sexta-feira, 20 de setembro de 2013

30 - JAIME



Os campos junto das muralhas de Darry estavam sendo cultivados novamente. As culturas queimadas tinham sido aradas, e os batedores de Sor Addam mencionaram ter visto mulheres arrancando ervas daninhas da terra arada, enquanto uma parelha de bois rasgava novos sulcos nos limites de um bosque próximo. Uma dúzia de homens barbudos com machados mantinha-se de guarda enquanto o trabalho avançava.
Quando Jaime e sua coluna chegaram ao castelo, todos tinham fugido para dentro das muralhas. Foi encontrar Darry fechado em si mesmo, tal como Harrenhal estivera. Gelidamente acolhido por meu próprio sangue.
- Faça soar o berrante - ordenou. Sor Kennos de Kayce pegou o Berrante de Fíerrock que trazia a tiracolo e o fez soar. Enquanto esperava por uma resposta vinda do castelo, Jaime observou o estandarte que esvoaçava, marrom e carmesim, por sobre a barbacã do primo. Aparentemente, Lancel decidira esquartelar o leão de Lannister com o lavrador de Darry. Viu naquilo a mão do tio, tal como na escolha da noiva para Lancel. A Casa Darry governava aquelas terras desde que os ândalos derrubaram os Primeiros Homens. Não restava dúvida de que Sor Kevan compreendera que o filho teria menos problemas se os camponeses o vissem como uma continuação da antiga linhagem, obtendo aquelas terras por direito de casamento, e não por decreto real. Kevan devia ser a Mão de Tommen. Harys Swyft é um a cavalgadura, e minha irmã é estúpida se pensa que não.
Os portões do castelo abriram-se lentamente.
- Meu primo não terá espaço para instalar mil homens - disse Jaime ao Varrão Forte. - Acamparemos à sombra da muralha ocidental. Quero fossos e estacas no perímetro. Ainda há bandos de fora da lei por estes lados.
- Teriam de ser loucos para atacar uma força tão poderosa como a nossa.
- Loucos ou esfomeados - até ter uma ideia mais concreta sobre aqueles fora da lei e sua força, Jaime não se sentia inclinado a correr riscos com a defesa. - Fossos e estacas - voltou a dizer, antes de esporear Honra na direção do portão. Sor Dermot seguiu ao seu lado, com o veado e o leão reais, e Sor Hugo Vance com o estandarte branco da Guarda Real. Jaime atribuíra ao Ronnet Vermelho a tarefa de levar Wylis Manderly até Lagoa da Donzela, para não ter de continuar a vigiá-lo.
Pia seguia com os escudeiros de Jaime, no castrado que Peck lhe arranjara.
- É como um castelo de brinquedo - ouviu-a dizer. Ela não conheceu nenhum lar além de Harrenhal, refletiu. Todos os castelos no reino lhe parecerão pequenos, exceto o Rochedo.
Josmyn Peckleton dizia a mesma coisa.
- Não pode compará-lo com Harrenhal. Harren Negro construiu grande demais - Pia o escutou com a solenidade de uma garota de cinco anos que recebe lições da septã. Não passa disso, uma garotinha num corpo de mulher, cheia de cicatrizes e assustada. Mas Peck estava cativado por ela. Jaime suspeitava que o rapaz nunca conhecera uma mulher, e Pia ainda era bastante bonita, desde que mantivesse a boca fechada. Não seria ruim se ele dormisse com ela, suponho, desde que ela queira.
Um dos homens da Montanha tinha tentado violar a garota em Harrenhal, e pareceu honestamente perplexo quando Jaime ordenara a Ilyn Payne que lhe cortasse a cabeça.
"Já a tive antes, uma centena de vezes” não parara de dizer enquanto o obrigavam a se ajoelhar. “Uma centena de vezes, senhor. Todos a tivemos.” Quando Sor Ilyn presenteara Pia com a cabeça do homem, ela sorrira através de seus dentes arruinados.
Darry mudara várias vezes de mãos durante a luta, e seu castelo tinha uma vez sido queimado, e pelo menos duas saqueado, mas, aparentemente, Lancel pouco tempo demorara para colocar as coisas em ordem. Os portões do castelo estavam instalados novamente, pranchas toscas de carvalho, reforçadas com tachões de ferro. Um novo estábulo estava sendo construído no local onde o antigo fora passado pelo archote. Os degraus que levavam à torre de menagem tinham sido substituídos, bem como as portadas em muitas das janelas. Pedras enegrecidas mostravam os locais onde as chamas as tinham lambido, mas o tempo e a chuva tinham extinguido suas marcas.
Dentro das muralhas, besteiros percorriam os adarves, alguns com manto carmesim e elmo encimado por leões, outros com o azul e cinza da Casa Frey. Quando Jaime atravessou o pátio a trote, galinhas fugiram de sob os cascos de Honra, ovelhas baliram e camponeses fitaram-no com olhos carrancudos. Camponeses armados, não lhe passou despercebido. Alguns tinham foices, outros, cajados; outros, ainda, enxadas de tal forma afiadas que exibiam pontas cruéis. Machados também estavam à mostra, e vislumbrou vários homens barbudos com estrelas vermelhas de sete pontas cosidas em túnicas esfarrapadas e imundas. Mais dos malditos pardais. De onde veio toda essa gente?
