sexta-feira, 20 de setembro de 2013

26 - SAMWELL


Sam estava em pé junto à janela, balançando nervosamente enquanto via a última luz do sol desaparecer atrás de uma fileira de telhados bicudos. Ele deve ter voltado a se embebedar, pensou sombriamente. Ou então conheceu outra garota. Não sabia se devia praguejar ou chorar. Dareon era supostamente seu irmão. Peçam-lhe para cantar, e ninguém o fará melhor. Peçam-lhe para fazer qualquer outra coisa...
As névoas da noite tinham começado a se erguer, fazendo subir dedos cinzentos pelas paredes dos edifícios que se debruçavam sobre o antigo canal.
- Ele prometeu voltar - Sam falou. - Você também o ouviu.
Goiva olhou-o com olhos vermelhos e inchados. Os cabelos pendiam-lhe em volta do rosto, sujos e emaranhados. Parecia um animal desconfiado, espreitando por detrás de um arbusto. Tinham se passado dias desde a última vez que tiveram fogo, mesmo assim a garota selvagem gostava de se aninhar perto da lareira, como se nas cinzas frias ainda restasse algo de calor.
- Ele não gosta de ficar aqui conosco - ela disse, sussurrando para não acordar o bebê. - Isto aqui é triste. Ele gosta de onde há vinho e sorrisos.
Sim, pensou Sam, e há vinho em todo lugar, menos aqui. Bravos estava cheia de estalagens, cervejarias e bordéis. E se Dareon preferia um fogo e uma taça de vinho aquecido a pão bolorento e à companhia de uma mulher chorosa, um covarde gordo e um velho doente, quem podia censurá-lo? Eu podia censurá-lo. Ele disse que voltaria antes do crepúsculo; disse que nos traria vinho e comida.
Voltou a olhar pelas janelas, esperando contra toda esperança ver o cantor correndo para casa. A escuridão caía sobre a cidade secreta, arrastando-se pelas vielas e ao longo dos canais. O bom povo de Bravos começaria em breve a fechar as janelas e a meter trancas nas portas. A noite pertencia aos espadachins e às cortesãs. Os novos amigos de Dareon, Sam refletiu amargamente. Era só neles que o cantor falava nos últimos tempos. Estava tentando escrever uma canção sobre uma cortesã, uma mulher chamada Sombra de Lua que o ouvira cantar junto à Lagoa da Lua e o recompensara com um beijo.
"Devia ter lhe pedido prata” dissera-lhe Sam. “Nós precisamos de dinheiro, não de beijos.” Mas o cantor limitara-se a sorrir.
"Há beijos que valem mais do que ouro amarelo, Matador.”
Aquilo também o enfurecia. Daeron não deveria andar inventando canções sobre cortesãs. Deveria estar cantando sobre a Muralha e o valor da Patrulha da Noite. Jon tinha a esperança de que suas canções talvez persuadissem alguns jovens a vestir o negro. Mas, em vez disso, cantava sobre beijos dourados, cabelos prateados e lábios muito vermelhos. Nunca ninguém vestia o negro por causa de lábios muito vermelhos.
E, por vezes, sua música acordava o bebê. Então a criança desatava a chorar, Dareon gritava-lhe para que se calasse, Goiva chorava, e o cantor saía num rompante e passava dias sem regressar.
“Todo aquele choro me dá vontade de lhe dar um tabefe” protestava, "e quase não consigo dormir com seus soluços”.
Também choraria se tivesse perdido um filho, Sam quase lhe disse. Não podia culpar Goiva por sua dor. Em vez disso, culpava Jon Snow e perguntava a si mesmo quando o coração de Jon teria se transformado em pedra. Uma vez colocara essa mesma questão ao Meistre Aemon, quando Goiva fora ao canal trazer-lhes água.
"Quando o elevou a Senhor Comandante”, o velho respondera.
Até o momento, ali, apodrecendo naquele quarto frio sob os beirais, parte de Sam não queria acreditar que Jon tivesse feito o que Meistre Aemon julgava. Mas deve ser verdade. Por que outro motivo Goiva choraria tanto? Tudo que tinha a fazer era lhe perguntar de quem era a criança que amamentava, mas não tinha coragem. Tinha medo da resposta que podia receber. Ainda sou um covarde, Jon. Não importa para onde fosse naquele grande mundo, seus medos o acompanhavam.
Um estrondo oco ecoou nos telhados de Bravos, como o som de um trovão distante; o Titã, fazendo soar o cair da noite a partir do outro lado da lagoa. O ruído foi suficientemente forte para acordar o bebê, e seu súbito pranto acordou Meistre Aemon. Quando Goiva foi dar o seio à criança, os olhos do velho abriram-se e ele se agitou debilmente em sua cama estreita.
- Ovo? Está escuro. Por que está tão escuro?
