sexta-feira, 27 de setembro de 2013

21 - JON


A vela tinha escorrido em uma poça de cera, mas a luz da manhã brilhava pelas venezianas da janela. Jon adormecera sobre o trabalho novamente. Livros cobriam a mesa, altas pilhas deles. Ele mesmo os trouxera, depois de passar metade da noite procurando em celas empoeiradas sob a luz da lanterna. Sam estava certo, os livros precisavam desesperadamente ser classificados, listados e colocados em ordem, mas essa não era tarefa para intendentes que não sabiam ler ou escrever. Seria necessário esperar o retorno de Sam.
Se ele retornar. Jon temia por Sam e Meistre Aemon. Cotter Pyke escrevera de Atalaialeste para reportar que o Corvo da Tempestade vira destroços de uma galé ao longo da costa de Skagos. Se o navio destroçado era o Melro, um dos navios mercenários de Stannis Baratheon ou algum barco mercante de passagem, a tripulação do Corvo da Tempestade não era capaz de dizer. Eu queria mandar Goiva e o bebê para algum lugar seguro. Será que, em vez disso, mandei-os para seus túmulos?
O jantar da noite anterior, ao lado de seu cotovelo, estava congelado e pouco tocado. Edd Doloroso enchera sua tigela até quase transbordar, para que o infame ensopado de três carnes de Hobb Três Dedos amolecesse o pão velho. A brincadeira entre os irmãos era que as três carnes eram carneiro, carneiro e carneiro, mas cenoura, cebolas e nabo estariam mais perto da verdade. Uma camada de gordura gelada brilhava sobre os restos do ensopado.
Bowen Marsh insistira para que se mudasse para os antigos aposentos do Velho Urso, na Torre do Rei, depois que Stannis os desocupara, mas Jon declinara. Mudar-se para as câmaras do rei poderia facilmente significar que não esperava que o rei retornasse.
Uma estranha apatia tomara conta de Castelo Negro desde que Stannis marchara para o Sul, como se o povo livre e os irmãos negros estivessem segurando a respiração, esperando para ver o que viria em seguida. Os pátios e a sala de jantar estavam mais vazios do que cheios, a Torre do Senhor Comandante era uma casca vazia, o velho salão comum, uma pilha de madeira enegrecida, e a Torre de Hardin parecia prestes a cair sob a próxima rajada de vento. O único sinal de vida que Jon conseguia ouvir era o leve bater de espadas vindo do pátio do lado de fora do arsenal. Emmett de Ferro gritava com Salto de Pisco para manter o escudo erguido. Todos nós faríamos bem em manter os escudos erguidos.
Jon lavou-se, vestiu-se e deixou o arsenal, parando no pátio externo o tempo suficiente para dizer algumas palavras de encorajamento para Salto de Pisco e outros comandados de Emmett. Recusou a oferta de Ty de escolta, como sempre. Teria homens suficientes consigo hoje; se resultasse em sangue, dois a mais dificilmente fariam diferença. Mas levava Garralonga, e Fantasma seguia em seus calcanhares.
No momento em que chegou ao estábulo, Edd Doloroso já tinha o palafrém do senhor comandante selado e com freios, aguardando por ele. As carroças estavam sendo carregadas, sob o olhar vigilante de Bowen Marsh. O Senhor Intendente trotava pela coluna, apontando e agitando-se, o rosto vermelho de frio. Quando viu Jon, ficou mais vermelho ainda.
- Senhor comandante. Ainda pretende seguir com essa ...
- ... loucura? - completou Jon. - Por favor, me diga que não estava prestes a dizer loucura, senhor. Sim, pretendo. Já discutimos isso. Atalaialeste precisa de mais homens. A Torre Sombria precisa de mais homens. Guardagris e Marcagelo também, não tenho dúvidas, e temos catorze outros castelos ainda vazios, muitos quilômetros da Muralha que permanecem sem vigilância e sem defesa.
Marsh apertou os lábios:
- O Senhor Comandante Mormont ...
- ... está morto. E não pelas mãos dos selvagens, mas pelas mãos de seus Irmãos Juramentados, aqueles em quem confiava. Nem você nem eu sabemos o que ele teria ou não teria feito no meu lugar. - Jon deu uma volta com seu cavalo. - Chega de conversa. Vamos.