Do tio Kevan não viu sinal. Nem de Lancel. Só um meistre veio ao seu encontro, com uma veste cinzenta esvoaçando em volta de suas pernas descarnadas.
- Senhor Comandante, Darry está honrado por esta... visita inesperada. Deve nos perdoar pela falta de preparativos. Fomos levados a crer que se dirigia para Correrrio.
- Darry fica no caminho - Jaime mentiu. Correrrio pode esperar. E se por acaso o cerco terminasse antes de chegar ao castelo, seria poupado da necessidade de pegar em armas contra a Casa Tully.
Desmontando, entregou Honra a um moço de estrebaria.
- Encontrarei meu tio aqui? - não forneceu um nome. Sor Kevan era o único tio que lhe restava, o último filho sobrevivente de Tytos Lannister.
- Não, senhor. Sor Kevan retirou-se após a boda - o meistre puxou pelo colar de corrente, como se se tivesse se transformado demasiado apertado para seu pescoço. - Sei que Lorde Lancel ficará contente por vê-lo e... e a todos os seus galantes cavaleiros. Embora me doa confessar que Darry não pode alimentar tantos homens.
- Nós temos nossas próprias provisões. Você é...?
- Meistre Ottomore, se aprouver ao senhor. A Senhora Amerei desejaria dar-lhe as boas-vindas em pessoa, mas está tratando dos preparativos para um banquete em sua honra. É sua esperança que o senhor e seus principais cavaleiros e capitães nos façam companhia à mesa esta noite.
- Uma refeição quente será muito bem-vinda. Os dias têm estado frios e úmidos - Jaime passou os olhos pelo pátio, pelo rosto barbudo dos pardais. Muitos. E também os Frey são numerosos. - Onde poderei encontrar Pedra-Dura?
- Recebemos relatos sobre os fora da lei na outra margem do Tridente. Sor Harwyn levou cinco cavaleiros e vinte arqueiros e foi lidar com eles.
- E Lorde Lancel?
- Está em suas preces. Sua senhoria ordenou-nos para nunca o incomodarmos quando está rezando.
Ele e Sor Bonifer deverão se entender.
- Muito bem - mais tarde haveria tempo suficiente para falar com o primo. - Leve-me até os meus aposentos e ordene que um banho seja preparado lá.
- Se agradar ao senhor, o instalamos na Torre do Lavrador. Eu o levarei até lá.
- Conheço o caminho - Jaime não era estranho àquele castelo. Ele e Cersei tinham estado hospedados ali por duas vezes, uma a caminho de Winterfell com Robert, e a outra na viagem de volta a Porto Real. Embora fosse pequeno para um castelo, era maior do que uma estalagem e tinha boa caça ao longo do rio. Robert Baratheon nunca se mostrara relutante em impor-se à hospitalidade de seus súditos.
A torre era muito semelhante àquilo que dela recordava.
- As paredes continuam despidas - observou Jaime enquanto o meistre o levava ao longo de uma galeria.
- Lorde Lancel espera um dia cobri-las com tapeçarias - Ottom ore comentou. - Cenas de piedade e devoção.
Piedade e devoção. Foi com dificuldade que evitou rir. As paredes também tinham estado nuas em sua primeira visita. Tyrion indicara os quadrados de pedra mais escura onde tapeçarias tinham estado penduradas. Sor Raymun podia removê-las, mas não as marcas que deixavam. Mais tarde, o Duende fizera deslizar um punhado de veados para as mãos de um dos criados de Darry em troca da chave do porão onde as tapeçarias em falta se encontravam escondidas. Mostrou-as a Jaime à luz de uma vela, sorrindo; retratos tecidos de todos os reis Targaryen, do primeiro Aegon até o segundo Aenys.
“Se contar a Robert, ele talvez faça de mim Senhor de Darry” dissera o anão, entre gargalhadas.
Meistre Ottomore levou Jaime até o topo da torre.
- Espero que fique confortável aqui, senhor. Há uma latrina, para quando a natureza chamar. Sua janela dá para o bosque sagrado. O quarto está ligado ao da senhora, com uma cela de criado entre ambos.
- Estes são os aposentos do próprio Lorde Darry.
- Sim, senhor,
- Meu primo é generoso demais. Não pretendia pôr Lancel fora de seu próprio quarto.
- Lorde Lancel tem dormido no septo.
Dorme com a Mãe e a Donzela, quando tem uma esposa quente atrás daquela porta? Jaime não soube se deveria rir ou chorar. Talvez esteja rezando para que o pau endureça. Em Porto Real havia o rumor de que os ferimentos de Lancel o tinham deixado incapaz. Mesmo assim, devia ter senso suficiente para tentar. A posse das novas terras pelo primo não estaria segura até gerar um filho à esposa meio Darry. Jaime começava a se arrepender do impulso que o trouxera ali. Agradeceu a Ottomore, fez que se lembrasse do banho e mandou que Peck o acompanhasse à porta.
O quarto do senhor mudara desde sua última visita, e não para melhor. Velhas esteiras apodrecidas cobriam o chão no lugar do bom tapete de Myr que antes estivera lá, e toda a mobília era nova e malfeita. A cama de Sor Raymun Darry era suficientemente grande para seis pessoas, com cortinas de veludo marrom e colunas de carvalho esculpidas com trepadeiras e folhas; a de Lancel era um granuloso catre de palha posto abaixo da janela, onde a primeira luz da aurora com certeza o acordaria. Sem dúvida que a outra cama teria sido queimada, esmagada ou roubada, mesmo assim...
