dizer
isso, Vossa Iluminada parece... cansada. Tem dormido?
Dany
fez tudo o que podia para não rir.
-
Não muito bem. Na noite passada três galés qartenas subiram o
Skahazadhan sob o manto da escuridão. Os Homens da Mãe lançaram
flechas incendiárias nas velas deles e arremessaram barris de piche
fervente nos conveses, mas as galés deslizaram rapidamente e não
sofreram danos permanentes. Os qartenos pretendem fechar o rio para
nós, assim como fecharam a baía. E não estão mais sozinhos. Três
galés de Nova Ghis se uniram a eles, e um galeão de Tolos. - Os
tolosinos haviam respondido ao pedido de aliança declarando-a uma
prostituta e exigindo que devolvesse Meereen para os Grandes Mestres.
Mesmo isso era preferível à resposta de Mantarys, que chegou em uma
caravana, dentro de uma arca de cedro. Lá, ela encontrou a cabeça
de seus três enviados em conserva. - Talvez seus deuses possam nos
ajudar. Peça para mandarem uma tempestade capaz de varrer as galés
da baía.
-
Vou orar e fazer sacrifícios. Talvez os deuses de Ghis me escutem. -
Galazza Galare tomou um gole de vinho, mas seus olhos não deixaram
Dany. - Tormentas arrebentam dentro das muralhas, tanto quanto fora.
Mais libertos morreram noite passada, pelo que soube.
-
Três. - Dizer isso deixava um gosto amargo em sua boca. - Os
covardes atacaram algumas tecelãs, libertas que nunca fizeram mal a
ninguém. Tudo o que faziam era criar coisas bonitas. Tenho uma
tapeçaria que me deram, pendurada sobre minha cama. Os Filhos da
Harpia quebraram seus teares e as estupraram antes de cortar suas
gargantas.
-
Foi isso o que ouvimos. E mesmo assim Vossa Iluminada encontrou a
coragem de responder ao massacre com misericórdia. Não feriu
nenhuma das crianças nobres que tomou como refém.
-
Não até agora. - Dany havia se afeiçoado aos seus jovens encargos.
Alguns eram tímidos e outros ousados, alguns eram doces e outros
mal-humorados, mas eram todos inocentes. - Se eu matar meus copeiros,
quem servirá meu vinho e minha ceia? - disse, tentando amenizar a
situação.
A
sacerdotisa não sorriu.
-
O Cabeça-Raspada teria alimentado seus dragões com eles, é o que
se diz. Uma vida por uma vida. Para cada Besta de Bronze abatida, ele
teria uma criança morta.
Dany
empurrou a comida no prato. Não ousava olhar para onde Grazhar e
Qezza estavam, com medo de chorar. O Cabeça-Raspada tem um coração
mais duro que o meu. Eles haviam discutido por causa dos reféns meia
dúzia de vezes.
-
Os Filhos da Harpia estão rindo em suas pirâmides - Skahaz dissera,
justamente naquela manhã. - Para que servem os reféns se não quer
arrancar suas cabeças? - Aos olhos dele, ela era apenas uma mulher
fraca. Hazzea já foi o bastante. O que há de bom em uma paz que
precisa ser paga como o sangue de criancinhas?
-
Esses assassinatos não são obra deles - disse Dany para a Graça
Verde, debilmente. - Não sou uma rainha carniceira.
-
E Meereen agradece por isso - disse Galazza Galare. - Ouvimos dizer
que o Rei Açougueiro de Astapor está morto.
-
Morto por seus próprios soldados, quando lhes ordenou marchar e
atacar os yunkaítas. - As palavras eram amargas em sua boca. - O
cadáver nem esfriou antes que outro tomasse seu lugar, chamando a si
mesmo de Cleon, o Segundo. Esse durou oito dias antes que sua
garganta fosse aberta. Então o assassino reivindicou a coroa. Assim
como a concubina do primeiro Cleon. Rei Cortagarganta e Rainha Puta,
os astapori os chamam. Seus seguidores estão travando batalhas nas
ruas, enquanto os yunkaítas e seus mercenários aguardam do lado de
fora das muralhas.
-
Estes são tempos difíceis. Vossa Iluminada, posso ter a presunção
de lhe oferecer meu conselho?
-
Você sabe que valorizo muito sua sabedoria.
-
Então preste atenção em mim agora, e se case.