Edd Doloroso ouvira toda a conversa. Conforme Bowen Marsh trotava para fora, fez um aceno com a cabeça em direção às costas do Senhor Intendente e disse:
- Romãs. Todas aquelas sementes. Um homem pode sufocar até a morte. Eu preferia ter um nabo. Nunca se soube de um nabo que tivesse feito mal a um homem.
Era em momentos como esse que Jon mais sentia falta de Meistre Aemon. Clydas cuidava bem dos corvos, mas não tinha um décimo do conhecimento ou da experiência de Aemon Targaryen, muito menos sua sabedoria. Bowen era um bom homem, do jeito dele, mas o ferimento que sofrera na Ponte das Caveiras endurecera sua postura, e a única canção que cantava agora era o familiar refrão sobre fechar os portões. Othell Yarwyck era tão impassível e sem imaginação quanto taciturno, e os Primeiros Patrulheiros pareciam morrer tão logo eram nomeados. A Patrulha da Noite perdeu muitos de seus melhores homens, Jon refletiu, quando as carroças começaram a se mover. O Velho Urso, Qhorin Meia-Mão, Donal Noye, Jarmen Buckwell, meu tio ...
Uma neve fina começou a cair enquanto as colunas seguiam para o sul pela estrada do rei, uma comprida fileira de carroças passando por campos, córregos e encostas arborizadas, escoltadas por uma dúzia de lanceiros e uma dúzia de arqueiros. Nas últimas poucas viagens para Vila Toupeira tinham surgido alguns problemas, um pouco de empurra-empurra, algumas maldições murmuradas, muitos olhares mal-encarados. Bowen Marsh achava melhor não arriscar e, pela primeira vez, ele e Jon concordavam. Estavam a oitocentos metros do Castelo Negro, quando Edd levou seu garrano para perto de Jon e disse:
- Senhor? Olhe aquilo. O grande bêbado da colina.
O bêbado era um freixo, torcido para o lado por séculos de vento. E agora tinha um rosto. Uma boca solene, um galho quebrado no lugar do nariz, dois olhos esculpidos no tronco, olhando ao norte da estrada do rei, em direção ao castelo e à Muralha.
Os selvagens trouxeram seus deuses com ele, no final das contas. Jon não estava surpreso. Os homens não abrem mão de seus deuses com tanta facilidade. Todo o espetáculo que a Senhora Melisandre orquestrara além da Muralha repentinamente parecia tão vazio quanto uma apresentação de pantomimeiros.
- Parece um pouco com você - disse, tentando amenizar o fato.
- Sim, senhor. Não tenho folhas crescendo do nariz, mas o resto ... a Senhora Melisandre não ficará feliz.
- Ela não gostaria de ver isso. Assegure-se de que ninguém contará para ela.
- Mas ela vê coisas naquelas chamas.
- Fumaça e cinzas.
- E pessoas queimando. Eu, por exemplo. Com folhas no nariz. Sempre tive medo de ser queimado, mas esperava morrer primeiro.
Jon olhou novamente para o rosto, perguntando-se quem o teria esculpido ali. Colocara guardas ao redor de Vila Toupeira, tanto para manter seus corvos longe das mulheres selvagens, quanto para evitar que o povo livre escapulisse para o Sul para pilhar. Quem quer que tivesse esculpido o freixo claramente havia enganado as sentinelas. E se um homem era capaz de escapar ao cerco, outros também poderiam. Posso dobrar a guarda, pensou, amargurado. Desperdiçar duas vezes mais homens. Homens que estariam andando pela Muralha.
As carroças continuaram seu lento trajeto para o Sul na lama congelada e na neve que soprava. Um quilômetro e meio adiante, encontraram um segundo rosto, esculpido em um castanheiro que crescia ao lado de um córrego gelado, e seus olhos olhavam para a velha ponte que passava por cima do fluxo de água.
- Duas vezes mais problemas - anunciou Edd Doloroso.
O castanheiro estava sem folhas e esquelético, mas os galhos nus não estavam vazios. Em um ramo baixo suspenso sobre o córrego, um corvo sentava-se encurvado, as penas eriçadas pelo frio. Quando viu Jon, abriu as asas e deu um grito. Quando Jon levantou o punho e assobiou, a grande ave negra veio voando e gritando, Grão, grão, grão.
