sexta-feira, 20 de setembro de 2013

23 - ALAYNE


Quando o sol nascente entrou em torrente pelas janelas, Alayne sentou-se na cama e se espreguiçou. Gretchel ouviu-a acordar e se levantou imediatamente para ir lhe buscar o roupão. Os quartos tinham ficado gelados durante a noite. Será pior quando o inverno nos tiver bem presos nas mãos, pensou. O inverno tornará este lugar tão frio quanto um a sepultura. Alayne vestiu o roupão e atou o cinto em volta da cintura.
- O fogo está quase apagado - observou. - Ponha mais lenha para queimar, por favor.
- As ordens da senhora - disse a velha.
Os aposentos de Alayne na Torre da Donzela eram maiores e mais suntuosos do que o pequeno quarto onde fora mantida quando a Senhora Lysa estava viva. Agora tinha um quarto de vestir e uma latrina privativa, e uma varanda de pedra branca esculpida com vista para o Vale. Enquanto Gretchel cuidava da lareira, Alayne atravessou descalça o quarto e saiu. A pedra estava fria sob seus pés, e o vento soprava furiosamente, como sempre fazia ali em cima, mas a vista a fez se esquecer de tudo aquilo por um segundo. A da Donzela era a mais oriental das sete esguias torres do Ninho da Águia, e tinha o Vale perante si, suas florestas, rios e campos cobertos de névoa à luz da manhã. O modo como o sol batia nas montanhas fazia-as parecerem ser feitas de ouro maciço.
Tão lindo. O cume coberto de neve da Lança do Gigante erguia-se por cima dela, uma imensidão de pedra e gelo que tornava insignificante o castelo empoleirado num dos seus lados. Pingentes de gelo com seis metros de comprimento adornavam a borda do precipício onde as Lágrimas de Alyssa caíam no verão. Um falcão pairou por cima da cascata gelada, asas azuis bem abertas no céu da manhã. Também gostaria de ter asas.
Pousou as mãos na balaustrada de pedra esculpida e obrigou-se a espreitar por sobre a borda. Viu Céu duzentos metros mais abaixo, e os degraus de pedra talhados na montanha, o caminho sinuoso que passava por Neve e Pedra até o fundo do vale. Conseguia ver as torres e fortalezas dos Portões da Lua, pequenas como brinquedos de criança. Em volta das muralhas, as hostes dos Senhores Declarantes agitavam-se, emergindo das tendas como formigas de um formigueiro. Se ao menos fossem realmente formigas, podíamos p isar nelas e esmagá-las.
O Jovem Lorde Hunter e seus recrutas tinham se juntado aos outros dois dias antes. Nestor Royce fechara-lhes os Portões, mas tinha menos de trezentos homens em sua guarnição. Cada um dos Senhores Declarantes trouxera mil, e eles eram seis. Alayne conhecia o nome deles tão bem quanto o seu. Benedar Belmore, Senhor de Cantoforte. Symond Templeton, o Cavaleiro de Novestrelas. Horton Redfort, Senhor de Fortencarnado. Anya Waynwood, Senhora de Ferrobles. Gilwood Hunter, chamado Jovem Lorde Hunter por todos, Senhor de Solar de Longarco. E Yohn Royce, o mais poderoso de todos, o formidável Bronze Yohn, Senhor de Pedrarruna, primo de Nestor e chefe do ramo principal da Casa Royce. Os seis tinham se reunido em Pedrarruna após a queda de Lysa Arryn e fizeram um pacto, jurando proteger Lorde Robert, o Vale e uns aos outros. Sua declaração não fazia nenhuma menção ao Senhor Protetor, mas falava de “desgoverno” a que havia de pôr fim, e também de “falsos amigos e maus conselheiros”.
Uma rajada fria de vento subiu-lhe pelas pernas. Voltou aos seus aposentos para escolher um vestido com o qual quebrar o jejum. Petyr dera-lhe o guarda-roupa de sua falecida esposa, uma abundância de sedas, cetins, veludos e peles bem além de qualquer coisa que tivesse sonhado, embora a esmagadora maioria lhe ficasse enorme; Senhora Lysa tornara-se muito robusta durante sua longa sucessão de gravidezes, natimortos e abortos. Contudo, alguns dos vestidos mais velhos tinham sido feitos para a jovem Lysa Tully de Correrrio, e Gretchel conseguira reformar outros para servirem em Alayne, que tinha as pernas quase tão longas aos treze anos quanto sua tia tivera aos vinte.
Naquela manhã, seu olhar prendeu-se num vestido nas cores Tully, em parte vermelho, em parte azul, forrado de arminho. Gretchel a ajudou a enfiar os braços nas mangas em forma de sino e atou-lhe as costas, após o que lhe escovou e prendeu os cabelos. Alayne voltara a escurecê-lo na noite anterior, antes de ir para a cama. A tinta que a tia lhe dera transformava seu rico ruivo no castanho queimado de Alayne, mas raramente se passava muito tempo antes que o vermelho começasse a surgir de novo nas raízes. E o que farei quando a tinta acabar? A tinta viera de Tyrosh, do outro lado do mar estreito.
Ao descer para o café da manhã, Alayne sentiu-se de novo impressionada pela quietude do Ninho da Águia. Não havia castelo mais silencioso em todos os Sete Reinos. Os criados, ali, eram poucos e velhos, e mantinham as vozes baixas para não perturbar o jovem senhor. Não havia cavalos na montanha, nem cães de caça que ladrassem ou rosnassem, e tampouco cavaleiros a treinar no pátio. Até os passos dos guardas pareciam estranhamente abafados quando caminhavam ao longo dos salões de pedra clara. Ouvia-se o vento gemendo e suspirando em torno das torres, mas era tudo. Quando chegara ao Ninho da Águia, houvera também o murmúrio das Lágrimas de Alyssa, mas a cascata estava agora congelada. Gretchel dizia que ficaria em silêncio até a primavera.