-
Ah! - Dany já esperava por isso.
-
Frequentemente ouço você dizer que é apenas uma jovem garota.
Olhando para você, ainda parece meio criança, muito jovem e frágil
para enfrentar tais provações sozinha. Precisa de um rei ao seu
lado, para ajudar a arcar com esses encargos.
Dany
cortou um pedaço de cordeiro, deu uma mordida e mastigou lentamente.
-
Diga-me, pode esse rei encher as bochechas de ar e soprar as galés
de Xaro de volta para Qarth? Pode bater palmas e quebrar o cerco a
Astapor? Pode colocar comida nas barrigas dos meus filhos e trazer a
paz de volta às minhas ruas?
-
Você pode? - perguntou a Graça Verde. - Um rei não é um deus, mas
ainda há muito que um homem forte pode fazer. Quando meu povo olha
para você, eles veem uma conquistadora de além-mar, que veio para
nos matar e escravizar nossos filhos. Um rei pode mudar isso. Um rei
de alto nascimento, um puro-sangue ghiscari, poderia reconciliar a
cidade às suas leis. De outro modo, temo que seu reino termine como
começou, em sangue e fogo.
Dany
empurrou a comida no prato.
-
E quem os deuses de Ghis gostariam que eu tomasse como meu rei e
consorte?
-
Hizdahr zo Loraq - Galazza Galare disse com firmeza.
Dany
não se preocupou em fingir surpresa.
-
Por que Hizdahr? Skahaz também é de nascimento nobre.
-
Skahaz é Kandaq, Hizdahr, Loraq. Vossa Iluminada vai me perdoar, mas
apenas quem não é ghiscari não entende a diferença.
Frequentemente ouço dizer que você é do sangue de Aegon, o
Conquistador, de Jaehaerys, o Sábio, e de Daeron, o Dragão. O nobre
Hizdahr é do sangue de Mazdhan, o Magnífico, de Hazrak., o Belo, e
de Zharaq, o Libertador.
-
Os antepassados dele estão tão mortos quanto os meus. Hizdahr
levantará suas sombras para defender Meereen contra seus inimigos?
Preciso de um homem com navios e espadas. Você me oferece
ancestrais.
-
Somos um povo antigo. Ancestrais são importantes para nós. Case-se
com Hizdahr zo Loraq e tenha um filho dele, um filho cujo pai é a
harpia e cuja mãe é o dragão. Nele, as profecias serão cumpridas,
e seus inimigos derreterão como neve.
Ele
será o garanhão que vai montar o mundo. Dany conhecia profecias.
São feitas de palavras, e palavras são vento. Não haveria um filho
para Loraq, nenhum herdeiro para unir dragão e harpia. Quando o sol
nascer no oeste e se puser no leste, quando os mares secarem e as
montanhas forem levadas pelo vento como folhas. Somente então o
ventre dela despertaria uma vez mais ...
...
mas Daenerys Targaryen tinha outros filhos, dezenas de milhares que a
saudaram como sua mãe quando ela quebrou as correntes deles. Pensou
em Escudo Robusto, no irmão de Missandei, na mulher Rylona Rbee, que
tocava a harpa tão belamente. Nenhum casamento os traria de volta à
vida, mas um marido poderia ajudar a colocar um fim na matança,
então ela devia isso para seus mortos. Devia se casar.
Se
me casar com Hizdahr, isso fará que Skahaz se volte contra mim? Ela
confiava em Skahaz mais do que em Hizdahr, mas o Cabeça-Raspada
seria um desastre como rei. Era muito rápido para a ira, muito lento
para o perdão. Ela não via nenhum ganho em se casar com um homem
tão odiado quanto ela. Hizdahr era bem respeitado, até onde ela
podia ver.
-
O que meu futuro marido pensa disso? - perguntou para a Graça Verde.
- O que ele acha de mim?
-
Vossa Graça só precisa perguntar para ele. O nobre Hizdahr aguarda
lá embaixo. Envie alguém até lá, se lhe agradar.
Você
presume demais, sacerdotisa, a rainha pensou, mas engoliu a raiva e
se obrigou a sorrir.
-
Por que não? - Virou-se para Sor Barristan e pediu ao velho
cavaleiro que trouxesse Hizdahr até ela. - É uma longa subida. Leve
um Imaculado para ajudá-lo.
