segunda-feira, 30 de setembro de 2013

39 - JON


Val esperava no portão, no frio da madrugada, enrolada em uma capa de pele de urso tão grande que poderia servir para Sam. Ao seu lado estava um garrano, selado e com freios, um cinza hirsuto com apenas um olho. Mully e Edd Doloroso estavam parados com ela, um par improvável de guardas. Suas respirações congelavam no ar frio e negro.
- Deu a ela um cavalo cego? - perguntou Jon, incrédulo.
- É apenas meio cego, senhor - respondeu Mully. - E, além disso, é sólido o suficiente. - Deu um tapinha no pescoço do garrano.
- O cavalo pode ser meio cego, mas eu não sou - disse Val. - Sei aonde devo ir.
- Minha senhora, você não tem que fazer isso. O risco ...
- ... é meu, Lorde Snow. E não sou uma senhora sulista, mas uma mulher do povo livre. Conheço a floresta melhor do que todos os seus patrulheiros de manto negro. Ela não tem fantasmas para mim.
Espero que não. Jon contava com isso, acreditando que Val poderia ter êxito onde Jack Negro Bulwer e seus companheiros falharam. Ela não precisava ter medo de ser ferida pelo povo livre, ele esperava ... mas ambos sabiam muito bem que os selvagens não eram os únicos esperando na mata.
- Tem comida suficiente?
- Pão duro, queijo duro, bolos de aveia, bacalhau salgado, carne seca, cordeiro salgado, e um odre de vinho doce para lavar todo o sal da minha boca. Não morrerei de fome.
- Então é hora de partir.
- Tem minha palavra, Lorde Snow. Retornarei com Tormund ou sem ele. - Val olhou o céu. A lua estava meio cheia. - Procure por mim no primeiro dia da lua cheia.
- Procurarei. - Não falhe comigo, pensou, ou Stannis terá minha cabeça. “Tenho sua palavra de que manterá nossa princesa por perto?”, o rei dissera, e Jon prometera que sim. Mas Val não é nenhuma princesa. Disse isso a ele meia centena de vezes. Era uma desculpa fraca, um triste farrapo enrolado em sua palavra quebrada. Seu pai nunca teria aprovado aquilo. Sou a espada que guarda os reinos dos homens, Jon recordou-se, no fim, isso deve valer mais do que a honra de um homem.
O caminho por baixo da Muralha era escuro e frio como as entranhas de um dragão de gelo, e sinuoso como uma serpente. Edd Doloroso os guiou com uma tocha na mão. Mully tinha as chaves dos três portões, onde barras de ferro negro, tão grossas quanto o braço de um homem, fechavam a passagem. Lanceiros em cada um dos portões inclinaram as cabeças para Jon Snow, mas encararam abertamente Val em seu garrano.
Quando saíram ao norte da Muralha, passando por um grosso portão feito de madeira verde recém-cortada, a princesa selvagem parou por um momento para olhar pelo campo coberto de neve onde o Rei Stannis vencera sua batalha. Logo além, a floresta assombrada aguardava, escura e silenciosa. A luz da meia-lua transformou o cabelo loiro-mel de Val em prata-claro e deixou seu rosto tão branco quanto neve. Ela respirou profundamente.
- O ar tem gosto doce.
- Minha língua é insensível demais para dizer. Tudo o que sinto é frio.
- Frio. - Val deu uma risada leve. - Não. Quando está frio, dói para respirar. Quando os Outros vêm ...
O pensamento era inquietante. Seis dos patrulheiros que Jon enviara ainda estavam perdidos. É muito cedo. Eles podem estar voltando. Mas outra parte dele insistia, Estão mortos, todos eles. Você os mandou para a morte, e está fazendo o mesmo com Val.
- Diga para Tormund o que eu lhe disse.
- Ele pode não prestar atenção às suas palavras, mas as ouvirá. - Val o beijou suavemente no rosto. - Tem minha gratidão, Lorde Snow. Pelo cavalo meio cego, pelo peixe salgado, pelo ar fresco. Pela esperança.
Suas respirações se misturaram, uma névoa branca no ar. Jon Snow se afastou e disse:
- O único agradecimento que quero é...