Foi encontrar Lorde Robert sozinho no Salão da Manhã, acima das cozinhas, empurrando desinteressadamente uma colher de madeira em uma grande tigela de mingau de aveia e mel.
- Quero ovos - ele protestou quando a viu. - Quero três ovos malcozidos e um pouco de presunto.
Não tinham ovos, assim como não tinham presunto. Os celeiros do Ninho da Águia tinham aveia, milho e cevada suficiente para alimentá-los durante um ano, mas dependiam de uma garota bastarda chamada Mya Stone para lhes trazer alimentos frescos do fundo do vale. Com os Senhores Declarantes acampados no sopé da montanha, não havia maneira de Mya passar. Lorde Belmore, o primeiro dos seis a chegar aos Portões, enviara um corvo para dizer a Mindinho que não subiria mais comida até o Ninho da Águia enquanto Lorde Robert não fosse enviado para baixo. Não era propriamente um cerco, pelo menos por enquanto, mas a diferença não era grande.
- Poderá comer ovos quando Mya vier, tantos quantos quiser - prometeu Alayne ao pequeno fidalgo. - Ela trará ovos, manteiga e melões, todos os tipos de coisas saborosas.
O garoto não se deixou apaziguar.
- Eu queria ovos hoje.
- Passarinho, não há ovos, sabe disso. Por favor, coma seu mingau, está uma delícia - comeu uma colher cheia.
Robert empurrou a colher de um lado para o outro da tigela e de volta, mas não a levou à boca.
- Não tenho fome - decidiu. - Quero voltar para a cama. Não dormi nada na noite passada. Ouvi alguém cantar. Meistre Colemon me deu vinho dos sonhos, mas ouvi mesmo assim.
Alayne pousou a colher.
- Se alguém estivesse cantando, eu também teria ouvido. Foi só um pesadelo.
- Não, não foi um pesadelo - lágrimas encheram-lhe os olhos. - Marillion estava cantando outra vez. Seu pai diz que ele está morto, mas não está.
- Está - assustava-a ouvi-lo falar daquele jeito. Já é suficientemente ruim que seja pequeno e doente, o que acontecerá se também for louco? - Passarinho, está. Marillion amava demais a senhora sua mãe e não podia viver com aquilo que lhe fez, de modo que se atirou para o céu - Alayne não vira o corpo, assim como Robert não o vira, mas não duvidava de a morte do cantor ser um fato. - Ele partiu, garanto.
- Mas eu o ouço todas as noites. Até quando fecho as janelas e ponho uma almofada na cabeça. Seu pai devia ter-lhe cortado a língua. Eu disse para cortar, mas ele não quis.
Ele precisava de uma língua para confessar.
- Seja um bom menino e coma seu mingau - Alayne suplicou. - Por favor? Por mim?
- Não quero mingau - Robert arremessou a colher para longe. Chocou-se contra uma tapeçaria pendurada e deixou uma mancha de mingau numa lua de seda branca. - O senhor quer ovos!
- O senhor comerá mingau e ficará grato por isso - a voz de Petyr soou atrás deles.
Alayne virou-se e o viu na soleira em arco da porta, com Meistre Colemon ao seu lado.
- Devia prestar atenção ao Senhor Protetor, senhor - disse o meistre. - Os senhores seus vassalos estão subindo a montanha para lhe prestar homenagem, portanto, precisa de todas as suas forças.
Robert esfregou o olho esquerdo com o nó de um dedo.
- Mande-os embora. Não os quero. Se vierem, faço-os voar.
- Tenta-me grandemente, senhor, mas temo que lhes tenha prometido salvo-conduto - Petyr respondeu. - Em qualquer caso, é tarde demais para mandá-los voltar. A essa altura, podem já ter chegado a Pedra.
- Por que é que não nos deixam em paz? - lamentou-se Alayne. - Não lhes fizemos nenhum mal. O que querem de nós?
- Querem só Lorde Robert. Ele, e o Vale - Petyr sorriu. - Serão oito. Lorde Nestor os está trazendo para cima, e virão acompanhados de Lyn Corbray. Sor Lyn não é o tipo de homem que fique distante quando há sangue à vista.
As palavras dele pouco fizeram para acalmar os temores de Alayne. Lyn Corbray matara quase tantos homens em duelos quanto em batalha. A garota sabia que ele conquistara as esporas durante a Rebelião de Robert, lutando primeiro contra Lorde Jon Arryn nos portões de Vila Gaivota e depois sob seus estandartes, no Tridente, onde abatera o Príncipe Lewyn de Dorne, um cavaleiro branco da Guarda Real. Petyr disse que o Príncipe Lewyn já estava gravemente ferido quando a maré da batalha o levara até sua dança final com a Senhora Desespero, mas acrescentou:
- Mas isto não é argumento que queira usar com Corbray. Aqueles que o fazem é rapidamente dada a oportunidade de perguntar a verdade ao Martell em pessoa, lá embaixo, nos salões do inferno - se metade do que ouvira dizer dos guardas de Lorde Robert fosse verdade, Lyn Corbray era mais perigoso do que todos os seis Senhores Declarantes juntos.
- Por que ele vem? - perguntou. - Pensava que os Corbray estivessem com você.
- Lorde Lyonel Corbray está bem-disposto em relação ao meu governo - disse Petyr - mas o irmão segue seu próprio caminho. No Tridente, quando o pai deles foi ferido, foi Lyn quem apanhou a Senhora Desespero para matar o homem que o tinha abatido. Enquanto Lyonel levava o velho aos meistres, na retaguarda, Lyn liderou o ataque contra os dorneses que ameaçavam a ala esquerda de Robert, desbaratou suas linhas e matou Lewyn Martell. Assim, quando o velho Lorde Corbray morreu, outorgou a Senhora ao filho mais novo. Lyonel ficou com suas terras, título, castelo e todo seu dinheiro, mas ainda sente que foi despojado de seu direito de nascença, ao passo que Sor Lyn... Bem, ele ama tanto Lyonel quanto me ama. Queria a mão de Lysa para si.