Quando
o nobre chegou, a Graça Verde havia terminado de comer.
-
Se for do agrado de Vossa Magnificência, me despedirei. Você e o
nobre Hizdahr terão muito para conversar, sem dúvida. - A velha
mulher limpou um pouco de mel dos lábios, deu um beijo de despedida
nas testas de Qezza e Grazhar e prendeu o véu de seda no rosto. -
Retornarei para o Templo das Graças e rezarei para que os deuses
mostrem para minha rainha o curso da sabedoria.
Quando
ela saiu, Dany deixou que Qezza enchesse sua taça novamente,
dispensou as crianças e ordenou que Hizdahr zo Loraq fosse trazido à
sua presença. E, se ele ousar falar uma palavra sobre suas preciosas
arenas de luta, posso arremessá-lo do terraço.
Hizdahr
vestia uma rúnica verde simples, por baixo de um colete acolchoado.
Curvou-se ao entrar, o rosto solene.
-
Nenhum sorriso para mim? - Dany lhe perguntou. - Sou assim tão
terrível?
-
Sempre serei solene na presença de tal beleza.
Era
um bom começo.
-
Beba comigo. - Dany encheu a taça dele. - Você sabe por que está
aqui. A Graça Verde parece achar que se eu tomá-lo como meu marido,
todos os meus inimigos desaparecerão.
-
Eu nunca faria afirmação tão ousada. Homens são feitos para lutar
e sofrer. Nossos inimigos só desaparecem quando morremos. Posso ser
de alguma ajuda, no entanto. Tenho ouro, amigos e influência, e o
sangue da Velha Ghis flui em minhas veias. Embora nunca tenha me
casado, tenho dois filhos naturais, um menino e uma menina, então
posso dar-lhe herdeiros. Posso reconciliar a cidade à sua lei e
colocar um fim nos massacres noturnos nas ruas.
-
Pode? - Dany estudou os olhos deles. - Por que os Filhos da Harpia
abaixariam suas facas por você? Você é um deles?
-Não.
-
Me contaria se fosse?
Ele
riu.
-Não.
-
O Cabeça-Raspada tem meios de descobrir a verdade.
-
Não tenho dúvida de que Skahaz logo me faria confessar. Um dia com
ele, e eu serei um dos Filhos da Harpia. Dois dias, e eu serei a
Harpia. Três, e me tornarei o assassino de seu pai também, de volta
aos Reinos do Pôr do Sol quando eu ainda era um menino. Então, ele
me empalará em uma estaca e você me verá morrer... mas depois
disso, as mortes vão continuar. - Hizdahr inclinou-se para mais
perto. - Ou você pode se casar comigo e deixar que eu tente
pará-las.
-
Por que você quer me ajudar? Pela coroa?
-
Uma coroa cairia bem em mim, não negarei isso. É mais que isso,
contudo. É tão estranho que queira proteger minha própria gente,
como você protege seus libertos? Meereen não durará outra guerra,
Vossa Iluminada.
Esta
era uma boa resposta, uma resposta honesta.
-
Nunca quis guerra. Derrotei os yunkaítas uma vez, e poupei a cidade
quando a poderia ter saqueado. Recusei me unir ao Rei Cleon quando
ele marchou contra Yunkai. Mesmo agora, com Astapor sitiada, não me
envolvi. E Qarth ... nunca causei dano aos qartenos.
-
Não intencionalmente, mas Qarth é uma cidade de mercadores, e eles
amam o tinido das moedas de prata, o brilho amarelo do ouro. Quando
você quebrou o comércio de escravos, o golpe foi sentido de
Westeros a Asshai. Qarth depende de seus escravos. Assim como Tolos,
Nova Ghis, Lyz, Tyrosh, Volantis ... A lista é longa, minha rainha.
-
Deixe que venham. Encontrarão em mim um adversário mais duro que
Cleon. Prefiro morrer lutando a ver meus filhos voltarem à servidão.
-
Pode haver uma alternativa. Os yunkaítas podem ser persuadidos a
permitir que todos os seus libertos permaneçam livres, creio, se
Vossa Veneração concordar que a Cidade Amarela negocie e treine
escravos sem ser molestada desse dia em diante. Nenhum sangue precisa
correr.
