sábado, 28 de setembro de 2013

22 - TYRION


Ele sonhou com o senhor seu pai e com o Senhor da Mortalha. Sonhou que os dois eram a mesma pessoa e, quando seu pai envolveu os braços de pedra ao redor dele e se inclinou para lhe dar um beijo cinza, acordou com a boca seca e com gosto de sangue, e o coração martelando no peito.
- Nosso anão morto está voltando - disse Haldon.
Tyrion balançou a cabeça, para limpar as teias do sonho. Os Sofrimentos. Eu estava perdido nos Sofrimentos.
- Não estou morto.
- Isso pode ser visto. - O Meiomeistre estava sobre ele. - Pato, seja uma ave gentil e ferva um pouco de caldo para nosso amiguinho aqui. Ele deve estar faminto.
Estava no Donzela Tímida, Tyrion percebeu, embaixo de um cobertor áspero que cheirava a vinagre. Os Sofrimentos haviam ficado para trás. Foi só um sonho que tive que estava me afogando.
- Por que estou fedendo a vinagre?
- Lemore tem lavado você com vinagre. Alguns dizem que ajuda a prevenir escamagris. Estou inclinado a duvidar disso, mas não há mal algum em tentar. Foi Lemore quem expulsou a água de seus pulmões depois que Griff o puxou para fora. Você estava frio como gelo e seus lábios estavam azuis. Yandry disse que deveríamos jogá-lo de volta, mas o rapaz proibiu.
O príncipe. A lembrança voltou com tudo; o homem de pedra agarrando-o com as mãos cinza rachadas, o sangue escorrendo da junta dos dedos. Era pesado como uma pedra, me puxando para baixo.
- Griff me trouxe de volta? - Ele deve me odiar, senão teria me deixado morrer. - Quanto tempo estive dormindo? Onde estamos?
- Selhorys. - Haldon tirou uma faquinha da manga. - Aqui - disse, jogando-a sorrateiramente na direção de Tyrion.
O anão se encolheu. A faca caiu entre seus pés e ficou tremendo no convés. Ele a pegou de volta.
- O que é isto?
- Tire suas botas. Fure cada dedo do pé e da mão.
- Isso parece... doloroso.
- Espero que sim. Faça.
Tyrion arrancou uma bota, depois a outra, tirou as meias e olhou de soslaio para os dedos do pé. Não pareciam piores ou melhores do que o usual. Cutucou lentamente seu dedão com a faca.
- Mais forte - ordenou Meiomeistre Haldon.
- Quer que eu sangre?
- Se for necessário.
- Vou ficar com uma cicatriz em cada dedo do pé.
- O propósito do exercício não é contar seus dedos. Quero ver você estremecer. Enquanto as picadas causarem dor, você estará seguro. Só quando não for capaz de sentir a lâmina é que terá motivos de temor.
Escamagris. Tyrion estremeceu. Cutucou outro dedo, xingando enquanto uma gota de sangue brotava ao redor da ponta da faca.
- Isso dói. Está feliz?
- Dançando de alegria.
- Seu pé cheira pior que o meu, Yollo. - Pato trouxe uma caneca de caldo. - Griff avisou para não encostar nos homens de pedra.
- Sim, mas ele esqueceu de avisar o homem de pedra para não encostar em mim.
- Enquanto você se fura, procure manchas cinza de pele morta, unhas que começam a ficar negras - disse Haldon. - Se notar um desses sinais, não hesite. É melhor perder um dedo do que um pé. Melhor perder um braço do que passar o resto dos seus dias gemendo na Ponte dos Sonhos. Agora o outro pé, se for do seu agrado. E, depois, os dedos das mãos.
O anão cruzou as pernas atrofiadas e começou a furar os dedos do outro pé.
- Devo furar meu pau também?
- Não faria mal.
- Não faria mal para você, quer dizer. Embora eu devesse fatiá-lo por todo o uso que faço dele.
- Sinta-se à vontade. Podemos curti-lo, recheá-lo e vendê-lo por uma fortuna. Um pau de anão tem poderes mágicos.
- Tenho dito isso para todas as mulheres, há anos. - Tyrion levou a ponta da adaga para o polegar, viu o sangue gotejar e chupou o dedo. - Quanto tempo preciso continuar a me torturar? Quando terei certeza de estar limpo?
- Honestamente? - disse o Meiomeistre. - Nunca. Você engoliu metade do rio. Pode estar ficando cinza agora mesmo, transformando-se em pedra internamente, começando com seu coração e pulmões. Se for assim, furar seus dedos e banhá-lo com vinagre não o salvarão. Quando terminar, tome um pouco de caldo.
O caldo estava bom, embora Tyrion notasse que o Meiomeistre mantinha a mesa entre eles enquanto comia. O Donzela Tímida estava atracado em um píer na margem leste do Roine. Dois píeres mais abaixo, uma galé fluvial volantina descarregava soldados. Lojas, barracas e armazéns empilhavam-se sob uma muralha de arenito. As torres e as cúpulas da cidade eram visíveis além da muralha, avermelhadas pela luz do sol poente.
Não, não é uma cidade. Selhorys ainda era considerada uma simples vila, e era governada pela Antiga Volantis. Isso não era Westeros.
Lemore surgiu no convés com o príncipe atrás dela. Quando viu Tyrion, correu por todo o convés para abraçá-lo.
- A Mãe é misericordiosa. Rezamos por você, Hugor.
Você rezou, pelo menos.
- Não vou usar isso contra você.
A saudação do Jovem Griff foi menos efusiva. O jovem príncipe estava de mau humor, zangado por ter sido obrigado a permanecer no Donzela Tímida, em vez de ir para terra firme com Yandry e Ysilla.
- Só queremos mantê-lo a salvo - Lemore disse para ele. - Estes são tempos incertos.