- Não gosto de Sor Lyn - insistiu Robert. - Não o quero aqui. Mande-o para baixo. Nunca disse que ele podia vir. Aqui, não. A mãe dizia que o Ninho da Águia é inexpugnável.
- Sua mãe está morta, senhor. Até o décimo sexto dia de seu nome, quem governa o Ninho da Águia sou eu - Petyr virou-se para a criada corcunda que pairava perto dos degraus da cozinha. - Mela, busque outra colher para sua senhoria. Ele quer comer seu mingau.
- Não quero nada! Quero que meu mingau voe! - desta vez, Robert atirou a tigela, com mingau, mel e tudo. Petyr Baelish esquivou-se rapidamente, mas Meistre Colemon não foi tão veloz. A tigela de madeira o atingiu em cheio no peito, e seu conteúdo explodiu em seu rosto e ombros. Soltou um ganido muito pouco digno de um meistre, enquanto Alayne se virava para acalmar o pequeno fidalgo, mas era tarde demais. O ataque começava. Um jarro de leite voou quando sua mão o atingiu, descontrolada. Quando tentou se levantar, fez tombar a cadeira para trás e caiu por cima dela. O pé atingiu Alayne na barriga, com tanta força que a deixou sem fôlego.
- Oh, pela bondade dos deuses - ouviu Petyr dizer, com repugnância.
Gotículas de mingau salpicavam o rosto e os cabelos de Meistre Colemon quando ele se ajoelhou sobre seu doente, murmurando palavras tranquilizadoras. Uma gota escorreu-lhe lentamente pela face direita, como se fosse uma lágrima grumosa e marrom-acinzentada. Não é um ataque tão ruim quanto o último, pensou Alayne, tentando manter a esperança. Quando os tremores passaram, dois guardas em manto azul-celeste e camisas de cota de malha prateada tinham aparecido, chamados por Petyr.
- Levem-no de volta para a cama e o sangrem - disse o Senhor Protetor, e o guarda mais alto ergueu o garoto nos braços. Eu mesma podia levá-lo, pensou Alayne. Ele não é mais pesado do que um a boneca.
Colemon deixou-se ficar para trás um momento antes de segui-los.
- Senhor, talvez fosse melhor deixar essa conferência para outro dia. Os ataques de sua senhoria pioraram desde a morte da Senhora Lysa. Estáo mais frequentes e mais violentos. Sangro o menino tanto quanto me atrevo, e misturo vinho dos sonhos e leite de papoula para ajudá-lo a dormir, mas...
- Ele dorme doze horas por dia - Petyr retrucou - Preciso dele acordado de vez em quando.
O meistre passou os dedos pelos cabelos, fazendo cair gotas de mingau no chão.
- Senhora Lysa dava o seio à sua senhoria sempre que ele ficava cansado demais. Arquimeistre Ebrose diz que o leite de uma mãe tem muitas propriedades salutares.
- É este o seu conselho, meistre? Que arranjemos uma ama de leite para o Senhor do Ninho da Águia e Defensor do Vale? Quando haveremos de desmamá-lo, no dia de seu casamento? Talvez assim possa passar diretamente dos mamilos da ama para os da esposa - a gargalhada de Lorde Petyr deixou claro o que pensava daquilo. - Não, penso que não. Sugiro que encontre outra maneira. O garoto gosta de doces, não gosta?
- Doces? - Colemon parecia surpreso.
- Doces. Bolos e tortas, compotas e geleias, favos de mel. Talvez uma pitada de sono-doce no leite, já experimentou? Só uma pitada, para acalmá-lo e diminuir seus malditos tremores.
- Uma pitada? - o pomo de adão do meistre moveu-se para cima e para baixo quando engoliu em seco. - Uma pitada pequena... talvez, talvez. Sem ser exagerada nem abusar na frequência, sim, podia experimentar...
- Um a pitada - disse Lorde Petyr - antes de trazê-lo para a conferência com os senhores.
- Às suas ordens, senhor - o meistre apressou-se a sair, fazendo a corrente tilintar baixinho a cada passo.
- Pai - perguntou Alayne quando ele saiu - quer uma tigela de mingau para quebrar o jejum?
- Desprezo mingau de aveia - olhou-a com os olhos do Mindinho - Preferia quebrar o jejum com um beijo.
Uma filha verdadeira não recusaria um beijo ao pai, portanto, Alayne foi ter com ele e o beijou, um beijo rápido e seco na bochecha, e com igual ligeireza se afastou.
- Que... cumpridora de seus deveres - Mindinho sorriu com os lábios, mas não com os olhos. - Bem, acontece que tenho outros deveres para você. Diga à cozinheira para aquecer um pouco de vinho tinto com mel e passas. Nossos convidados estarão com frio e sede depois de sua longa subida. Deverá recebê-los quando chegarem e lhes oferecer aperitivos. Vinho, pão e queijo. Que tipo de queijo nos resta?
- Do branco azedo e do azul malcheiroso.
- Do branco. E também é melhor que troque de roupa.
Alayne olhou o vestido, do profundo azul e rico vermelho-escuro de Correrrio.
- É muito...
- É muito Tully. Os Senhores Declarantes não ficarão felizes se virem minha filha bastarda pavonear-se por aí com as roupas de minha falecida esposa. Arranje outra coisa. Tenho de lembrá-la para evitar o azul-celeste e o creme?
- Não - azul-celeste e creme eram as cores da Casa Arryn. - Oito, você disse... Bronze Yohn é um deles?
- O único que importa.