-
Exceto o sangue desses escravos que os yunkaítas vão negociar e
treinar - disse Dany, mas, mesmo assim, reconheceu a verdade nas
palavras dele. Este pode ser um final melhor do que poderíamos
esperar. - Você não disse que me amava.
-
Direi, se for do agrado de Vossa Iluminada.
-
Essa não é a resposta de um homem apaixonado.
-
O que é o amor? Desejo? Nenhum homem com todas as suas partes
poderia olhar para você e não desejá-la, Daenerys. Contudo, não é
por isso que quero me casar com você. Antes de você chegar, Meereen
estava morrendo. Nossos governantes eram velhos com paus murchos e
anciãs cujas bocetas enrugadas estavam secas como pó. Eles se
sentavam no alto de suas pirâmides, tomando vinho de damasco e
falando das glórias do Antigo Império, enquanto os séculos
passavam e os tijolos da cidade desmoronavam ao redor deles. Os
costumes e a cautela eram como mãos de aço sobre nós, até que
você nos despertou com fogo e sangue. Um novo tempo chegou, e novas
coisas são possíveis. Case-se comigo.
Ele
não é tão duro quanto parece, Dany disse para si mesma, e tem o
linguajar de um rei.
-
Beije-me - ela ordenou.
Ele
pegou a mão dela novamente e beijou seus dedos.
-
Não desse jeito. Beije-me como se fosse sua esposa.
Hizdahr
a tomou pelos ombros tão ternamente como se ela fosse um filhote de
pássaro. Inclinando-se para a frente, pressionou seus lábios nos
dela. O beijo dele era leve, seco e rápido. Dany não sentiu nenhuma
agitação.
-
Devo ... beijá-la novamente? - ele perguntou, quando acabou.
-
Não. - No terraço, na piscina de banho, peixinhos beliscavam as
pernas dela quando ela se molhava. Até os beijos deles eram mais
fervorosos do que os de Hizdahr zo Loraq. - Não amo você.
Hizdahr
encolheu os ombros.
-
Isso pode vir com o tempo. Sabe-se que isso acontece.
Não
conosco, ela pensou. Não enquanto Daario está tão perto. É ele
quem eu desejo, não você.
-
Um dia retornarei para Westeros, para exigir os Sete Reinos que eram
do meu pai.
-
Um dia todos os homens devem morrer, mas não há nada de bom em se
debruçar sobre a morte. Prefiro viver cada dia como ele vem.
Dany
cruzou as mãos.
-
Palavras são vento, mesmo palavras como amor e paz. Confio mais em
ações. Nos meus Sete Reinos, cavaleiros saem em missões para
provar a si mesmos que são dignos da donzela que amam. Procuram
espadas mágicas, baús de ouro e coroas roubadas de hordas de
dragões.
Hizdahr
levantou uma sobrancelha.
-
Os únicos dragões que conheço são seus, e espadas mágicas são
ainda mais escassas. Eu alegremente a presentearei com anéis, coroas
e baús de ouro, se esse for seu desejo.
-
Paz é meu desejo. Você diz que pode me ajudar a acabar com a
matança noturna em minhas ruas. Eu digo: faça. Coloque um fim nesta
guerra sombria, senhor. Esta é sua missão. Me dê noventa dias e
noventa noites sem uma morte, e saberei que é digno do trono. Pode
fazer isso?
Hizdahr
olhou pensativo.
-
Noventa dias e noventa noites sem um cadáver, e no
nonagésimo-primeiro dia nos casamos?
-
Talvez - disse Dany, com um olhar tímido. - Embora jovens garotas
sejam conhecidas por serem inconstantes. Ainda quero uma espada
mágica.
Hizdahr
riu.
-
Então você deverá ter isso também, Iluminada. Seu desejo é uma
ordem. Melhor dizer para seu senescal começar os preparativos para
nosso casamento.
-
Nada agradará mais ao nobre Reznak. - Se Meereen soubesse que um
casamento estava a caminho, esse fato sozinho podia lhe garantir
algumas noites de trégua, mesmo que os esforços de Hizdahr não
dessem em nada. O Cabeça-Raspada não ficará feliz comigo, mas
Reznak mo Reznak dançará de alegria. Dany não sabia qual das duas
reações a preocupava mais. Precisava de Skahaz e das Bestas de
Bronze, e desconfiava de todos os conselhos de Reznak. Cuidado com o
senescal perfumado. Teria Reznak se unido a Hizdahr e à Graça Verde
para preparar uma armadilha contra mim?