- Tormund Terror dos Gigantes. Sim. - Val puxou o capuz de sua pele de urso. A pelagem marrom estava salpicada de cinza. - Antes que eu vá, uma pergunta. Você matou Jarl, meu senhor?
- A Muralha matou Jarl.
- Foi o que ouvi dizer. Mas precisava ter certeza.
- Tem minha palavra. Não o matei. - Embora pudesse ter matado, se as coisas tivessem sido diferentes.
- Esta é a despedida, então - ela disse, quase brincando.
Jon não estava no clima para isso. Está muito frio e muito escuro para brincar, e já está muito tarde.
- Apenas por algum tempo. Você voltará. Pelo menino, se não por outra razão.
- O filho de Craster? - Val deu de ombros. - Ele não é meu parente.
- Eu ouvi você cantando para ele.
- Estava cantando para mim mesma. Tenho culpa se ele ouve? - Um leve sorriso roçou seus lábios. - Isso o faz rir. Oh, está bem. Ele é um monstrinho querido.
- Monstro?
- Seu nome de leite. Tenho que chamá-lo de alguma coisa. Assegure-se de que esteja protegido e aquecido. Pelo bem da mãe dele, e pelo meu. E o mantenha longe da mulher vermelha. Ela sabe quem ele é. Ela vê coisas nas chamas.
Arya, ele pensou, esperando que fosse assim.
- Cinzas e brasas.
- Reis e dragões.
Dragões novamente. Por um momento, Jon quase os viu também, serpenteando na noite, suas sombras escuras delineadas contra um mar de chamas.
- Se ela soubesse, teria tirado o bebê de nós. O garoto de Goiva, não seu monstro. Uma palavra no ouvido do rei teria sido o fim disso. - E o meu. Stannis teria considerado isso traição. - Por que deixar acontecer, se ela sabia?
- Porque convinha a ela. O fogo é uma coisa inconstante. Ninguém sabe o caminho que uma chama vai percorrer. - Val colocou um pé no estribo, balançou a perna sobre o dorso do cavalo e, já na sela, olhou para baixo. - Você se lembra do que minha irmã disse?
- Sim. - Uma espada sem um cabo, sem uma maneira segura de segurá-la. Mas Melisandre estava certa. Mesmo uma espada sem cabo era melhor do que uma mão vazia quando os inimigos estão ao seu redor.
- Bom. - Val virou o garrano na direção norte. - A primeira noite de lua cheia, então.
Jon a observou se afastar, sem saber se veria o rosto dela novamente. Não sou uma senhora do Sul, podia ouvi-la dizer, mas uma mulher do povo livre.
- Não me importa o que ela diz - resmungou Edd Doloroso, enquanto Val desaparecia atrás de uma fileira de pinheiros marciais. - O ar está tão frio que dói respirar. Eu pararia, mas doeria mais. - Esfregou as mãos. - Isso vai terminar mal.
- Você diz isso de tudo.
- Sim, meu senhor. Normalmente estou certo.
Mully limpou a garganta.
- Senhor? A princesa selvagem, deixar ela ir, os homens podem falar...
- ... que eu sou meio-selvagem também, um vira-casaca que pretende vender o reino para nossos corsários, canibais ou gigantes. - Jon não precisava ficar parado na frente de uma fogueira para saber o que começavam a falar sobre ele. A pior parte era que não estavam errados, não completamente. - Palavras são vento, e o vento está sempre soprando na Muralha. Vamos.
Ainda estava escuro quando Jon voltou para seus aposentos atrás do arsenal. Reparou que Fantasma ainda não retornara. Ainda caçando. O grande lobo gigante branco estava mais ausente do que presente ultimamente, indo cada vez mais longe em busca de presas. Entre os homens da Patrulha e os selvagens em Vila Toupeira, as colinas e os campos próximos a Castelo Negro já não tinham mais caça e havia pouco passatempo por ali. O inverno está chegando, refletiu Jon. E logo, tão logo. Ele se perguntava se chegariam a ver uma primavera.
Edd Doloroso fez uma visita às cozinhas, e logo estava de volta com uma caneca de cerveja marrom e um prato coberto. Sob a tampa, Jon descobriu três ovos de pata fritos, uma fatia de toicinho, duas salsichas, um chouriço e metade de um pão ainda quente do forno. Comeu o pão e metade de um ovo. Teria comido o toicinho, também, mas o corvo fugiu com ele antes que tivesse chance.