Porque é cego. A consciência de Aemon devaneava cada vez mais desde a chegada a Bravos. Havia dias em que não parecia saber onde estava. Em outros, perdia-se enquanto dizia qualquer coisa e se punha a falar incoerentemente sobre o pai ou o irmão. Ele tem cento e dois anos, lembrou Sam a si mesmo, mas fora igualmente velho em Castelo Negro, e ali sua consciência nunca devaneara.
- Sou eu - teve de dizer. - Samwell Tarly. O seu intendente.
- Sam - Meistre Aemon lambeu os lábios e pestanejou. - Sim. E aqui é Bravos. Perdoe-me, Sam. A manhã chegou?
- Não - Sam pôs a mão na testa do velho. Tinha a pele úmida de suor, fria e pegajosa ao toque, e cada inspiração era um silvo suave. - É de noite, meistre. Esteve dormindo.
- Por muito tempo. Está frio aqui.
- Não temos lenha - disse-lhe Sam - e o estalajadeiro não nos quer dar mais, a menos que tenhamos dinheiro - era a quarta ou a quinta vez que tinham aquela conversa. Devia ter usado nosso dinheiro para comprar lenha, repreendia-se Sam todas as vezes. Devia ter tido o bom-senso de mantê-lo aquecido.
Em vez disso, esbanjara o resto da prata num curandeiro da Casa das Mãos Vermelhas, um homem alto e pálido com vestes decoradas com rodopiantes faixas vermelhas e brancas. Tudo que a prata conseguira tinha sido meio frasco de vinho dos sonhos.
- Isto pode ajudar a tornar-lhe mais fácil o falecimento - dissera o bravosiano, de uma forma que não era desprovida de gentileza. Quando Sam perguntou se ele não podia fazer mais nada, o homem balançou a cabeça. - Tenho unções, poções e infusões, tinturas, venenos e cataplasmas. Podia sangrá-lo, purgá-lo, usar nele sanguessugas... Mas, para quê? Não há sanguessuga que o faça voltar a ser jovem. Este homem é velho, e tem a morte nos pulmões. Dê-lhe isto e o deixe dormir.
E assim Sam fizera, a noite inteira e o dia inteiro, mas agora o velho estava lutando para se sentar.
- Temos de descer até os navios.
Outra vez os navios.
- Está fraco demais para sair - teve de dizer. Um resfriado entrara em Meistre Aemon durante a viagem e se instalara em seu peito. Ao chegarem a Bravos, estava tão fraco que tinham sido obrigados a trazê-lo para terra. Nessa altura ainda tinham um gordo saco de prata, de modo que Daeron pediu a maior cama da estalagem. A que lhes foi dada era suficientemente grande para oito pessoas, e o estalajadeiro insistiu em cobrar-lhes por esse número.
- Amanhã podemos ir às docas - Sam prometeu. - Poderá fazer perguntas por lá e descobrir qual é o próximo navio a partir para Vilavelha - até no outono Bravos continuava a ser um porto movimentado. Um a vez que Aemon estivesse suficientemente forte para viajar, não deviam ter problema em encontrar um navio adequado para levá-los para onde tinham de ir. Pagar pela passagem se mostraria mais difícil. Um navio dos Sete Reinos seria sua melhor esperança. Um mercador de Vilavelha, talvez, com familiares na Patrulha da Noite. Ainda deve haver alguns que honram os homens que patrulham a Muralha.
- Vilavelha - silvou Meistre Aemon. - Sim. Sonhei com Vilavelha, Sam. Era jovem outra vez, e tinha comigo meu irmão Ovo e aquele cavaleiro grande que ele servia. Estávamos bebendo na velha estalagem onde faziam a cidra terrivelmente forte - voltou a tentar se levantar, mas o esforço revelou-se demais para ele. Após um momento, recostou-se. - Os navios - disse de novo, - Encontraremos neles a nossa resposta. Sobre os dragões. Preciso saber.
Não, Sam pensou, aquilo de que precisa é de comida e calor, uma barriga cheia e um fogo quente crepitando na lareira.
- Tem fome, meistre? Ainda temos algum pão e um pouco de queijo.
- Agora não, Sam. Mais tarde, quando me sentir mais forte.
- Como ficará mais forte se não comer? - nenhum deles tinha comido muito no mar, pelo menos depois de Skagos. Os temporais de outono os tinham perseguido ao longo de todo o mar estreito. Por vezes subiam do sul, numa fúria de trovões, relâmpagos e chuvas negras que caíam durante dias. Outas, desciam do norte, frios e soturnos, com ventos selvagens que trespassavam os homens. Uma vez ficara tão frio que, quando Sam acordou, encontrou todo o navio coberto de gelo, brilhando, branco como uma pérola. O capitão desmontara e amarrara o mastro ao convés, para concluir a travessia apenas a remos. Ninguém comia quando viram o Titã.