- Grão para o povo livre - Jon disse a ele. - Não para você. - Perguntava-se se acabariam comendo os corvos antes que o inverno terminasse seu curso.
Os irmãos nas carroças também haviam visto esse rosto, Jon não tinha dúvidas. Ninguém falou nada, mas a mensagem era claramente lida pelos olhos de qualquer homem. Jon certa vez ouvira Mance Rayder dizer que a maioria dos ajoelhadores são ovelhas.
- Agora, um cão pode pastorear um rebanho de ovelhas - dissera o Rei-para-lá-da-Muralha - mas o povo livre, bem, alguns são linces negros e alguns são rochas. O primeiro tipo vai vagar por onde quiser e vai fazer seus cães em pedaços. O outro não se moverá a menos que você o chute. - Nem linces nem pedras estavam dispostos a abandonar os deuses que veneraram por toda a vida para se curvar diante de outro que mal conheciam.
Um pouco ao norte de Vila Toupeira, chegaram a um terceiro observador, esculpido em um imenso carvalho que marcava o perímetro da vila, seus olhos profundos fixos na estrada do rei. Esse não é um rosto amigável, Jon Snow refletiu. Os rostos que os Primeiros Homens e os filhos da floresta haviam esculpido nos represeiros em geral tinham aspectos sisudos ou selvagens, mas o grande carvalho parecia especialmente zangado, como se estivesse prestes a arrancar as raízes do chão e sair rugindo atrás deles. Suas feridas são tão recentes quanto as feridas do homem que o esculpiu.
Vila Toupeira sempre fora maior do que parecia; a maior parte era subterrânea, protegida do frio e da neve. Isso agora era mais verdade do que nunca. O Magnar de Thenn queimara a vila vazia em seu caminho para atacar o Castelo Negro, e apenas montes de vigas enegrecidas e velhas pedras queimadas permaneciam sobre o solo ... mas, embaixo do chão congelado, as caves, os túneis e as celas profundas ainda permaneciam, e fora aí que o povo livre se refugiara, amontoados no escuro como as toupeiras que davam nome à vila.
As carroças fizeram um semicírculo em frente ao que uma vez fora a oficina do ferreiro da vila. Ali perto, um bando de crianças com os rostos vermelhos construía um forte de neve, mas se espalhou ao ver os irmãos de capa negra, desaparecendo em um buraco ou em outro. Alguns momentos depois, os adultos começaram a emergir da terra. Um odor desagradável veio com eles, o cheiro de corpos sem lavar e de roupas sujas, de excrementos e urina. Jon viu um de seus homens franzir o nariz e dizer algo para o que estava ao seu lado. Alguma piada sobre o cheiro da liberdade, adivinhou. Muitos de seus irmãos faziam piadas sobre o fedor dos selvagens em Vila Toupeira.
Santa ignorância, pensou Jon. O povo livre não era diferente dos homens da Patrulha da Noite; alguns eram limpos, outros sujos, mas a maioria era limpa em alguns momentos e suja em outros. Esse fedor era somente o cheiro de milhares de pessoas que lotavam adegas e túneis que haviam sido feitos para comportar não mais do que uma centena.
Os selvagens já haviam feito esta dança. Sem palavras, colocaram-se em filas atrás das carroças. Havia três mulheres para cada homem, muitas delas com crianças, pálidas coisas magras se agarrando às suas saias. Jon viu poucos bebês de colo. Os bebês de colo morreram durante a marcha, percebeu, e aqueles que sobreviveram à batalha morreram nas paliçadas do rei.
Os guerreiros se saíram melhor. Trezentos homens em idade de luta, Justin Massey afirmara no conselho. Lorde Harwood Fell os contara. Deve haver esposas de lança também. Cinquenta, sessenta, talvez cem. A contagem de Fell incluíra homens que sofreram ferimentos, Jon sabia. Ele vira alguns desses: homens em muletas rústicas, homens com mangas vazias ou sem mãos, homens com um olho ou com metade do rosto, um homem sem pernas carregado por dois amigos. Todos magros e pálidos. Homens quebrados, pensou. As criaturas não são o único tipo de mortos-vivos.