Quando a banheira chegou, Lew Pequeno tirou as botas de Jaime e o ajudou a remover sua mão de ouro, Peck e Garrett carregaram água, e Pia arranjou qualquer coisa limpa para ensopar. A garota o olhou de relance, timidamente, enquanto lhe tirava o gibão às sacudidelas. Jaime ficou desconfortavelmente consciente das curvas dos quadris e dos seios por baixo do vestido de tecido grosseiro marrom que ela trazia. Deu por si recordando as coisas que Pia lhe segredara em Harrenhal, na noite em que Qyburn a enviara à sua cama. Às vezes, quando estou com um homem, dissera, fecho os olhos e finjo que é você quem está em cima de mim.
Sentiu-se grato quando o banho ficou suficientemente profundo para esconder sua ereção. Quando mergulhou na água fumegante, recordou outro banho, aquele que partilhara com Brienne. Estivera febril e enfraquecido devido à perda de sangue, e o calor entontecera-o tanto que dera por si falando coisas que era melhor deixar por dizer. Dessa vez não tinha semelhante desculpa. Lembre-se de seus votos. Pia é mais digna da cama de Tyrion do que da sua.
- Vá buscar sabão e uma escova rija - disse a Peck. - Pia, pode nos deixar.
- Sim, senhor. Obrigada, senhor - ela cobria a boca quando falava, para esconder os dentes quebrados.
- Deseja-a? - perguntou Jaime a Peck depois de a garota sair.
O escudeiro ficou vermelho como uma beterraba.
- Se ela quiser você, tome-a. Com certeza lhe ensinará algumas coisas que vai achar úteis na noite de núpcias, e não é provável que arranje um bastardo com ela - Pia abrira as pernas para metade do exército do pai e nunca engravidara; o mais provável era que a garota fosse estéril. - Mas, se se deitar com ela, seja gentil.
- Gentil, senhor? Como... como posso...?
- Palavras doces. Toques gentis. Não quer se casar com ela, mas enquanto estiver na cama trate-a como trataria sua noiva.
O rapaz assentiu.
- Senhor, eu... para onde posso levá-la? Nunca há lugar para... para...
- ... ficar sozinho? - Jaime abriu um sorriso. - Passaremos várias horas jantando. A palha parece cheia de grumos, mas há de servir.
Os olhos de Peck esbugalharam-se.
- A cama de sua senhoria?
- Quando acabar, você também se sentirá um senhor, se Pia souber o que fazer - e alguém devia dar algum uso àquele miserável colchão de palha.
Quando desceu para o banquete naquela noite, Jaime Lannister usava um gibão de rico veludo fendido com pano de ouro e uma corrente de ouro salpicada de diamantes negros. Também prendera a mão de ouro, que fora polida até mostrar um belo e radiante brilho. Aquele não era lugar apropriado para usar o branco. O dever esperava-o em Correrrio; o que o trouxera ali fora uma necessidade mais sombria.
O Grande Salão de Darry era grande só por cortesia. Mesas de montar preenchiam-no de parede a parede e as vigas do teto estavam negras de fumaça. Jaime foi colocado para se sentar no estrado, à direita da cadeira vazia de Lancel.
- Meu primo não irá se juntar a nós para o jantar? - perguntou ao se sentar.
- Meu senhor prefere jejuar - disse a esposa de Lancel, a Senhora Amerei. - Está doente de desgosto pelo pobre Alto Septão - era uma garota robusta, de pernas longas e peitos cheios, com cerca de dezoito anos; uma garota saudável, pelo aspecto, embora seu rosto chupado e sem queixo fizesse Jaime se lembrar de seu falecido e não lamentado primo Cleos, que sempre tivera um certo aspecto de doninha.
Jejuar? É um idiota ainda maior do que eu suspeitava. O primo devia andar ocupado gerando na sua viúva um pequeno herdeiro com cara de doninha, em vez de se matar de fome. Perguntou a si mesmo o que Sor Kevan poderia ter dito acerca do novo fervor do filho. Poderia ter sido esse o motivo da partida abrupta do tio?
Sobre tigelas de sopa de feijão e toucinho, a Senhora Amerei contou a Jaime como seu primeiro marido fora morto por Sor Gregor Clegane quando os Frey ainda lutavam por Robb Stark.
- Supliquei-lhe para não ir, mas meu Pate era, oh, tão corajoso, e jurou que seria ele o homem que mataria aquele monstro. Queria arranjar um grande renome para si.
Todos queremos.
- Quando eu era escudeiro, disse a mim mesmo que seria eu o homem que mataria o Cavaleiro Sorridente.
- O Cavaleiro Sorridente? - ela parecia confusa. - Quem foi esse?
A Montanha da minha juventude. Com metade do tamanho e o dobro da loucura.
- Um fora da lei, há muito morto. Ninguém com quem vossa senhoria deva se preocupar.
O lábio de Amerei tremeu. Lágrimas rolaram-lhe dos olhos castanhos.
- Deve perdoar minha filha - disse uma mulher mais velha. Senhora Amerei trouxera consigo uma vintena de Frey para Darry; um irmão, um tio, um tio em segundo grau, vários primos... e a mãe, que nascera Darry. - Ainda chora pelo pai.