- Ladrão - reclamou Jon, enquanto a ave voava até o lintel sobre a porta para devorar seu prêmio.
Ladrão, a ave concordou.
Jon experimentou um pedaço de salsicha. Estava lavando o gosto da boca com um gole de cerveja, quando Edd voltou para dizer que Bowen Marsh estava do lado de fora.
- Othell está com ele, e o Septão Cellador.
Isso foi rápido. Perguntava-se quem estaria contando histórias, e se havia mais de um.
- Mande-os entrar.
- Sim, meu senhor. Mas é bom ter cuidado com suas salsichas com esse pessoal. Eles têm um olhar faminto.
Faminto” não era a palavra que Jon teria usado. Septão Cellador parecia confuso, cambaleante e na extrema necessidade de algumas escamas de dragão que o inflamasse, enquanto o Primeiro Construtor Othell Yarwyck parecia que tinha engolido algo que não conseguia digerir. Bowen Marsh estava zangado. Jon podia ver em seus olhos, na boca apertada, no rubor das bochechas. Esse vermelho não é do frio.
- Por favor, sentem-se - disse. - Posso oferecer-lhes comida ou bebida?
- Quebramos nosso jejum no salão comum - disse Marsh.
- Posso comer mais. - Yarwyck soltou-se em uma cadeira. - Bom que tenha oferecido.
- Talvez um pouco de vinho? - disse o Septão Cellador.
Grão, gritou a ave de cima do lintel. Grão, grão.
- Vinho para o septão e um prato para nosso Primeiro Construtor - Jon pediu para Edd Doloroso. - Nada para a ave. - Virou-se para seus visitantes. - Estão aqui por causa de Val.
- E outros assuntos - disse Bowen Marsh. - Os homens estão preocupados, meu senhor.
E quem o escolheu para falar por eles?
- Assim como eu. Othell, como vai o trabalho em Fortenoite? Recebi uma carta de Sor Axell Florent, que se auto denomina Mão da Rainha. Ele diz que a Rainha Selyse não está satisfeita com seus alojamentos em Atalaialeste do Mar e deseja mudar-se para a nova propriedade de seu marido de uma vez. Isso será possível?
Yarwyck deu de ombros.
- Temos a maior parte da fortaleza restaurada e colocamos telhado nas cozinhas. Ela precisará de comida, mobílias e lenha, note bem, mas deve servir. Não há tanto conforto quanto em Atalaialeste, certamente. E um longo caminho desde os navios, se Sua Graça desejar deixar-nos, mas ... sim, ela poderia viver lá, embora possa levar anos até que o lugar pareça realmente um castelo. Seria mais rápido se tivéssemos mais construtores.
- Posso lhe oferecer um gigante.
Aquilo deu um susto em Othell.
- O monstro no pátio?
- O nome dele é Wun Weg Wun Dar Wun, Couros me contou. O suficiente para dar um nó na língua, eu sei. Couros o chama de Wun Wun, e parece funcionar. - Wun Wun era muito pouco parecido com os gigantes dos contos da Velha Ama, aquelas imensas criaturas selvagens que misturavam sangue ao mingau matutino e devoravam touros inteiros, com pelos, couro e chifres. Este gigante não comia nenhum tipo de carne, embora fosse um verdadeiro terror quando lhe serviam uma cesta de raízes, triturando cebolas e nabos, e até mesmo duros rabanetes crus entre seus grandes dentes quadrados. - Ele é um trabalhador disposto, ainda que fazê-lo entender o que se quer nem sempre seja fácil. Ele fala a Língua Antiga, depois de uma adaptação, mas nada da Língua Comum. Mas é incansável, e sua força é prodigiosa. Ele poderia fazer o trabalho de uma dúzia de homens.
- Eu ... meu senhor, os homens nunca ... gigantes comem carne humana, acho ... não, meu senhor, agradeço, mas não teria homens para vigiar tal criatura, ele...
Jon não estava surpreso.
- Como desejar. Manteremos o gigante aqui. - Verdade seja dita, teria detestado se separar de Wun Wun. Você não sabe nada, Jon Snow, Ygritte poderia dizer, mas Jon conversava com o gigante sempre que podia, através de Couros ou de alguém do povo livre que trouxera do bosque, e estava aprendendo muito e ainda mais sobre seu povo e sua história. Ele só queria que Sam estivesse aqui para escrever tudo aquilo.