Nem todos os guerreiros estavam quebrados, no entanto. Meia dúzia de thenns em armaduras de escamas de bronze formava um grupo perto de uma das escadas das caves, observando sombriamente e sem fazer qualquer tentativa de se juntar aos demais. Nas ruínas da velha oficina do ferreiro da cidade, Jon vira a grande careca de um homem que reconheceu como Halleck, irmão de Harma Cabeça de Cão. Os porcos de Harma haviam sumido. Comidos, sem dúvida. Aqueles dois vestidos de peles eram homens cornopés, tão selvagens quanto magros, descalços mesmo na neve. Ainda há lobos entre as ovelhas.
Val o lembrara disso, na última visita que ele lhe fizera.
- Povo livre e ajoelhadores têm mais semelhanças do que diferenças, Jon Snow. Homens são homens e mulheres são mulheres, não importa de que lado da Muralha tenham nascido. Homens bons e maus, heróis e vilões, homens honrados, mentirosos, covardes, brutos ... temos vários, assim como vocês.
Ela não estava errada. O truque era saber qual era qual, separando ovelhas de cabras.
Os irmãos negros começaram a distribuir a comida. Haviam trazido pedaços de carne salgada dura, bacalhau seco, feijão seco, nabo, cenoura, sacos de farinha de cevada e de trigo, ovos em conserva, barris de cebola e maçãs.
- Você pode levar uma cebola ou uma maçã - Jon ouviu Hal Peludo dizer a uma mulher - mas não ambos. Tem que escolher.
A mulher parecia não ter entendido.
- Preciso de dois de cada. Um de cada para mim, e os outros para meu menino. Ele está doente, mas uma maçã vai deixar ele bom.
Hal abanou a cabeça.
- Ele tem que vir pegar a própria maçã. Ou a cebola. Não ambos. O mesmo para você. Agora, vai ser uma maçã ou uma cebola? Decida logo, tem mais gente esperando.
- Uma maçã - ela disse, e ele lhe deu uma, uma coisa velha e seca, pequena e enrugada.
- Vamos em frente, mulher - gritou um homem três lugares atrás. - Está frio aqui fora.
A mulher não prestou atenção ao grito.
- Outra maçã - disse para Hal Peludo. - Para meu filho. Por favor. Ele é tão pequeno.
Hal olhou para Jon. Jon sacudiu a cabeça. Logo as maçãs acabariam. Se começassem a dar duas para todos os que quisessem duas, os retardatários ficariam sem nada.
- Sai da frente - disse a garota que estava atrás da mulher. E então a empurrou pelas costas. A mulher tropeçou, derrubou a maçã e caiu. Os outros alimentos em seus braços voaram. Os feijões se espalharam, um nabo rolou para dentro de uma poça de lama, um saco de farinha se abriu e derramou o precioso conteúdo na neve.
Vozes zangadas se elevaram, na Língua Antiga e na Comum. Mais empurrões começaram em outra carroça.
- Não é o suficiente - um velho rosnou. - Vocês, corvos malditos, estão nos matando de fome.
A mulher que fora derrubada se arrastava de joelhos atrás de sua comida. Jon viu o clarão de aço nu a poucos metros de distância. Seus próprios arqueiros colocavam flechas nos arcos.
Virou-se em sua sela.
- Rory. Cale-os.
Rory levou o grande berrante aos lábios e soprou.
AAAAhooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooo!
O tumulto e os empurrões pararam. Cabeças se viraram. Uma criança começou a chorar. O corvo de Mormont passou do ombro esquerdo de Jon para o direito, balançando a cabeça e resmungando Snow, snow, snow.
Jon esperou até que os últimos ecos desaparecessem e moveu seu palafrém para a frente, para onde todos pudessem vê-lo.
- Estamos alimentando vocês da melhor maneira possível, tanto quanto temos disponível. Maçãs, cebolas, nabos, cenouras ... há um longo inverno diante de todos nós, e nossos estoques não são inesgotáveis.
- Seus corvos comem o suficiente. - Halleck se adiantou.
Por enquanto.