- Alguns fora da lei o mataram - soluçou a Senhora Amerei. - O pai só tinha ido resgatar Petyr Espinha. Ele levou-lhes o ouro que pediam, mas penduraram-no mesmo assim.
- Enforcaram, Ami. Seu pai não era uma tapeçaria - Senhora Mariya voltou a se virar para Jaime. - Creio que o conhecia, sor.
- Servimos juntos, outrora, como escudeiros, em Paço de Codorniz - não chegaria a ponto de afirmar terem sido amigos. Quando Jaime chegara, Merrett Frey era o valentão do castelo, dominava todos os rapazes mais novos. Então tentou intimidar a mim. - Ele era... muito forte - foi o único elogio que lhe ocorreu. Merrett mostrara-se lento, desajeitado e estúpido, mas era forte.
- Lutaram juntos contra a Irmandade da Mata de Rei - fungou a Senhora Amerei.
- Meu pai costumava contar-me histórias.
Seu pai costumava gabar-se e mentir, você quer dizer.
- Lutamos - as principais contribuições do Frey para a luta tinham consistido em contrair sífilis de uma seguidora de acampamentos e ser capturado pela Cerva Branca. A rainha fora da lei queimara-lhe o rabo com seu símbolo antes de devolvê-lo, após o resgate, a Sumner Crakehall. Merrett passara uma quinzena sem conseguir se sentar, embora Jaime duvidasse de que o ferro em brasa fosse tão desagradável quanto as panelas de merda que os colegas escudeiros o tinham obrigado a comer quando regressara. Os rapazes são as criaturas mais cruéis da face da terra. Pôs a mão de ouro em volta da taça de vinho e a ergueu. - À memória de Merrett - disse. Era mais fácil beber ao homem do que falar dele.
Depois do brinde, Senhora Amerei parou de chorar e a conversa à mesa virou-se para os lobos, os de quatro patas. Sor Danwell Frey afirmou que havia mais animais na região do que até o avô conseguia recordar.
- Perderam todo o medo do homem. Alcateias atacaram nossa coluna logística durante a viagem desde as Gêmeas. Nossos arqueiros tiveram de encher de flechas uma dúzia antes de os outros fugirem - Sor Addam Marbrand confessou que sua coluna enfrentara problemas semelhantes no trajeto desde Porto Real.
Jaime concentrou-se na comida que tinha diante de si, arrancando pedaços de pão com a mão esquerda e atrapalhando-se com a taça de vinho com a direita. Observou Addam Marbrand encantado com a garota que tinha ao lado, observou Steffon Swyft voltar a travar a batalha de Porto Real com pão, nozes e cenouras. Sor Kennos pôs uma criada no colo, insistindo para que a garota lhe tocasse o pífaro, enquanto Sor Dermot regalava alguns escudeiros com histórias sobre cavaleiros vagueando pela mata de chuva. Mais ao fundo da mesa, Hugo Vance fechara os olhos. Está refletindo sobre os mistérios da vida, pensou Jaime. Ou isso ou cochilando entre um prato e o seguinte. Voltou-se novamente para a Senhora Mariya.
- Os fora da lei que mataram seu marido... eram do bando de Lorde Beric?
- Foi o que pensamos a princípio - embora os cabelos da Senhora Mariya estivessem salpicados de grisalho, ainda era uma mulher de aspecto agradável. - Os assassinos se dispersaram quando saíram de Pedravelhas. Lorde Vypren seguiu um bando até Feirajusta, mas ali perdeu o rastro. Walder Negro levou cães de caça e caçadores para o Atoleiro da Bruxa atrás dos outros. Os camponeses negaram tê-los visto, mas quando foram interrogados intensamente cantaram uma cantiga diferente. Falaram de um homem de um olho só e de outro que usava manto amarelo... e de uma mulher, coberta por manto e capuz.
- Uma mulher? - achava que a Cerva Branca tivesse ensinado Merrett a se manter longe de garotas fora da lei. - Também havia uma mulher na Irmandade da Mata de Rei.
- Eu sei - e como não, sugeria seu tom de voz, se ela deixou sua marca no meu marido? - A Cerva Branca era jovem e bela, segundo dizem. Essa mulher encapuzada não é nem uma coisa nem outra. Os camponeses queriam fazer que acreditássemos que seu rosto estava rasgado e cheio de cicatrizes, e que seus olhos eram terríveis de contemplar. Dizem que liderava os fora da lei.
- Liderava-os? - Jaime achava difícil acreditar naquilo. - Beric Dondarrion e o sacerdote vermelho...
- ... não foram vistos - Senhora Mariya parecia ter certeza.
- Dondarrion está morto - Varrão Forte interveio. - A Montanha enfiou-lhe uma faca no olho, temos conosco homens que viram.
- Esta é uma história - disse Addam Marbrand. - Outros lhe dirão que Lorde Beric não pode ser morto.
- Sor Harwyn diz que essas histórias são mentiras - Senhora Amerei enrolou uma trança no dedo. - Ele me prometeu a cabeça de Lorde Beric. É muito galante - corava por baixo das lágrimas.