Meiomeistre Haldon explicou:
- No caminho dos Sofrimentos para Selhorys, por três vezes vislumbramos homens a cavalo indo para o sul pela costa ocidental do rio. Dothrakis. Uma vez estiveram tão perto que pudemos ouvir os sinos tilintando em suas tranças, e em algumas noites as fogueiras deles podiam ser vistas além das colinas ocidentais. Passamos por navios de guerra também, galés fluviais volantinas, abarrotadas de soldados escravos. A tríade claramente teme um ataque a Selhorys.
Tyrion entendeu a situação rapidamente. Sozinha entre as principais vilas dos rios, Selhorys erguia-se na costa ocidental do Roine, o que a tornava muito mais vulnerável aos senhores dos cavalos do que as cidades-irmãs do outro lado do rio. Mesmo assim, é um prêmio pequeno. Se eu fosse um khal, simularia um ataque contra Selhorys, deixaria que os volantinos corressem para defendê-la, viraria para o sul e cavalgaria forte até a própria Volantis.
- Sei usar uma espada - o Jovem Griff insistia.
- Até mesmo o mais corajoso dos seus antepassados manteve a Guarda Real por perto em épocas de perigo - Lemore trocara a túnica de septã por trajes mais condizentes com os da esposa ou filha de um mercador próspero. Tyrion a observou mais de perto. Havia farejado a verdade sob os cabelos tingidos de azul de Griff e do Jovem Griff facilmente, e Yandry e Ysilla pareciam ser mais do que afirmavam ser, enquanto Pato era um pouco menos. Já Lemore... Quem é ela, na verdade? Por que está aqui? Não é por ouro, posso dizer. O que o príncipe é para ela? É uma septã verdadeira?
Haldon também percebeu a mudança do visual.
- O que fizemos para essa súbita perda de fé? Prefiro você em sua túnica de septã, Lemore.
- Prefiro ela nua - disse Tyrion.
Lemore lhe deu um olhar de reprovação.
- Isso porque você tem uma alma perversa. A túnica de septã grita por Westeros, e não devemos chamar atenção sobre nós - ela se virou para o Príncipe Aegon. - Você não é o único que precisa se esconder.
O rapaz não parecia apaziguado. O príncipe perfeito, mas ainda quase um menino diante de tudo isso, com quase nenhuma experiência do mundo e de seus infortúnios.
- Príncipe Aegon - disse Tyrion - já que estamos presos neste barco, talvez me desse a honra de uma partida de cyvasse para passar o tempo?
O príncipe lhe deu um olhar cauteloso.
- Estou cansado de cyvasse.
- Cansado de perder para um anão, quer dizer?
Aquilo cutucou o orgulho do rapaz, como Tyrion sabia que faria.
- Pegue o tabuleiro e as peças. Desta vez pretendo esmagar você.
Jogaram no convés, sentados de pernas cruzadas atrás da cabine. O Jovem Griff dispôs seu exército para o ataque, com dragão, elefantes e cavalaria pesada na frente. A formação de um homem jovem, tão ousada quanto tola. Ele arrisca tudo por uma morte rápida. Deixou o príncipe fazer o primeiro movimento. Haldon ficou atrás deles, observando a partida.
Quando o príncipe avançou com o dragão, Tyrion mostrou a garganta.
- Eu não faria isso se fosse você. É um erro entregar seu dragão tão cedo. - Sorriu inocentemente. - Seu pai conheceu os perigos de ser ousado demais.
- Você conheceu meu pai verdadeiro?
- Bem, eu o vi duas ou três vezes, mas eu tinha apenas onze quando Robert o matou, e meu próprio pai me escondia sob uma rocha. Não, não posso dizer que conheci o Príncipe Rhaegar. Não como seu falso pai conheceu. Lorde Connington era o amigo mais querido do príncipe, não era?
O Jovem Griff afastou uma mecha de cabelos azuis dos olhos.
- Eles foram escudeiros juntos em Porto Real.
- Um amigo verdadeiro, nosso Lorde Connington. Deve ser, para permanecer tão ferozmente leal ao neto do rei que tomou suas terras, seus títulos e o mandou para o exílio. Uma pena isso. De outro modo, o amigo do Príncipe Rhaegar poderia estar por perto quando meu pai saqueou Porto Real, para salvar o precioso filho do Príncipe de ter seu cérebro real escorrendo pela parede.
O rapaz corou.
- Não era eu. Eu disse para você. Aquele era o filho de algum curtidor da Curva do Mijaguado cuja mãe morreu no parto. O pai dele o vendeu para Lorde Varys por um jarro do vinho dourado da Árvore. Ele tinha outros filhos, mas nunca provara o dourado da Árvore. Varys deu o menino de Mijaguado para minha mãe e me levou embora.
- Sim - Tyrion moveu seus elefantes. - E quando o príncipe mijaguado estava seguramente morto, o eunuco contrabandeou você através do mar estreito até seu gordo amigo, o queijeiro, que o colocou em um barco de pesca e encontrou um lorde exilado disposto a se autodenominar seu pai. Essa é uma história magnífica, e os cantores falarão muito de sua fuga depois que você retomar o Trono de Ferro ... assumindo que nossa justa Daenerys o aceite como consorte.
- Ela vai. Ela deve.
- Deve? - Tyrion estalou os lábios em reprovação. - Esta não é uma palavra que rainhas gostam de ouvir. Você é o príncipe perfeito para ela, concordo; brilhante, ousado e belo como qualquer donzela poderia desejar. Mas Daenerys Targaryen não é uma donzela. Ela é viúva de um khal dothraki, mãe de dragões e saqueadora de cidades, Aegon, o Conquistador, de tetas. Ela pode não estar tão disposta quanto você deseja.
- Ela estará disposta. - O Príncipe Aegon parecia chocado. Estava claro que nunca considerara a possibilidade daquela esposa prometida recusá-lo. - Você não a conhece. - Ele pegou o cavalo e o derrubou com um baque.
O anão encolheu os ombros.