Mal
Hizdahr zo Loraq havia deixado sua presença, Sor Barristan apareceu
atrás dela com sua longa capa branca. Anos de serviço na Guarda
Real haviam ensinado o cavaleiro branco a permanecer discreto
enquanto ela estava entretida, mas ele nunca ficava longe. Ele sabe,
ela viu imediatamente, e desaprova. As linhas ao redor de sua boca
estavam mais fundas.
-
Então - disse para ele - parece que me casarei novamente. Está
feliz por mim, sor?
-
Se esta for sua ordem, Vossa Graça.
-
Hizdahr não é o marido que você teria escolhido para mim.
-
Não estou em posição de lhe escolher um marido.
-
Não está - ela concordou - mas é importante para mim que você
entenda. Meu povo está sangrando. Morrendo. Uma rainha não pertence
a si mesma, mas ao reino. Casamento ou carnificina, essas são minhas
opções. Um casamento ou uma guerra.
-
Vossa Graça, posso falar com franqueza?
-
Sempre.
-
Há uma terceira opção.
-
Westeros?
Ele
concordou com a cabeça.
-
Jurei servir Vossa Graça e mantê-la em segurança onde quer que vá.
Meu lugar é ao seu lado, seja aqui, seja em Porto Real... mas seu
lugar é de volta a Westeros, no Trono de Ferro que era do seu pai.
Os Sete Reinos nunca aceitarão Hizdahr zo Loraq como rei.
-
Não mais do que Meereen aceitará Daenerys Targaryen como rainha. A
Graça Verde está certa nisso. Preciso de um rei ao meu lado, um rei
do antigo sangue ghiscari. De outro modo, sempre me verão como uma
bárbara inculta que arrebentou os portões da cidade deles, empalou
seus parentes em estacas e roubou sua riqueza.
-
Em Westeros você será a filha perdida que retoma para alegrar o
coração de seu pai. Seu povo dará vivas quando você chegar, e
todos os homens de boa vontade a amarão.
-
Westeros está muito longe.
-
Permanecer aqui não vai fazê-lo ficar mais perto. Quanto antes
deixarmos este lugar...
-
Eu sei. Sei mesmo. - Dany não sabia como fazê-lo enxergar. Ela
queria Westeros tanto quanto ele, mas primeiro precisava curar
Meereen. - Noventa dias é um tempo longo. Hizdahr falhará. E,
quando isso acontecer, ele tentará conseguir mais tempo. Tempo para
fazer alianças, para fortalecer minhas defesas, para ...
-
E se ele não falhar? O que Vossa Graça fará então?
-
O dever dela. - As palavras pareceram geladas sobre sua língua. -
Você viu o casamento do meu irmão Rhaegar. Me diga, ele se casou
por amor ou por dever?
O
velho cavaleiro hesitou.
-
A Princesa Elia era uma boa mulher, Vossa Graça. Era gentil e
inteligente, com um coração manso e uma sagacidade doce. Sei que o
príncipe tinha muita afeição por ela.
Afeição,
pensou Dany. A palavra significava muito. Posso me afeiçoar por
Hizdahr zo Loraq com o tempo. Talvez.
Sor
Barristan continuou.
-
Vi o casamento de seu pai e sua mãe também. Me perdoe, mas não
havia carinho ali, e o reino pagou caro por isso, minha rainha.
-
Por que se casaram se não amavam um ao outro?
-
Seu avô ordenou. Uma bruxa do bosque dissera para ele que o príncipe
prometido nasceria da linhagem deles.
-
Uma bruxa do bosque? - Dany estava atônita.
-
Ela chegou à corte com Jenny de Pedrantiga. Uma coisa atrofiada,
grotesca de se ver. Uma anã, a maioria das pessoas diria, apesar de
cara à Senhora Jenny, que sempre afirmou que a mulher era uma das
filhas da floresta.
-
O que aconteceu com ela?
-
Solar de Verão. - As palavras estavam cheias de condenação.
Dany
suspirou.
-
Deixe-me agora. Estou muito cansada.
-
Como desejar. - Sor Barristan se curvou e virou-se para ir. Mas parou
na porta. - Perdoe-me. Vossa Graça tem um visitante. Devo dizer para
retornar pela manhã?
-
Quem é?