Isso não queria dizer que estivesse cego para o perigo que Wun Wun representava. O gigante atacaria violentamente se ameaçado, e aquelas mãos imensas podiam rasgar um homem em pedaços. Ele fazia Jon se lembrar de Hodor. Hodor era duas vezes maior, duas vezes mais forte e metade esperto. Eis um pensamento que deixaria sóbrio até Septão Cellador. Mas se Tormund tiver gigantes, Wun Weg Wun Dar Wun pode nos ajudar a lidar com eles.
O corvo de Mormont resmungou sua impaciência quando a porta se abriu sob ele, anunciando o retorno de Edd Doloroso com um jarro de vinho e um prato de ovos e salsichas. Bowen Marsh aguardava com impaciência óbvia enquanto Edd servia, retomando o assunto apenas quando ele partiu novamente.
- Tollet é um bom homem, e muito querido, e Emmett de Ferro tem sido um bom mestre em armas - disse, então. - Mesmo assim, dizem que você pretende mandá-los embora.
- Precisaremos de bons homens em Monte Longo.
- O Buraco da Puta, os homens começaram a chamar a fortaleza - disse Marsh - mas que seja. É verdade que pretende substituir Emmett por esse feroz Couros como nosso mestre em armas? Este é um posto mais reservado para cavaleiros, ou patrulheiros, ao menos.
- Couros é feroz - Jon concordou suavemente. - Posso atestar isso. Eu o testei no treino do pátio. É tão perigoso com um machado de pedra quanto a maioria dos cavaleiros são com o aço forjado nos castelos. Garanto para você, ele não é tão paciente quanto eu gostaria, e alguns dos rapazes se sentem aterrorizados por ele... mas isso não é de todo mau. Um dia, eles se encontrarão em uma luta real, e uma certa familiaridade com o terror lhes servirá bem.
- Ele é um selvagem.
- Era, até dizer as palavras. Agora, é nosso irmão. Um que pode ensinar aos rapazes mais do que esgrima. Ninguém vai se machucar em aprender com ele algumas palavras na Língua Antiga, ou alguma coisa dos costumes do povo livre.
Livre, o corvo resmungou. Grão. Rei.
- Os homens não confiam nele.
Quais homens? Jon poderia ter perguntado. Quantos? Mas isso o levaria por um caminho que não queria trilhar.
- Sinto ouvir isso. Há mais algo?
Septão Cellador falou.
- Esse rapaz, Cetim. Dizem que você pretende torná-lo seu intendente e escudeiro, no lugar de Tollett. Meu senhor, o garoto é um prostituto ... um ... ouso dizer... um sodomita pintado dos bordéis de Vilavelha.
E você é um bêbado.
- O que ele era em Vilavelha não nos diz respeito. Ele aprende rápido e é muito esperto. Os outros recrutas começaram desprezando-o, mas ele os conquistou e fez amizade com todos. É destemido em uma luta, e consegue até ler e escrever após algum treino. Deverá ser capaz de buscar minhas refeições e selar meu cavalo, não acha?
- Como a maioria - disse Bowen Marsh, rosto endurecido - mas os homens não gostam disso. Tradicionalmente, os escudeiros do senhor comandante são rapazes de bom nascimento que são treinados para o comando. Meu senhor acredita que os homens da Patrulha da Noite seguirão um puto para a batalha?
O temperamento de Jon se inflamou.
- Já seguiram piores. O Velho Urso deixou para seu sucessor algumas notas de advertência sobre certos homens. Temos um cozinheiro na Torre Sombria que apreciava estuprar septãs. Queimava uma estrela de sete pontas em sua própria carne para cada uma que reivindicava. Seu braço esquerdo é coberto de estrelas do pulso ao cotovelo, e estrelas marcam suas panturrilhas também. Em Atalaialeste temos um homem que colocou fogo na casa do pai e trancou a porta. A família inteira morreu queimada, todos os nove. O que quer que Cetim tenha feito em Vilavelha, ele é nosso irmão agora, e será meu escudeiro.