- Sei que ela passou a infância no exílio, empobrecida, vivendo de sonhos e planos, fugindo de uma cidade para outra, sempre com medo, nunca segura, sem outro amigo além de um irmão que, pelo que se sabe, era meio louco ... Um irmão que vendeu a virgindade dela para os dothrakis pela promessa de um exército. Sei que em algum lugar do caminho os dragões dela nasceram, assim como ela própria. Sei que é orgulhosa. Como não? O que mais restou para ela, além de orgulho? Sei que é forte. Como não? Os dothrakis desprezam a fraqueza. Se Daenerys tivesse sido fraca, teria perecido com Viserys. Sei que é feroz. Astapor, Yunkai e Meereen são provas suficientes disso. Ela cruzou as pradarias e o deserto vermelho, sobreviveu a assassinos e a conspiradores, derrotou feiticeiros, chorou por um irmão, um marido e um filho, reduziu as cidades dos escravos a pó sob seus delicados pés calçados em sandálias. Agora, como acha que esta rainha reagirá quando você chegar com uma tigela de pedinte na mão e disser: Bom-dia, tia. Sou seu sobrinho Aegon e retornei da morte. Estive escondido em um barco de pesca durante toda a minha vida, mas agora tirei a tinta azul do cabelo e gostaria de um dragão, por favor... ah, e eu mencionei que minha pretensão ao Trono de Ferro é mais forte que a sua?
A boca de Aegon se contorceu em fúria.
- Não irei até minha tia como pedinte. Irei até ela como um parente, com um exército.
- Um pequeno exército. - Aí, isso o deixa bem irritado. O anão não pôde deixar de pensar em Joffrey. Tenho um presente para príncipes irritados. - A Rainha Daenerys já tem um exército grande, e não graças a você. - Tyrion moveu seus besteiros.
- Diga o que quiser. Ela será minha noiva, Lorde Connington providenciará isso. Acredito nele como se fosse de meu próprio sangue.
- Talvez você devesse ser o bobo no meu lugar. Não acredite em ninguém, meu príncipe. Nem no seu meistre sem correntes, nem em seu falso pai, nem no galante Pato, nem na adorável Lemore, nem nesses outros amigos que o viram crescer. E, acima de tudo, não acredite no queijeiro, nem na Aranha, nem nessa pequena rainha dragão com quem quer casar. Toda essa desconfiança vai azedar seu estômago e deixá-lo acordado durante a noite, é verdade, mas é melhor do que o longo sono que não tem fim. - O anão empurrou seu dragão negro através de uma cadeia de montanhas. - Mas o que eu sei? Seu falso pai é um grande senhor, e eu sou apenas um pequeno homem-macaco torto. Mesmo assim, eu faria as coisas de um jeito diferente.
Aquilo atraiu a atenção do garoto.
- Diferente como?
- Se eu fosse você? Iria para oeste em vez de leste. Chegaria em Dorne e levantaria meus estandartes. Os Sete Reinos nunca estiveram mais propensos a ser conquistados do que agora. Um rei garoto ocupa o Trono de Ferro. O Norte está o caos, o Tridente é uma devastação, rebeldes mantêm Ponta Tempestade e Pedra do Dragão. Quando o inverno chegar, o reino estará faminto. E quem restará para lidar com tudo isso, quem governa o pequeno rei que governa os Sete Reinos? Minha querida irmã. Não há mais ninguém. Meu irmão Jaime foi feito para batalhas, não para o poder. Ele fugiu de toda chance que teve de governar. Meu tio Kevan teria sido um regente razoavelmente bom, se alguém lhe impusesse o dever, mas ele nunca irá atrás disso. Os deuses o moldaram para ser um seguidor, não um líder. - Bem, os deuses e o senhor meu pai. - Mace Tyrell agarraria o cetro de bom grado, mas minha família não vai se afastar e dá-lo para ele. E todo mundo odeia Stannis. Quem sobra? Apenas Cersei. Westeros está dilacerado e sangrando, e não duvido que até agora minha doce irmã esteja colocando ataduras nas feridas ... com sal. Cersei é tão gentil quanto o Rei Maegor, tão abnegada quanto Aegon, o Indigno, e tão sábia quanto o Louco Aerys. Ela nunca esquece uma desfeita, real ou imaginada. Confunde cuidado com covardia, divergência com desafio. E é gananciosa. Gananciosa por poder, por honrarias e por amor. O governo de Tommen é reforçado por todas as alianças que o senhor meu pai construiu tão cuidadosamente, mas logo ela as destruirá, cada uma delas. Desembarque lá e levante seus estandartes, e os homens se juntarão à sua causa. Grandes senhores e pequenos, e o povo simples também. Mas não espere muito, meu príncipe. O momento não durará. A maré que sobe agora logo retrocederá. Assegure-se de chegar a Westeros antes que minha irmã caia e alguém mais competente tome o lugar dela.
- Mas - disse o Príncipe Aegon - sem Daenerys e seus dragões, como posso esperar vencer?
- Você não precisa vencer - Tyrion falou para ele. - Tudo o que precisa é levantar seus estandartes, reunir seus apoiadores e esperar até que Daenerys chegue para unir as forças dela às suas.
- Você disse que ela pode não me querer.
- Talvez eu tenha exagerado. Ela pode ter pena de você quando você chegar pedindo a mão dela. - O anão encolheu os ombros. - Você quer apostar seu trono nos caprichos de uma mulher? Já se for para Westeros ... ah, então você será um rebelde, não um pedinte. Ousado, temerário, um verdadeiro herdeiro da Casa Targaryen, refazendo os passos de Aegon, o Conquistador. Um dragão. Eu disse para você, conheço nossa pequena rainha. Deixe-a escutar que o filho morto de seu irmão Rhaegar ainda está vivo e que esse corajoso rapaz ergueu o estandarte do dragão dos antepassados dela em Westeros mais uma vez, que está lutando uma guerra desesperada para vingar seu pai e reclamar o Trono de Ferro para a Casa Targaryen, duramente pressionado por todos os lados ... e ela correrá para seu lado tão rápido quanto o vento e a água puderem levá-la. Você é o último da linhagem dela, e essa Mãe de Dragões, essa Rompedora de Correntes é, acima de tudo, uma salvadora. A garota que afogou as cidades dos traficantes de escravos em sangue em vez de deixar estranhos em suas correntes dificilmente abandonaria o filho de seu próprio irmão na hora do perigo. E quando ela chegar a Westeros e estiver com você pela primeira vez, vocês se encontrarão como iguais, homem e mulher, não rainha e suplicante. Como ela poderá ajudá-lo sem amá-lo, eu lhe pergunto?