Jaime se lembrou da cabeça que dera a Pia. Quase conseguia ouvir o risinho do seu irmão mais novo. O que aconteceu com dar flores às mulheres? Tyrion poderia ter perguntado. Ele teria também algumas palavras para Harwyn Plumm, embora galante não fosse uma delas. Os irmãos Plumm eram tipos grandes e robustos, com pescoço grosso e rosto vermelho; ruidosos e vigorosos, rápidos no riso, rápidos na ira, rápidos no perdão. Harwyn era um tipo diferente de Plumm; de olhos duros e taciturno, rancoroso... e mortal com o martelo na mão. Era um bom homem para comandar uma guarnição, mas não para ser amado. Se bem que... Jaime fitou Senhora Amerei.
Os criados traziam o prato de peixe, um lúcio cozido numa crosta de ervas e nozes moídas. A senhora de Lancel provou, aprovou e ordenou que a primeira porção fosse servida a Jaime. Enquanto lhe serviam o peixe, ela se debruçou sobre o lugar do marido para lhe tocar a mão de ouro.
- Podia matar Lorde Beric, Sor Jaime. Matou o Cavaleiro Sorridente. Por favor, senhor, suplico-lhe, fique e nos ajude com Lorde Beric e Cão de Caça - seus dedos pálidos acariciaram os de ouro de Jaime.
Será que ela acha que consigo sentir?
- Foi o Espada da Manhã quem matou o Cavaleiro Sorridente, senhora. Sor Arthur Dayne, um cavaleiro melhor do que eu - Jaime recolheu seus dedos de ouro e voltou-se para a Senhora Mariya. - Walder Negro seguiu essa mulher encapuzada e seus homens até onde?
- Os cães voltaram a farejar seu cheiro ao norte do Atoleiro da Bruxa - disse-lhe a mulher mais velha. - Ele jura que não estava mais de meio dia atrás deles quando desapareceram no Gargalo.
- Que apodreçam lá - declarou alegremente Sor Kennos. - Se os deuses forem bons, serão engolidos por areias movediças ou devorados por lagartos-leões.
- Ou acolhidos por comedores de rãs - disse Sor Danwell Frey. - Eu não acharia os cranogmanos incapazes de abrigar alguns fora da lei.
- Bem gostaria que fossem só eles - replicou a Senhora Mariya. - Alguns dos senhores do rio também andam de mãos dadas com os homens de Lorde Beric.
- Assim como os plebeus - fungou a filha. - Sor Harwyn diz que os escondem e os alimentam, e, quando lhes perguntam para onde foram, mentem. Mentem para os próprios senhores!
- Mande cortar-lhes a língua - sugeriu Varrão Forte.
- Boa sorte em obter respostas depois disso - Jaime rebateu. - Se querem a ajuda deles, terão de fazer que os amem. Foi assim que Arthur Dayne agiu quando avançou contra a Irmandade da Mata de Rei. Pagou aos plebeus por aquilo que comeu, levou suas queixas ao Rei Aerys, expandiu as pastagens em volta de suas aldeias, até lhes conquistou o direito de derrubar certo número de árvores todos os anos e abater alguns dos veados do rei durante o outono. O povo da floresta tinha se virado para Toyne para defendê-lo, mas Sor Arthur fez mais por eles do que a Irmandade alguma vez podia almejar fazer e os conquistou para o seu lado. Depois disso, o resto foi fácil.
- O Senhor Comandante fala com sabedoria - Senhora Mariya observou. - Nunca nos livraremos desses fora da lei até que os plebeus comecem a amar Lancel da mesma forma que amaram meu pai e meu avô.
Jaime lançou um relance ao lugar vazio do primo. Mas Lancel nunca conquistará o amor deles com rezas.
Senhora Amerei fez beicinho.
- Sor Jaime, suplico-lhe, não nos abandone. Meu senhor precisa de você, e eu também. Estes tempos são tão temíveis. Há noites em que quase não consigo dormir, com medo.
- Meu lugar é junto do rei, senhora.
- Eu virei - ofereceu-se Varrão Forte. - Depois de terminarmos em Correrrio, ficarei me coçando por outra luta. Não que seja provável que Beric Dondarrion me dê uma. Lembro-me do homem de torneios passados. Era um moço atraente, com um manto bonito. Franzino e inexperiente.
- Isso foi antes de morrer - o jovem Sor Arwood Frey disse. - O povo diz que a morte o mudou. Pode matá-lo, mas ele não permanece morto. Como se luta com um homem assim? E também há o Cão de Caça. Ele matou vinte homens em Salinas.
Varrão Forte soltou uma gargalhada roufenha.
- Vinte estalajadeiros gordos, talvez. Vinte criados mijando nos calções. Vinte irmãos mendicantes com tigelas. Mas não vinte cavaleiros. Não a mim.
- Há um cavaleiro em Salinas - Sor Arwood insistiu. - Ele se escondeu atrás de suas muralhas enquanto Clegane e seus cães enlouquecidos assolavam a vila. Não viu as coisas que ele fez, sor. Eu vi. Quando as notícias chegaram às Gêmeas, avancei com Harys Haigh, o irmão Donnel e meia centena de homens, arqueiros e homens de armas. Pensávamos que aquilo tinha sido obra de Lorde Beric e esperávamos encontrar seu rastro. Tudo que resta de Salinas é o castelo e o velho Sor Quincy, tão assustado que não quis abrir os portões, falou conosco das ameias, aos gritos. O resto são ossos e cinzas. Uma vila inteira. Cão de Caça passou os edifícios no archote e o povo na espada, e foi embora dando risada. As mulheres... não acreditaria no que ele fez a algumas das mulheres. Não falarei disto à mesa. Embrulhou-me o estômago quando vi.