Septão Cellador tomou um pouco de vinho. Othell Yarwyck espetou uma salsicha com sua adaga. Bowen Marsh ficou sentado, com o rosto vermelho. O corvo bateu as asas e disse: Grão, grão, morte. Finalmente, o Senhor Intendente limpou a garganta.
- Sua senhoria sabe o que faz, tenho certeza. Posso perguntar sobre esses cadáveres nas celas de gelo? Eles deixam os homens inquietos. E mantê-los sob guarda? Certamente é um desperdício de dois bons homens, a menos que tema que eles ...
- ... se levantem? Rezo para que sim.
Septão Cellador empalideceu.
- Sete, salvem-nos. - O vinho escorreu em seu queixo, em uma linha vermelha. - Senhor comandante, criaturas são seres monstruosos, não naturais. Abominações diante dos olhos dos deuses. Você ... você não pode pretender tentar falar com eles?
- Eles podem falar? - perguntou Jon Snow. - Acho que não, mas não posso afirmar saber. Podem ser monstros, mas foram homens antes de morrer. Quanto restou? Aquele que matei tinha a intenção de assassinar o Senhor Comandante Mormont. Claramente se lembrava quem ele era e onde encontrá-lo. - Meistre Aemon teria apoiado seu propósito, Jon não duvidava; Sam Tarly teria ficado horrorizado, mas teria entendido, também. - O senhor meu pai costumava dizer que um homem deve conhecer seus inimigos. Entendemos pouco sobre as criaturas, e menos ainda sobre os Outros. Precisamos aprender.
Aquela resposta não agradou a nenhum deles. Septão Cellador segurou o cristal que pendia em seu pescoço e disse:
- Acho isso muito insensato, Lorde Snow. Rezarei para que a Velha levante sua lanterna e leve-o pelo caminho da sabedoria.
A paciência de Jon Snow estava esgotada.
- Todos poderíamos aproveitar um pouco mais de sabedoria, tenho certeza. - Você não sabe nada, Jon Snow. - Agora, vamos falar sobre Val?
- É verdade, então? - disse Marsh. - Você a libertou.
- Para lá da Muralha.
Septão Cellador puxou a respiração.
- O prêmio do rei. Sua Graça ficará muito indignado quando descobrir que ela se foi.
- Val retornará. - Antes de Stannis, se os deuses forem bons.
- Como sabe? - perguntou Bowen Marsh.
- Ela disse que voltaria.
- E se ela mentiu? E se ela se encontrar com alguma desventura?
- Bem, então você terá a chance de escolher um senhor comandante mais do seu agrado. Até lá, temo que terá que sofrer comigo. - Jon tomou um gole de cerveja. - Eu a mandei em busca de Tormund Terror dos Gigantes, para levar a ele minha oferta.
- Se podemos saber, que oferta é essa?
- A mesma oferta que fiz em Vila Toupeira. Comida, abrigo e paz, se ele unir suas forças às nossas, lutar contra nosso inimigo comum e nos ajudar a manter a Muralha.
Bowen Marsh não pareceu surpreso.
- Quer dizer, deixá-lo passar. - Sua voz sugeria que sabia disso o tempo todo. - Abrir os portões para ele e seus seguidores. Centenas, milhares.
- Se ainda sobraram tantos.
Septão Cellador fez o sinal da estrela. Othell Yarwyck grunhiu. Bowen Marsh disse:
- Alguns poderiam chamar isso de traição. Esses são selvagens. Brutos, corsários, estupradores, mais animais do que homens.
- Tormund não é nenhuma dessas coisas - disse Jon - não mais do que Mance Rayder. Mas mesmo se cada palavra que você disse for verdade, ainda são homens, Bowen. Homens vivos, humanos como você e eu. O inverno está chegando, meus senhores, e quando chegar, nós, homens vivos, precisamos nos unir contra os mortos.
Snow, gritou o corvo de Lorde Mormont. Snow, Snow.
Jon o ignorou.
- Estivemos interrogando os selvagens que trouxemos do bosque. Muitos deles nos contaram uma história interessante sobre uma feiticeira da floresta a quem chamam de Mãe Toupeira.
- Mãe Toupeira? - disse Bowen Marsh. - Um nome improvável.