Sorrindo, pegou seu dragão e voou com ele através do tabuleiro.
- Espero que Vossa Graça me perdoe. Seu rei está preso. Morte em quatro.
O príncipe encarou o tabuleiro.
- Meu dragão ...
- ... está longe demais para salvá-lo. Você deveria tê-lo movido para o centro da batalha.
- Mas você disse...
- Eu menti. Não acredite em ninguém. E mantenha seu dragão por perto.
O Jovem Griff sacudiu os pés e chutou o tabuleiro. Peças de cyvasse voaram em todas as direções, saltando e rolando por todo o convés do Donzela Tímida.
- Pegue essas peças - o garoto ordenou.
Ele bem pode ser um Targaryen, no final das contas.
- Se for do agrado de Vossa Graça. - Tyrion se apoiou nas mãos e nos joelhos e começou a rastejar pelo convés, recolhendo as peças.
Estava perto do entardecer quando Yandry e Ysilla retornaram ao Donzela Tímida. Um carregador os seguia, empurrando um carrinho de mão com altas pilhas de provisões: sal e farinha, manteiga recém-batida, pedaços de toicinho embrulhados em linho, sacos de laranja, maçã e pera. Yandry levava um barril de vinho em um dos ombros, enquanto Ysilla carregava um lúcio pendurado nos seus. O peixe era tão grande quanto Tyrion.
Quando viu o anão em pé no final da prancha, Ysilla parou tão repentinamente que Yandry tropeçou nela, e o lúcio quase escorregou para o rio. Pato ajudou a resgatar o peixe. Ysilla encarou Tyrion e fez um gesto peculiar de apunhalá-lo com três dedos. Um sinal para afastar o mal.
- Deixe-me ajudar com o peixe - o anão disse para Pato.
- Não - retrucou Ysilla. - Fique longe. Não toque na comida, além daquela que você for comer.
Tyrion levantou as duas mãos.
- Como quiser.
Yandry colocou o barril de vinho no convés.
- Onde está Griff? - perguntou para Haldon.
- Dormindo.
- Então o acorde. Temos notícias que ele deve escutar. O nome da rainha está em cada boca de Selhorys. Dizem que ainda está em Meereen, tomada de aflição. Se o que dizem nos mercados é verdade, a Antiga Volantis logo se juntará à guerra contra ela.
Haldon apertou os lábios.
- Fofocas de peixeiros não devem ser levadas a sério. Ainda assim, imagino que Griff queira ouvi-las. Sabe como ele é. - O Meiomeistre desceu.
A garota nunca partiu para o oeste. Sem dúvidas, tinha bons motivos. Entre Meereen e Volantis havia três mil quilômetros de desertos, montanhas, pântanos e ruínas, além de Mantarys com sua reputação sinistra. Uma cidade de monstros, dizem, mas, se ela marchar por terra, onde mais conseguirá comida e água? O mar poderia ser mais rápido, mas se ela não tem navios ...
Quando Griff apareceu no convés, o lúcio estava pingando e crepitando sobre o braseiro, enquanto Ysilla espremia um limão sobre ele. O mercenário vestia cota de malha e a capa de pele de lobo, suaves luvas de couro, calções de lã escura. Se ficou surpreso ao ver Tyrion acordado, não deu nenhum sinal além de sua costumeira carranca. Levou Yandry para o leme, onde falaram em voz baixa, baixa demais para que o anão pudesse ouvir.
Finalmente Griff acenou para Haldon.
- Precisamos saber a verdade sobre esses rumores. Vá para terra firme e descubra o que puder. Qavo saberá, se puder encontrá-lo. Tente o Homem do Rio e a Tartaruga Pintada. Você conhece os outros lugares que ele costuma frequentar.
- Sim. Levarei o anão comigo. Quatro ouvidos escutam mais do que dois. E você sabe como Qavo é a respeito de seu cyvasse.
- Como quiser. Volte antes do nascer do sol. Se, por algum motivo, se atrasar, faça seu caminho até a Companhia Dourada.
Ele fala como um senhor. Tyrion manteve o pensamento para si.
Haldon vestiu uma capa com capuz, e Tyrion trocou sua roupa caseira colorida por algo monótono e cinza. Griff deu a cada um deles uma bolsa com prata dos baús de Illyrio.
- Para soltar línguas.
O crepúsculo dava lugar à escuridão, enquanto faziam seu caminho ao longo da beirario. Alguns dos navios pelos quais passaram pareciam desertos, com as pranchas erguidas. Outros estavam cheios de homens armados que olharam para eles com suspeita. Sob as muralhas da vila, lanternas de pergaminho haviam sido acesas sobre os estábulos, derramando poças de luzes coloridas no caminho de paralelepípedos. Tyrion viu o rosto de Haldon ficar verde, depois vermelho e então púrpura. Além da cacofonia de línguas estrangeiras, ouvia estranhas músicas tocando em algum lugar adiante e uma suave flauta aguda acompanhada por tambores. Um cão latia também, por trás deles.
E as putas estavam do lado de fora. Rio ou mar, um porto é um porto; onde quer que os marinheiros estejam, as putas também estarão. É isso que meu pai queria dizer? É para aí que as putas vão, para o mar?