- Bronze Yohn me conhece - fê-lo se lembrar. - Foi hóspede em Winterfell quando o filho foi para o Norte vestir o negro - tinha uma tênue lembrança de ter se apaixonado perdidamente por Sor Waymar, mas aquilo acontecera havia uma vida, quando não passava de uma garotinha estúpida. - E não foi essa a única vez. Lorde Royce viu... ele voltou a ver Sansa Stark em Porto Real, durante o Torneio da Mão.
Petyr pôs-lhe um dedo sob o queixo.
- Que Royce tenha visto este rosto bonito não duvido, mas foi um rosto em mil. Um homem lutando num torneio tem mais em que pensar do que em uma criança na multidão. E, em Winterfell, Sansa era uma garotinha de cabelos ruivos. Minha filha é uma donzela, alta e bela, e seus cabelos são cor de avelã. Os homens veem o que esperam ver, Alayne - deu-lhe um beijo no nariz. - Mande Maddy acender a lareira no aposento privado. Receberei ali os Senhores Declarantes.
- Não vai ser no Alto Salão?
- Não. Que os deuses não permitam que me vejam perto do cadeirão dos Arryn. Poderão pensar que pretendo me sentar nele. Nádegas nascidas tão baixo como as minhas não podem nunca aspirar a almofadas tão sublimes.
- O aposento privado - devia ter parado ali, mas as palavras jorraram de sua boca. - Se lhes desse Robert...
- ... e o Vale?
- Eles têm o Vale.
- Oh, uma boa parte, é verdade. Mas não todo. Gostam muito de mim em Vila Gaivota, e também tenho alguns amigos fidalgos. Grafton, Lynderly, Lyonel Corbray... embora reconheça que não são adversários à altura dos Senhores Declarantes. Apesar disso, para onde queria que fôssemos, Alayne? De volta ao meu poderoso forte nos Dedos?
Sansa já pensara sobre aquilo.
- Joffrey deu-lhe Harrenhal. Ali é o senhor legítimo.
- Em título. Precisava de um grande domínio para casar com Lysa, e os Lannister não me dariam Rochedo Casterly.
- Sim, mas o castelo é seu.
- Ah, e que castelo ele é. Salões cavernosos e torres arruinadas, fantasmas e correntes de ar, custoso para aquecer, impossível de guarnecer... e há aquela pequena questão da maldição.
- Só existem maldições nas canções e nas histórias.
Aquilo pareceu diverti-lo.
- Alguém fez uma canção sobre Gregor Clegane agonizando de uma estocada de lança envenenada? Ou sobre o mercenário antes dele, cujos membros Sor Gregor foi removendo uma articulação por vez? Esse tomou o castelo a Sor Amory Lorch, que o recebeu das mãos de Lorde Tywin. Um foi morto por um urso e o outro, por seu anão. A Senhora Whent também morreu, segundo ouvi dizer. Lothston, Strong, Harroway... Harrenhal fez murchar todas as mãos que o tocaram.
- Então ofereça-o a Lorde Frey.
Petyr riu.
- Talvez o faça. Ou, melhor ainda, à nossa querida Cersei. Embora não devesse falar mal dela, visto que vai me enviar algumas magníficas tapeçarias. Não é bondade da parte dela?
A menção do nome da rainha a fez retesar-se.
- Ela não é bondosa. Assusta-me. Se soubesse onde eu estou...
- ... poderia ser obrigado a tirá-la do jogo mais cedo do que planejei. Desde que ela não tire a si própria primeiro - Petyr a provocou com um pequeno sorriso. - No jogo dos tronos, até as peças mais humildes podem ter vontade própria. Por vezes, recusam-se a fazer as jogadas que planejei para elas. Preste bem atenção, Alayne. É uma lição que Cersei Lannister ainda terá que aprender. Bom, não tem deveres a cumprir?
De fato tinha. Tratou primeiro do aquecimento do vinho, encontrou um queijo azedo branco que serviria e ordenou à cozinheira que cozesse pão para vinte pessoas, para o caso de os Senhores Declarantes trazerem mais homens do que o esperado. Depois de comer nosso pão e sal são hóspedes, e não podem nos fazer mal. Os Frey tinham quebrado todas as leis de hospitalidade quando assassinaram a senhora sua mãe e o irmão nas Gêmeas, mas não podia crer que um lorde tão nobre como Yohn Royce se rebaixasse a fazer o mesmo.
Em seguida, o aposento privado, Tinha o chão coberto por um tapete de Myr, de modo que não era necessário espalhar esteiras. Alayne pediu a dois criados para montar a mesa e trazer oito das pesadas cadeiras de carvalho e couro. Para um banquete, teria colocado uma delas à cabeceira da mesa, outra na outra ponta e três ao longo de cada um dos lados, mas aquilo não era nenhum banquete. Disse aos homens para dispor seis cadeiras de um dos lados da mesa e duas do outro. Àquela altura, os Senhores Declarantes podiam já ter chegado a Neve. A subida demorava a maior parte de um dia, mesmo sendo feita a cavalo e em mulas. A pé, a maioria dos homens levava vários dias.
Talvez a conversa dos senhores se prolongasse noite adentro. Necessitariam de velas novas. Depois de Maddy acender a lareira, mandou-a lá embaixo buscar as velas odoríferas de cera de abelha que Lorde Waxley oferecera à Senhora Lysa quando tentara conquistar sua mão. Então voltou a visitar as cozinhas, para se certificar de que o vinho e o pão estariam a postos. Tudo pareceu estar sob controle, e ainda havia tempo suficiente para tomar banho, lavar os cabelos e trocar de roupa.