- Chorei quando ouvi contar - Senhora Amerei lamentou-se.
Jaime bebericou o vinho.
- Como pode ter certeza de que foi o Cão de Caça? - aquilo que descreviam parecia mais trabalho de Gregor do que de Sandor. Sandor era duro e brutal, é certo, mas o irmão mais velho é quem era o verdadeiro monstro da Casa Clegane.
- Ele foi visto - Sor Arwood confirmou. - Aquele seu elmo não é fácil de confundir, ou de esquecer, e houve alguns que sobreviveram para contar a história. A garota que violou, alguns rapazes que se esconderam, uma mulher que encontramos presa sob uma viga enegrecida, os pescadores que, de seus barcos, observaram a carnificina...
- Não chame de carnificina - Senhora Mariya pediu em voz baixa. - Isto é um insulto aos carniceiros honestos. Salinas foi obra de um animal feroz em pele humana.
Estes tempos são para feras, Jaime refletiu, para leões, lobos e cães raivosos, para corvos e gralhas pretas.
- Uma obra maligna - Varrão Forte voltou a encher a taça. - Senhora Mariya, Senhora Amerei, sua angústia me comoveu. Dou-lhes minha palavra, assim que Correrrio cair, regressarei para dar caça ao Cão de Caça e matá-lo em seu nome. Os cães não me assustam.
Este devia assustar. Ambos os homens eram grandes e poderosos, mas Sandor Clegane era muito mais rápido e lutava com uma selvageria que Lyle Crakehall não podia esperar igualar.
Mas a Senhora Amerei estava entusiasmada.
- É um verdadeiro cavaleiro, Sor Lyle, por ajudar uma dama em dificuldades.
Pelo menos não chamou a si mesma “donzela”. Jaime estendeu a mão para a taça, e a derrubou. A toalha de mesa, de linho, bebeu o vinho. Seus companheiros fingiram não reparar na mancha vermelha que se espalhava. Cortesia da mesa de honra, disse a si mesmo, mas tinha gosto de piedade. Ergueu-se de repente.
- Senhora. Peço que me dê licença.
Senhora Amerei pareceu ofendida.
- Quer nos deixar? Ainda há veado e capões recheados com cogumelos.
- Muito bons, sem dúvida, mas não conseguiria dar nem mais uma dentada. Tenho de falar com meu primo - com uma reverência, Jaime os deixou entregue à sua comida.
Também no pátio havia homens comendo. Os pardais tinham se reunido em volta de uma dúzia de fogueiras para aquecer as mãos contra o frio do ocaso e vigiar gordas salsichas que chiavam e pingavam sobre as chamas. Não podiam ser menos de cem. Bocas inúteis. Jaime perguntou a si mesmo quantas salsichas o primo tinha estocadas e como pretendia alimentar os pardais depois de seus homens irem embora. Quando chegar o inverno estarão comendo ratazanas, a menos que consigam uma colheita. Com o outono tão avançado, as chances de mais uma colheita não eram boas.
Encontrou o septo depois do pátio interno do castelo; um edifício sem janelas, de sete lados e parcialmente construído em madeira, com portas de madeira entalhada e um telhado de telha. Três pardais encontravam-se sentados nos degraus. Quando Jaime se aproximou, ergueram-se.
- Onde vai, senhor? - perguntou um deles. Era o menor dos três, mas tinha a barba mais comprida.
- Lá dentro.
- Sua senhoria está lá, rezando.
- Sua senhoria é meu primo.
- Bem, neste caso, senhor - disse outro pardal, um homem enorme e calvo com uma estrela de sete pontas pintada por cima de um olho - não vai querer incomodar seu primo durante as preces.
- Lorde Lancel pede orientação ao Pai no Céu - disse o terceiro pardal, o que não tinha barba. Um rapaz, Jaime pensou, mas sua voz identificava-o como uma mulher, vestida de trapos disformes e uma camisa ferrugenta. - Reza pela alma do Alto Septão e de todos os outros que morreram.
- Amanhã continuarão mortos - Jaime lhe respondeu. - O Pai no Céu tem mais tempo do que eu. Sabe quem sou?
- Um lorde qualquer - disse o grandalhão com o olho estrelado.
- Um aleijado qualquer - disse o pequeno com a comprida barba.
- O Regicida - disse a mulher - mas nós não somos reis, somos apenas Pobres Companheiros, e você não pode entrar, a menos que sua senhoria permita - girou nas mãos uma maça com pregos, e o homem pequeno ergueu um machado.
As portas atrás deles abriram-se.
- Deixem meu primo passar em paz, amigos - Lancel ordenou em voz baixa. - Tenho estado à espera dele.
Os pardais deram um passo para o lado.
Lancel parecia ainda mais magro do que em Porto Real. Estava descalço, vestido com uma túnica simples de lã não tingida que o fazia se assemelhar mais a um pedinte do que a um lorde. Raspara o topo da cabeça até deixá-lo liso, mas a barba crescera-lhe um pouco. Chamar àquilo penugem de pêssego teria sido insultuoso para o pêssego. Combinava estranhamente com os cabelos brancos que lhe rodeavam as orelhas.
- Primo - Jaime falou quando ficaram a sós dentro do septo - perdeu o raio do juízo?