As putas de Lannisporto e de Porto Real eram mulheres livres. Suas irmãs de Selhorys eram escravas, cuja servidão era indicada pelas lágrimas tatuadas embaixo do olho direito. Velhas como o pecado e duas vezes mais feias, a maioria delas. Era quase suficiente para que um homem desistisse da putaria. Tyrion sentia os olhos delas sobre si enquanto caminhava bamboleando, e as ouvia sussurrando umas para as outras e rindo por trás das mãos. Dá para pensar que elas nunca viram um anão antes.
Um esquadrão de lanceiros volantinos permanecia de guarda na ponte do rio. A luz das tochas brilhava sobre as garras de aço que saíam de suas manoplas. Seus elmos eram máscaras de tigre, e os rostos eram marcados por listras verdes tatuadas em ambas as bochechas. Os soldados escravos de Volantis eram ferozmente orgulhosos de suas listras de tigre, Tyrion sabia. Será que anseiam por liberdade? Ele se perguntou. O que fariam se essa rainha criança os libertasse? O que eles são, se não tigres? E o que eu sou, se não um leão?
Um dos tigres espiou o anão e disse algo que fez os demais rirem. Quando Tyrion e Haldon alcançaram o portão, o guarda tirou a manopla com garras e a luva suada que usava por baixo, trancou um braço ao redor do pescoço do anão e esfregou sua cabeça rudemente. Tyrion estava muito assustado para reagir. Estava tudo acabado em um piscar de olhos.
- Há alguma razão para isso? - perguntou ao Meiomeistre.
- Ele diz que dá sorte esfregar a cabeça de um anão - Haldon disse, depois de conversar com o guarda na língua dele.
Tyrion se obrigou a sorrir para o homem.
- Diga para ele que dá mais sorte ainda chupar o pau de um anão.
- Melhor não. Tigres são conhecidos por terem dentes afiados.
Outro guarda fez sinal para eles do outro lado do portão, acenando impaciente com a tocha. Meiomeistre Haldon seguiu adiante, entrando em Selhorys, com Tyrion bamboleando cautelosamente em seus calcanhares.
Uma grande praça se abriu diante deles. Mesmo a essa hora, estava lotada, barulhenta e iluminada. Havia lanternas penduradas em correntes de ferro sobre as portas das estalagens e das casas de prazer, mas dentro dos portões eram feitas de vidro colorido, não de pergaminho. À direita deles, uma fogueira noturna queimava do lado de fora de um templo de pedra vermelha. Um sacerdote de túnica escarlate estava no balcão do templo, discursando para a pequena multidão que se juntara ao redor das chamas. Mais além, viajantes sentados jogavam cyvasse diante de uma estalagem, soldados bêbados entravam e saíam do que, obviamente, era um bordel, e uma mulher levava uma mula para fora de um estábulo. Um carrinho de duas rodas passou estrondosamente por eles, puxado por um elefante anão branco. Este é outro mundo, pensou Tyrion, mas não tão diferente do mundo que conheço.
A praça era dominada por uma estátua de mármore branco de um homem sem cabeça em uma armadura exageradamente ornada, montado em um cavalo de batalha arreado da mesma maneira.
- Quem poderia ser? - perguntou-se Tyrion.
- Tríade Horonno. Um herói volantino do Século do Sangue. Foi reconduzido como tríade todos os anos por quarenta anos, até que se cansou das eleições e se declarou tríade por toda a vida. Os volantinos não ficaram contentes. Ele foi condenado à morte logo depois. Amarrado entre dois elefantes e rasgado ao meio.
- A estátua parece ter perdido a cabeça.
- Ele era um tigre. Quando os elefantes chegaram ao poder, seus seguidores vieram em alvoroço, arrancando as cabeças das estátuas daqueles a quem culpavam por todas as guerras e mortes. - Deu de ombros. - Isso foi em outra era. Venha, é melhor ouvirmos o que o sacerdote está dizendo. Juro que ouvi o nome de Daenerys.
Do outro lado da praça, juntaram-se à multidão crescente do lado de fora do templo vermelho. Cercado de habitantes locais, todos muito mais altos do que ele, o homenzinho achou difícil ver muito além de um monte de traseiros. Podia ouvir a maioria das palavras que o sacerdote dizia, mas isso não queria dizer que entendesse alguma coisa.
- Você entende o que ele está falando? - perguntou para Haldon na Língua Comum.
- Entenderia, se não tivesse um anão buzinando no meu ouvido.
- Eu não buzino. - Tyrion cruzou os braços e olhou para trás, estudando os rostos dos homens e das mulheres que haviam parado para ouvir. Em todos os lados via tatuagens. Escravos. Quatro em cada cinco deles são escravos.
- O sacerdote está chamando os volantinos para a guerra - disse o Meiomeistre - mas do lado certo, como soldados do Senhor da Luz, R'hllor, que fez o sol e as estrelas e que luta eternamente contra a escuridão. Nyessos e Malaquo se afastaram da luz, ele diz, e os corações deles foram escurecidos pelas harpias amarelas do leste. Ele diz ...
- Dragões. Entendi essa palavra. Ele diz dragões.
- Sim. Os dragões vieram para levá-la para a glória.
- Ela. Daenerys?
Haldon assentiu.
- Benerro enviou a palavra de Volantis. A vinda dela é o cumprimento de uma antiga profecia. Da fumaça e do sal ela nascerá, para fazer um mundo novo. Ela é Azor Ahai retornado ... e o triunfo dela sobre a escuridão trará um verão sem fim ... a morte dobrará os joelhos, e aqueles que morrerem lutando pela causa dela renascerão.
- Tenho que renascer neste mesmo corpo? - perguntou Tyrion. A multidão aumentava. Ele se sentia pressionado por todos os lados. - Quem é Benerro?
Haldon levantou uma sobrancelha.
- Alto sacerdote do templo vermelho de Volantis. Chama da Verdade, Luz da Sabedoria, Primeiro Servo do Senhor da Luz, Escravo de R'hllor.