Havia um vestido de seda púrpura que a fez hesitar, e outro de veludo azul-escuro fendido de prata que teria despertado toda a cor de seus olhos, mas por fim lembrou-se de que Alayne era, afinal de contas, uma bastarda, e não devia ousar vestir-se acima de sua condição. O vestido que escolheu era de lã de cordeiro, marrom-escuro e de corte simples, com folhas e arabescos bordados no corpete, mangas e bainha em fio dourado. Era modesto e apropriado, embora fosse pouco mais rico do que algo que uma criada poderia vestir. Petyr dera-lhe também todas as joias da Senhora Lysa, e Sansa experimentou vários colares, mas todos pareciam ostentosos. Por fim, escolheu uma simples fita de veludo de um dourado outonal. Quando Gretchel foi buscar o espelho prateado de Lysa, a cor pareceu-lhe perfeita para a massa de cabelos castanho-escuros de Alayne. Lorde Royce nunca me reconhecerá, pensou. Ora, eu mesm a quase não me reconheço.
Sentindo-se quase tão ousada quanto Petyr Baelish, Alayne Stone envergou seu sorriso e desceu ao encontro de seus hóspedes.
O Ninho da Águia era o único castelo dos Sete Reinos em que a entrada principal ficava por baixo das masmorras. íngremes degraus de pedra subiam o flanco da montanha, passando por Pedra e por Neve, mas chegavam ao fim em Céu. Os cento e oitenta metros finais da subida eram verticais, forçando os candidatos a visitante a desmontar das mulas e fazer uma escolha. Podiam subir no oscilante cesto de madeira que era usado para içar provisões ou escalar uma chaminé rochosa usando apoios para as mãos abertos na rocha.
Lorde Redfort e a Senhora Waynwood, os mais velhos dos Senhores Declarantes, escolheram ser içados pelo guincho, após o que o cesto voltou a descer para o gordo Lorde Belmore. Os outros senhores fizeram a escalada. Alayne os recebeu na Sala Crescente, ao lado de uma lareira reconfortante, onde lhes deu as boas-vindas em nome de Lorde Robert e lhes serviu pão e queijo e porções de vinho quente com especiarias em taças de prata.
Petyr dera-lhe um registro armorial para estudar, de modo que reconheceu seus símbolos, embora não lhes reconhecesse o rosto. O castelo vermelho era Redfort, evidentemente; um homem baixo com uma barba grisalha bem aparada e olhos brandos. Senhora Anya era a única mulher entre os Senhores Declarantes e usava um manto de um profundo tom de verde, com a roda quebrada de Waynwood realçada por contas de âmbar negro. Seis sinos de prata sobre púrpura era Belmore, com barriga em forma de pera e ombros redondos. A barba era um horror ruivo-acinzentado que rebentava de uma multiplicidade de queixos. A de Symond Templeton, por contraste, era negra e terminava numa ponta aguçada. Um nariz em forma de bico e frios olhos azuis faziam o Cavaleiro de Novestrelas parecer uma elegante ave de rapina. Seu gibão exibia nove estrelas negras sobre uma aspa dourada. O manto de arminho do Jovem Lorde Hunter confundiu-a, até ver o broche que o prendia, cinco flechas de prata em leque. Alayne teria posto sua idade mais perto dos cinquenta do que dos quarenta anos. O pai governara em Solar de Longarco durante quase sessenta anos, apenas para morrer de forma tão abrupta que havia quem murmurasse que o novo lorde tinha apressado sua herança. O rosto e o nariz de Hunter estavam vermelhos como maçãs, o que denunciava certo gosto pela uva. Assegurou-se de lhe encher a taça tão depressa quanto ele a esvaziava.
O homem mais novo do grupo ostentava três corvos ao peito, cada um trazendo nas garras um coração rubro de sangue. Os cabelos castanhos chegavam-lhe aos ombros; uma madeixa rebelde encaracolava-se em sua testa. Sor Lyn Corbray, pensou Alayne, com um relance cauteloso à sua boca dura e olhos inquietos.
Os últimos a chegar foram os Royce, Lorde Nestor e Bronze Yohn. O Senhor de Pedrarruna era tão alto quanto Cão de Caça. Embora tivesse cabelos grisalhos e rugas no rosto, Lorde Yohn ainda parecia poder quebrar a maior parte dos homens mais novos como se fossem gravetos nas suas enormes mãos nodosas. Seu rosto vincado e solene trouxe de volta todas as memórias de Sansa do tempo que passara em Winterfell. Lembrava-se dele à mesa, conversando calmamente com a mãe. Ouvia sua voz refletida nas muralhas quando voltara de uma caçada com um gamo atrás da sela. Conseguia vê-lo no pátio, com uma espada de treino na mão, derrubando o pai ao chão e virando-se para derrotar também Sor Rodrik. Ele vai me reconhecer. Como não poderia? Pensou em atirar-se a seus pés para suplicar sua proteção. Ele nunca lutou por Robb, por que haveria de lutar por mim? A guerra acabou, e Winterfell caiu.
- Lorde Royce - perguntou timidamente - quer uma taça de vinho, para espantar o frio?
Bronze Yohn tinha olhos cor de ardósia, meio escondidos atrás das sobrancelhas mais hirsutas que alguma vez vira. Enrugaram-se quando se viraram para baixo para olhá-la.
- Eu conheço você, garota?
Alayne sentiu-se como se tivesse engolido a língua, mas Lorde Nestor a salvou.
- Alayne é filha ilegítima do Senhor Protetor - disse ao primo com maus modos.
- O mindinho do Mindinho tem andado atarefado - disse Lyn Corbray, com um sorriso maldoso. Belmore riu, e Alayne sentiu a cor aumentar em seu rosto.
- Quantos anos tem, criança? - perguntou a Senhora Waynwood.
- Catorze, senhora - por um momento esqueceu-se da idade que Alayne devia ter. - E não sou uma criança, mas uma donzela florida.
- Mas não desflorada, esperemos - o farto bigode do Jovem Lorde Hunter escondia-lhe a boca por completo.