Mas, depois de estar a salvo em terra, Sam dera por si com uma fome imensa. Acontecera o mesmo com Dareon e Goiva. Até o bebê começara a mamar com mais vigor. Mas Aemon...
- O pão embolorou, mas posso ir à cozinha pedir um pouco de molho de carne para empapá-lo - Sam disse ao velho. O estalajadeiro era um homem duro, com olhos frios e desconfiado daqueles estranhos vestidos de negro que tinha sob seu telhado, mas o cozinheiro era mais gentil.
- Não. Mas talvez aceite um gole de vinho.
Não tinham vinho. Dareon prometera comprar um pouco com o dinheiro que ganhasse cantando.
- Teremos vinho mais tarde - Sam obrigou-se a dizer. - Tem água, mas não é da boa - a água boa chegava pelos arcos do grande aqueduto de tijolo a que os bravosianos chamavam o rio de água doce. Os ricos canalizavam-na para suas casas; os pobres enchiam os baldes em fontes públicas. Sam mandara Goiva buscar um pouco, esquecendo-se de que a garota selvagem vivera a vida inteira nas imediações da Fortaleza de Craster e nunca vira sequer uma vila de mercado. O labirinto de pedra cheio de ilhas e canais que era Bravos, sem mato nem árvores, repleto de estranhos que falavam numa língua que ela não compreendia, assustara-a tanto que perdera o mapa e rapidamente a si mesma. Sam a encontrara chorando aos pés de pedra de um senhor do mar qualquer havia muito morto.
- Só temos água do canal - disse ao Meistre Aemon - mas o cozinheiro deu uma fervida. Também há vinho dos sonhos, se precisar de mais.
- Já sonhei o suficiente por ora. Água do canal bastará. Ajude-me, por favor.
Sam ergueu o velho e levou-lhe a taça aos lábios secos e rachados. Mesmo assim, metade escorreu pelo peito do meistre.
- Chega - tossiu Aemon, após alguns goles. - Assim vai me afogar - estremeceu nos braços de Sam. - Por que o quarto está tão frio?
- Já não temos lenha - Daeron pagara ao estalajadeiro preço duplo por um quarto com lareira, mas nenhum deles tinha imaginado a lenha ali tão dispendiosa. Não cresciam árvores em Bravos, à exceção dos pátios e jardins dos poderosos. E os bravosianos não cortavam os pinheiros que cobriam as ilhas exteriores, que rodeavam sua grande lagoa e funcionavam como quebra-ventos para protegê-los das tempestades. Em vez disso, a lenha era trazida em barcaças, pelos rios e do outro lado da lagoa. Até a bosta era cara ali; os bravosianos usavam barcos em vez de cavalos. Nada daquilo teria importado se tivessem partido para Vilavelha conforme planejado, mas isso se mostrara impossível com o Meistre Aemon tão fraco. Outra viagem por mar aberto o mataria.
A mão de Aemon deslizou sobre as mantas, procurando o braço de Sam às apalpadelas.
- Temos de ir às docas, Sam.
- Quando estiver mais forte - o velho não se encontrava em estado de enfrentar a maresia salgada e os ventos úmidos que sopravam ao longo da margem, e toda a Bravos era uma grande margem. Ao norte ficava o Porto Púrpura, onde os navios mercantes bravosianos encontravam-se amarrados sob as cúpulas e torres do Palácio do Senhor do Mar. A oeste ficava o Porto do Trapeiro, repleto de navios das outras Cidades Livres, de Westeros e Ibben e das fabulosas e distantes terras do leste. E por todo lado havia pequenos cais e ancoradouros, e velhos cais cinzentos onde camaroeiros, caranguejeiras e pescadores atracavam depois do trabalho nos lodaçais e na foz dos rios. - Será um esforço muito grande para você.
- Então vá em meu lugar - instou Aemon - e traga-me alguém que tenha visto esses dragões.
- Eu? - Sam ficou consternado com a sugestão. - Meistre, foi só uma história. Uma história de marinheiro - Daeron também tinha culpa naquilo. O cantor andava trazendo das cervejarias e bordéis todos os tipos de estranhas histórias. Infelizmente, estava bebendo quando ouvira a que falava de dragões e não conseguia se lembrar dos detalhes. - Daeron pode ter inventado tudo que contou. Os cantores fazem isso. Inventam coisas.
- Inventam - Meistre Aemon concordou - mas até a história mais fantasiosa pode ter um núcleo de verdade. Encontra-me essa verdade, Sam.
- Não saberia a quem nem como perguntar. Só sei um pouco de alto valiriano, e quando me falam em bravosi não entendo metade do que estão dizendo. Você fala mais línguas do que eu, quando estiver mais forte, poderá...