O único sacerdote vermelho que Tyrion conhecera era Thoros de Myr, o corpulento e simpático fanfarrão manchado de vinho, que passava o tempo na corte de Robert bebendo os melhores vinhos do rei e participando de torneios com uma espada em chamas.
- Me dê sacerdotes que são gordos, corruptos e cínicos - disse para Haldon - o tipo que gosta de se sentar em almofadas de cetim macias, mordiscando frutas cristalizadas e enganando garotinhos. São os únicos que acreditam que deus causa o problema.
- Talvez possamos usar esse problema a nosso favor. Sei onde podemos encontrar respostas. - Haldon o levou passando pelo herói sem cabeça, até uma grande pousada de pedra de frente para a praça. A carapaça rígida de uma tartaruga imensa estava pendurada sobre a porta, pintada de cores berrantes. Dentro, uma centena de sombrias velas vermelhas brilhava como estrelas distantes. O cheiro de carne assada e especiarias enchia o ar. Uma escrava com uma tartaruga tatuada no rosto servia um vinho verde-claro.
Haldon parou na porta.
- Lá. Aqueles dois.
Na alcova, dois homens sentavam-se diante de um tabuleiro de cyvasse esculpido em pedra, olhando as peças iluminadas por uma vela vermelha. Um era magro e pálido, com cabelo preto e nariz afilado. O outro tinha ombros largos e a barriga redonda, com cachos de cabelo que caíam abaixo do colarinho. Nenhum dos dois se dignou a olhar para eles, até que Haldon colocou uma cadeira entre os jogadores e disse:
- Meu anão joga cyvasse melhor do que vocês dois juntos.
O homem maior levantou os olhos para olhar os intrusos com desagrado, e disse alguma coisa na língua da Antiga Volantis, rápido demais para que Tyrion tivesse a esperança de entender. O mais magro se recostou na cadeira.
- Ele está à venda? - perguntou, na Língua Comum de Westeros. - O espetáculo grotesco da tríade precisa de um anão jogador de cyvasse.
- Yollo não é escravo.
- Que pena. - O homem magro moveu um elefante ônix.
Do outro lado do tabuleiro, o homem atrás de um exército de alabastro apertou os lábios em desaprovação. Moveu seu cavalo pesado.
- Um erro - disse Tyrion. Ele também tinha um papel a desempenhar.
- Exatamente - disse o homem magro. Respondeu com seu próprio cavalo pesado. Um turbilhão de rápidos movimentos se seguiu, até que finalmente ele sorriu e disse: - Morto, meu amigo.
O homem grande olhou com raiva para o tabuleiro, levantou-se e resmungou alguma coisa em seu próprio idioma. Seu oponente riu.
- Qual é. O anão não cheira tão mal quanto isso. - Mostrou a cadeira vazia para Tyrion. - Agora é com você, homenzinho. Coloque sua prata na mesa, e veremos quão bem você joga.
Qual jogo? Tyrion poderia ter perguntado. Pulou em cima da cadeira.
- Jogo melhor com a barriga cheia e uma taça de vinho na mão. - O homem magro virou amavelmente e pediu para a escrava que trouxesse comida e bebida.
Haldon disse:
- O nobre Qavo Nogarys é funcionário da alfândega aqui em Selhorys. Eu nunca o derrotei no cyvasse.
Tyrion entendeu.
- Talvez eu tenha mais sorte. - Abriu sua bolsa e empilhou moedas de prata sobre o tabuleiro, uma sobre a outra, até que finalmente Qavo sorriu.
Enquanto os dois jogadores arrumavam suas peças atrás da tela do cyvasse, Haldon disse:
- Quais são as notícias do baixo rio? Teremos guerra?
Qavo deu de ombros.
- Os yunkaítas querem. Eles se autodenominam Sábios Mestres. Não posso falar da sabedoria deles, mas não lhes falta astúcia. Seus enviados vieram até nós com baús repletos de ouro e pedras preciosas e duzentos escravos, garotas núbeis e meninos de pele lisa treinados à maneira dos sete suspiros. Disseram-me que suas festas são memoráveis e suas propinas, generosas.
- Os yunkaítas compraram seus tríades?
- Apenas Nyessos - Qavo removeu a tela e estudou a posição do exército de Tyrion.
- Malaquo pode ser velho e sem dentes, mas ainda é um tigre, e Doniphos não será reconduzido tríade. A cidade tem sede de guerra.
- Por quê? - perguntou Tyrion. - Meereen está há muitos quilômetros por mar. Como esta doce rainha criança ofendeu a Antiga Volantis?
- Doce? - Qavo riu. - Se metade das histórias que vem da Baía dos Escravos é verdadeira, esta criança é um monstro. Dizem que tem sede de sangue, que aqueles que falam contra ela são empalados em estacas para ter uma morte lenta. Dizem que é uma feiticeira que alimenta seus dragões com a carne de bebês recém-nascidos, uma quebradora de promessas que zomba dos deuses, ignora tréguas, ameaça enviados e vira-se contra aqueles que a serviram lealmente. Dizem que a luxúria dela não pode ser saciada, que acasala com homens, mulheres, eunucos e até com cães e crianças, e pobre do amante que falhar em satisfazê-la. Ela dá seu corpo para os homens e toma as almas deles para servi-la.
Ah, bem, pensou Tyrion. Se ela der seu corpo para mim, será bem-vinda à minha alma, mesmo que pequena e atrofiada.
- Eles dizem - falou Haldon. - Por eles, você quer dizer os mercadores de escravos, os exilados que ela expulsou de Astapor e Meereen. Meras calúnias.