- Ainda - disse Lyn Corbray, como se ela não estivesse presente. - Mas pronta a colher em breve, diria eu.
- Isso é o que passa por cortesia no Lar do Coração? - os cabelos de Anya Waynwood estavam ficando grisalhos, e ela tinha pés de galinha em volta dos olhos e pele solta sob o queixo, mas o ar de nobreza que possuía era inconfundível. - A garota é jovem e de bom nascimento, e já sofreu horrores o suficiente. Controle a língua, sor.
- Minha língua é problema meu - replicou Corbray. - Vossa senhoria faria bem em controlar a sua. Nunca aceitei bem reprimendas, como um número razoável de homens mortos poderiam lhe dizer.
Senhora Waynwood virou-lhe as costas.
- É melhor que nos leve ao seu pai, Alayne. Quanto mais depressa nos despacharmos com isto, melhor.
- O Senhor Protetor os espera no aposento privado. Se os senhores me seguirem - ao saírem da Sala Crescente subiram uma íngreme escada de mármore que evitava tanto as criptas quanto as masmorras e passava por baixo de três alçapões, nos quais os Senhores Declarantes fingiram não reparar. Belmore depressa desatou a bufar como um fole, e o rosto de Redfort ficou tão cinzento quanto os cabelos. Os guardas no topo das escadas içaram a porta levadiça quando o grupo se aproximou. - Por aqui, se aprouver aos senhores - Alayne os levou pela arcada, passando por uma dúzia de magníficas tapeçarias. Sor Lothor Brune encontrava-se em pé à porta do aposento privado. Abriu-lhes a porta e entrou atrás deles.
Petyr estava sentado à mesa de montar com uma taça de vinho ao alcance da mão, observando um pergaminho de um branco puro. Ergueu o olhar no momento em que os Senhores Declarantes enchiam a sala.
- Senhores, sejam bem-vindos. Você também, senhora. A subida é cansativa, bem sei. Por favor, sentem-se. Alayne, minha querida, mais vinho para nossos nobres hóspedes.
- Como quiser, pai - agradou-lhe ver que as velas tinham sido acendidas; o aposento privado cheirava a noz-moscada e a outras especiarias dispendiosas. Foi buscar o jarro enquanto os visitantes se instalavam lado a lado... Todos, menos Nestor Royce, que hesitou antes de dar a volta à mesa e ocupar a cadeira vazia ao lado de Lorde Petyr, e Lyn Corbray, que em vez de se sentar foi encostar-se à lareira. O rubi em forma de coração no cabo de sua espada brilhou, rubro, quando ele se pôs a aquecer as mãos. Alayne viu-o sorrir a Sor Lothor Brune. Sor Lyn é muito bonito para um homem já com certa idade, pensou, mas não gosto do modo como sorri.
- Tenho estado a ler esta sua notável declaração - começou Petyr. - Magnífica. Qualquer que tenha sido o meistre que escreveu isto, tem o dom para as palavras. Só desejava que me tivessem convidado para assinar também.
Aquilo os pegou desprevenidos.
- Você? - Belmore manifestou-se. - Assinar?
- Manejo uma pena tão bem quanto qualquer homem, e ninguém ama mais Lorde Robert do que eu. Quanto a esses falsos amigos e maus conselheiros, com certeza, acabemos com eles. Senhores, estou com vocês, de coração e de mão. Mostrem-me onde assinar, suplico-lhes.
Alayne, servindo, ouviu Lyn Corbray soltar um risinho. Os outros pareceram não saber o que dizer até que Bronze Yohn Royce fez estalar os nós dos dedos e disse:
- Não viemos pedir sua assinatura. Tampouco pretendemos esgrimir palavras com você, Mindinho.
- Que pena. E eu que gosto tanto de uma palavrinha bem esgrimida - Petyr pôs o pergaminho de lado. - Como quiserem. Sejamos francos. O que querem de mim, senhores e senhora?
- Não queremos nada de você - Symond Templeton fitou o Senhor Protetor com seu frio olhar azul. - Queremos que vá embora.
- Embora? - Petyr fingiu surpresa. - Para onde hei de ir?
- A coroa fez de você Senhor de Harrenhal - observou o jovem Lorde Hunter - Isto devia ser suficiente para qualquer homem.
- As terras fluviais precisam de um senhor - disse o velho Horton Redfort. - Correrrio está cercado, Bracken e Blackwood estão em guerra aberta, e os fora da lei percorrem livremente ambas as margens do Tridente, roubando e matando à vontade. Cadáveres por enterrar juncam a paisagem por todo lado.
- Faz que a ideia soe maravilhosamente atraente, Lorde Redfort - Petyr respondeu - mas acontece que tenho deveres urgentes aqui. E é preciso pensar em Lorde Robert. Querem que eu arraste uma criança enferma para o meio de uma carnificina como essa?
- Sua senhoria permanecerá no Vale - declarou Yohn Royce.
- Pretendo levar o garoto comigo para Pedrarruna e criá-lo de forma a ser um cavaleiro de que Jon Arryn se orgulharia.
- Por que Pedrarruna? - Petyr tentava adivinhar. - Por que não Ferrobles ou Fortencarnado? Por que não Solar de Longarco?
- Qualquer um desses castelos serviria igualmente bem - declarou Lorde Belmore - e sua senhoria os visitaria um de cada vez, a seu tempo.
- Ah sim? - o tom de Petyr parecia sugerir dúvidas.
A Senhora Waynwood suspirou.