- E quando estarei eu mais forte, Sam? Diga-me isso.
- Em breve. Se descansar e comer. Quando chegarmos a Vilavelha...
- Não voltarei a ver Vilavelha. Agora sei - o velho apertou mais o braço de Sam. - Estarei com os meus irmãos em breve. Alguns estavam ligados a mim pelos votos e outros pelo sangue, mas eram todos meus irmãos. E o meu pai... nunca pensou que o trono passasse para ele, e no entanto passou. Costumava dizer que isso era a sua punição pelo golpe que matara o irmão. Rezo para que tenha encontrado na morte a paz que nunca conheceu em vida. Os septões cantam canções sobre doces fins, sobre pousar nossos fardos e viajar para uma terra longínqua e encantada onde podemos rir, amar e nos banquetear até o fim dos tempos... Mas, e se para lá da muralha chamada morte não existir nenhuma terra de luz e mel, se só existir o frio, a escuridão e a dor?
Ele tem medo, Sam percebeu.
- Não está morrendo. Está doente, só isso. Passará.
- Dessa vez não, Sam. Sonhei... na calada da noite um homem faz todas as perguntas que não se atreve a fazer à luz do dia. Para mim, nestes últimos anos, só uma questão permaneceu. Por que teriam os deuses me tirado a vista e as forças, condenando-me ao mesmo tempo a permanecer neste mundo durante tanto tempo, gelado e esquecido? Que uso teriam para um velho acabado como eu? - os dedos de Aemon tremeram, gravetos envoltos em pele manchada. - Eu me lembro, Sam. Ainda me lembro.
As coisas que dizia não faziam sentido.
- Lembra-se do quê?
- Dos dragões - o velho sussurrou. - Eram a dor e a glória de minha Casa.
- O último dragão morreu antes de ter nascido -Sam respondeu. - Como é possível que se lembre deles?
- Vejo-os nos sonhos, Sam. Vejo uma estrela vermelha a sangrar no céu. Ainda me lembro do vermelho. Vejo suas sombras na neve, ouço o estalar de asas de couro, sinto seu bafo quente. Meus irmãos também sonhavam com dragões, e os sonhos mataram todos eles. Sam, nós estremecemos à beira de profecias meio recordadas, de maravilhas e terrores que nenhum homem vivo hoje pode esperar compreender... ou...
- Ou? - Sam quis saber.
- ... ou não - Aemon abriu um suave e pequeno sorriso. - Ou então sou um velho, febril e moribundo - fechou fatigadamente os olhos brancos e depois forçou-se a abri-los de novo. - Não devia ter deixado a Muralha. Lorde Snow não podia saber, mas eu devia tê-lo visto. O fogo consome, mas o frio preserva. A Muralha... mas é tarde demais para correr de volta. O Estranho espera à minha porta e não aceitará uma recusa. Intendente, serviu-me com fidelidade. Faça esta última coisa valente por mim. Vá até os navios, Sam. Aprenda tudo que conseguir sobre esses dragões.
Sam libertou o braço da mão do velho.
- Irei. Se quiser. Só que... - não sabia mais o que dizer. Não posso me recusar. Podia também procurar Dareon, ao longo das docas e cais do Porto do Trapeiro. Primeiro encontro Dareon, e vamos juntos até os navios. E, quando voltarmos, traremos comida, vinho e lenha. Teremos fogo e uma boa refeição quente. Ergueu-se. - Bem. Neste caso, é melhor que vá andando. Vou-me embora. Goiva ficará aqui. Goiva, tranque a porta quando eu sair - o Estranho espera à sua porta.
Goiva assentiu, embalando o bebê ao peito, com os olhos enchendo-se de lágrimas. Ela vai chorar outra vez, Sam compreendeu. Era mais do que conseguia aguentar. O cinto da espada pendia de um cabide na parede, ao lado do velho berrante fendido que Jon lhe dera. Pegou o cinto e o afivelou em volta de si, depois pôs o manto negro de lã sobre os ombros arredondados, abaixou a cabeça ao passar pela porta e desceu, tilintando, uma escada de madeira, cujos degraus rangiam sob seu peso. A estalagem tinha duas portas da frente, uma das quais se abria para uma rua, e a outra para um canal. Sam saiu pela primeira, a fim de evitar a sala comum onde o estalajadeiro certamente lhe lançaria a olhadela mal-humorada que reservava para os hóspedes cuja estadia se prolongava além da conta.
O ar estava gélido, mas a noite não trouxera nem metade do nevoeiro de outras. Sam sentiu-se grato por isso. Por vezes as névoas cobriam o chão com tal densidade que um homem não conseguia ver os próprios pés. Uma vez ficara a um passo de cair num canal.