- Prefiro dizer que encontrei a minha fé.
- Onde está seu pai?
- Foi embora. Discutimos - Lancel ajoelhou-se perante o altar de seu outro Pai. - Quer rezar comigo, Jaime?
- Se eu rezar bem, o Pai vai me dar uma mão nova?
- Não. Mas o Guerreiro lhe dará coragem, o Ferreiro lhe emprestará força e a Velha lhe dará sabedoria.
- É de uma mão que preciso - os sete deuses erguiam-se por cima de altares esculpidos cuja madeira escura brilhava à luz das velas. Um tênue cheiro de incenso pairava no ar. - Dorme aqui embaixo?
- Todas as noites faço a cama junto a um altar diferente, e os Sete enviam-me visões.
Baelor, o Abençoado, também havia tido visões. Especialmente quando jejuava.
- Há quanto tempo não come?
- A fé é todo o alimento de que necessito.
- A fé é como mingau de aveia. É melhor com leite e mel.
- Sonhei que viria. No sonho, sabia o que fiz. Como pequei. Você me matou por isso.
- É mais provável que seja você a se matar com todos esses jejuns. Não foi Baelor, o Abençoado, que jejuou até o ataúde?
- Nossa vida é como a chama de uma vela, segundo a Estrela de Sete Pontas. Qualquer brisa errante pode nos apagar. A morte nunca está longe neste mundo, e sete infernos esperam os pecadores que não se arrependem de seus pecados. Reze comigo, Jaime.
- Se assim fizer, comerá uma tigela de mingau? - quando o primo não respondeu, Jaime suspirou. - Devia estar dormindo com sua mulher, não com a Donzela. Precisa de um filho com sangue Darry se quiser manter este castelo.
- Uma pilha de pedras frias. Nunca a pedi. Nunca a desejei. Só desejava... - Lancel estremeceu. - Que os Sete me salvem, mas eu desejava ser você.
Jaime teve de rir.
- É melhor ser eu do que o Abençoado Baelor. Darry precisa de um leão, primo. E nossa pequena Frey também. Ela fica úmida entre as pernas sempre que alguém menciona Pedra-Dura. Se ainda não se deitou com ele, deitará em breve.
- Se o ama, desejo-lhes felicidade.
- Um leão não devia ter cornos. Tomou a garota como esposa.
- Disse algumas palavras e dei-lhe um manto vermelho, mas só para agradar a meu pai. O casamento requer a consumação. O Rei Baelor foi obrigado a se casar com a irmã Daena, mas nunca viveram como marido e mulher, e ele a pôs de lado assim que foi coroado.
- O reino teria ficado mais bem servido se ele tivesse fechado os olhos e fodido a irmã. Conheço história suficiente para saber disso. Seja como for, não é provável que o confundam com Baelor, o Abençoado.
- Não - Lancel admitiu. - Ele era um espírito raro, puro, bravo e inocente, intocado por todo o mal do mundo. Eu sou um pecador, com muitíssimo a expiar.
Jaime pousou a mão no ombro do primo.
- O que você sabe sobre pecado, primo? Eu matei o meu rei.
- O homem corajoso mata com uma espada, o covarde com um odre de vinho. Somos ambos regicidas, sor.
- Robert não era um verdadeiro rei. Há até quem diga que o veado é a presa natural do leão - Jaime conseguia sentir os ossos sob a pele do primo... e também algo mais. Lancel usava um cilício por baixo da túnica. - Que mais fez que requeira tanta expiação? Diga-me.
O primo abaixou a cabeça, com lágrimas deslizando pelo rosto.
Essas lágrimas foram toda a resposta de que Jaime precisou.
- Matou o rei -disse - e depois fodeu a rainha.
- Eu nunca...
- ... se deitou com a minha querida irmã? - diga. Diga!
- Nunca derramei minha semente dentro... dentro...
- ... da boceta? - Jaime sugeriu.
- ... do ventre - Lancel concluiu. - Não é traição, a menos que se termine lá dentro. Dei-lhe conforto, depois de o rei morrer. Você tinha sido capturado, seu pai encontrava-se em campo, e seu irmão... ela tinha medo dele, e com bons motivos. Ele me obrigou a traí-la.
- Ah obrigou? - Lancel, Sor Osmund e quantos mais? Seria a parte sobre o Rapaz Lua só um sarcasmo? - Forçou-o?
- Não! Eu a amava. Queria protegê-la.
Queria ser eu. Seus dedos fantasma coçaram. No dia em que a irmã viera à Torre da Espada Branca para lhe suplicar que renunciasse aos seus votos, rira-se depois de ele a recusar e vangloriara-se de lhe ter mentido mil vezes. Jaime tomara aquilo como uma tentativa desajeitada de feri-lo como ele a ferira. Pode ter sido a única coisa verdadeira que ela alguma vez me disse.
- Não pense mal da rainha - Lancel suplicou. - Toda carne é fraca, Jaime. Nenhum mal proveio de nosso pecado. Nenhum... nenhum bastardo.
- Nenhum. Os bastardos raramente são feitos na barriga - perguntou a si mesmo o que o primo diria se lhe confessasse seus pecados, as três traições a que Cersei dera os nomes de Joffrey, Tommen e Myrcella.
- Fiquei zangado com Sua Graça depois da batalha, mas o Alto Septão disse que eu devia perdoá-la.