- Nós guardamos a Muralha. A Muralha protege o reino ... e vocês, agora. Vocês conhecem o inimigo que enfrentamos. Sabemos o que vem por aí. Alguns de vocês já os enfrentaram. Criaturas e caminhantes brancos, coisas mortas com olhos azuis e mãos negras. Eu os vi também, lutei com eles e mandei alguns para o inferno. Eles matam, e então mandam seus mortos contra vocês. Os gigantes não foram capazes de resistir a eles, nem vocês, thenns, clãs do rio gelado, comopés, povo livre... e conforme os dias ficam mais curtos e as noites mais frias, eles ficam mais fortes. Vocês deixaram suas casas e vieram para o sul às centenas e aos milhares ... por que, se não para escapar deles? Para ficar seguros. Bem, é a Muralha que os mantém a salvo. Somos nós quem os mantemos seguros, os corvos negros que vocês desprezam.
- Seguros e famintos - disse uma mulher atarracada, com o rosto queimado pelo vento, com a aparência de uma esposa de lança.
- Querem mais comida? - Jon perguntou. - A comida é para os lutadores. Ajudem-nos a guardar a Muralha e comerão tão bem quanto qualquer corvo. - Ou tão mal quanto, quando a comida ficar escassa.
Um silêncio caiu sobre eles. Os selvagens trocavam olhares desconfiados. Comer, resmungou o corvo. Grão, grão.
- Matar por você? - a voz tinha um sotaque acentuado. Sigorn, o jovem Magnar de Thenn, falava uma Língua Comum hesitante, na melhor das hipóteses. - Não lutar por você. Matar você melhor. Matar todos vocês.
O corvo bateu as asas. Matar, matar.
O pai de Sigorn, o velho Magnar, havia sido esmagado por uma escada que caíra durante o ataque ao Castelo Negro. Eu sentiria o mesmo se alguém me pedisse para me unir aos Lannister, Jon disse para si mesmo.
- Seu pai tentou nos matar - ele lembrou Sigorn. - O Magnar era um homem corajoso e mesmo assim falhou. E se tivesse tido êxito ... quem guardaria a Muralha? - Afastou-se dos thenns. - As muralhas de Winterfell eram fortes também, mas Winterfell está em ruínas agora, queimada e destruída. Uma muralha é tão boa quanto os homens que a defendem.
Um velho com um nabo embalado contra o peito disse:
- Vocês nos mataram, nos deixam famintos e agora querem fazer de nós escravos.
Um homem com um robusto rosto vermelho gritou, concordando.
- Prefiro andar pelado a usar um desses trapos pretos nas costas.
Uma das esposas de lança riu.
- Nem sua esposa quer ver você pelado, Bitucas.
Uma dezena de vozes começou a falar ao mesmo tempo. Os thenns gritavam na Língua Antiga. Um menininho começou a chorar. Jon Snow esperou até que todos se calassem, virou-se para Hal Peludo e disse:
- Hal, o que você disse para esta mulher?
Hal pareceu confuso.
- Sobre a comida, quer dizer? Uma maçã ou uma cebola? Foi tudo o que disse. Eles têm que escolher.
- Vocês têm que escolher - Jon Snow repetiu. - Todos vocês. Ninguém está pedindo que façam nossos votos, e não me importo quais deuses vocês veneram. Meus próprios deuses são os deuses antigos, os deuses do Norte, mas vocês podem se converter ao deus vermelho, ou aos Sete, ou a qualquer outro deus que escute as preces de vocês. São de lanças que precisamos. De arcos. De olhos ao longo da Muralha. Aceitarei qualquer menino com mais de doze anos que saiba segurar uma lança ou usar um arco. Aceitarei seus velhos, seus feridos e seus aleijados, mesmo aqueles que não podem mais lutar. Há outras tarefas que podem fazer. Preparar flechas, ordenhar cabras, recolher lenha, retirar o esterco dos estábulos ... o trabalho não tem fim. E sim, aceitarei suas mulheres também. Não preciso de donzelas tímidas esperando para ser protegidas, mas aceitarei todas as esposas de lança que vierem.
- E meninas? - uma garota perguntou. Parecia tão jovem quanto Arya, na última vez que Jon a vira.
- Dezesseis ou mais velhas.
- Você está aceitando meninos de doze.
Nos Sete Reinos, meninos de doze anos frequentemente eram pajens ou escudeiros; muitos haviam sido treinados nas armas havia anos. Garotas de doze eram crianças. Mas essas são selvagens.