- Lorde Petyr, se pensa em nos pôr uns contra os outros, pode poupar o esforço. Falamos aqui a uma só voz. Pedrarruna serve-nos a todos. Lorde Yohn criou três belos filhos seus, não há homem mais preparado para criar sua jovem senhoria. Meistre Helliweg é bastante mais velho e mais experiente do que seu Meistre Colemon, e mais adequado para tratar as fraquezas de Lorde Robert. Em Pedrarruna o garoto aprenderá as artes da guerra com o Forte Sam Stone. Ninguém pode esperar encontrar um mestre de armas melhor. Septão Lucos o instruirá nos assuntos do espírito. Em Pedrarruna também encontrará outros garotos da sua idade, companheiros mais adequados do que as velhas e os mercenários que atualmente o rodeiam.
Petyr Baelish afagou a barba.
- Sua senhoria precisa de companheiros, não discordo. Mas Alayne dificilmente é uma velha. Lorde Robert gosta muito de minha filha, ele mesmo ficará feliz por lhes dizer. E acontece que pedi a Lorde Grafton e a Lorde Lynderly para me mandarem um filho cada um como protegido. Tanto um como outro têm um garoto da idade de Robert.
Lyn Corbray soltou uma gargalhada.
- Dois filhotinhos de um par de cãezinhos de colo.
- Robert também devia ter um garoto mais velho por perto. Um jovem escudeiro promissor, digamos. Alguém que pudesse admirar e tentar igualar - Petyr virou-se para a Senhora Waynwood. - Tem um rapaz assim em Ferrobles, senhora. Talvez possa concordar em enviar-me Harrold Hardyng.
Anya Waynwood pareceu estar se divertindo.
- Lorde Petyr, é o ladrão mais ousado que algum dia pretendo conhecer.
- Não desejo roubar o rapaz - disse Petyr - mas ele e Lorde Robert deviam ser amigos.
Bronze Yohn Royce inclinou-se para a frente.
- É adequado e próprio que Lorde Robert se torne amigo do jovem Harry, e fará isso... Em Pedrarruna, aos meus cuidados, como meu protegido e escudeiro.
- Entregue-nos o garoto - disse Lorde Belmore e poderá partir do Vale, sem ser molestado, a caminho de seus legítimos domínios em Harrenhal.
Petyr lançou-lhe um olhar de branda censura.
- Está sugerindo que, caso contrário, poderá me acontecer algo de mal, senhor? Não consigo imaginar por quê. Minha falecida esposa parecia pensar que meus legítimos domínios eram estes.
- Lorde Baelish - disse a Senhora Waynwood - Lysa Tully era viúva de Jon Arryn e mãe de seu filho, e governou aqui como regente. Você... sejamos francos, não é Arryn nenhum, e Lorde Robert não é do seu sangue. Com que direito ousa nos governar?
-Julgo recordar que Lysa me nomeou Senhor Protetor.
O Jovem Lorde Hunter disse:
- Lysa Tully nunca foi realmente do Vale, e não tinha o direito de dispor de nós.
- E Lorde Robert? - Petyr perguntou. - Vossa senhoria também vai querer afirmar que a Senhora Lysa não tinha o direito de dispor do próprio filho?
Nestor Royce estivera sempre em silêncio, mas naquele momento interveio sonoramente.
- Um dia, nutri a esperança de desposar eu mesmo a Senhora Lysa. Tal como o pai de Lorde Hunter e o filho da Senhora Anya. Corbray quase não saiu de perto dela durante meio ano. Se tivesse escolhido qualquer um de nós, ninguém aqui presente contestaria seu direito de ser o Senhor Protetor. Acontece que ela escolheu Lorde Mindinho e confiou o filho aos seus cuidados.
- Ele também era filho de Jon Arryn, primo - disse Bronze Yohn, mostrando ao Guardião a testa franzida - Ele pertence ao Vale.
Petyr fingiu confusão.
- O Ninho da Águia faz tanto parte do Vale quanto Pedrarruna. A menos que alguém o tenha deslocado...
- Brinque quanto quiser, Mindinho - disse Lorde Belmore com arrogância. - O garoto virá conosco.
- Reluto em desapontá-lo, Lorde Belmore, mas meu enteado ficará aqui comigo. Ele não é uma criança robusta, como todos vocês bem sabem. A viagem o sobrecarregaria severamente. Como seu padrasto e Senhor Protetor, não posso permitir.
Symond Templeton pigarreou e disse:
- Cada um de nós tem mil homens no sopé desta montanha, Mindinho.
- Que lugar excelente para eles.
- Se for necessário, podemos convocar muitos mais.
- Está me ameaçando com a guerra, sor? - Petyr não soava nem um pouco assustado.
Bronze Yohn disse:
- Nós ficaremos com Lorde Robert.
Por um momento pareceu ter se chegado a um impasse, até que Lyn Corbray se afastou da lareira.
- Toda essa conversa me deixa doente. Mindinho há de nos convencer a despir a roupa de baixo se o escutarmos tempo suficiente. A única maneira de pôr em seu lugar gente como ele é com o aço - puxou a espada.
Petyr abriu as mãos.
- Não uso espada, sor.
- Podemos consertar isso facilmente - a luz das velas ondulou ao longo do aço da lâmina de Corbray, de um cinza como fumaça, tão escuro que fez Sansa lembrar-se de Gelo, a espada do pai. - Seu comedor de maçãs tem uma lâmina. Diga-lhe para lhe entregar, ou puxe esse punhal.
Alayne viu Lothor Brune estender as mãos para sua espada, mas antes que as lâminas tivessem tempo de se cruzar, Bronze Yohn ergueu-se furioso.
- Guarde seu aço, sor! É um Corbray ou um Frey? Aqui somos hóspedes.
Senhora Waynwood franziu os lábios e disse:
- Isto é vergonhoso.
- Embainhe a espada, Corbray - ecoou o Jovem Lorde Hunter. - Envergonha a todos nós com isto.
- Vamos, Lyn - Redfort censurou num tom mais suave. - Isto não servirá para nada. Ponha a Senhora Desespero na cama.
- Minha senhora tem sede - insistiu Sor Lyn. - Sempre que sai para dançar, gosta de uma gota de sangue.