Quando garoto, Sam lera uma história de Bravos e sonhara em vir até ali um dia. Quisera contemplar o Titã erguendo-se do mar, severo e terrível, deslizar ao longo dos canais num barco serpentino junto a todos os palácios e templos, e ver os espadachins executar sua dança de água com as lâminas a relampejar à luz das estrelas. Mas agora que estava ali, tudo que desejava era partir e seguir para Vilavelha.
Com o capuz sobre a cabeça e o manto esvoaçando, abriu caminho ao longo das pedras da calçada na direção do Porto do Trapeiro. O cinto da espada ameaçava cair-lhe até os tornozelos, e tinha sempre de puxá-lo para cima ao caminhar. Manteve-se nas ruas menores e mais escuras, onde era pouco provável encontrar alguém, mas cada gato que por ele passava punha-lhe o coração aos saltos... e Bravos estava repleta de gatos. Tenho de encontrar Dareon, pensou. Ele é um homem da Patrulha da Noite, meu Irmão Juramentado; ele e eu podem os decidir o que fazer. As forças de Meistre Aemon tinham desaparecido, e Goiva estaria perdida mesmo se não se encontrasse afogada em desgosto, mas Dareon... Não devia pensar mal dele. Pode estar ferido, talvez seja por isso que não voltou. Pode estar morto, jazendo em alguma viela numa poça de sangue, ou boiando de barriga para baixo num dos canais. À noite, os espadachins pavoneavam-se pela cidade em suas melhores roupas bicolores, ansiosos por demonstrar sua perícia com aquelas espadas esguias que usavam. Alguns lutariam por qualquer motivo, outros por nenhum, e Dareon tinha uma língua solta e um temperamento efervescente, especialmente depois de beber. Só porque um homem sabe cantar sobre batalhas não significa que esteja pronto para travá-las.
As melhores cervejarias, estalagens e bordéis ficavam perto do Porto Púrpura ou da Lagoa da Lua, mas Dareon preferia o Porto do Trapeiro, onde os fregueses se mostravam mais inclinados a falar o idioma comum. Sam começou sua busca pela Estalagem da Enguia Verde, pelo Barqueiro Negro e pela casa de Moroggo, lugares onde Dareon já tocara. Não o encontrou em nenhum deles. A porta da Casa do Nevoeiro encontravam-se amarrados vários barcos serpentinos aguardando clientes, e Sam tentou perguntar aos varejadores se tinham visto um cantor todo vestido de negro, mas nenhum dos homens compreendeu seu alto valiriano. Ou isso, ou preferem não compreender, Sam espreitou a sombria taberna que ficava sob o segundo arco da Ponte de Nabbo, onde quase nem cabiam dez pessoas. Dareon não era uma delas. Tentou a Estalagem do Proscrito, a Casa das Sete Lâmpadas e o bordel chamado Gataria, onde obteve estranhos olhares, mas nenhuma ajuda.
Ao sair, quase se chocou com dois jovens sob a lanterna vermelha da Gataria. Um era escuro, e o outro claro. O de cabelos escuros disse qualquer coisa em bravosi.
- Lamento - Sam teve de dizer. - Não compreendo - afastou-se deles com medo. Nos Sete Reinos os nobres envolviam-se em veludos, sedas e samitos de uma centena de cores, enquanto os camponeses e o povo usava lã crua e ráfia de um marrom apagado. Em Bravos era o contrário. Os espadachins exibiam-se como pavões, afagando as espadas, enquanto os poderosos vestiam-se com um cinzento de carvão e púrpura, azuis que eram quase negros e negros tão escuros quanto uma noite sem luar.
- Meu amigo Terro diz que você é tão gordo que o deixa enjoado - disse o espadachim de cabelos claros, cuja jaqueta era, de um lado, de veludo verde e, do outro, de pano de prata. - Meu amigo Terro diz que o chocalhar de sua espada lhe faz doer a cabeça - falava no idioma comum. O outro, o espadachim de cabelos escuros com o brocado cor de vinho e manto amarelo, cujo nome aparentemente seria Terro, fez algum comentário em bravosi, e seu amigo de cabelos claros deu risada e disse: - Meu amigo Terro diz que você se veste acima de sua condição. É algum grande senhor para usar o negro?
Sam quis fugir, mas se o fizesse provavelmente tropeçaria na própria espada. Não toque na espada, disse a si mesmo. Até um dedo no cabo podia ser o suficiente para que um dos espadachins vislumbrasse um desafio. Tentou pensar em palavras que pudessem apaziguá-los.
- Não sou... - foi tudo que conseguiu dizer.