- As melhores calúnias são temperadas com a verdade - sugeriu Qavo - mas o verdadeiro pecado da garota não pode ser negado. Essa criança arrogante tomou para si a tarefa de esmagar o tráfico de escravos, mas o tráfico nunca esteve confinado à Baía dos Escravos. Era parte do mar do comércio que se espalhou pelo mundo, e a rainha dragão tem turvado as águas. Atrás das Muralhas Negras, senhores de sangue antigo dormem mal, ouvindo seus escravos de cozinha afiarem longas facas. Escravos plantam nossa comida, limpam nossas ruas, ensinam nossos jovens. Eles guardam nossas muralhas, remam nossas galés, lutam nossas batalhas. E agora, quando olham para o leste, veem essa jovem rainha brilhando de longe, essa rompedora de correntes. O Sangue Antigo não pode sofrer isso. Homens pobres a odeiam também. Mesmo o pedinte mais vil está acima de um escravo. Essa rainha dragão quer tirar esse consolo dele.
Tyrion avançou seu lanceiro. Qavo respondeu com seu cavalo leve. Tyrion moveu seus besteiros um quadro para cima e disse:
- O sacerdote vermelho lá fora parece pensar que Volantis deveria lutar por essa rainha prateada, não contra ela.
- Os sacerdotes vermelhos seriam sábios em segurar suas línguas - disse Qavo Nogarys. - Já estão ocorrendo lutas entre os seguidores deles e aqueles que veneram outros deuses. As bobagens de Benerro só servirão para trazer ira selvagem sobre sua cabeça.
- Que bobagens? - o anão perguntou, brincando com suas peças.
O volantino acenou com a mão.
- Em Volantis, milhares de escravos e libertos lotam a praça do templo todas as noites para ouvir Benerro gritar a respeito de estrelas sangrando e uma espada de fogo que irá purificar o mundo. Ele vem pregando que Volantis certamente queimará se a tríade pegar em armas contra a rainha prateada.
- Esta é uma profecia que até eu poderia ter feito. Ah, a ceia.
A ceia consistia em um prato de cabrito assado servido sobre uma cama de cebolas fatiadas. A carne estava temperada e cheirosa, bem passada por fora e vermelha e suculenta por dentro. Tyrion arrancou um pedaço. Estava tão quente que queimou seus dedos, mas estava tão boa que não pôde deixar de pegar outro pedaço. Empurrou para baixo com um licor volantino verde-claro, a coisa mais próxima que tomava de um vinho em séculos.
- Muito bom - disse, arrancando com seu dragão. - A peça mais poderosa do jogo - anunciou, enquanto removia um dos elefantes de Qavo. - E dizem que Daenerys Targaryen tem três.
- Três - Qavo concordou - contra três vezes três mil inimigos. Grazdan no Eraz não foi o único enviado da Cidade Amarela. Quando os Sábios Meistres seguirem contra Meereen, as legiões de Nova Ghis lutarão ao lado deles. Tosolinos. Ellyrianos. Até mesmo os dothrakis.
- Vocês têm dothrakis do lado de fora de seus portões - Haldon disse.
- Khal Pono. - Qavo moveu a mão pálida em sinal de rejeição. - Os senhores dos cavalos vêm, damos presentes para eles, os senhores dos cavalos vão. - Moveu sua catapulta novamente, aproximando a mão do dragão de alabastro de Tyrion e o removendo do tabuleiro.
O resto foi abate, embora o anão tenha conseguido fazer mais uma dúzia de movimentos.
- Chegou o tempo de lágrimas amargas - Qavo disse por fim, recolhendo a pilha de prata. - Outra partida?
- Não há necessidade - disse Haldon. - Meu anão teve sua lição de humildade. Acho que devemos voltar para nosso barco.
Do lado de fora, na praça, a fogueira noturna ainda queimava, mas o sacerdote havia ido e a multidão se dispersara. O brilho de velas resplandecia das janelas do bordel. De dentro, vinha o som de risos de mulheres.
- A noite ainda é uma criança - disse Tyrion. - Qavo pode não ter nos contado tudo. E putas escutam muito e ainda mais dos homens aos quais servem.
- Está tão necessitado de uma mulher, Yollo?
- Um homem se cansa de não ter outras amantes além de seus dedos. - Selhorys pode ser o lugar para onde as putas vão. Tysha pode estar lá dentro agora, com lágrimas tatuadas no rosto. - Eu quase me afoguei. Um homem precisa de uma mulher depois de algo assim. Além disso, preciso ter certeza de que meu pau não virou pedra.
O Meiomeistre riu.
- Esperarei por você na taverna perto do portão. Não demore muito.
- Ah, não se preocupe com isso. A maioria das mulheres prefere acabar comigo o mais rápido possível.
O bordel era modesto, se comparado com aqueles que o anão frequentara em Lannisporto ou em Porto Real. O proprietário parecia não falar nenhum idioma que não volantino, mas entendia bem o retinir da prata e levou Tyrion através de uma arcada até um comprido salão com cheiro de incenso, onde quatro escravas entediadas recostavam-se em variados estados de nudez. Duas deviam ter ao menos quarenta dias de seu nome ou mais, ele imaginava; a mais jovem tinha talvez quinze ou dezesseis. Nenhuma delas era tão horrenda quanto as putas que vira trabalhando no cais, embora nenhuma fosse muito bonita. Uma delas estava claramente grávida. Outra era apenas gorda e ostentava aros de ferro pendurados nos dois mamilos. Todas as quatro tinham lágrimas tatuadas sob um olho.
- Você tem uma garota que fale a língua de Westeros? - perguntou Tyrion. O proprietário olhou sem entender, então repetiu a pergunta em Alto Valiriano. Dessa vez ele pareceu entender uma ou duas palavras e respondeu em Volantino.
- Garota do pôr do sol - foi tudo o que o anão entendeu da resposta. Considerou que isso significava uma garota dos Reinos do Pôr do Sol.
Havia apenas uma dessas na casa, e não era Tysha. Ela tinha o rosto sardento e cachos vermelhos sobre a cabeça, o que significava a promessa de seios sardentos e cabelos vermelhos entre as pernas.