- Supostamente, ela fez sua casa em uma toca sob um buraco de árvore. Qualquer que seja a verdade nisso, ela teve uma visão de uma frota de navios que chegaria para levar o povo livre para a segurança, para o outro lado do mar estreito. Milhares dos que fugiram da batalha estavam desesperados o bastante para acreditar nela. Mãe Toupeira os levou até Durolar, para rezar e esperar a salvação do outro lado do mar.
Othell Yarwyck fez uma careta.
- Não sou patrulheiro, mas ... Durolar é um lugar profano, dizem. Amaldiçoado. Até seu tio costumava dizer isso, Lorde Snow. Por que iriam para lá?
Jon tinha um mapa diante de si, sobre a mesa. Virou-o para que pudessem ver.
- Durolar está em uma baía protegida e tem um porto natural profundo o suficiente para que os maiores navios flutuem. Madeira e pedra são abundantes por ali. As águas são repletas de peixes, e há colônias de focas e peixes-bois nas proximidades.
- Tudo isso é verdade, não duvido - disse Yarwyck - mas não é um lugar onde gostaria de passar uma noite. Você conhece a história.
Ele conhecia. Durolar estivera a meio-caminho de se tornar uma cidade, a única cidade verdadeira ao norte da Muralha, até a noite, seis séculos atrás, em que foi engoli da pelo inferno. Seu povo fora arrastado para a escravidão ou abatido para carne, dependendo de qual versão da história se acreditava, suas casas e solares consumidos em um incêndio que queimou tão quente que patrulheiros na Muralha, bem longe ao sul, pensaram que o sol estava nascendo no norte. Depois disso, cinzas choveram na floresta assombrada e no Mar Tremente por quase meio ano. Comerciantes relataram encontrar apenas uma devastação digna de pesadelo onde Durolar estivera, uma paisagem de árvores carbonizadas e ossos queimados, águas repletas de cadáveres inchados, gritos de gelar o sangue ecoando das bocas das cavernas que crivavam o grande penhasco que assomava sobre a colônia destruída.
Seis séculos vieram e se foram desde aquela noite, mas Durolar ainda era evitado. Os selvagens haviam retomado o lugar, Jon soubera, mas patrulheiros afirmavam que as ruínas recobertas eram assombradas por espíritos que atacam cadáveres, demônios e fantasmas ardentes com um gosto doentio por sangue.
- Não é o tipo de refúgio que eu escolheria também - disse Jon - mas ouviram Mãe Toupeira pregar que o povo livre encontraria salvação onde certa vez encontrou danação.
Septão Cellador apertou os lábios.
- A salvação só pode ser encontrada por meio dos Sete. Essa feiticeira condenou todos eles.
- E salvou a Muralha, talvez - disse Bowen Marsh. - Esses são os inimigos dos quais falamos. Deixe-os rezar entre ruínas, e se os deuses deles mandarem navios para levá-los para um mundo melhor, muito bem. Neste mundo, não tenho comida para alimentá-los.
Jon flexionou os dedos da mão da espada.
- As galés de Cotter Pyke navegam por Durolar de tempos em tempos. Ele me diz que não há abrigo lá além das cavernas. As cavernas que gritam, seus homens as chamam. Mãe Toupeira e aqueles que a seguiram perecerão ali, de frio e de fome. Centenas deles. Milhares.
- Milhares de inimigos. Milhares de selvagens.
Milhares de pessoas, Jon pensou. Homens, mulheres, crianças. A raiva cresceu dentro dele, mas, quando falou, sua voz estava calma e fria.
- São tão cegos assim, ou isso é algo que não desejam enxergar? O que acham que vai acontecer quando todos esses inimigos estiverem mortos?
Sobre a porta, o corvo resmungou, Mortos, mortos, mortos.
- Deixe-me falar o que acontecerá - disse Jon. - Os mortos se levantarão novamente, em centenas e aos milhares. Eles se levantarão como criaturas, com mãos negras e claros olhos azuis, e virão atrás de nós. - Levantou-se, os dedos da mão da espada abrindo e fechando. - Têm minha permissão para ir.
Septão Cellador levantou-se com o rosto cinza e suando, Othell Yarwyck, rigidamente, Bowen Marsh com os lábios apertados e pálido.
- Obrigado pelo seu tempo, Lorde Snow.
Saíram sem nenhuma outra palavra. 

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