- Sua senhora terá de passar sede - Bronze Yohn pôs-se diretamente na frente de Corbray.
- Os Senhores Declarantes - Lyn Corbray fungou. - Deviam ter chamado a si próprios de as Seis Velhas - voltou a enfiar a espada escura na bainha e os deixou, dando a Brune um encontrão como se não o visse ali. Alayne ficou ouvindo seus passos se afastarem.
Anya Waynwood e Horton Redfort trocaram um olhar. Hunter esvaziou a taça de vinho e a estendeu para que fosse enchida de novo.
- Lorde Baelish - disse Sor Symond - deve nos perdoar por esse espetáculo.
- Ah, devo? - a voz de Mindinho arrefecera. - Vocês o trouxeram aqui, senhores.
Bronze Yohn disse:
- Nunca foi nossa intenção...
- Vocês o trouxeram aqui. Eu teria todo o direito de chamar os guardas e mandar prender todos.
Hunter se levantou com tamanha violência que quase fez o jarro saltar das mãos de Alayne.
- Deu-nos salvo-conduto!
- Sim. Agradeça por eu ter mais honra do que certas pessoas - Petyr parecia mais zangado do que Alayne alguma vez o vira. - Li sua declaração e ouvi suas exigências. Agora, ouçam as minhas. Tirem seus exércitos desta montanha. Vão para casa e deixem meu filho em paz. Houve mau governo, não negarei, mas isso foi obra de Lysa, não minha. Deem-me um ano apenas, e com a ajuda de Lorde Nestor prometo que nenhum de vocês terá qualquer motivo para se queixar.
- Isto é o que você diz - Belmore rebateu. - Mas como podemos confiar em você?
- Ousa dizer que eu não sou digno de confiança? Não fui eu quem desnudou aço no meio de uma conferência. Fala de defender Lorde Robert ao mesmo tempo que lhe nega comida. Isto precisa terminar. Não sou um guerreiro, mas lutarei contra vocês se não levantarem esse cerco. Há outros senhores além de vocês no Vale, e Porto Real também mandará homens. Se é guerra que querem, digam agora, e o Vale sangrará.
Alayne conseguia ver a dúvida desabrochar nos olhos dos Senhores Declarantes.
- Um ano não é um período de tempo tão longo assim - disse Lorde Redfort, incerto. - Talvez... se nos der garantias...
- Nenhum de nós deseja a guerra - reconheceu a Senhora Waynwood. - O outono declina, e temos de nos preparar para o inverno.
Belmore pigarreou.
- No fim deste ano...
- ... se não tiver colocado o Vale nos eixos, eu me demitirei voluntariamente do cargo de Senhor Protetor - prometeu-lhes Petyr.
- Acho que isso é mais do que justo - interveio Lorde Nestor.
- Não deve haver represálias - insistiu Templeton. - Nenhuma conversa sobre traição ou rebelião. Tem de jurar isto também.
- De bom grado - Petyr afirmou. - O que quero é amigos, não inimigos. Perdoarei a todos por escrito, se o desejarem. Até Lyn Corbray. Seu irmão é um bom homem, não há necessidade de trazer vergonha a uma nobre Casa.
Senhora Waynwood virou-se para os outros Senhores Declarantes.
- Senhores, talvez possamos conferenciar?
- Não há necessidade. É evidente que ele ganhou - os olhos cinzentos de Bronze Yohn examinaram Petyr Baelish. - Não gosto da ideia, mas ao que parece tem o seu um ano. É melhor usá-lo bem, senhor. Nem todos nós nos deixamos enganar - abriu a porta com tanta força que quase a arrancou das dobradiças.
Mais tarde houve uma espécie de banquete, embora Petyr fosse forçado a se desculpar pela simplicidade da comida. Robert foi trazido, às pressas, com um gibão creme e azul, e desempenhou o papel de pequeno lorde de uma forma bastante agradável. Bronze Yohn não estava lá para ver; já partira do Ninho da Águia para dar início à longa descida, tal como fizera Sor Lyn Corbray antes dele. Os outros senhores permaneceram com eles até a manhã seguinte.
Ele os enfeitiçou, pensou Alayne naquela noite, enquanto, na cama, ouvia o vento uivar junto às suas janelas. Não saberia dizer de onde a suspeita viera, mas uma vez que lhe atravessou a mente não a deixou dormir. Virou-se e se remexeu, roendo a ideia como um cão faria com um velho osso. Por fim, levantou-se e se vestiu, deixando Gretchel com seus sonhos.
Petyr ainda estava acordado, rabiscando uma carta.
- Alayne - disse. - Minha querida. O que a traz aqui tão tarde?
- Preciso saber. O que acontecerá dentro de um ano?
Ele pousou a pena.
- Redfort e Waynwood são velhos. Um ou ambos poderão morrer. Gilwood Hunter será assassinado pelos irmãos. Provavelmente pelo jovem Harlan, que organizou a morte de Lorde Eon. Perdido por cem, perdido por mil, eu sempre digo. Belmore é corrupto e pode ser comprado. Com Templeton farei amizade. Bronze Yohn Royce continuará a ser hostil, bem temo, mas enquanto permanecer sozinho não é grande ameaça.
- E Sor Lyn Corbray?
A luz das velas dançava em seus olhos.
- Sor Lyn continuará a ser meu implacável inimigo. Falará de mim com desprezo e repugnância a todos os homens que encontrar, e emprestará sua espada a qualquer conspiração secreta para me derrubar.
Foi então que a suspeita de Alayne se transformou em certeza.
- E como o recompensará por esse serviço?
Mindinho soltou uma sonora gargalhada.
- Com ouro, rapazes e promessas, claro. Sor Lyn é um homem de gostos simples, minha querida. Só gosta de ouro, de rapazes, e de matar.  

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