- Como quiser. Meninos e meninas a partir dos doze anos. Mas apenas aqueles que saibam obedecer ordens. Isso vale para todos vocês. Nunca pedirei que se ajoelhem para mim, mas terei capitães acima de vocês, e oficiais que dirão quando devem se levantar e quando podem dormir, onde comer, quando beber, o que vestir, quando embainhar suas espadas e abaixar seus arcos. Os homens da Patrulha da Noite servem por toda a vida. Não pedirei isso a vocês, mas, enquanto estiverem na Muralha, estarão sob meu comando. Desobedeçam uma ordem, e cortarei a cabeça de vocês. Perguntem aos meus irmãos se não faço isso. Eles já me viram fazendo.
Cortar, gritou o corvo do Velho Urso. Cortar, cortar, cortar.
- A escolha é de vocês - Jon Snow lhes disse. - Aqueles que quiserem nos ajudar a guardar a Muralha, retornem para Castelo Negro comigo e lhes darei armas e comida. Os demais peguem seus nabos e suas cebolas e rastejem para dentro de seus buracos.
A garota foi a primeira a se apresentar.
- Posso lutar. Minha mãe era uma esposa de lança.
Jon concordou. Ela não deve ter nem doze, pensou, enquanto a menina se contorcia entre um par de velhos, mas não recusaria sua única recruta.
Dois rapazes a seguiram, meninos com não mais de catorze. Depois, um homem marcado por cicatrizes e sem um olho.
- Eu os vi também, os mortos. Até os corvos são melhores que aquilo.
Uma esposa de lança alta, um velho de muletas, um garoto de rosto redondo que tinha um braço atrofiado, um homem jovem cujo cabelo vermelho fez que Jon se lembrasse de Ygritte.
E então, Halleck.
- Não gosto de você, corvo - rosnou - mas nunca gostei de Mance também, não mais do que minha irmã gostava. E, mesmo assim, lutamos por ele. Por que não lutar por você?
E então a barreira se rompeu. Halleck era um homem a ser seguido. Mance não estava errado.
- O povo livre não segue nomes, ou pequenos animais costurados em uma túnica - o Rei-para-lá-da-Muralha dissera para ele. - Não dançam por moedas, não se importam com como você se veste, com que tal corrente significa ou com quem era seu avô. Eles seguem a força. Seguem o homem.
Os primos de Halleck o seguiram, depois um dos porta-estandartes de Harma, e então homens que haviam lutado com ela, e outros que escutaram histórias das proezas deles. Anciãos e rapazes inexperientes, homens de combate no auge, homens feridos e aleijados, um bom grupo de esposas de lança e até mesmo os três cornopés.
Mas nenhum thenn. O Magnar se virou e desapareceu dentro dos túneis, e foi seguido de perto por seus asseclas vestidos de bronze.
Quando a última maçã foi distribuída, as carroças estavam lotadas de selvagens, e eles tinham uma força com sessenta e três a mais do que quando a coluna deixara o Castelo Negro naquela manhã.
- O que faremos com eles? - Bowen Marsh perguntou para Jon no percurso de volta pela estrada do rei.
- Treiná-los, armá-los e separá-los. Mandá-los aonde forem necessários. Atalaialeste, Torre Sombria, Marcagelo, Guardagris. Pretendo abrir três outros fortes, além desses.
O Senhor Intendente olhou para trás.
- Mulheres também? Nossos irmãos não estão acostumados a ter mulheres entre eles, senhor. Os votos deles ... haverá lutas, estupros ...
- Essas mulheres têm facas e sabem como usá-las.
- E na primeira vez que uma dessas esposas de lança cortar o pescoço de um de nossos irmãos, o que faremos?
- Perderemos um homem - disse Jon - mas acabamos de ganhar sessenta e três. Você é bom em contas, senhor. Corrija-me se estiver errado, mas meus cálculos ainda nos deixam uma margem de sessenta e dois.
Marsh não estava convencido.
- Você adicionou sessenta e três bocas, senhor... Mas quantos são guerreiros, e de que lado lutarão? Se os Outros estiverem nos portões, a maioria ficará conosco, posso garantir... Mas e se Tormund Terror dos Gigantes ou o Chorão vierem chamando com dez mil uivos assassinos, então como vai ser?
- Aí veremos. Vamos esperar que isso nunca aconteça. 

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