- Ela serve - disse Tyrion - e quero uma jarra também. Vinho tinto e carne vermelha. - A puta olhava para seu rosto sem nariz com repulsa nos olhos. - Eu ofendo você, querida: Sou uma criatura ofensiva, como meu pai ficaria feliz em lhe dizer se não estivesse morto e apodrecendo.
Embora parecesse westerosi, a garota não falava uma palavra da Língua Comum. Talvez tenha sido capturada por algum traficante de escravos quando criança. Seu quarto era pequeno, mas havia um tapete de Myr no chão e um colchão recheado de penas, em vez de palha. Já vi piores.
- Vai me dizer seu nome? - ele perguntou, enquanto pegava uma taça de vinho com ela. - Não? - O vinho era forte, azedo e não precisava de tradução. - Suponho que terei que me contentar com sua boceta. - Limpou a boca com as costas da mão. - Já se deitou com um monstro antes? Agora é um momento tão bom quanto qualquer outro. Tire as roupas e deite-se de costas, se for de seu agrado. Ou não.
Ela olhou para ele sem compreender, até que ele tirou o jarro da mão dela e arrancou sua saia por sobre a cabeça. Depois disso, ela entendeu o que ele queria, embora não fosse a mais animada das parceiras. Tyrion passara tanto tempo sem mulher que jorrou dentro dela na terceira arremetida.
Rolou de lado e se sentiu mais envergonhado do que satisfeito. Isso foi um erro. Que criatura miserável me tornei.
- Você conhece uma mulher chamada Tysha? - perguntou, enquanto olhava a semente dele escorrendo para fora dela até a cama. A puta não respondeu. - Você sabe para onde as putas vão? - Ela não respondeu novamente. As costas dela eram cobertas de cicatrizes. Esta garota é como morta. Acabo de foder um cadáver. Até os olhos dela pareciam mortos. Ela não tem forças nem para me odiar.
Ele precisava de vinho. Muito vinho. Pegou o jarro com as duas mãos e levou-o até os lábios. O vinho escorreu, vermelho. Pela sua garganta, pelo seu queixo. Pingou até o colchão, embebendo as penas. Sob a luz das velas, parecia tão escuro quanto o vinho que envenenara Joffrey. Quando terminou, jogou o jarro de lado, e meio rolou, meio cambaleou para o chão, procurando um penico. Não havia nenhum. Seu estômago revirou, e ele se pegou ajoelhado, vomitando no tapete, naquele maravilhoso tapete de Myr, tão reconfortante quanto mentiras.
A puta gritou, angustiada. Eles a culparão por isso, ele percebeu, envergonhado.
- Corte minha cabeça e leve para Porto Real - Tyrion pediu para ela. - Minha irmã fará de você uma senhora, e ninguém vai chicoteá-la novamente. - Ela não entendeu isso também, então ele abriu as suas pernas, rastejou entre elas e a tomou mais uma vez. Pelo menos isso ela compreendia.
Depois que o vinho acabou e ele também, o anão bamboleou até as roupas da garota e as jogou para a porta. Ela entendeu o recado e foi embora, deixando-o sozinho na escuridão, afundado profundamente na cama de penas. Estou fedendo a bêbado. Não ousava fechar os olhos, com medo de adormecer. Além do véu dos sonhos, os Sofrimentos esperavam por ele. Degraus de pedra ascendentes e sem fim, íngremes, escorregadios e traiçoeiros, e em algum lugar lá em cima estava o Senhor da Mortalha. Não quero encontrar o Senhor da Mortalha. Tyrion se arrastou de volta até suas roupas e tateou o caminho até a escada. Griff vai me esfolar. Bem, por que não? Se algum anão já mereceu ser esfolado, esse sou eu.
Na metade dos degraus, perdeu o equilíbrio. De alguma maneira conseguiu evitar a queda com as mãos e dar uma cambalhota desajeitada. As putas na sala embaixo olharam atonitamente quando ele aterrizou no pé da escada. Tyrion rolou para ficar em pé e fez uma mesura.
- Sou mais ágil quando estou bêbado. - Virou-se para o proprietário. - Sinto ter arruinado seu tapete. A garota não tem culpa. Deixe-me pagar. - Pegou um punhado de moedas e jogou para o homem.
- Duende - disse uma voz profunda, atrás dele.
No canto da sala, um homem sentava-se nas sombras, com uma puta se contorcendo em seu colo. Não vi essa garota. Se tivesse visto, teria subido com ela, em vez da sardenta. Era mais jovem do que as outras, magra e bonita, com longos cabelos prateados. Lisena, provavelmente... mas o homem no colo de quem ela se sentava era dos Sete Reinos. Corpulento e de ombros largos, quarenta, se tivesse um dia de seu nome, ou talvez mais velho. Metade da cabeça era careca, mas restolho grosso cobria seu rosto e queixo, e pelos grossos cresciam nos braços, brotando até mesmo dos nós dos dedos.
Tyrion não gostou do olhar dele. Gostou menos ainda do grande urso negro em sua armadura. Lã. Está vestindo lã, neste calor. Quem mais, além de um cavaleiro, seria tão louco?
- Que agradável ouvir a Língua Comum tão longe de casa - obrigou-se a dizer - mas temo que tenha me confundido com alguém. Meu nome é Hugor Hill. Posso pagar-lhe uma taça de vinho, meu amigo?
- Estou bêbado o suficiente. - O cavaleiro colocou a puta de lado e se levantou. O cinturão com a bainha estava pendurado em um gancho ao lado dele. Ele o pegou e desembainhou a lâmina. O aço murmurou contra o couro. As putas assistiam avidamente, a luz das velas brilhando nos olhos delas. O proprietário desaparecera. - Você é meu, Hugor.
Tyrion não podia fugir dele mais do que poderia lutar com ele. Bêbado como estava, não podia nem tentar ser mais esperto do que o cavaleiro. Estendeu as mãos.
- E o que você pretende fazer comigo?
- Entregar você - disse o cavaleiro - para a rainha. 

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