Virou-se
em sua sela.
-
Rory. Cale-os.
Rory
levou o grande berrante aos lábios e soprou.
AAAAhooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo!
O
tumulto e os empurrões pararam. Cabeças se viraram. Uma criança
começou a chorar. O corvo de Mormont passou do ombro esquerdo de Jon
para o direito, balançando a cabeça e resmungando Snow, snow, snow.
Jon
esperou até que os últimos ecos desaparecessem e moveu seu palafrém
para a frente, para onde todos pudessem vê-lo.
-
Estamos alimentando vocês da melhor maneira possível, tanto quanto
temos disponível. Maçãs, cebolas, nabos, cenouras ... há um longo
inverno diante de todos nós, e nossos estoques não são
inesgotáveis.
-
Seus corvos comem o suficiente. - Halleck se adiantou.
Por
enquanto.
-
Nós guardamos a Muralha. A Muralha protege o reino ... e vocês,
agora. Vocês conhecem o inimigo que enfrentamos. Sabemos o que vem
por aí. Alguns de vocês já os enfrentaram. Criaturas e caminhantes
brancos, coisas mortas com olhos azuis e mãos negras. Eu os vi
também, lutei com eles e mandei alguns para o inferno. Eles matam, e
então mandam seus mortos contra vocês. Os gigantes não foram
capazes de resistir a eles, nem vocês, thenns, clãs do rio gelado,
comopés, povo livre... e conforme os dias ficam mais curtos e as
noites mais frias, eles ficam mais fortes. Vocês deixaram suas casas
e vieram para o sul às centenas e aos milhares ... por que, se não
para escapar deles? Para ficar seguros. Bem, é a Muralha que os
mantém a salvo. Somos nós quem os mantemos seguros, os corvos
negros que vocês desprezam.
-
Seguros e famintos - disse uma mulher atarracada, com o rosto
queimado pelo vento, com a aparência de uma esposa de lança.
-
Querem mais comida? - Jon perguntou. - A comida é para os lutadores.
Ajudem-nos a guardar a Muralha e comerão tão bem quanto qualquer
corvo. - Ou tão mal quanto, quando a comida ficar escassa.
Um
silêncio caiu sobre eles. Os selvagens trocavam olhares
desconfiados. Comer, resmungou o corvo. Grão, grão.
-
Matar por você? - a voz tinha um sotaque acentuado. Sigorn, o jovem
Magnar de Thenn, falava uma Língua Comum hesitante, na melhor das
hipóteses. - Não lutar por você. Matar você melhor. Matar todos
vocês.
O
corvo bateu as asas. Matar, matar.
O
pai de Sigorn, o velho Magnar, havia sido esmagado por uma escada que
caíra durante o ataque ao Castelo Negro. Eu sentiria o mesmo se
alguém me pedisse para me unir aos Lannister, Jon disse para si
mesmo.
-
Seu pai tentou nos matar - ele lembrou Sigorn. - O Magnar era um
homem corajoso e mesmo assim falhou. E se tivesse tido êxito ...
quem guardaria a Muralha? - Afastou-se dos thenns. - As muralhas de
Winterfell eram fortes também, mas Winterfell está em ruínas
agora, queimada e destruída. Uma muralha é tão boa quanto os
homens que a defendem.
Um
velho com um nabo embalado contra o peito disse:
-
Vocês nos mataram, nos deixam famintos e agora querem fazer de nós
escravos.
Um
homem com um robusto rosto vermelho gritou, concordando.
-
Prefiro andar pelado a usar um desses trapos pretos nas costas.
Uma
das esposas de lança riu.
-
Nem sua esposa quer ver você pelado, Bitucas.
Uma
dezena de vozes começou a falar ao mesmo tempo. Os thenns gritavam
na Língua Antiga. Um menininho começou a chorar. Jon Snow esperou
até que todos se calassem, virou-se para Hal Peludo e disse:
-
Hal, o que você disse para esta mulher?
Hal
pareceu confuso.
-
Sobre a comida, quer dizer? Uma maçã ou uma cebola? Foi tudo o que
disse. Eles têm que escolher.
-
Vocês têm que escolher - Jon Snow repetiu. - Todos vocês. Ninguém
está pedindo que façam nossos votos, e não me importo quais deuses
vocês veneram. Meus próprios deuses são os deuses antigos, os
deuses do Norte, mas vocês podem se converter ao deus vermelho, ou
aos Sete, ou a qualquer outro deus que escute as preces de vocês.
São de lanças que precisamos. De arcos. De olhos ao longo da
Muralha. Aceitarei qualquer menino com mais de doze anos que saiba
segurar uma lança ou usar um arco. Aceitarei seus velhos, seus
feridos e seus aleijados, mesmo aqueles que não podem mais lutar. Há
outras tarefas que podem fazer. Preparar flechas, ordenhar cabras,
recolher lenha, retirar o esterco dos estábulos ... o trabalho não
tem fim. E sim, aceitarei suas mulheres também. Não preciso de
donzelas tímidas esperando para ser protegidas, mas aceitarei todas
as esposas de lança que vierem.