-
Naharis. Os Corvos Tormentosos voltaram à cidade.
Daario.
O coração dela deu um pulo no peito.
-
Há quanto tempo ... ? Quando ele... ? - Ela não conseguia colocar
as palavras para fora.
Sor
Barristan pareceu entender.
-
Vossa Graça estava com a sacerdotisa quando ele chegou. Eu sabia que
não queria ser incomodada. As notícias do capitão podem esperar
até amanhã.
-
Não. - Como posso esperar dormir, sabendo que meu capitão está tão
perto? - Traga-o aqui imediatamente. E ... não precisarei mais de
seus serviços esta noite. Estarei segura com Daario. Ah, e mande
lrri e ]hiqui, por gentileza. E Missandei. - Preciso me trocar, para
ficar bonita.
Disse
isso para as servas, quando elas chegaram.
-
O que Vossa Graça deseja vestir? - perguntou Missandei.
Luz
das estrelas e espuma do mar, Dany pensou, um punhado de seda que
deixe meu seio esquerdo desnudo para deleite de Daario. Ah, e flores
para meus cabelos. Desde a primeira vez que se encontraram, o capitão
levou flores para ela todos os dias, por todo o caminho de Yunkai até
Meereen.
-
Traga o vestido de linho cinza, com pérolas no corpete. Oh, e minha
pele de leão branco. - Ela sempre se sentia mais segura com a pele
de leão de Drogo.
Daenerys
recebeu o capitão no terraço, sentada em um banco esculpido em
pedra sob uma pereira. Uma meia-lua flutuava no céu da cidade,
cercada por milhares de estrelas. Daario Naharis entrou caminhando
emproado. Ele é presunçoso mesmo quando está parado. O capitão
vestia calças listradas enfiadas em botas de couro púrpura, uma
camisa de seda branca e um colete de anéis dourados. Sua barba em
forma de tridente estava púrpura, seu extravagante bigode, dourado,
e os longos cachos tingidos em partes iguais de ambas as cores. Em um
lado do quadril, portava um punhal; no outro, um arakh dothraki.
-
Brilhante rainha - disse - ficou ainda mais bela em minha ausência.
Como isto é possível?
A
rainha estava acostumada a tais elogios, mas de alguma forma o
cumprimento significava mais vindo de Daario do que aqueles de
Reznak, Xaro ou Hizdahr.
-
Capitão. Nos disseram que você fez um bom trabalho em Lhazar. -
Senti tanto a sua falta.
-
Seu capitão vive para servir sua cruel rainha.
-
Cruel?
A
luz da lua reluziu nos olhos dele.
-
Ele correu à frente de todos os seus homens, para ver o rosto dela
mais cedo, só para ser deixado definhando, enquanto ela comia
cordeiro e figos com alguma velha ressequida.
Nunca
me disseram que você estava aqui, Dany pensou, senão eu teria feito
papel de boba e recebido você imediatamente.
-
Estava ceando com a Graça Verde. - Parecia melhor não mencionar
Hizdahr. - Precisava urgentemente de um sábio conselho dela.
-
Eu tenho apenas uma necessidade urgente: Daenerys.
-
Devo pedir comida? Deve estar faminto.
-
Não como há dois dias, mas, agora que estou aqui, é suficiente
para mim me banquetear em sua beleza.
-
Minha beleza não vai encher sua barriga. - Arrancou uma pera e
jogou-a para ele. - Coma isso.
-
Se minha rainha ordena. - Deu uma mordida na pera, seu dente de ouro
brilhando.
O
caldo escorreu pela barba púrpura.
A
garota nela queria tanto beijá-lo que até doía. Os beijos dele
devem ser duros e cruéis, disse para si mesma, e ele não se
importaria se eu gritasse ou se lhe ordenasse parar. Mas a rainha
nela sabia que aquilo seria tolice.
-
Conte-me de sua viagem.
Ele
deu de ombros descuidado.
-
Os yunkaítas mandaram algumas espadas contratadas para fechar o
Passo Khyzai. Os Longas Lanças, eles se autodenominam. Descemos
sobre eles à noite e mandamos alguns para o inferno. Em Lhazar,
matei dois dos meus próprios oficiais por conspirar para roubar as
pedras preciosas e o ouro que minha rainha havia confiado a mim como
presentes para os Homens-Ovelha. Fora isso, tudo correu como eu havia
prometido.