- Ah, confessou seus pecados a Sua Alta Santidade?
- Ele rezou por mim quando fui ferido. Era um bom homem.
É um homem morto. Fizeram soar os sinos por ele. Perguntou a si mesmo se o primo faria alguma ideia do fruto que suas palavras tinham gerado.
- Lancel, é um maldito tolo.
- Não se engana - Lancel retrucou - mas minha tolice ficou para trás, sor. Pedi ao Pai no Céu para me mostrar o caminho, e ele mostrou. Vou renunciar a esta senhoria e a esta esposa. Pedra-Dura pode ficar com ambas, se quiser. Amanhã regressarei a Porto Real e juramentarei espada ao novo Alto Septão e aos Sete. Pretendo proferir votos e juntar-me aos Filhos do Guerreiro.
O rapaz não falava coisa com coisa.
- Os Filhos do Guerreiro foram proscritos há trezentos anos.
- O novo Alto Septão os fez renascer. Emitiu um chamado aos guerreiros de mérito para colocarem a vida e a espada a serviço dos Sete. Os Pobres Companheiros também serão restaurados.
- Por que o Trono de Ferro permitiria tal coisa? - Jaime lembrava-se de que um dos primeiros reis Targaryen lutara durante anos para suprimir as duas ordens militares, embora não recordasse qual. Maegor, talvez, ou o primeiro Jaehaerys. Tyrion saberia.
- Sua Alta Santidade escreveu que o Rei Tommen deu seu consentimento. Mostro-lhe a carta, se quiser.
- Mesmo se isso for verdade... é um leão do Rochedo, um senhor. Tem esposa, castelo, terras a defender, pessoas a proteger. Se os deuses forem bons, terá filhos do seu sangue para sucedê-lo. Por que jogaria tudo isso fora em troca... em troca de um voto qualquer?
- Por que você o fez? - Lancel perguntou em voz baixa.
Por honra, poderia ter dito Jaime. Por glória. Mas teria sido mentira. A honra e a glória tinham desempenhado seus papéis, mas a maior parte do motivo fora Cersei. Uma gargalhada escapou de seus lábios.
- Vai correr para junto do Alto Septão ou de minha querida irmã? Reze por isso, primo. Reze muito.
- Rezará comigo, Jaime?
Olhou em volta, para os deuses do septo. A Mãe, cheia de misericórdia. O Pai, severo em julgamento. O Guerreiro, com uma mão sobre a espada. O Estranho, nas sombras, com o rosto meio humano escondido sob um capuz. Julgava que eu era o Guerreiro e Cersei a Donzela, mas todo o tempo ela foi o Estranho, escondendo seu verdadeiro rosto do meu olhar.
- Reze por mim, se quiser - disse ao primo. - Esqueci todas as palavras.
Os pardais ainda esvoaçavam em volta dos degraus quando Jaime voltou a sair para a noite.
- Obrigado - disse-lhes. - Agora me sinto muito mais santo.
E foi em busca de Sor Ilyn e de um par de espadas.
O pátio do castelo estava cheio de olhos e ouvidos. Para fugir deles, procuraram o bosque sagrado de Darry. Ali não havia pardais, só árvores nuas e sombrias, com galhos negros que arranhavam o céu. Um tapete de folhas mortas rangia sob seus pés.
- Vê aquela janela, sor? - Jaime usou uma espada para apontar. - Ali era o quarto de Raymun Darry, Onde o Rei Robert dormiu, em nosso regresso de Winterfell. A filha de Ned Stark tinha fugido depois de seu lobo ter atacado Joff, deve se lembrar. Minha irmã quis que a garota perdesse uma mão. A velha punição por bater em alguém de sangue real. Robert disse-lhe que era cruel e louca. Levaram metade da noite discutindo... Bem, Cersei discutiu, e Robert bebeu. Já depois da meia-noite, a rainha me chamou. O rei estava sem sentidos, ressonando no tapete de Myr. Perguntei à minha irmã se queria que o levasse para a cama. Ela me disse que devia levá-la para a cama, e se desembaraçou do roupão. Possuí-a na cama de Raymun Darry, depois de passar por cima de Robert. Se Sua Graça tivesse acordado, eu o teria matado naquele momento, naquele lugar. Não seria o primeiro rei a morrer pela minha espada... Mas conhece essa história, não é verdade? - golpeou um galho de árvore, partindo-o ao meio. - Enquanto a fodia, Cersei gritou: “Eu quero". Julguei que se referia a mim, mas o que ela queria era a garota Stark, mutilada ou morta - as coisas que faço por amor. - Foi só por sorte que os homens dos Stark encontraram a garota antes de mim. Se eu tivesse dado com ela primeiro...
As marcas de bexigas no rosto de Sor Ilyn eram buracos negros à luz do archote, tão escuras como a alma de Jaime, e então ele fez aquele som de estalar.
Está rindo de mim, Jaime Lannister compreendeu.
- Tanto quanto sei, você também fodeu minha irmã, seu bastardo de cara bexigosa - cuspiu. - Bem, feche a merda da boca e me mate, se conseguir.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NÃO DÊ SPOILERS!
Encontrou algum erro ortográfico no texto? Comente aqui para que possa arrumar :)
Se quer comentar e não tem uma conta no blogger ou google, escolha a opção nome/url e coloque seu nome. Nem precisa preencher o url.
Comentários anônimos serão ignorados