- Ele não é um senhor - interveio uma voz de criança. - Está na Patrulha da Noite, estúpido. De Westeros - uma garota deslocou-se para a luz, empurrando um carrinho de mão cheio de algas; uma criatura malvestida e magricela, com grandes botas e cabelos irregulares e sujos. - Tem outro lá embaixo, no Porto Feliz, cantando cantigas à Esposa do Marinheiro - ela disse aos dois espadachins. Para Sam, disse: - Se perguntarem quem é a mais bela mulher do mundo, responda o Rouxinol, senão será desafiado para um duelo. Quer comprar amêijoas? Vendi todas as minhas ostras.
- Não tenho dinheiro - Sam respondeu.
- Ele não tem dinheiro - zombou o espadachim de cabelos claros. Seu amigo de cabelos escuros abriu um sorriso e disse qualquer coisa em bravosi. - Meu amigo Terro tem frio. Seja um bom amigo gordo e dê-lhe seu manto.
- Não faça isso - disse a garota do carrinho de mão - senão logo pedirão suas botas, e não demorará muito para que fique nu.
- Gatinhas que uivam alto demais acabam afogadas nos canais - avisou o espadachim de cabelos claros.
- Só se não tiverem garras - e de repente surgiu uma faca na mão esquerda da garota, uma lâmina tão esguia como ela. Aquele que se chamava Terro disse qualquer coisa ao amigo de cabelos claros e os dois foram embora, rindo um para o outro.
- Obrigado - Sam agradeceu à garota depois de ficarem sozinhos.
Sua faca desapareceu.
- Se usar uma espada à noite, isso significa que pode ser desafiado. Quer lutar com eles?
- Não - a palavra saiu num guincho que fez Sam estremecer.
- É mesmo da Patrulha da Noite? Nunca tinha visto um irmão negro como você - a garota indicou o carrinho de mão com um gesto. - Pode ficar com as últimas amêijoas, se quiser. Já está escuro, agora ninguém vai comprá-las. Vai para a Muralha?
- Para Vilavelha - Sam pegou uma amêijoa cozida e a devorou. - Estamos esperando para embarcar de novo - a amêijoa estava boa. Comeu outra.
- Os espadachins nunca incomodam alguém que não tenha uma espada. Nem mesmo estúpidos cus de camelo como Terro e Orbelo.
- Quem é você?
- Ninguém - a garota fedia a peixe. - Costumava ser alguém, mas agora não sou. Pode me chamar de Gata, se quiser. Quem é você?
- Samwell, da Casa Tarly. Fala o idioma comum.
- Meu pai era mestre dos remadores na Nymeria. Um espadachim o matou por dizer que minha mãe era mais bela do que o Rouxinol. Não foi um desses cus de camelo que conheceu, foi um espadachim de verdade. Um dia hei de lhe abrir a goela. O capitão disse que Nymeria não precisava de garotinhas, de modo que me pôs fora. Brusco acolheu-me e me deu um carrinho de mão - ergueu os olhos para ele. - Em que navio vai partir?
- Compramos passagem na Senhora Ushanora.
A garota olhou para ele desconfiada.
- Ela já partiu. Não sabia? Partiu há vários dias,
Eu sei, Sam podia ter dito. Ele e Dareon tinham ficado na doca, observando o subir e o descer dos remos, enquanto ela avançava na direção do Titã e do mar aberto.
“Bem” dissera o cantor, “já era”. Se Sam fosse um homem mais valente, o teria atirado à água. Quando tocava para convencer garotas a tirar a roupa, Dareon tinha uma língua de mel, mas na cabine do capitão, sem saber como, Sam ficara encarregado de toda a conversa, tentando persuadir os bravosianos a esperar por eles.
"Já esperei três dias por esse velho” dissera o capitão. “Tenho os porões cheios, e meus homens já deram a foda de despedida nas mulheres. Com ou sem vocês, minha Senhora parte na próxima maré.”
“Por favor” Sam tinha suplicado. “Só mais alguns dias, é tudo que peço. Para que Meistre Aemon possa recuperar as forças.”
“Ele não tem forças.” O capitão visitara a estalagem na noite anterior para ver Aemon com os próprios olhos. “É velho e está doente, e não quero que morra na minha Senhora. Fique com ele ou o abandone, não me interessa. Eu zarparei.” Pior ainda, recusara-se a devolver o dinheiro da passagem que lhe tinham pago, a prata que se destinava a levá-los a salvo até Vilavelha. “Compraram a minha melhor cabine. Está lá, à sua espera. Se não quiserem ocupá-la, a culpa não é minha. Por que teria de arcar com as perdas?”
A essa altura já podíamos estar em Valdocaso, Sam pensou, pesarosamente. Podíamos até ter chegado a Pentos, se os ventos ajudassem.
Mas nada disso interessaria à garota do carrinho de mão.
- Disse que viu um cantor ...
- No Porto Feliz. Vai se casar com a Esposa do Marinheiro.
- Casar?
- Ela só se deita com os que se casam.
- Onde fica esse Porto Feliz?