-
Quantos homens perdeu em combate?
-
Nove - disse Daario - mas uma dúzia de Longas Lanças decidiu que
era melhor ser um Corvo Tormentoso do que um cadáver, então estamos
com três na frente. Eu disse para eles que viveriam mais lutando com
seus dragões do que contra eles, e eles viram sabedoria em minhas
palavras.
Aquilo
a fez cautelosa.
-
Eles podem espionar para Yunkai.
-
São estúpidos demais para serem espiões. Você não os conhece.
-
Nem você. Acredita neles?
-
Acredito em todos os meus homens. Tão longe quanto possa cuspir. -
Ele cuspiu uma semente e sorriu para ela com suspeita. - Devo trazer
as cabeças deles para você? Trarei, se ordenar. Um é careca, dois
têm tranças e um tinge a barba de quatro cores diferentes. Que
espião usaria uma barba dessas, lhe pergunto? O lançador consegue
acertar uma pedra entre os olhos de um mosquito a quarenta passos, e
o feio tem muito jeito com cavalos, mas se minha rainha diz que devem
morrer...
-
Não disse isso. Eu apenas ... Assegure-se de manter os olhos neles,
é tudo. - Ela se sentia tola dizendo isso. Sempre se sentia um pouco
tola quando estava com Daario. Desajeitada, infantil e de raciocínio
lento. O que ele deve pensar de mim? Mudou de assunto. - Os
Homens-Ovelha nos mandarão comida?
-
Os grãos descerão o Skahazadhan de barcaça, minha rainha, e outros
bens virão de caravana, pelo Khyzai.
-
Não o Skahazadhan. O rio está fechado para nós. Os mares também.
Você deve ter visto os navios na baía. Os qartenos expulsaram um
terço da nossa frota pesqueira e apreenderam outro terço. Os outros
estão assustados demais para deixar o porto. Todo o pequeno comércio
que ainda tínhamos foi cortado.
Daario
jogou fora o cabo da pera.
-
Os qartenos têm leite nas veias. Deixe-os ver seus dragões, e eles
fugirão.
Dany
não queria falar sobre dragões. Fazendeiros ainda vinham às
audiências com ossos queimados, reclamando de ovelhas perdidas,
embora Drogon não tivesse retornado à cidade. Alguns afirmaram
tê-lo visto ao norte do rio, sobre a grama do Mar Dothraki. Lá
embaixo, nos poços, Viserion arrebentara uma de suas correntes; ele
e Rhaegal cresciam mais selvagens a cada dia. Uma vez, as portas de
ferro haviam brilhado vermelhas de tão quentes, os Imaculados lhe
contaram, e ninguém ousou tocar nelas por um dia.
-
Astapor está sob cerco também.
-
Isso eu sabia. Um dos Longas Lanças viveu o suficiente para nos
contar que os homens estavam comendo uns aos outros na Cidade
Vermelha. Disse que a vez de Meereen chegaria logo, então cortei a
língua dele e dei para um cachorro amarelo. Nenhum cão come a
língua de um mentiroso. Quando o cão amarelo comeu a dele, soube
que o homem falava a verdade.
-
Tenho guerra dentro da cidade também. - Contou para ele sobre os
Filhos da Harpia e as Bestas de Bronze, e sobre o sangue nos
ladrilhos. - Meus inimigos estão ao meu redor, dentro e fora da
cidade.
-
Ataque - ele disse de uma vez. - Um homem cercado por inimigos não
pode se defender. Tente, e o machado o acertará pelas costas
enquanto estiver rebatendo a espada. Não. Quando confrontado por
muitos inimigos, escolha o mais fraco, mate-o, passe por cima dele e
escape.
-
E para onde posso escapar?
-
Para minha cama. Para meus braços. Para meu coração. - Os punhos
do arakh e do punhal de Daario tinham a forma de mulheres douradas,
nuas e lascivas. Ele passou os dedos sobre elas de um jeito
extremamente obsceno e deu um sorriso perverso.
Dany
sentiu o sangue subir à sua face. Era quase como se a estivesse
acariciando. Ele me achará muito devassa se eu puxá-lo para minha
cama? Ele a fazia querer ser sua devassa. Eu nunca deveria tê-lo
visto sozinha. É muito perigoso tê-lo perto de mim.