-
E meninas? - uma garota perguntou. Parecia tão jovem quanto Arya, na
última vez que Jon a vira.
-
Dezesseis ou mais velhas.
-
Você está aceitando meninos de doze.
Nos
Sete Reinos, meninos de doze anos frequentemente eram pajens ou
escudeiros; muitos haviam sido treinados nas armas havia anos.
Garotas de doze eram crianças. Mas essas são selvagens.
-
Como quiser. Meninos e meninas a partir dos doze anos. Mas apenas
aqueles que saibam obedecer ordens. Isso vale para todos vocês.
Nunca pedirei que se ajoelhem para mim, mas terei capitães acima de
vocês, e oficiais que dirão quando devem se levantar e quando podem
dormir, onde comer, quando beber, o que vestir, quando embainhar suas
espadas e abaixar seus arcos. Os homens da Patrulha da Noite servem
por toda a vida. Não pedirei isso a vocês, mas, enquanto estiverem
na Muralha, estarão sob meu comando. Desobedeçam uma ordem, e
cortarei a cabeça de vocês. Perguntem aos meus irmãos se não faço
isso. Eles já me viram fazendo.
Cortar,
gritou o corvo do Velho Urso. Cortar, cortar, cortar.
-
A escolha é de vocês - Jon Snow lhes disse. - Aqueles que quiserem
nos ajudar a guardar a Muralha, retornem para Castelo Negro comigo e
lhes darei armas e comida. Os demais peguem seus nabos e suas cebolas
e rastejem para dentro de seus buracos.
A
garota foi a primeira a se apresentar.
-
Posso lutar. Minha mãe era uma esposa de lança.
Jon
concordou. Ela não deve ter nem doze, pensou, enquanto a menina se
contorcia entre um par de velhos, mas não recusaria sua única
recruta.
Dois
rapazes a seguiram, meninos com não mais de catorze. Depois, um
homem marcado por cicatrizes e sem um olho.
-
Eu os vi também, os mortos. Até os corvos são melhores que aquilo.
Uma
esposa de lança alta, um velho de muletas, um garoto de rosto
redondo que tinha um braço atrofiado, um homem jovem cujo cabelo
vermelho fez que Jon se lembrasse de Ygritte.
E
então, Halleck.
-
Não gosto de você, corvo - rosnou - mas nunca gostei de Mance
também, não mais do que minha irmã gostava. E, mesmo assim,
lutamos por ele. Por que não lutar por você?
E
então a barreira se rompeu. Halleck era um homem a ser seguido.
Mance não estava errado.
-
O povo livre não segue nomes, ou pequenos animais costurados em uma
túnica - o Rei-para-lá-da-Muralha dissera para ele. - Não dançam
por moedas, não se importam com como você se veste, com que tal
corrente significa ou com quem era seu avô. Eles seguem a força.
Seguem o homem.
Os
primos de Halleck o seguiram, depois um dos porta-estandartes de
Harma, e então homens que haviam lutado com ela, e outros que
escutaram histórias das proezas deles. Anciãos e rapazes
inexperientes, homens de combate no auge, homens feridos e aleijados,
um bom grupo de esposas de lança e até mesmo os três cornopés.
Mas
nenhum thenn. O Magnar se virou e desapareceu dentro dos túneis, e
foi seguido de perto por seus asseclas vestidos de bronze.
Quando
a última maçã foi distribuída, as carroças estavam lotadas de
selvagens, e eles tinham uma força com sessenta e três a mais do
que quando a coluna deixara o Castelo Negro naquela manhã.
-
O que faremos com eles? - Bowen Marsh perguntou para Jon no percurso
de volta pela estrada do rei.
-
Treiná-los, armá-los e separá-los. Mandá-los aonde forem
necessários. Atalaialeste, Torre Sombria, Marcagelo, Guardagris.
Pretendo abrir três outros fortes, além desses.
O
Senhor Intendente olhou para trás.
-
Mulheres também? Nossos irmãos não estão acostumados a ter
mulheres entre eles, senhor. Os votos deles ... haverá lutas,
estupros ...
-
Essas mulheres têm facas e sabem como usá-las.
-
E na primeira vez que uma dessas esposas de lança cortar o pescoço
de um de nossos irmãos, o que faremos?
-
Perderemos um homem - disse Jon - mas acabamos de ganhar sessenta e
três. Você é bom em contas, senhor. Corrija-me se estiver errado,
mas meus cálculos ainda nos deixam uma margem de sessenta e dois.
Marsh
não estava convencido.
-
Você adicionou sessenta e três bocas, senhor... Mas quantos são
guerreiros, e de que lado lutarão? Se os Outros estiverem nos
portões, a maioria ficará conosco, posso garantir... Mas e se
Tormund Terror dos Gigantes ou o Chorão vierem chamando com dez mil
uivos assassinos, então como vai ser?
-
Aí veremos. Vamos esperar que isso nunca aconteça.
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