- Em frente ao Navio do Saltimbanco. Posso lhe mostrar o caminho.
- Eu conheço o caminho - Sam já tinha visto o Navio do Saltimbanco. Dareon não pode se casar! Ele proferiu os votos! - Tenho de ir.
Desatou a correr. Era uma longa distância sobre ruas de pedras escorregadias. Não demorou muito para começar a arquejar, com seu comprido manto negro a esvoaçar ruidosamente em suas costas. Tinha de manter uma mão no cinto da espada enquanto corria. As poucas pessoas que encontrava lançavam-lhe olhares curiosos, e uma vez um gato empinou-se e silvou para ele. Quando chegou ao navio, cambaleava. Porto Feliz era mesmo do outro lado da viela.
Assim que entrou, corado e sem fôlego, uma mulher zarolha envolveu-lhe o pescoço com os braços.
- Não - Sam lhe disse. - Não estou aqui para isso - ela respondeu em bravosi. - Não falo essa língua - Sam falou em alto valiriano. Havia velas acesas e um fogo crepitando na lareira. Alguém arranhava uma rabeca, e viu duas garotas dançando em volta de um sacerdote vermelho, de mãos dadas. A zarolha empurrou os seios contra seu peito. - Não faça isso! Não estou aqui para isso!
- Sam! - ressoou a voz familiar de Dareon. - Yna, largue-o, este é Sam, o Matador. Meu Irmão Juramentado!
A zarolha descolou-se dele, embora mantivesse a mão em seu braço. Uma das dançarinas gritou:
- Ele pode me matar, se quiser.
E a outra disse:
- Acha que me deixará tocar em sua espada?
Por trás delas uma galeota púrpura tinha sido pintada na parede, tripulada por mulheres vestidas com botas cujo cano lhes chegava às coxas, e nada mais. Um marinheiro tyroshi encontrava-se a um canto, sem sentidos, ressonando para dentro de sua enorme barba escarlate. Em outro canto, uma mulher mais velha, com seios enormes, virava pedras com um grande ilhéu do verão vestido de penas negras e escarlates. No centro de tudo encontrava-se Dareon, sentado, esfregando o nariz no pescoço da mulher que tinha ao colo. Ela usava seu manto negro.
- Matador - chamou o cantor numa voz ébria - venha conhecer a senhora minha esposa - os cabelos dele eram areia e mel, e seu sorriso caloroso. - Cantei-lhe canções de amor. As mulheres se derretem como manteiga quando canto. Como poderia resistir a este rosto? - beijou-lhe o nariz. - Esposa, dê um beijo no Matador, ele é meu irmão - quando a garota se levantou, Sam viu que estava nua por baixo do manto. - Não se ponha a apalpar minha mulher, Matador - disse Dareon, rindo. - Mas se quiser uma das irmãs, fique à vontade. Ainda tenho dinheiro que chegue, acho.
Dinheiro que podia ter nos arranjado comida, Sam pensou, dinheiro que podia ter nos arranjado lenha, p ara que Meistre Aemon se mantivesse aquecido.
- O que você fez? Não pode se casar. Proferiu os votos, assim como eu. Podiam cortar sua cabeça por isso.
- Só estamos casados por esta noite, Matador. Nem em Westeros alguém nos corta a cabeça por isso. Nunca esteve em Vila Toupeira escavando tesouros enterrados?
- Não - Sam enrubesceu. - Eu nunca...
- Então, e a sua garota selvagem? Deve tê-la fodido duas ou três vezes. Todas aquelas noites na floresta, enrolados debaixo do manto, não me diga que nunca o enfiou nela? - com um movimento de mão, indicou uma cadeira. - Sente-se, Matador. Tome uma taça de vinho. Tome uma puta. Tome as duas coisas.
Sam não queria uma taça de vinho.
- Prometeu voltar antes do anoitecer. Prometeu trazer vinho e comida.
- Foi assim que matou o Outro? Repreendendo-o até a morte? - Dareon soltou uma gargalhada. - Minha mulher é ela, não é você. Se não quer beber no meu casamento, vá embora.
- Venha comigo - Sam o chamou - Meistre Aemon acordou e quer ouvir falar dos tais dragões. Anda falando sobre estrelas sangrando, sombras brancas, sonhos e... se conseguíssemos descobrir mais acerca dos dragões, isso poderia ajudar a sossegá-lo. Ajude-me.
- Amanhã. Na noite do meu casamento, não - Dareon levantou-se, tomou a noiva pela mão e começou a subir as escadas, puxando-a atrás de si.
Sam bloqueou a passagem.
- Você prometeu, Dareon. Proferiu os votos. Deveria ser meu irmão.
- Em Westeros. Isto parece ser Westeros?
- Meistre Aemon...