-
A Graça Verde diz que eu devo ter um rei ghiscari - ela disse,
nervosa. - Ela me pede para casar com o nobre Hizdahr zo Loraq.
-
Aquele um? - Daario riu. - Por que não Verme Cinzento, se quer um
eunuco em sua cama? Você quer um rei?
Quero
você.
-
Quero paz. Dei noventa dias para Hizdahr acabar com as mortes. Se ele
conseguir, o tomarei como meu marido.
-
Tome a mim como seu marido. Faço em nove dias.
Você
sabe que não posso fazer isso, ela quase disse.
-
Está lutando contra sombras, quando deveria lutar contra os homens
que as projetam. - Daario continuou. - Mate-os e pegue todos os
tesouros deles, eu digo. Sussurre a ordem, e seu Daario fará uma
pilha com as cabeças deles mais alta do que esta pirâmide.
-
Se eu soubesse quem são ...
-
Zhak, Pahl e Merreq. Eles, e todos os demais. Os Grandes Mestres.
Quem mais seria?
Ele
é tão ousado quanto sanguinário.
-
Não temos provas de que isso seja trabalho deles. Você quer que eu
massacre meus próprios súditos?
-
Seus próprios súditos a massacrariam alegremente.
Ele
havia ficado tanto tempo longe, que Dany quase esquecera o que ele
era. Mercenários são traiçoeiros por natureza, lembrou a si mesma.
Volúveis, infiéis, brutais. Ele nunca será mais do que é. Ele
nunca terá a matéria-prima dos reis.
-
As pirâmides são fortes - explicou para ele. - Poderíamos tomá-las
apenas a um grande custo. No momento em que atacarmos uma, as outras
se levantarão contra nós.
-
Então os atraia para fora das pirâmides com algum pretexto. Um
casamento poderia servir. Por que não? Prometa sua mão para Hizdahr
e todos os Grandes Mestres virão ver você se casar. Quando se
reunirem no Templo das Graças, solte-nos sobre eles.
Dany
estava estarrecida. Ele é um monstro. Um monstro galante, mas ainda
um monstro.
-
Você acha que sou o Rei Açougueiro?
-
Melhor ser açougueiro do que a carne. Todos os reis são
açougueiros. As rainhas são diferentes?
-
Esta rainha é.
Daario
encolheu os ombros.
-
A maior parte das rainhas não tem outro propósito além de aquecer
a cama de algum rei e enchê-lo de filhos. Se é esse tipo de rainha
que você pretende ser, melhor se casar com Hizdahr.
A
raiva dela flamejou.
-
Você esqueceu quem eu sou?
-
Não. Você esqueceu?
Viserys
teria cortado a cabeça dele por essa insolência.
-
Sou o sangue do dragão. Não tenha a presunção de me ensinar
lições. - Quando Dany ficou em pé, a pele de leão escorregou de
seus ombros e caiu no chão. - Deixe-me.
Daario
fez uma mesura completa.
-
Vivo para obedecer.
Quando
ele se foi, Daenerys chamou Sor Barristan de volta.
-
Quero os Corvos Tormentosos de volta ao campo.
-
Vossa Graça? Eles acabaram de voltar...
-
Quero que partam. Deixe-os patrulhar o interior yunkaíta e dar
proteção a qualquer caravana que venha pelo Passo Khyzai.
Doravante, Daario fará os relatórios dele para você. Dê a ele
todas as honras que lhe são devidas e assegure-se de que seus homens
sejam bem pagos, mas em hipótese alguma ele deve ser admitido em
minha presença.
-
Como quiser, Vossa Graça.
Naquela
noite ela não pôde dormir, mas se virou e revirou na cama, sem
descanso. Chegou até mesmo a convocar Irri, na esperança de que
suas carícias pudessem ajudá-la a repousar, mas depois de um
momento empurrou a garota dothraki para longe. Irri era doce, macia e
bem disposta, mas não era Daario.
O
que eu fiz? Ela pensou, encolhida na cama vazia. Esperei tanto tempo
para que ele voltasse e agora o mando embora.
-
Ele teria feito de mim um monstro - sussurrou - uma rainha
açougueira. - Mas então pensou em Drogon, longe, e nos dragões no
poço. Há sangue em minhas mãos também, e no meu coração. Não
somos tão diferentes, Daario e eu. Somos ambos monstros.
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