- ... está morrendo. Aquele curandeiro listrado em que esbanjou toda a nossa prata disse isso mesmo - a boca de Dareon tinha adotado uma expressão de dureza. - Escolha uma garota ou vá embora, Sam. Está estragando meu casamento.
- Eu vou - Sam respondeu. - Mas você vem comigo.
- Não. Estou farto de você. Estou farto do negro - Dareon arrancou o manto de sua noiva nua e o atirou ao rosto de Sam. - Tome. Atire esse trapo no velho, talvez isso o mantenha um pouco mais aquecido. Não vou precisar dele. Em breve hei de andar vestido de veludo. Daqui a um ano hei de usar peles e comer...
Sam bateu nele.
Não pensou em fazê-lo. Sua mão subiu, fechou-se num punho e esmagou-se na boca do cantor. Dareon praguejou, a mulher nua soltou um guincho e Sam atirou-se ao cantor e o derrubou, de costas, sobre uma mesa baixa. Eram quase da mesma altura, mas Sam tinha o dobro do peso de Dareon, e por uma vez estava zangado demais para ter medo. Esmurrou-o no rosto e na barriga, e depois pôs-se a espancá-lo nos ombros com ambas as mãos. Quando Dareon agarrou seus pulsos, Sam deu-lhe uma cabeçada e rachou-lhe o lábio. O cantor o soltou e Sam deu-lhe um soco no nariz. Em algum lugar, um homem ria e uma mulher praguejava. A luta pareceu tornar-se mais lenta, como se duas moscas negras lutassem em âmbar. Então alguém arrastou Sam de cima do peito do cantor. Também bateu nessa pessoa, e algo duro quebrou-se em sua cabeça.
Quando voltou a si, estava na rua, voando através do nevoeiro. Durante meio segundo viu água negra embaixo. Então, o canal subiu e o atingiu na cara.
Sam afundou como uma pedra, como um pedregulho, como uma montanha. A água entrou pelos seus olhos e no nariz, escura, fria e salgada. Quando tentou gritar por ajuda, engoliu mais. Esperneando e tentando respirar, rolou, com bolhas explodindo pelo nariz. Nada, disse a si mesmo, nada. A água salgada fez seus olhos arderem quando os abriu, cegando-o. Assomou à superfície só por um instante, inspirou uma golfada de ar e agitou desesperadamente a mão aberta enquanto a outra agarrava a margem do canal. Mas as pedras eram escorregadias e viscosas, e Sam não conseguiu encontrar apoio. Voltou a afundar.
E foi sentindo cada vez mais o frio contra a pele à medida que a água lhe foi encharcando a roupa. O cinto da espada deslizou-lhe pernas abaixo e enrodilhou-se em volta dos tornozelos. Vou me afogar, pensou, num pânico cego e negro. Bracejou, tentando voltar à superfície, mas em vez disso bateu com o rosto no fundo do canal. Estou de cabeça para baixo, compreendeu, estou me afogando. Algo se moveu por baixo de uma mão que se agitava, uma enguia ou um peixe, deslizando entre seus dedos. Não posso me afogar, Meistre Aemon morrerá sem mim, e Goiva ficará sem ninguém. Tenho de nadar, preciso...
Então ouviu um enorme barulho de água espirrando, e algo se enrolou em volta dele, por baixo dos braços e em torno do peito. A enguia, foi seu primeiro pensamento, a enguia me apanhou, vai me puxar para baixo. Abriu a boca para gritar e engoliu mais água. Afoguei-me, foi seu último pensamento. Oh, pela bondade dos deuses, eu me afoguei.
Quando abriu os olhos estava deitado de costas, e um grande e negro ilhéu do verão batia-lhe na barriga com punhos do tamanho de presuntos. Pare com isso, está me machucando, Sam tentou gritar. Em vez de palavras, vomitou água e arquejou. Estava encharcado e tremia, deitado na rua de pedras, no meio de uma poça de água do canal. O ilhéu do verão voltou a socá-lo na barriga, e mais água lhe esguichou do nariz.
- Pare com isso - Sam arquejou. - Não me afoguei. Não me afoguei.
- Não - seu salvador debruçou-se sobre ele, enorme, negro, pingando. - Deve a Xhondo muitas penas. A água arruinou o belo manto de Xhondo.
Sam viu que era verdade. O manto de penas grudava-se aos enormes ombros do homem, encharcado e sujo.
- Não queria...
- ... nadar? Xhondo viu. Muito esguichar. Gordos deviam boiar - agarrou o gibão de Sam com um enorme punho negro e o colocou de pé. - Xhondo anda com Vento de Canela. Muitas línguas fala, um bocado. Dentro, Xhondo riu, a ver você dar socos no cantor. E Xhondo ouve - um largo sorriso branco espalhou-se por seu rosto. - Xhondo conhece esses dragões.  

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